InformaLista

 O Informativo da lista “Educação Ambiental”

No. 09 – 28 de janeiro de 2001

  Primeira Parte

Alguns textos apresentados na Lista de Discussão do Projeto Apoema - Educação Ambiental (Antigo Projeto Vida – Educação Ambiental)

Os textos não passaram por revisão ortográfica, portanto, podem haver erros.


A Educação Ambiental: um caminho possível para mudanças

 

PADUA, Suzana. A Educação Ambiental: um caminho possível para mudanças. In:

MEC (Org.) Reflexões sobre o Panorama da Educação Ambiental no Ensino

Formal. Brasília: COEA, MEC, 28 e 29 de fevereiro, 2000.

Suzana Machado Padua

IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas

Wildlife Preservation Trust International

ipe@alternex.com.br

 

Todo indivíduo tem a capacidade de desempenhar papéis importantes na melhoria do planeta. Aos educadores cabe a responsabilidade de despertar no aprendiz o senso de auto-estima e confiança indispensáveis para que acredite o suficiente em seus potenciais e passe a exercer plenamente sua cidadania.

Esta crença em si próprio pode desencadear um maior engajamento e posturas ativas frente aos problemas sócio-ambientais, resultando em processos de mudança.

Tradicionalmente, a educação tem desempenhado a função contrária. Incentiva a obediência e a aceitação do que é transmitido pelo mestre ou indivíduo mais velho e experiente, resultando na adoção ou de posturas rebeldes, que normalmente se manifestam de forma agressiva, ou passivas, onde o indivíduo aceita o que é ensinado sem questionar. O "respeito" exigido pelo professor é muitas vezes uma atitude arrogante, ou no mínimo impensada, pois ignora a individualidade, a diversidade e a riqueza que todo indivíduo já traz, por mais simples que seja sua origem.

Por sua vez, o professor comumente também aceita esse papel de "dono da verdade" sem muito questionar, pois há séculos esta tem sido a postura esperada de um mestre. Até recentemente, levar o aluno em conta podia ser interpretado como fraqueza ou perda de controle. O grau de autoridade de um professor e seu controle diante de uma turma de alunos chegava a ser um critério para avaliar seu desempenho. Este padrão condiz com uma educação que favorece o racional, onde o aprendizado é baseado primordialmente no conhecimento. Saber de cor e repetir conceitos pode ser facilmente medido por provas e testes, o que facilita o trabalho de todos.

Hoje, talvez o bom professor seja aquele que provoque mais questionamentos do que forneça respostas. O planeta precisa do professor provocador, que inquiete e estimule os alunos a pensarem, questionarem, refletirem e ousarem agir em prol de questões maiores. Este pode ser um desafio, já que o próprio modelo de desenvolvimento dominante incentiva posturas passivas. A mídia e a propaganda, que dependem deste modelo, alimentam sonhos de consumo e a manutenção do 'status quo'. Por isso, questionar ou refletir pode causar impactos que subvertam à ordem pré-estabelecida. Este risco tem sido uma das principais razões da educação ser tão pouco priorizada.

A educação ambiental surgiu em grande parte como uma resposta à crise na educação. Já que os problemas sócio-ambientais só aumentam, algo há de errado no processo de formação de cidadãos atuantes. Como educar para que cada um dê um pouco de si em prol de uma causa maior? Como formar cidadãos pensantes e atuantes? Como educar para se ter coragem de dar um basta a processos que destroem a natureza e aumentem a desigualdade entre os seres humanos?

Se analisarmos as definições de educação ambiental, torna-se claro que a expectativa é bem mais ampla do que meramente informar ou transmitir conhecimentos. Segundo a Carta de Belgrado (1975) a educação ambiental deve desenvolver um cidadão consciente do ambiente total, preocupado com os problemas associados a esse ambiente e que tenha conhecimento, atitudes, motivações, envolvimento e habilidades para trabalhar individual e coletivamente para resolver problemas atuais e prevenir os futuros. Anos depois, os objetivos da educação ambiental foram definidos em Tbilisi (1977) na seguinte ordem: (1) desenvolver consciência e sensibilidade entre indivíduos e grupos sobre problemas locais e globais; (2) aumentar conhecimentos que possibilitem uma maior compreensão sobre o ambiente e seus problemas associados; (3) promover meios de mudanças de atitudes e valores que encorajem sentimentos de preocupação com o ambiente e motivem ações que o melhorem e o protejam; (4) desenvolver capacidades que possam ajudar indivíduos e grupos a identificarem e resolverem problemas ambientais; e (5) promover a participação, que essencialmente significa envolvimento ativo em todos os níveis da proteção ambiental.

Percebe-se a inclusão de valores de forma priorizada. Não basta saber. É necessário tocar o indivíduo profundamente, desenvolver seu lado sensível e estimular sua criatividade. Dar a cada um capacidades de solucionar problemas, de engajar-se em processos de mudanças. Segundo Glazer (1999), o senso de identidade indispensável ao fortalecimento individual, pode ser estabelecido de duas maneiras: de fora para dentro ou de dentro para fora. O que vem de fora para dentro, interpretamos como imposição ou doutrinação. O que emerge de dentro para fora, que brota de nossas experiências, compreendemos como expressão. É estimular a melhor expressão de cada um, o mais nobre papel do educador.

Ao incorporar essas dimensões mais amplas, a educação ambiental torna-se um caminho para um ensino novo onde o intuitivo é somado ao racional, onde a criatividade é estimulada para aumentar a auto-estima. Somente quando as pessoas despertam para o seu valor individual, podem passar a acreditar em seu potencial transformador. Valores como respeito, solidariedade, empatia e muitos outros, passam a fazer parte desse novo pensar. Amplia-se o valor à vida, não só humana, mas de todos os seres. Este senso de reverência à vida pode estimular o entusiasmo de se assumir responsabilidades novas. A educação ambiental torna-se chave na medida em que cada um desperte para o seu potencial de contribuir para um mundo mais ético e para sua responsabilidade de se engajar em processos que visem um bem maior que priorize o respeito à vida (Stapp, 1996).

Sua Santidade, o Dalai Lama, defende uma educação que inclua uma ética secular, onde os valores são universais e não divergem de religião a religião (1999). Segundo ele, o amor, a compaixão e o cuidado pelo planeta precisam ser exercitados amplamente pelo ser humano. O fato de dependermos uns dos outros e dos demais seres vivos pode ser um ponto de reflexão para estimular essa postura mais ética. Boff defende princípios similares em seu livro "Saber Cuidar: ética do humano compaixão pela terra" (1999), onde mostra que só é possível cuidar daquilo que amamos.

A capacitação de professores precisa levar em conta todas essas dimensões. Não basta transmitir teorias, pregar conceitos e fornecer materiais. O educador ambiental precisa ser também sensibilizado. Precisa crer em seu próprio poder e em sua capacidade de ousar. Precisa acreditar que os processos são muitas vezes mais importantes do que os produtos finais; que errar é um importante no caminho do aprendizado. Desta forma, os insucessos passam a fazer parte dos processos e não são mais motivos de vergonha ou de sentimentos de fracasso.

Como capacitar um professor para assumir esta nova postura? Cursos de educação ambiental devem basear-se em vivências juntamente com conhecimentos. Desenvolver o lado sensível é de fundamental importância para que o professor possa repetir sua experiência com seus alunos.

Segundo Young & McLElhone (1986) a capacitação de professores na área da educação ambiental de maneira ideal, deve incluir quatro componentes básicos: (1) fundamentos ecológicos, que ajudem na compreensão, no conhecimento e na prevenção das conseqüências de ações que impactam o meio ambiente e a busca de soluções, assim como formas didáticas de transmitir esses princípios; (2) consciência ecológica, que permita aos professores preparar materiais didáticos ou adotar currículos que ajudem ao aprendiz a compreender como as características culturais do ser humano afetam o ambiente e sua perspectiva ecológica - como os papéis desempenhados por diferentes indivíduos e seus valores influenciam as decisões, o que leva a importância de formar cidadãos responsáveis na solução de problemas ambientais; (3) investigação e avaliação, que ajudem a analisar os problemas ambientais e possíveis soluções, além de meios de se incorporar valores condizentes com os novos conhecimentos; e (4) capacitação em ações ambientais que incluam não somente a adoção de posicionamentos que estejam em equilíbrio com a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente, mas que visem meios para que esses princípios possam ser transmitidos.

