InformaLista

O Informativo da lista "Educacao Ambiental"

No. 05 – 30 de setembro de 2000

Alguns textos apresentados na Lista de Discussão do Projeto Apoema - Educação Ambiental (Antigo Projeto Vida – Educação Ambiental)

Os textos não passaram por revisão ortográfica, portanto, pode haver erros.

 

 

 

De: Silvia Maria Daros  <daros@ffalm.br>
Data: Sáb,  2 de Set de 2000 10:04am
Assunto: Cabraranha

Você consegue apontar qualquer semelhança entre uma  cabra e uma aranha? Bem, pelo menos nos  laboratórios de uma   empresa de biotecnologia canadense as duas espécies têm, sim, algo  em comum: a produção de teia. Isso mesmo, a mesmíssima teia,  com graus de qualidade e resistência semelhantes. Parece imaginação,  mas o serviço noticioso da televisão britânica BBC anunciou que  cientistas daquele país  conseguiram isolar o gene da aranha responsável  pela síntese da proteína usada na fabricação dos fios das teias
e  implanta-lo no DNA da cabra. O resultado foi a criação de um animal que terá  a função de fabricar teias de  aranha em larga escala, por mais  exótico que isso possa  parecer. Com a alteração genética, a empresa de biotecnologia Nexia pretende que as cabras produzam um leite rico em  proteínas de aranha que possam ser  processadas e   transformadas em fibras semelhantes às produzidas pelos aracnídeos, material  reconhecido como extremamente forte e flexível.
 
Animais transgênicos e clonados não são novidade. Em 1998, a própria Nexia produziu sua primeira cabra  geneticamente modificada para sintetizar uma proteína  humana. Um ano depois foi   a vez de os cientistas  partirem para a clonagem e criarem em  laboratório três cabritinhos. Agora, com Webster e Peter, as recém-criadas matrizes com genes de aranha, associaram os dois processos e esperam  os resultados da experiência. Em breve deverão nascer os primeiros  filhotes com a nova característica incorporada biologicamente. Os  cientistas poderão conferir  se o leite produzido pelas cabras apresenta as  qualidades já comprovadas em testes de laboratório, quando células mamárias isoladas in vitro produziram as proteínas do fio da teia de aranha.
 
A dupla Webster e Peter representa o primeiro passo na direção de se produzirem as fibras em dimensões industriais, de acordo com a Nexia. É inviável cultivar  aranhas como se faz com o  bicho-da-seda por seu comportamento naturalmente agressivo. Já se tentaram experimentos com bactérias e outros seres vivos para produzir artificialmente as teias, sem resultado. Mas, afinal, para que serve tanta teia de  aranha? Essa fibra é apontada como um dos mais fortes, leves e  flexíveis materiais conhecidos na natureza. Tanto que a Nexia batizou o  produto a ser obtido do leite das cabras como BioSteel, ou aço biológico. Para a empresa pode ser uma  verdadeira mina de ouro, pois  seus dirigentes acreditam  que o produto, além de ser usado em  situações que exigem força, leveza e resistência, como construção de aeronaves, pode ter aplicações médicas. Por ser um composto de proteínas compatível com o corpo humano, a fibra poderia ser usada, por exemplo, na  fabricação de tecidos  artificiais como tendões. As promessas são  muitas, mas
os cientistas da Nexia ainda têm um grande desafio pela frente. Eles ainda não sabem direito como vão conseguir tirar as proteínas que estão no leite e transformá-las em fibras. É uma situação  semelhante à de dezenas de  outros laboratórios que produzem  porcos, ovelhas e bezerros como potenciais fábricas vivas de medicamentos ou de órgãos para transplantes, mas engatinham nas técnicas de produção.
 
fonte: Veja

 

De: Gustavo Borges  <gaborges@uol.com.br>
Data: Sáb,  2 de Set de 2000 10:24am
Assunto: En: Artigo sobre gênero


Um jeito e amor: cacos para um vitral *

 

Por Kusum Toledo*


Em 30 de agosto pp, a rede CTA divulgou artigo de Stephen Kanitz intitulado Administração Feminina e me chamou a atenção o olhar do autor sobre a presença da mulher na gestão empresarial e, mais que isto, sua esperança de que o voto na mulher traria, automaticamente, as mudanças desejadas e necessárias no exercício do poder e uma qualidade de bem estar à sociedade brasileira. A polarização/generalização homem versus mulher vem me incomodando e a apresentação da mulher como poção mágica aos desafios do horizonte e do cotidiano às vezes me toca como um recurso que abandona a complexidade das coisas tecidas juntas. Daí que me propus a refletir no coletivo e por escrito sobre alguns pontos.

 

Recém venho  de um seminário, Gênero, Participação Comunitária e Manejo de Recursos Naturais, onde discutimos uma evidência constatada em estudos de caso e empiricamente por todos que trabalhamos com etnoconservação e participação comunitária no manejo de áreas protegidas, presentes ao seminário. Qual era essa evidência? A de que se observava, com assustadora freqüência, a reprodução de padrões autoritários e opressivos na condução de associações, trabalhos e afins por parte das mulheres. A discussão nos conduziu a reformular aquilo que via de regra vimos identificando como modelos 'masculinos' de gerência, como se autoritarismo e opressão fosse exclusividade deste gênero.

 

Minha percepção me conduz à pensar que, na realidade, muito mais que 'masculinos' se tratam de padrões gerados no útero duma organização social fincada na competição, na ganância, na separação e na exclusão. No autoritarismo, na opressão,  na manipulação e na inveja. Historicamente, tendo o homem se responzabilizado pela atuação no mundo 'lá fora', consolidou modos de agir a ele afinados. Mas a mulher os reproduz dentro de casa, e fora também. O mundo do trabalho e o mundo do lar são partes do mesmo universo: com naturalidade e 'bom senso' pais e mães estimulam a rivalidade e a competição entre os filhos, tal qual uma empresa atiça vaidades de seus funcionários pra que rendam mais, na direção que interessa aos lucros da empresa. Nas escolas, professores e professoras igualmente reproduzem este modelo, de resto exacerbado na publicidade. Em seu artigo, Stephen Kanitz escreve: "As poucas mulheres que galgam os altos escalões das 500 maiores, com todo o respeito que elas merecem, o fazem dançando a música dos homens. A contragosto, precisam dar uns socos na mesa de vez em quando e soltar alguns palavrões por aí". E ele está certo, só discuto o à contragosto: conheço várias que deliram com a possibilidade deste exercício e, quando questionadas, justificam seu movimento inclusive pelo sentimento de revanche, o "agora é a minha vez". Além do mais, nunca me esquecerei de uma fala de Ronald Reagan sobre a 'dama de ferro' inglesa

 

"- Mrs. Tatcher é o homem que eu gostaria de ter no senado americano". Sem comentários. 

 

No  'Administração Feminina', artigo que estou tomando como referência para esta conversa, Stephen Kanitz diz ainda "Sendo franca minoria, as mulheres nunca conseguem impor sua forma própria, um estilo feminino de administração". E prossegue: "As 400 maiores entidades nacionais beneficentes são muito mais bem administradas do que a maioria das empresas brasileiras, por mais absurda que possa parecer esta minha observação. Existem várias razões para esse desempenho superior das entidades beneficentes. Clareza de propósito, ética, motivação dos funcionários, satisfação pessoal com os resultados. Mas a principal razão para mim é bem clara: a grande maioria, se não a totalidade das 400 maiores entidades, é administrada por mulheres. Lá elas conseguiram impor, sem sombra de dúvida, seu estilo feminino de administrar, com técnicas novas, com concepções novas de gerenciamento, calcadas em relacionamentos e não em orçamentos, uma administração mais leve, suave, num ambiente mais divertido."

Proponho que a gente pense a partir do objetivo destas empresas, radicalmente diferentes daqueles voltados à produtividade monetária, à produção de mercadorias para um mercado estressante, competitivo, onde ou você ganha ou é excluído. Será que mais que feminino ou masculino não é o motivo da existência da empresa que torna possivel as características/diferenças que Kanitz observou em seu estudo?

Para finalizar, penso que poder votar em mulher - assim como em índios, negros, homossexuais, deficientes físicos e outros segmentos sociais - é, na realidade, o reconhecimento público do direito de cada cidadão de se apresentar como candidato; é a visibilidade do exercício não discriminatório; e a ampliaçao das nossas possibilidades de escolha, pela inclusão de um gênero a mais no leque de opções. Deste ponto de vista é um passo além. Mas uma sociedade mais leve, mais divertida, suave e amorosa não é uma questão de gênero. Votar em mulher por ser mulher, é quase o mesmo que atribuir uma situação de liderança a um homem porque ele é homem: o buraco é mais embaixo, as escolhas se vinculam a jeitos de viver, de criar. de construir e de sonhar o mundo, um mundo de homens e de mulheres. E de aves, de plantas, de água, solo, ar e tudo o mais que vive nesse nosso planetinha azul, cosmicamente pulsando e interagindo num universo infinito.