Com base nesses princípios, o IPÊ Instituto de Pesquisas Ecológicas vem dedicando-se à capacitação, tratando educação e meio ambiente de forma ampla (Hoeffel, Viana & Pádua, 1999). A própria necessidade de incluir diversas áreas na educação já reflete a crise da educação como um todo. Se educação fosse um processo completo, dispensaria adjetivos como educação sanitária, educação sexual, educação ambiental e tantas outras. Esta visão holística tem sido considerada de suma importância por diversos autores como meio do ser humano se perceber como um elemento dentro de um todo maior, o que pode levar a uma atitude de maior respeito diante dos sistemas vivos existentes (Boff, 1997; 1999; Capra, 1989; Naess, 1995).

Especificamente em educação ambiental, O IPÊ vem utilizando uma metodologia que junta teoria e prática, intercalando palestras, leituras de textos e discussões em grupo, jogos educativos, atividades que utilizam todos os sentidos, projeção de slides e vídeos, estudos do meio, visitas de campo, observação sistemática e reflexão individual. Oficinas temáticas também fazem parte do currículo desses cursos, variando de acordo com os contextos.

Esta gama de opções tem por objetivo oferecer meios diversos ao aprendiz para aumentar as chances de estimulá-lo a envolver-se com questões sócio-ambientais. Exemplos variados de abordagens utilizadas em educação ambiental, inclusive no tocante à capacitação, podem ser encontrados no livro Educação Ambiental: caminhos trilhados no Brasil (Padua & Tabanez, 1997).

A fim de nortear as ações nessa área, os educadores do IPÊ vêm adotando meios de avaliar esses cursos. O melhor exemplo foi descrita por Tabanez, Padua e de Souza (1996), ao analisarem um curso para 35 professores oferecido em uma unidade de conservação de São Paulo, a Estação Ecológica dos Caetetus, administrada pelo Instituto Florestal. A mescla de atividades teóricas e práticas resultou em ganhos cognitivos e afetivos, segundo resultados de questionários respondidos pelos alunos no início e no final do curso. Além desses instrumentos de avaliação, foram utilizados questionários diários e uma apreciação oral, que ajudaram a indicar também o grau de interesse dos participantes.

A avaliação pode ser de grande valor, pois facilita o processo de implantação com economia de tempo, recursos e energia, além de assinalar aspectos técnicos ou pedagógicos adequados à realidade local. O IPÊ vem adotando uma metodologia conhecida como PPP: Planejamento, Processo e Produto, proposta por Jacobson (1991) e Padua & Jacobson (1993), posteriormente utilizada por Padua & Tabanez (1997), que ajuda a definir as etapas desde a concepção de uma atividade, curso ou programa, até sua conclusão. Embora não linear esta metodologia inclui passos que compreendem a identificação de problemas ambientais locais, os recursos materiais e humanos disponíveis, além da construção de uma visão de onde se quer chegar.

A partir dessas etapas é possível planejar meios de resolver os problemas com base nas diversas visões, definindo as estratégias a serem adotadas.

Esta metodologia aplicada à sala de aula foi bem descrita por Czapski, em livro editado pelo MEC: A Implantação da Educação Ambiental no Brasil (1998).

Ao compartilhar com os alunos as etapas do processo, o educador passa a ser um facilitador que os incentive a partilharem suas experiências, que os ofereça meios de despertar o interesse por assuntos sócio-ambientais e que transmita a noção de que todos podem e devem dar uma contribuição, estimulando ações e comportamentos éticos. A responsabilidade do professor é de fato imensa. Como diz o poeta Babr Dioum Dioum: "No final, só se conserva o que se ama. Amamos apenas o que compreendemos. Compreendemos somente aquilo que nos é ensinado" (Braus & Wood, 1995:55). Ninguém mais do que o educador ambiental tem a possibilidade de compreender esses princípios e contribuir para mudanças que reflitam em um mundo melhor.

Referências

Boff, L. 1999. Saber Cuidar: ética do humano compaixão pela terra.Petrópolis: Vozes.

___1997. A Águia e a Galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis: Vozes.

Braus, J. & Wood, D. 1995. Environmental Education in the Schools: creating a program that works! Washington: NAAEE.

Capra, F. 1989. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix.

Czapski, S. 1998. A Implantação da Educação Ambiental no Brasil. Brasília: MEC.

Glazer, S. 1999. The Heart of Learning: spirituality in education. New York; Penguin Putman Inc.

Höeffel, J. L., Viana, R. & Padua, S. 1998. A Consciência Ambiental e os 5Es: (Ecologia, Educação, Economia, Ética e Espiritualidade). In: Educação,

Meio Ambiente e Cidadania: reflexões e experiências. São Paulo: Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo. 23-26.

Jacobson, S. 1991. Evaluation model for developing, implementing, and assessing conservation education programmes: examples from Belize and Costa

Rica. Environmental Management. 15(2): 143-150.

Lama, Dalai. 1999. Education and the Human Heart. In: The Heart of Learning: spirituality in education. New York; Penguin Putman Inc. p. 79-83.

Naess, A. 1995. Self-Realization: an Ecological Approach to Being in the World. In: The Deep Ecology Movement: An Introductory Anthology. Drengson, A. & Y. Inoue (organizadores). Berkeley: North Atlantic Books. p.13-30.

Padua, S. & Jacobson, S. 1993. A Comprehensive approach to an environmental education program in Brazil. The Journal of Environmental Education. 24 (4) 29-36.

Padua, S. & Tabanez, M. 1997. Educação Ambiental: Caminhos Trilhados no

Brasil. S. Padua & M. Tabanez (organizadoras) Brasília: IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas.

Stapp, W., Wals, A. Stankorb, S. 1996. Environmental Education for Empowerment: Action Research and Community Problem Solving. Iowa: Kenda//Hunt Publishing Company.

Tabanez, M., Padua, S. & Souza, M.G. 1996. A eficácia de um curso de educação ambiental não formal para professores numa área natural - Estação

Ecológica dos Caetetus - SP. Revista do Instituto Florestal. 8(1):71-88. Young & McLElhone (1986). Guidelines for the Development of Non-Formal Environmental Education. Environmental Education Series 23. UNESCO-UNEP.

Extraído do site: http://www.ashoka.org.br/extranet/setembro_00/epigrafe.htm


Rotulagem ambiental
e consciência ecológica
Por Patricia Blauth*

 

extraído de Debates Sócio-Ambientais Ano II nº 5 out 96/jan 97

Com a valorização da reciclagem de resíduos no Brasil, algumas indústrias passaram a inserir em seus produtos símbolos que inferem à reciclabilidade de materiais. As associações setoriais de vidro, plástico, papel/papelão, alumínio e aço desenvolveram símbolos padronizados para cada material, em parceria com o CEMPRE ­ Compromisso Empresarial para Reciclagem, entidade voltada para o incentivo da reciclagem no país. O intuito deste código seria o de facilitar a identificação e separação dos materiais para reciclagem, ajudando "a criar uma consciência ecológica nas pessoas, ao passarem a conviver com esses símbolos padronizados". Os símbolos se tornaram cada vez mais presentes em embalagens, apontadas como um problema nos programas de gestão de resíduos sólidos, por representarem, em média, 33% do peso total do lixo nas cidades. Preocupado em conscientizar o setor produtivo sobre sua responsabilidade na questão da reciclagem, o CEMPRE afirmou que os símbolos não seriam "armas de venda" ou promocionais, e que estes "não garantem que o referido produto seja ecológico ou mais reciclável que o do concorrente".
Isso não é, porém, o que vem ocorrendo. Valendo-se da inexistência de programas de orientação ao consumidor e da falta de informações detalhadas, como a origem do material "rotulado" e o custo ambiental de sua produção, as indústrias se adiantaram na apresentação destes símbolos, usando-os com caráter essencialmente mercadológico, contribuindo para uma "consciência" ecológica baseada:

1. na suposição da reciclagem garantida...
Os símbolos apenas indicam que os materiais são potencialmente recicláveis. O sistema de codificação adotado para os plásticos no Canadá alerta para o fato de que a presença do símbolo "não é uma garantia enunciada ou implícita de que qualquer recipiente é próprio para ser transformado em outro produto". Ainda que seja tecnicamente reciclável, nenhum material deve ser considerado realmente reciclável se não houver mercado para ele. Alguns países têm tentado dar maior credibilidade à rotulagem ambiental. Na Holanda, por exemplo, os símbolos só podem ser usados se existirem formas adequadas de coleta e destinação disponíveis para o público a quem estes símbolos se dirigem. O problema é que, no Brasil, ninguém pode estar seguro de que as embalagens serão recicladas independentemente, nem ao menos, da mudança nos hábitos de descarte da população. O que fazer, por exemplo, com a caixa de um hambúrguer, contendo o símbolo de "reciclável", numa lanchonete que não dispõe de lixeiras especiais para um descarte diferenciado ou numa cidade em que não há coleta seletiva de lixo, nem sucateiros, nem indústrias de reciclagem próximas? A reciclagem de qualquer material é um processo industrial que exige infra-estrutura específica e depende de uma série de fatores, especialmente de ordem econômica. De que adianta uma escola fazer campanha para arrecadar embalagens recicláveis se não há quem queira esses materiais? Muitas vezes, sucateiros recusam até doações de recicláveis, pelo fato de a retirada destes materiais não compensar o custo do frete. Não existe um compromisso, por força de legislação específica, de as indústrias brasileiras coletarem ou apoiarem iniciativas de coleta e processarem os materiais que produzem. Pelo contrário, nossas indústrias não tem demonstrado interesse em se responsabilizar pelos danos ambientais causados por seus produtos.

2. na noção da reciclagem infinita...
Os símbolos geralmente sugerem um ciclo fechado perfeito, como se a possibilidade de transformação de uma caixa de papelão em outra, por exemplo, após seu descarte, fosse ilimitada. O ciclo fechado é especialmente inadequado no caso dos plásticos. Uma garrafa descartável de refrigerante ou de água não será reciclada e transformada numa nova garrafa, mas sim em outros produtos, com características diferentes, como o enchimento para sacos de dormir, jaquetas de ski, solados, etc. (E como a oferta de garrafas descartadas é maior do que a demanda por sacos de dormir, jaquetas e solados, que são produtos mais duráveis, haverá sempre garrafas sobrando que acabam no lixo). A produção de novas garrafas descartáveis continua dependendo da exploração de matéria-prima virgem. Nesta situação, portanto, o símbolo estaria iludindo o consumidor, a ponto de alguns grupos ambientalistas americanos exigirem sua retirada das embalagens plásticas.

3. no mito da embalagem ecológica...
As embalagens descartáveis são apresentadas como modernas e práticas, como uma tendência do mercado, inclusive internacional. As gincanas "educativas " de arrecadação de latas de alumínio em escolas ­ o Projeto Escola da Latasa ­ tem recuperado muito material para reciclagem, porém tem servido para aumentar substancialmente a venda de lata no país. O Programa PróÐLata, por sua vez, que divulga "o potencial de reciclabilidade do aço e um selo de garantia de reciclagem" é mais honesto: admite ser um programa de Estímulo ao Consumo da Embalagem no Brasil, cujo habitante consome apenas 5 kg de aço/ano (contra os 18 kg registrados nos Estados Unidos). O consumidor, portanto, (des)orientado pela propaganda e induzido pelos símbolos, passa a comprar embalagens descartáveis achando que está, necessariamente, contribuindo para preservar o ambiente. Se podemos chamar alguma embalagem de "ecológica" é a garrafa retornável ­ nosso "vasilhame", "casco" ou garrafa com depósito ­ que pode ser usada várias vezes, circulando entre o consumidor e a empresa de engarrafamento, em oposição à descartável, one-way. As garrafas retornáveis dominavam o mercado internacional de bebidas até 1975. Embora em 1981 esta situação tenha se invertido nos Estados Unidos, onde a maioria das bebidas carbonatadas é vendida em garrafas one- way ou em latas, na Europa elas estão voltando a ganhar fatias maiores dos mercados de vinho, leite e outras bebidas. A Dinamarca, por exemplo, proibiu em 1977 as embalagens descartáveis para bebidas não alcoólicas e, em 1981, para cerveja. Em Portugal, o Decreto-lei 322/95, que estabelece as normas para a gestão de embalagens e resíduos de embalagens, prioriza a prevenção de sua produção e o retorno de embalagens usadas. Portanto, a embalagem descartável para bebidas não é uma tendência do mercado internacional. Ora, considerando que reciclar qualquer material também consome água, energia e polui o ambiente, não é mais "ecológico" evitar a geração de lixo do que reciclá-lo?
Diretrizes internacionais voltadas para a questão do lixo têm orientado para a minimização de resíduos, através de uma seqüência de procedimentos didaticamente apresentada como os 3 Rs: redução(na fonte geradora), reutilização direta dos produtos, e reciclagem de materiais. A ordem dos Rs segue o princípio de que causa menor impacto evitar a geração do lixo do que reciclar os materiais após seu descarte. No Brasil, a discussão em torno da minimização de resíduos tomou impulso com a Agenda 21, documento que representa o acordo entre as nações no sentido de melhorar a qualidade de vida no planeta, elaborada durante a Conferência Rio-92. No capítulo sobre Manejo Ambientalmente Saudável dos Resíduos Sólidos, a Agenda afirma que a melhor maneira de combater o problema do lixo é modificar os modelos de consumo, e aponta: "a adoção de regulaçães nacionais e internacionais que objetivam implementar tecnologias limpas de produção, resgatar os resíduos na sua origem e eliminar as embalagens que não sejam biodegradáveis, reutilizáveis ou recicláveis, é um passo essencial para a criação de novas atitudes sociais e para prevenir os impactos negativos do consumismo ilimitado".
Com base na Agenda 21, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de Sço Paulo está elaborando seu Programa Estadual de Resíduos Sólidos que, novamente, indica a necessidade de "diminuir a geração de toda espécie de resíduos".
Devido à série de implicações político-econômicas e culturais que a mudança no padrão de consumo impõe no atual modelo urbano-industrial, poucas iniciativas de redução ¦ evitar a geração de lixo ¦ tem sido efetivamente postas em prática. E é por isso que o equacionamento da problemática dos resíduos tem se centrado no último R ¦ a reciclagem. Se a reciclagem de materiais, por um lado, polui menos o ambiente e envolve menor uso de matérias-primas virgens, água, e energia, por outro, ela é perfeitamente compatíível e beneficiária dos atuais níveis de desperdício que provocamos.
Os símbolos sobre reciclabilidade talves pudessem funcionar quando se implementasse a ISO 14000, uma série de normas de gestão ambiental que vêm sendo discutidas desde 1993, algumas das quais sobre rotulagem ambiental. O primeiro evento internacional no Brasil sobre o tema, a ser realizado em março, prevê a discussão em torno de como uma empresa comprovará que seu produto é reciclável, reciclado etc. Ainda que a série ISO 14000 seja aprovada, com base em critérios internacionalmente aceitos, ela será "regulamentada" e fiscalizada pelo mercado, não funcionando como legislação específica nos diversos países.
Uma iniciativa brasileira que poderá contribuir para dar credibilidade à rotulagem ambiental é o Programa Consumidor e Meio Ambiente, desenvolvido pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dentre seus objetivos, estão o de 1) diagnosticar o perfil de consumo da sociedade, 2) pesquisar os fatores indutores do consumo desenfreado, 3) tornar a certificação ambiental um instrumento válido de orientação ao consumidor, implementando a ISO 14000, e 4) reduzir a produção de resíduos. O programa, enfim, resgataria o princípio dos 3 Rs, alertando a população sobre as limitaçães da reciclagem e seus símbolos.
Mas enquanto a ISO 14000 e o Programa Consumidor e Meio Ambiente, dentre outros, não forem implementados, devemos tomar cuidado, pois, desvinculados de um trabalho de orientação ao consumidor e de educação ambiental, aliado à inexistência de um sistema efetivo de recuperação de materiais no Brasil, os símbolos da reciclagem inseridos nas embalagens, supostamente com o intuito de facilitar a identificação e separação de materiais para descarte e coleta seletivos e, em última análise, diminuir o volume de lixo destinado a aterros e lixões tem causado o efeito oposto. Para mero "alívio de consciência" do consumidor, e como apelo mercadológico para o produtor, os símbolos vêm incentivando a descartabilidade, legitimando o desperdício e aumentando a quantidade de lixo gerado nas cidades.