Homens e mulheres, sei que temos nossas singularidades, nossas diferenças desde à biologia e eu amo cada uma delas. E mais que tudo, sei que somos complementares, a unidade dos contrários.

Kusum Toledo é pesquisadora e educadora ambiental, trabalha com participação comunitária no manejo de recursos naturais. kusumtoledo@netpar.com.br

Este texto foi originalmente comentado por Odilon Vargas Toledo e incorporou sua contribuição. Sua primeira versão foi lida ainda por Arthur Soffiati, Amyra El Kalili e Mauricio Mercadante.

* combinação de falas múltiplas a partir de Adelia Prado

Consulte o banco de dados da Rede CTA-UJGOIAS
O Universo Jurídico do Estado de Goiás
http://www.ujgoias.com.br - ujgoias@ujgoias.com.br

"A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo"    Peter Drucker

De: Andressa Paula Sampaio Rissatto  <derissat@siteplanet.com.br>
Data: Sáb,  2 de Set de 2000 1:09pm
Assunto: Cidadania: o papel da contextualização do real na EA

" Uma das grandes, se não a maior tragédia do homem moderno, está em que é hoje  dominado pela força dos mitos e comandado, pela publicidade organizada,
ideológico ou não, e por isso vem renunciando cada vez, sem saber, à sua capacidade  de decidir. Vem sendo expulso da órbita das decisões. As tarefas de seu tempo não  são captadas pelo homem simples, mas a ele epresentadas por uma "elite" que as  interpreta e as entrega em forma de receita, de prescrição a ser seguida. E quando  julga que se salva seguindo as prescrições, afoga-se no anonimato nivelado da  massificxação, sem esperança e sem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito.
Rebaixa-se a puro objeto."
Paulo Freire.

De: Esther  <ocadocurumim@uol.com.br>
Data: Dom,  3 de Set de 2000 11:28pm
Assunto: En: TUDO O QUE EU PRECISO SABER

 

TUDO O QUE EU PRECISO SABER EU APRENDI NO JARDIM DE INFÂNCIA

Robert Fulghum

Tudo o que eu preciso saber sobre a vida, o que fazer e como ser eu aprendi no Jardim de Infância.

A sabedoria não estava no topo da montanha de conhecimento que é a faculdade, mas sim, no alto do monte de areia do Jardim de Infância.

Essas são algumas coisas que eu aprendi: Dividir tudo. Ser justo. Não machucar ninguém. Colocar as coisas de volta no lugar de onde foram tiradas. Arrumar a própria bagunça. Nunca pegar o que não é seu. Pedir desculpas sempre que magoar alguém. Lavar as mãos antes das refeições. Dar descarga. Leite com bolachas fazem bem para a nossa saúde.

Viver uma vida balanceada: aprender um pouco, dançar um pouco, desenhar um pouco, pintar um pouco, cantar um pouco, dançar um pouco, brincar um pouco e trabalhar um pouco todos os dias.

Tirar uma soneca todas as tardes.

Quando sair na rua olhar: os carros, dar as mãos e ficar junto.

Lembra daquela sementinha de feijão no potinho de Danone? As raízes crescem para cima e ninguém sabe com certeza como ou por que, mas todos nós somos exatamente como ela.

Peixinhos, passarinhos, gatinhos e cachorrinhos e até mesmo a sementinha de feijão no potinho de Danone - todos morrem - assim como nós.

E então lembre-se dos livros de Chapeuzinho Vermelho e das primeiras palavras que você aprendeu. As maiores de todas: Mamãe e Papai.

Tudo o que você precisa saber está lá em algum lugar. Regras sobre a vida, o amor, saneamento básico, ecologia, política, igualdade e fraternidade. Pegue qualquer um desses termos e extrapole para sofisticadas palavras da linguagem adulta e então aplique em sua vida familiar, trabalho, governo ou mundo, e tudo continua firme e verdadeiro.

Pense como o mundo seria melhor se todos nós - o mundo inteiro tomássemos leite com bolachas as três horas da tarde, todas as tardes e depois, deitássemos com nossos travesseiros no sofá da sala para uma soneca.

Ou então, se todos os governos tivessem como política básica sempre colocar as coisas de volta no lugar de onde foram tiradas e também sempre arrumar suas próprias bagunças.

E continua verdade, não importa sua idade, quando sair para o mundo dê as mãos e fique junto.

De: Bere  <projetovida@uol.com.br>
Data: Ter,  5 de Set de 2000 9:33am
Assunto: LIXO



LIXO


Encontram-se na área de serviço.
Cada um com o seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom dia ...
- Bom dia.
- A senhora é do 610.
- E o senhor do 612.
- Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
- Pois é ... - Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo ...
- O meu quê?
- O seu lixo.
- Ah ...
- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena ...
- Na verdade sou só eu.
- Mmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.

-   É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar ...
- Entendo.
- A senhora também ...
- Me chama de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim.
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas como moro sozinha, às vezes sobra ...
- A senhora ... Você não tem família?
- Tenho, mas não aqui.
- No Espirito Santo.
- Como é que você sabe?
- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espirito Santo.
- É. Mamãe escreve todas as semanas.
- Ela é professora?
- Isso é incrível! Como você adivinhou?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- Pois é ...
- No outro dia, tinha um envelope de telegrama amassado.
- É.
- Más notícias?
- Meu pai. Morreu.
- Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
- Foi por isso que você recomeçou a fumar?
- Como é que você sabe?
- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
- Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei, mas tenho visto uns vidrinhos de comprimidos no seu lixo ...
- Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
- Você brigou com o namorado, certo?
- Isso você também descobriu no lixo?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
- É, chorei bastante, mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos ...
- É que estou com um pouco de coriza.
- Ah.
- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
- Namorada?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa
antiga.

- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você esta analisando o meu lixo!
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la . Acho que foi a poesia.

- Não! Você viu meus poemas?
- Vi e gostei muito.
- Mas são muito ruins!
- Se você achasse eles ruins mesmos, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
- Se eu soubesse que você ia ler ...
- Só não fiquei com ele porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através dos lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário.
É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, ai você já está indo fundo demais no lixo. Acho que ...
- Ontem, no seu lixo ...
- O quê?
- Me enganei, ou eram cascas de camarão?
- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
- Eu adoro camarão.
- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode ...- Jantar juntos?
- É. Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
- Vai sujar a sua cozinha.
- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
- No seu lixo ou no meu?

( Luís Fernando Veríssimo)

 

 

 

De: Bere  <projetovida@uol.com.br>
Data: Ter,  5 de Set de 2000 9:33am
Assunto: PARADOXO FUNDAMENTAL DO CONHECIMENTO



 

PARADOXO FUNDAMENTAL DO CONHECIMENTO

Um dos objetivos das ciências físicas era o de dar uma descrição exata do mundo material.

A conquista da física do século XX foi mostrar que esse objetivo é inatingível. Ano após ano divisamos instrumentos mais precisos a fim de observar a natureza - com maior precisão, mas, ao examinarmos as imagens obtidas ficamos decepcionados, ao constatar serem elas ainda muito indefinidas, trazendo-nos a sensação de que a incerteza é tão grande como sempre foi. É como se estivéssemos perseguindo um objetivo que foge para o infinito no momento em que o avistamos.

Reconhecemos o mesmo objeto em diferentes ocasiões porque ele permanece o mesmo e não porque permanece exatamente o mesmo. As coisas permanecem toleravelmente semelhantes a si mesmas. No ato do reconhecimento entra um julgamento - uma área de tolerância ou de incerteza (Princípio de incerteza de Heinsenberg).

A informação da qual o elétron é portador é limitada em sua totalidade. Quer dizer, por exemplo, que sua posição e velocidade se ajustam de tal forma a estarem confinados à tolerância do quantum. Dessa maneira, o princípio de Heinsenberg postula que nenhum evento, nem mesmo os eventos atômicos, pode ser descrito com certeza, isto é, com tolerância zero. No mundo do átomo a área de incerteza é sempre mapeada através do quantum. No ato do reconhecimento de um objeto entra um julgamento - uma área de tolerância ou incerteza.

A ciência compreendeu ser a troca de informação entre o Homem e a Natureza e dos Homens entre si. Essa troca só é possível se si trabalha dentro de uma margem de tolerância. Todo conhecimento, toda a informação entre seres humanos só pode ser negociada tolerantemente. Tal assertiva é verdadeira, quer se trate de ciência, de literatura, de religião, de política e mesmo de qualquer forma de pensamento.

J. Bronowski, 1983: A Escalada do Homem. Trad. Núbio Negrão. Martins Fontes / Ed. Univ. de Brasília. Do original: The Ascent of Men. British Broadcasting Corporation. Science Horizons Inc, 1973.

 

De: Bere  <projetovida@uol.com.br>
Data: Ter,  5 de Set de 2000 9:33am
Assunto: Relações do Budismo com a Ecologia




 

Relações do Budismo com a Ecologia.

Buddha foi o primeiro ecologista de que temos notícia. Entretanto, existe nas tradições budistas alguma coisa referente a temas “ecológicos”? Bem, exatamente sob o termo “ecologia”, que é uma palavra de raiz grega, não. Mas existem um conjunto de Ensinamentos que são hoje a base do pensamento “ecológico”.