Patricia Blauth
Bióloga, educadora e consultora na área de minimização de resíduos (menoslixo@bol.com.br)

http://www.lixo.com.br/rotulagem.htm


Livros de Vilmar Berna: (Livros para download)

http://www.jornaldomeioambiente.com.br/paginas/editor/livrosdovilmar.htm


"FAZER EDUCAÇÃO AMBIENTAL: COMO É ISSO?" RELATO DE UMA CAMINHADA INTERROMPIDA

 

Mara Glacenir Lemes de Medeiros

 

Resumo: Este artigo relata uma experiência de "Fazer educação ambiental". O trabalho foi realizado no âmbito da rede municipal de ensino (docentes) da microrregião da Associação dos Municípios do Vale do Itapocu (AMVALI) – Santa Catarina, visando a construção de uma Escola Amiga do Meio Ambiente. O objetivo é trazer reflexões sobre as práticas de educação ambiental no Brasil e contribuir com o relato de uma experiência.

Palavras-chave: educação ambiental, bacia hidrográfica, problemas ambientais

 

Abstract: This article reports an experience of "making environmental education". The project was done within the scope of the public school system (teachers) in the region concerning the Association of the Cities of the Itapocu Valley (AMVALI) – Santa Catarina. The task aimed to construct a school called Environmental Friendly School. This paper intent to bring up reflections about practices on environmental education in Brazil and contribute with an experienced account.

Keywords: environmental education; watershed; environmental affairs

 

Para algo existir mesmo,...
— um deus, um bicho, um universo, um anjo...
— É preciso que alguém tenha consciência dele.
Ou simplesmente que o tenha inventado.
Mario Quintana

... as coisas vão mal tantas vezes e em tantos contextos diferentes, que muita gente começa a sentir que o seu próprio modo de pensar sobre o funcionamento do mundo é que deve estar errado. Waddington

1. Introdução

 

Apresentaremos neste texto o relato de uma experiência denominada Programa de Capacitação em Educação Ambiental para a Microrregião da Associação Dos Municípios Do Vale Do Itapocu (AMVALI) - SC, realizada no período de junho de 1995 a dezembro de 1996.

Hoje, em 1999, como estudante de mestrado do curso de pós-graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, na Universidade Estadual de Maringá – PR, avalio que essa experiência esteve baseada numa prática simplificadora, imediatista do ponto de vista político e ecológico. Sem apoio financeiro, mas com forte caráter emotivo, esse trabalho tornou-se realidade, mas não passou de um marketing político-ecológico, depois das eleições de 1996. Todavia, apesar desse marketing, as pessoas envolvidas realizaram um trabalho sério e científico. Cabe lembrar as palavras do biólogo chileno, Maturana (1998), que disse: não há ação humana sem uma emoção que a estabeleça como tal e a torne possível como ato.

Essa experiência resultou do esforço de algumas pessoas, entre elas, biólogos, que acreditavam na emergência do novo paradigma para superar a crise ecológica (ver Capra, 1982 e Boff, 1996) e na possibilidade de "mudar posturas e comportamentos, valores culturais e ecológicos, modo de vida, etc.", de uma população, seguindo um receituário (teórico e prático) contendo fórmulas prontas, sugerido em Dias (1993), IBAMA (1993), Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA (1995), Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente – ANNAMA (s.d.), e muitos outros, sem necessariamente passar pela complexidade das ciências ambientais ou tentar, primeiro, compreender as relações homem e natureza de outros pontos teóricos de interpretação como da filosofia, da antropologia e, da sociologia.

A partir do registro dos resultados do Programa de Capacitação, trazemos algumas reflexões sobre as percepções de educação ambiental (EA). Como disse Leonardi (1997, p.393): (...) importa avaliar todo o trabalho que a ela se relaciona, descobrir seus avanços, recuos e contradições. Assemelhando-se muito às demais experiências de Educação Ambiental que vêm sendo realizadas no Brasil, constatamos alguns problemas. Esses são problemas, que na perspectiva de Grün (1996), têm a ver com a cultura antropocêntrica que construímos ao longo da história do pensamento ocidental. Embora, diante do contexto de mudanças de paradigmas, ainda não conseguimos estabelecer uma discussão sobre os nossos valores éticos/culturais/ecológicos capazes de pensar e praticar a educação ambiental em uma dimensão científica.

 

2. Como vai a Educação Ambiental no Brasil? Bem, obrigado! A resposta é verdadeira ou falsa?

 

A literatura estrangeira e nacional, em linhas gerais, nos sugere que devemos salvar o planeta Terra e, para isso, existe uma nova área que chamamos de Educação Ambiental. Essa disciplina, que do nosso ponto de vista ainda carece de formulação conceitual, vem sendo praticada a qualquer preço sob várias rótulos (ambiental/ecológico/biológico), modalidades (cursos, treinamentos), metodologias, categorias, etc. e dentro da cultura escolar, que aliás, anda bastante comprometida. Para isso, é só verificarmos alguns títulos brasileiros que são utilizados como material de apoio para o desenvolvimento da Educação Ambiental, tais como: Educação Ambiental: princípios e práticas; Treinamento para professores e supervisores de primeiro grau e EA para professores e supervisores de primeiro grau (ciências); Guia do professor de 1º e 2º graus - série Educação Ambiental; Conservação e manejo de recursos naturais; Um guia sobre valores e EA; Glossário de termos utilizados em EA; Vivendo no ambiente: um livro de consultas para a EA (Dias, 1991), ou então, prestar atenção nestas frases e trechos de alguns autores:

Das dezenas de encontros de EA de que temos participado no Brasil, infelizmente o que se tem passado aos participantes é uma negra visão de impossibilidades, de teias complexas e intrincadas onde o professor não tem autoridade para circular. Deixa-se a impressão de algo inatingível, que requer grandes aprofundamentos e preparações elocubratórias, profundos devaneios epistemológicos, dialógicos.

(...) Mas os professores e a comunidade já estão praticando a Educação ambiental. Com suas deficiências e erros, inadequações e falta de apoio, estão indo. Afinal a pedagogia e as estratégias de ensino conhecidas são as mesmas utilizadas em atividades de EA Dias (1991, p.12).

Basta estarmos no planeta para que qualquer "lugar" possa se tornar um "espaço" para se praticar Educação Ambiental" (Matsushima, 1991, p.30).

Prezado professor e técnico: Você foi convidado a participar de um processo pedagógico inédito no País: dar início, através da educação, ao processo de construção do Desenvolvimento Sustentável (Silva, 1996).

Concluiu-se que a maior parte dos professores não consegue definir com clareza a Educação Ambiental e nem distinguí-la de ecologia. (...) Fazem trabalhos científicos didáticos para o ensino da ecologia e consideram estar aplicando Educação Ambiental de maneira contínua e progressiva. As conclusões acima demonstram que há necessidade premente de capacitar e reciclar os professores de 1o grau em Educação Ambiental (Espíndola & König, 1996).

Percebemos a importância dada à pedagogia, nestas três citações. Parece-nos que essa disciplina pode superar a crise ambiental, e até dar conta do "Desenvolvimento Sustentável". Então, cabe-nos perguntar: Que pedagogia é essa? Seria ela interdisciplinar, ou polidimensional?

Sem dúvida, salvo raras exceções, esse é o tipo de Educação Ambiental que passou a ser realizada em nosso país e assumiu o caráter de uma disciplina tanto quanto as outras que buscam transmitir ou treinar professores, crianças e jovens para ouvir termos como: "a Terra é nossa mãe", "jogue o lixo no lixo", "vamos reciclar lixo para proteger o meio ambiente"; "plante árvores, árvore é vida"; a Amazônia é o pulmão do mundo" etc., seja por meio de palestras ou de comemorações, tais como: o dia da árvore, o dia do índio ou da semana do meio ambiente.

Diante dessas colocações e de tantas outras (impossíveis de serem transcritas no momento), surgem-nos as primeiras perguntas, pouco inéditas, é claro, mas necessárias. Para que serve essa educação ambiental? Para quem serve?

Estas perguntas, lembram-nos Hannah Arendt (1992, p.115) quando nos disse: (...) sobre o interminável questionar utilitarista: "Para que serve servir?" E do biólogo chileno Maturana (1998, p.11) que ao responder à pergunta: A educação atual serve ao Chile e à sua juventude? Disse, que para isso, era necessário fazermos outras perguntas a questões como: O que queremos com a educação? O que é educar? Para que queremos educar?

Entendemos que os problemas inerentes à EA estão intrinsecamente relacionados ao paradigma ultrapassado, o qual se assenta o nosso sistema educacional. Para nossas reflexões, pontuaremos, algumas questões:

Dias (1991) em seu depoimento Os quinze anos da educação ambiental no Brasil, colocou que as tentativas de Educação Ambiental não andavam bem, pois o sistema educacional brasileiro não assimilava as novas idéias e que os órgãos ligados ao meio ambiente assumiram a questão para si, - o que não foi ruim, pois, do contrário, ainda estaríamos na estaca zero. Ainda, segundo Dias (p.9 e 11), a educação nunca foi prioridade no nosso país:

A única política educacional definida para o nosso povo, até então, havia sido a de tornar a educação inoperante, produtora de cidadãos passivos, omissos, covardes, incompetentes, apátridas, e destituídos das habilidades de organização comunitária, mergulhados num conformismo suicida e anestesiados por samba, futebol e malandragem (p.9).Na verdade, o acaso, as iniciativas estocásticas, a indiferença e a falta de objetividade têm sido a tônica no ambiente educacional como um todo.

Aziz Ab’Saber (1993, p.108) referindo-se ao papel da universidade brasileira no campo da educação ambiental, escreveu que:

Para repensar a responsabilidade da universidade brasileira nas questões relacionadas à educação ambiental, há de se partir de várias óticas e muitos pressupostos. E, nesse sentido, fica bem claro que a primeira abordagem dessa polêmica questão tende a exigir um esforço concentrado na (re)definição do próprio conceito de Educação. Mesmo porque não se pode pretender, evidentemente, penetrar em um novo processo educativo, paradigmático, sem uma análise prévia do importante atributo da sociedade humana que é a educação.

O livro intitulado Ensino e Conhecimento: elementos para uma Pedagogia em Ação, de Ruiz & Bellini (1998, p.7) traz textos que nos ajudam a refletir sobre o atual sistema educacional, pois trata especialmente da formação do educador, da interdisciplinaridade, da cultura tradicional escolar (...) e sobre o modo arcaico e custoso de fazer educação. Nesse sentido, os autores afirmam:

(...) a educação, em termos pedagógicos, tem se dado sempre da mesma forma. Há séculos o processo de escolarização tem o padrão-ensino aprendizagem. O professor ensina e o aluno aprende. Nenhuma mudança pedagógica abalou a estrutura dessa relação unidirecional.

Considerando que o próprio termo educação antes de ambiental tem gerado a idéia de que a prática nessa área possa ser igual à prática escolar. O que se poderia esperar da Educação Ambiental?

Grün (1996, p.20) também nos aponta as dificuldades quanto à conceituação ou o que poderia significar uma EA:

O próprio predicado ambiental é esclarecedor e revela inúmeros problemas e constrangimentos conceituais. Como decorrência dessa predicação, uma das primeiras coisas que nos vêm à mente é que se existe uma educação que é ambiental, deve existir também uma educação não-ambiental em relação à qual a educação ambiental poderia fazer referência e alcançar sua legitimidade.

Essa idéia é a de Leonardi (1997, p.394-5) que nos disse:

Mas o que é mesmo educação ambiental? E aí já vem vários complicadores. Ela é mais "educação"? Ou é mais "ambiental"? Ou seja, o que há de substantivo nela? Ou ela é apenas um adjetivo da educação, assim como a educação artística, a educação sexual, a educação para a terceira idade etc. etc.? (...)Nota-se que as diversas definições de educação ambiental variam, também, segundo a formação e a experiência profissional de quem as formula. Assim, um biólogo ou ecológico enfatiza o ambiente biológico; o sociológico, o ambiente humano; o geógrafo, o ambiente físico. Qual seria a ênfase do economista? O mercado? O trabalho?

Segundo Flickinger (1994, p.198) as discussões em torno da educação ambiental ainda não chegaram à criação de princípios ou critérios claros, capazes de oferecer base segura a partir da qual poderíamos pensar em projetos de implementação de uma respectiva prática de ensino, pois as diversas disciplinas (Educação, Pedagogia, Ecologia, Biologia, etc.) envolvidas nas questões ambientais, demonstram sua impotência para tratar a complexidade do meio ambiente.

Como vemos é muito amplo o universo de trabalho e de críticas às práticas da educação ambiental. Sem essas bases conceituais seguras, a EA tem se construído às vezes, mais voltada para a ecologia, outras para a educação, mas ambas com dimensões a serem repensadas.

 

3 Relato de uma Experiência em Educação Ambiental

 

Em 1995, a Associação dos Municípios do Vale do Itapocu – AMVALI[*], com sede no município de Jaraguá do Sul-SC, com o objetivo de contribuir ao Programa de Proteção e Recuperação Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Itapocu da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina, iniciado em 1990, mas que estava suspenso por motivos de "descontinuidade administrativa", propusera "implantar" projetos específicos de educação ambiental formal e/ou informal no âmbito microrregional da rede municipal de ensino.

Como bióloga, prestei consultoria à AMVALI, fazendo parte da equipe técnica que elaborava o Plano Básico de Desenvolvimento Ecológico-Econômico – PBDEE (Santa Catarina, 1997), realizando palestras nas escolas sobre questões ambientais, tais como: a poluição das águas do rio Itapocu, o combate ao mosquito "borrachudo", a importância de preservar a mata atlântica e o diagnóstico sobre a disposição irregular dos resíduos sólidos da microrregião. Estas últimas atividades levaram-me a elaborar um projeto de educação ambiental. Neste trabalho, relato parte dessa experiência em Educação ambiental como coordenadora do Programa de Capacitação em Educação Ambiental para a Microrregião da Amvali.

A propósito, a região do Vale do Rio Itapocu ocupa uma área de aproximadamente 2.000km2, localizada na porção nordeste do Estado de Santa Catarina, limitando-se a leste com o Oceano Atlântico e a oeste com a Serra do Mar. Compreende os municípios de Barra Velha, Corupá, Guaramirim, Jaraguá do Sul, Massaranduba, Schroeder e São João do Itaperiú. A população da região é de aproximadamente 140 mil habitantes. A maior preocupação ambiental estava representada pelo comprometimento da qualidade da água do rio Itapocu, resultantes da crescente demanda e multiplicidade dos usos da água inerentes às atividades econômicas, pela presença de sete "lixões à céu aberto", todos localizados próximos à mananciais hídricos e pelo desmatamento da vegetação considerada de "Mata Atlântica" (Santa Catarina- PBDEE, 1997).

Antes de continuar, é importante abrir um parêntesis nessa história: na maioria das administrações públicas ou privadas que tratam das questões ambientais é exigido do profissional (biólogo, engenheiro florestal, geólogo, etc.) um desempenho pragmático, muito técnico e pouco científico, que geralmente passa a ser aceito com certa "naturalidade". Não que essa consideração justifique os péssimos trabalhos na área ambiental, mas esse é um fato presente em muitas administrações e nem sempre associamos essa realidade aos maus resultados de trabalhos nessa área.

A realização consecutiva de dois eventos de mobilização e sensibilização ecológica, em Jaraguá do Sul, denominados de Encontro Microrregional sobre Educação Ambiental, contou com a participação de secretários municipais de educação e do meio ambiente, de professores e diretores das escolas municipais, de técnicos de diferentes órgãos governamentais, não-governamentais e do setor privado. Esses eventos marcaram historicamente as iniciativas coletivas para o conhecimento da "tão falada Educação Ambiental". Os temas apresentados e discutidos nos eventos, entre eles, o levantamento de problemas ambientais da região e a necessidade de capacitar professores para a prática da EA subsidiaram a elaboração do Projeto que deu origem ao Programa de Capacitação em Educação para a Microrregião da AMVALI.

O trabalho foi promovido através de parcerias (para obtenção de recursos humanos e financeiros) estabelecidas entre a AMVALI, incluindo Secretarias Municipais de Educação e órgãos municipais de meio ambiente, o Centro Ambiental do SENAI – Blumenau - SC e a Empresa de Pesquisa Agropecuária e de Extensão Rural de Santa Catarina – EPAGRI S.A.

A despeito de todos os problemas metodológicos e financeiros, foram realizados sete cursos de capacitação em educação ambiental para os professores da rede municipal de educação. Cada curso, constituído de palestras (apresentação de conteúdo teórico e práticas de EA por oito profissionais de diferentes formações (biologia, economia, pedagogia, oceanografia e extensão rural), visitas de campo e seminários para apresentação de projetos (realizado um mês após a parte teórica), totalizou 40 horas/aula.

Nossos objetivos visavam: a) desencadear um processo sistematizado de atividades e ações interdisciplinares voltadas à prática da EA no âmbito da microrregião; b) difundir informações técnicas e científicas, instrumentos de intervenção didática e legal capazes de fomentar a promoção de ações para a conservação, preservação e recuperação dos recursos naturais da bacia hidrográfica do rio Itapocu de acordo com suas peculiaridades e, c) apoiar a implementação de projetos nas unidades escolares, por meio de Equipes de Qualidade Ambiental (alunos e professores) visando a construção de uma Escola Amiga do Meio Ambiente.

Os temas tratados foram: Educação ambiental – aspectos conceituais, históricos e práticas; Diagnóstico ambiental da bacia hidrográfica do rio Itapocu; Flora e fauna da microrregião; Poluição das águas doces e marinhas; Saneamento urbano e rural; Meio ambiente como fator econômico; aspectos da legislação ambiental e Sistema de Gestão Ambiental.

Quanto ao material: utilizamos uma "apostila" com resumos das palestras; uma coleção de audiovisuais, vídeos (sobre o rio Itapocu, mata ciliar, resíduos sólidos), mapas temáticos de cada município, folhetos diversos e bibliografia afim.

Para avaliarmos o papel dos cursos a que os professores foram submetidos, propusemos, na época, a elaboração de projetos que contemplassem ações com os alunos, para a "construção de uma Escola Amiga do Meio Ambiente".

Esse programa atingiu diretamente 210 professores da microrregião, de diferentes formações, de magistério, e de crianças do jardim de infância, atuantes em escolas municipais, estaduais e privadas. Foram apresentados 112 projetos, das 125 escolas participantes. Estimou-se que aproximadamente 11 mil alunos possam ter sido envolvidos no processo de execução dos mesmos.

Alguns resultados imediatos de implantação de projetos de sistema de gestão ambiental na escola foram registrados em vídeos, relatórios e fotografias em todos os municípios, com acompanhamento dos órgãos promotores e da imprensa local e regional.

Ainda em novembro de 1996, parecia que o Estado de Santa Catarina "respirava Educação Ambiental", e mais um projeto foi colocado em prática. Os professores das Secretarias Estaduais de Educação participaram do Curso de Capacitação Estratégica em Educação Ambiental, através do Programa Estadual de Educação Ambiental – VIVA A FLORESTA VIVA, executado pelo Instituto Larus (professores da UFSC e técnicos).

Como acabou essa história? Em 10 de dezembro de 1996, a AMVALI promoveu a única reunião para avaliar o seu Programa de Educação Ambiental entre as entidades promotoras e tratou sobre: a) continuidade do Programa; b) acompanhamento das ações; c) promoção dos próximos eventos, e c) solicitação de recursos financeiros ao Fundo Especial de Proteção ao Meio Ambiente – FEPEMA-SC.

Eufóricos e otimistas, concluímos que tinha sido um bom trabalho e esperávamos "colher os frutos" no próximo ano. Porém, em janeiro de 1997, assumiram os prefeitos municipais eleitos. Uma nova Presidência da AMVALI surgiu e a realidade foi outra. Começamos a ouvir um outro discurso, as novas palavras de ordem: "contenção de despesas; arrumar a administração - nossas prioridades são saúde, emprego e educação; para resolver questões ambientais como as dos lixões, contrataremos técnicos capacitados da Alemanha, de Curitiba, de qualquer lugar do país e do exterior".

Por fim, o assunto Educação Ambiental "morreu" para AMVALI. A informação de que não existiam recursos para pagamento da consultoria ambiental foi sutilmente descoberta. Por esse motivo, ainda em janeiro/97, fui trabalhar como Chefe da Divisão de Recursos Naturais da Fundação Municipal de Meio Ambiente – FAEMA, Blumenau – SC.

Em abril de 1999, passados quase dois anos e meio, tomamos o depoimento de três pessoas importantes no processo, entre eles: 1) o Diretor de Redação e Editor do Jornal do Vale (ele sempre divulgou e apoiou as atividades realizadas pelas escolas na área ambiental), 2) a Secretária Municipal de Educação de Schroeder; 3) a Assessora Administrativa da mesma Secretaria, vejam suas falas:

(...) O grande momento da educação ambiental na microrregião foi sem dúvida, aquele Programa de Capacitação, depois disso, houve uma interrupção no trabalho, morreu tudo. O município de Jaraguá do Sul, através de estrutura administrativa mantém atividades ambientais, o de Corupá (sem estrutura administrativa) está tentando resolver o problema do lixo. Nos outros municípios, poucas escolas deram continuidade aos projetos e a AMVALI pouco se envolveu em trabalhos na área ambiental. Para mim, que visito todos os municípios da microrregião, as reclamações das comunidades são muitas, mas considero que houve um retrocesso quanto a conscientização ecológica, parece que aquele programa é coisa do passado.

(...) as coisas não vão bem, Educação Ambiental, nem se fala, apesar de que, este assunto, tinha mais a ver com você.

(...) Infelizmente, a educação ambiental praticamente morreu aqui no município, muitos professores pediram satisfações sobre o que aconteceu, mas nós, não tivemos respostas. Não recebemos nenhuma comunicação oficial da Amvali, da Epagri ou do Senai. A única escola que continua falando de meio ambiente e plantando árvores é a do H., mas ele você sabe, sempre gostou muito disso.

Esses depoimentos apenas reforçaram minhas preocupações: alguma coisa deu errado! Assim, considero que o final da história do nosso trabalho tenha sido pouco triste, mas como nos disse o poeta Drummond de Andrade, em Memória:

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
mas as coisas findas
muito mais que lindas
essas ficarão.

Depois de tudo isso nos restou mais perguntas. Por que nos interessaria essa experiência? Ela, significou alguma coisa de Educação Ambiental? Se ela foi concebida e praticada no atual paradigma reducionista e utilitarista, que contribuição pode oferecer aos nossos estudos?

 

4 Algumas Considerações: Balanços e Perspectivas

 

De fato, nos interessaria essa experiência considerando as que avaliações trouxeram à tona uma realidade a cerca da Educação Ambiental muito diferente daquelas pronunciadas nas tantas palestras e em cursos que assisti. Estas palestras sempre enfatizaram apenas aquilo que era nosso desejo, ou seja, dizer que "tudo é válido, lindo e maravilhoso", que já fizemos nossa parte, agora "seja o que Deus quiser".

A seguir, apresentaremos alguns pontos dessa realidade.

Um programa de Educação Ambiental não pode ser idealizado por uma única pessoa, porque na AMVALI, ele sempre esteve associado a mim e no momento que essa referência desapareceu, quase tudo foi desfeito.

Em EA, os resultados práticos e imediatos servem apenas para aparentar uma consciência ecológica/ambiental. Os programas de abrangência regional (neste caso, em 7 municípios) possuem pontos positivos, mas também são problemáticos, porque:

Os professores palestrantes nem sempre possuem conhecimento interdisciplinar capazes de traduzir a realidade histórica, cultural, sócio-econômica e ambiental de cada município e muito menos, da escola;

Mesmo palestrantes "ambientalmente informados" não conseguem abandonar nossa formação reducionista, mecanicista e utilitarista;

Envolvem um grande número de pessoas (professores, alunos e pais) que se predispõem a participar dessa "mais nova educação", e quando não dá certo, gera uma decepção coletiva, que pode afetar qualquer atividade futura.

Realizar cursos com 16 horas/aula de conteúdo teórico não é suficiente para construir formas de raciocínio e questionamentos pertinentes. Válidos a uma educação científica. Quase sempre são "despejadas" quantidades absurdas de informações.

Palestras não são suficientes para gerar discussões de questões científicas; ficam mais no nível da informação e não são trabalhadas como educação científica.

Um grupo composto por palestrantes de diferentes áreas de formação não garantem a verdadeira interdisciplinaridade, àquela, proposta pelo epistemólogo Piaget ou pelo filósofo Morin.

A falta de recursos financeiros específicos para educação ambiental, a descontinuidade administrativa (por exemplo: troca de prefeitos ou secretariado), a falta de compreensão e permissão dos diretores de escola para que a rotina da escola seja constantemente alterada pelos cursos e atividades extra-classe são alguns dos problemas, já levantados por outros autores, que devem ser previamente avaliados para se começar um programa de EA.

As parcerias entre diferentes órgãos (governamentais e não–governamentais) sugeridas por diversos "educadores ambientais" como alternativas para se começar a fazer educação ambiental, nem sempre são positivas, pois a falta de seriedade, os "verdadeiros interesses" de cada órgão ou pessoa envolvida aparecem no decorrer do trabalho; qualquer desarticulação entre os participantes compromete os objetivos e a credibilidade do programa.

Consideramos válidas as relações de amizade que surgiram entre os participantes, as trocas de informações e momentos de descontração e de indignação vividos na escola, nas visitas em áreas de preservação ambiental, como a mata atlântica, e áreas que precisam ser conhecidas, como os "lixões" municipais, etc.

Infelizmente, a indiferença imposta às ações de educação ambiental naquela microrregião refletiu as contradições políticas partidárias e fez sobressair formas autoritárias de trabalhar em comunidade, tal como, reunir professores para discutir e levantar problemas ambientais nunca foi uma atitude estimulada por governantes. Entre os prefeitos e as populações, sobretudo, quando estas descobriam os lixões ou áreas poluídas, as "rédeas" dos votos ficavam muito soltas.

Em síntese, após seis anos dedicados à prática da educação ambiental, período iniciado em meados de 1990 (como secretária administrativa do Comitê de Preservação, Gerenciamento e Pesquisa da Bacia do Rio dos Sinos – COMITESINOS acompanhei e participei do trabalho do Grupo Técnico de Educação Ambiental (até 1994) trealizado na bacia do rio dos Sinos), em São Leopoldo – RS e, na AMVALI, compreendi que "fazer educação ambiental" como base no atual modelo preconizado pelas estratégias internacionais e nacionais, temos poucas chances de mudar a nossa relação homem e natureza e impedir a crescente destruição da vida na Terra.

Como nos disse Morin & Kern (1995, p.36): a despeito de todas as regressões e inconsciências, há um esboço de consciência planetária, na segunda metade do século XX. Embora se perceba uma progressiva conscientização mundial e individual em compreender e prevenir problemas ambientais, ainda há muito ou quase tudo para fazer.

 

5. Referências Bibliográficas

 

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ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992.

BOFF, L. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática. 1996.

CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982.

DIAS, G. F. Os quinze anos da educação ambiental no Brasil: um depoimento. Em Aberto, Brasília, v.10, n.49, jan./mar. 1991.

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FNMA. Formulários para apresentação de projetos. Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Brasília: MMA, 1995.

GRÜN, M. Ética e educação ambiental: a conexão necessária. Campinas, SP: Papirus, 1996.

IBAMA. Educação Ambiental. Brasília: DIPD-DDTECA, 1993. (folheto)

LEONARDI, M. L. A. A educação ambiental como um dos instrumentos de superação da insustentabilidade da sociedade atual. In: CAVALCANTI, C. (Org.) Meio Ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1997.

MATSUSHIMA, K. Dilema contemporâneo e educação ambiental: uma abordagem arquetípica e holística. Em Aberto, Brasília, v.11, n.49, p.15-33, jan./mar., 1991.

MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

MORIN, E. & KERN, A. B. Terra pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.

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RUIZ, A. R. ; BELLINI, L. M. Ensino e conhecimento: elementos para uma pedagogia da ação. Londrina: UEL, 1998.

SILVA, D. da. Programa Estadual de educação ambiental. Viva a Floresta Viva, 1996.

Teia - Ano I nº 1 - Janeiro - Julho 2000
http://www.uem.br/~pea/teia/


O MUNDO PARA TODOS

Cristóvão Buarque (*)

Durante debate recente, nos Estados Unidos, fui questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para uma resposta minha.

De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Respondi que, como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, podia imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade.

Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso patrimônio da Humanidade.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo . O Louvre não deve pertencer apenas á frança.

Cada museu do mundo e quardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de, a um proprietário ou de um pais.

Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro e de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.

Durante o encontro em que recebi a pergunta, as Nações Unidas reuniam o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos o EUA. Por isso, eu disse que Nova York, como sede das Nações Unidas, deveria ser internacionalizada.

Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza especifica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola.

Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o pais onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro.

Ainda mais do que merece a Amazônia.

Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.

(*) CRISTOVAM BUARQUE é professor da UnB, autor do livro " A cortina de ouro".

Publicado em O Globo, edição de 23/10/2000.


EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UM DESAFIO À PEDAGOGIA

Neiva Viera Trevisan*

Josinara Cabreira**

Nos últimos 20 anos, surgiu um grande desafio para a Pedagogia: o tema do relacionamento do homem com o meio ambiente. Desse desafio a Pedagogia não poderá fugir, pois, se isso fizer, estará sujeita a perder um campo de trabalho extremamente importante. Diante da necessidade do enfrentamento com a questão ambiental, surgem algumas indagações: Quais as condições e possibilidades de recuperação da qualidade específica do meio ambiente para o processo educativo sem, no entanto, renunciar à sua tematização científica? Precisará a própria Pedagogia reconsiderar sua base epistemológica frente ao desafio lançado pelas questões ambientais?

1 A HERMENÊUTICA COMO UMA FORMA DE ACESSO PRIVILEGIADO ÀS QUESTÕES AMBIENTAIS

Conforme a humanidade vem expandindo o progresso e, junto com ele, a capacidade de intervir na natureza para satisfação das suas necessidades e desejos crescentes, aparecem conflitos e tensões quanto ao uso do espaço e dos recursos disponíveis. Os problemas do meio ambiente daí decorrente estão ligados às questões sócio-culturais e político-econômicas, e suas soluções exigem um posicionamento da sociedade através da criação de novos valores, que possam garantir a continuidade da espécie e a qualidade de vida. Podemos tomar como ponto inicial de análise a nossa própria casa, que é um ambiente dinâmico em que as pessoas realizam as atividades mais íntimas e necessárias à sua sobrevivência. Na casa entram e saem pessoas, entram alimentos e água, saem dejetos e lixo. A água e os alimentos são modificados ao cozinharmos, ao fazermos a limpeza da casa e o asseio pessoal. Mas os alimentos também são transformados no interior do corpo humano. As fezes e urina são resíduos dessas transformações, sendo eliminadas, respectivamente, pelos aparelhos digestivo e excretor. Normalmente as conseqüência do lixo doméstico produzido são transferidas, nas grandes cidades, para lugares distantes da vista humana. Ex.: os lixões a céu aberto construídos fora das cidades, a queima de resíduos (do solo para o ar) e ainda o ocultamento dos dejetos urbanos em canais que conduzem a rios e mares (da terra para a água). Por essa lógica, o problema do equacionamento das questões relacionadas ao meio ambiente vira sinônimo de transferência do problema para longe do alcance de nossa visão. Mesmo as alternativas para a solução destes males são pensadas a partir de uma tecnologia ambiental, em que o próprio cidadão deixa de se preocupar com a natureza, pois ela torna-se objeto de estudo, controle e gerenciamento de cientistas, engenheiros e administradores respectivamente.

Assim, o uso racional dos recursos passa pela compreensão de uma razão meramente instrumental, em que meios e fins devem estar alinhados para oferecer resultados de conteúdo técnico, numérico, formalístico e eficiente, com retorno rápido, a curto prazo.

Porém, essas metodologias de índole meramente quantitativas de tratamento das questões ambientais têm se revelado por demais limitadas, por estarem presas a mesma lógica operacional da razão instrumental. Contra essa perspectiva de abordagem, Flickinger (1994) ilustra o caso de uma pequena cidade alemã objeto de investigação da Universidade de Kassel no início da década de 80, devido a uma alta contaminação repentina dos recursos naturais de forma inexplicável aparentemente. A população estava sendo obrigada a mudar de local e vender suas residências a baixo custo. Os pesquisadores da universidade não se limitaram a continuar e aperfeiçoar os levantamentos de dados quantitativos com fins de cadastramento burocrático sobre o problema, mas investiram em uma metodologia aparentemente "irracional" se comparada aos métodos científicos usuais. Disfarçados de moradores resolvem dialogar com as pessoas de uma maneira mais espontânea dado a percepção de um certo tabu na população em abordar o assunto de forma objetiva e direta. Depois de um certo tempo descobriram que o local havia servido como depósito de armamentos pesados dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e que tais lembranças haviam sido recalcadas na população, pois muitos moradores de então haviam sido obrigados pelos mesmos a trabalhar na operação praticamente como escravos. Em outras palavras, o solo, a água e o ar recordaram o passado do qual o homem se julgava livre e a compreensão disso veio à tona pela via da pesquisa qualitativa, dialógica, em que o pesquisador se aproxima do real, se identifica com ele e o compreende não mais pela tirania do olhar como única forma de acesso às questões ambientais, mas através da audição exercitada no diálogo sobre a experiência vivida. Desse modo, a separação virtual entre homem e natureza, não faz mais sentido em termos ecológicos, pois o meio ambiente é um objeto que nos constitui, ou seja, estamos imersos no meio ambiente que nos antecede como e no tempo e espaço de nossas ações.

É possível perceber, de acordo com a experiência supracitada, como a ciência está necessitando lançar mão de novos recursos para enfrentar os problemas ocasionados pelos desequilíbrios ambientais. O recurso do disfarce utilizado pelos pesquisadores para dialogar com a população questiona a postura do pesquisador entendido como um homem sério, frio e distanciado - protótipo construído pelo positivismo - para melhor inserir-se no real. Em vez de cultivar essa postura, o investigador transforma-se em um ator a desempenhar um papel, assumindo as características do meio, eliminando o distanciamento da relação sujeito-objeto da razão instrumentalizada. Assim, a interpretação da questão do meio ambiente implica na necessidade de experimentar outras perspectivas na relação homem/natureza, abrindo-se a compreensão para a racionalidade que orientou aquela determinada forma de agir.

2 A RECONCEITUAÇÃO DO MEIO AMBIENTE COMO LUGAR EPISTEMOLÓGICO

O conceito de meio ambiente apresenta-se de forma ambígua: temos a perspectiva distante-objetificadora própria da racionalidade instrumentalizada e a organicista que compreende a nós mesmos como elemento de um todo. Na perspectiva hermenêutica, o meio ambiente apresenta-se de forma diferente, como um horizonte insuperável dentro do qual nós mesmos estamos inseridos, sem chances de nos liberarmos dele. Sentimo-nos em meio a um ambiente que nos sustenta e do qual depende nossa própria vida, nosso próprio destino. Mesmo assim, parece que não somos capazes de estabelecer/construir uma relação sujeito-objeto que não perca de vista o ponto característico do meio ambiente, sua qualidade de ser um horizonte de vida, dentro do qual nos movimentamos e, ao qual, estamos presos desde sempre. Na verdade, assim como a história e a linguagem - horizontes dentro dos quais encontramo-nos desde sempre -, ao refletir sobre nossa realidade vivida, o meio ambiente constitui o âmbito ineludível em que mergulhamos e a partir do qual pensamos a natureza e nosso modo de vida. Dele não podemos nos distanciar nem mesmo por um ato objetificador (natureza compreendida como separada da dimensão humana).

O historiador-sociólogo ou pedagogo faz parte de um contexto social-histórico, do qual nasce a temática de sua investigação. Pois, quando se fala sobre estruturas sociais, interpretação de documentos históricos ou análise de relações educativas, necessariamente, precisamos recorrer à linguagem e a critérios de interpretação. No entanto, para compreendermos nossas experiências, temos de abandonar a postura dominadora de um sujeito conhecedor, substituindo-a pela inserção primordial desse sujeito em horizontes a ele precedentes que, desde sempre, estruturam o acesso ao mundo de experiências: a linguagem e a história. É que a compreensão se dá tanto por meio da linguagem que nos abre o mundo, quanto pela história vivida que providencia o espaço de nosso encontro com o mundo.

A tematização do meio ambiente questiona o olhar objetificador da Pedagogia exigindo a correção de sua base epistemológica através da concepção hermenêutica. Ao invés de nos contentarmos com a mais diferenciadaexplicação de um fenômeno ambiental, precisamos compreender tais fatos, atribuindo-lhes sentido através de sua interpretação. Porém, qualquer interpretação exige um questionamento capaz de enraizar sua perspectiva no próprio assunto abordado. Para tanto, a interpretação passa do horizonte marcado pela pré-compreensão do sujeito e os limites do horizonte no qual ele se inscreve e do qual espera respostas. Trata-se também, de um processo que levará ao auto-esclarecimento do intérprete e aos seus próprios interesses em jogo. O processo de compreensão do meio-ambiente deve remeter sempre de novo às nossas perspectivas implícitas, pressupostas no questionamento, a fim de surtir efeito. O preconceito, na função da perspectiva interessada do investigador, torna-se assim, a condição necessária da criação de sentido. Trata-se, em última instância, de um processo auto-reflexionante que exige novos conceitos para os elementos postos em discussão.

Frente ao exposto, conclui-se que o desenvolvimento econômico em paralelo com a irrupção dos processos de poluição e destruição, com todos os seus aspectos geradores, é uma questão que desafia a humanidade hoje. Implica em uma mudança dos modelos de desenvolvimento, de modo a assegurar a preservação dos recursos naturais e, consequentemente, a sobrevivência humana e seu direito a uma boa qualidade de vida. Nesse sentido, deve-se refletir sobre os problemas ambientais questionando suas causas, ou seja, a origem da degradação ambiental. Portanto, são necessárias intensas mudanças para que sejam minimizadas suas conseqüências. Diante da perspectiva de uma sociedade industrial que valoriza a questão econômica-social, submetendo a natureza a um mecanismo de exploração, não basta que se saliente seu caráter respeitador. Também de nada adianta encarar o meio ambiente como recurso que serve ao homem como recuperação de um paraíso exótico perdido. Pois, desta forma, ele continua sendo tratado como mero objeto. Parece urgente diante dos múltiplos desafios dos problemas ambientais que ferem atualmente a vida humana e a natureza como um todo, repensar a questão da Pedagogia. É necessário que a humanidade se disponha a reconhecer o entrelaçamento de diversidades de sentidos que podem interagir neste âmbito, nascidas de posturas que tomam o outro, o estranho de si mesmo, a sério. Desta maneira, parece ser possível à Pedagogia resgatar a idéia do meio ambiente como fruto da inserção do homem na natureza. Assim, o homem poderá redescobrir a postura do seu ser-no-mundo como próprio tema.

 

As novas atribuições de sentido na relação sujeito-objeto, homem-natureza, depende do desenvolvimento de uma consciência estruturada de forma crítica e ética, e, conseqüentemente, ecológica. A conscientização construída desta forma requer a ampliação da visão de mundo, para que se atinja uma integração equilibrada do homem consigo mesmo, com o outro e com a natureza.

Por este caminho, a educação ambiental consiste em desenvolver um modo de "ouvir" o meio circundante que se apresenta baseado em interelações e interdependência de diversos fatores que contribuem na preservação da vida.

Na educação esta preocupação deve contribuir para um trabalho que esteja vinculado à construção de princípios que realcem a dignidade do ser humano, da participação, da co-responsabilidade, da solidariedade e da igualdade frente aquilo que é comum a todos. Podemos perceber, assim, que a educação ambiental é um significativo espaço epistemológico para a construção e desenvolvimento do necessário processo de reconciliação individual e coletiva possível, tanto dos sujeitos entre si quanto com o mundo da vida que os constitui.

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AUTORES

* Professora do sistema de ensino do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

Licenciada em Pedagogia.

** Licenciada em Pedagogia.

Extraído do site: http://www.ufsm.br/adeonline/pi4_viera.html


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