 A visão ecológica budista é uma visão global, levando em conta o homem e seu ambiente, seu mundo interno e externo. Na equação ecológica budista entram variáveis como a vida ética, o meio de vida correto, respeito à vida de todos os seres, autoconhecimento, dar acesso igualitário às pessoas às riquezas produzidas num país, promoção do bem-estar geral,  Amor Universal, paz, organizar modelos ou unidades pequenas e descentralizadas em todos os níveis da vida, etc, etc.

 A visão ecológica que Buddha nos legou há mais de 2500 anos, é ainda totalmente atual, pelo simples fato de que Seus Ensinamentos tratavam ontem, como hoje, de coisas básicas a todo ser humano.  Antes de ensinar uma ecologia da Natureza, o Senhor Buddha ensinou uma ecologia da Mente. Pela lógica budista é um contra-senso sair gritando pelas ruas, por exemplo, contra a derrubada de árvores na Amazônia, quando aqui mesmo ainda poluímos nosso ambiente com toneladas de lixo pelas ruas e calçadas.  O que deve mudar é a atitude interior de cada um, para haver primeiro um maior respeito e senso de responsabilidade pelo espaço em que se vive e se compartilha com o semelhante. O Budismo diz que a verdadeira Revolução é a interior - o resto vem em decorrência dela. É inegável que sair pelas ruas protestando pelas ruas por uma causa justa tem imenso valor, mas as pessoas fazem isto movidas pelo modismo, ou pela simples raiva, ou porque é “certo”, ou porque ser ecológico é “in”. Não fazem isto porque é uma coisa que vem de dentro delas, por Compaixão e reverência por todos os seres. É bem fácil de encontrar uma pessoa que abrace uma causa ecológica, mas que na vida real e privada viole todas as regras sensatas de boa convivência e relacionamento com os seres humanos, não-humanos e ambiente ao seu redor !

 Ecologia significa hoje a busca do equilíbrio; muito mais que o mero estudo das inter-relações.  E hoje este equilíbrio leva em conta muito mais fatores do que no tempo de Buddha, como a banalização e generalização da pobreza; fatores políticos e tecnológicos, e até morais.

 O respeito à vida, sua preciosidade e inviolabilidade é garantido na primeira regra de conduta que todo budista deve praticar, que é : “Comprometo-me com as regras de conduta, para abster-me de destruir vidas”. Isto significa muito mais do que um simples “não matarás”.  Aquele que não respeita a vida como um todo não é budista. Os Ensinamentos urgem que desenvolvamos Amor e Compaixão por todos os seres, indistintamente, sejam pessoas, animais ou plantas; seres visíveis ou invisíveis.

Existem diversas passagens da vida do Buddha e diversos sutras que demonstram bases de atitude que hoje chamamos ecológicas, das quais gostaria de relatar três.

 A primeira é uma passagem da vida do Sublime, quando Ele observava um rebanho de carneiros, que avançavam lentamente, conduzidos por pastores. No rebanho havia um cordeirinho manco, ferido. O Buddha foi ter com os pastores e perguntou para onde eles estavam sendo levados. Os pastores responderam que, por ordem do rei Bimbisara, o rebanho seria levado à noite para o sacrifício, sendo imolados em honra dos deuses hindus. Na sala dos holocaustos, Buddha viu brâmanes cantando mantras e avivando o fogo. Chegou na hora que um deles estava pronto para cortar o pescoço de uma cabra estirada. Buddha não perdeu tempo. Avançou correndo e dizendo: “Não a deixeis ferir, ó grande Rei!”, ao mesmo tempo que libertava a cabra. E então dirigiu um sermão a todos, falando da vida que todos podem tirar mas não podem dar, mostrando que tudo que vive está ligado por um laço de parentesco. Disse também que derramar sangue, seja de quem for, não alivia em nada o efeito dos nossos erros.  Falou que, se os deuses eram realmente bons, não poderiam se comprazer com a morte de milhares; e se eram maus, não poderiam lançar para outro ser sequer o peso de um fio de cabelo dos erros que cada um deve responder individualmente. Respeito à vida dos animais é ecologia.

 O segundo ponto é que Buddha lutou contra as diversas tiranias que encontrou na sociedade indiana da época, como a segregação das castas, o abuso do poder da classe sacerdotal bramânica, etc. Na verdade, toda tirania é afirmação do ego e do egoísmo, e Buddha denunciou a tirania de nossas mentes subjugadas pela avidez, pela ignorância, e pelas sujeiras mentais. Como antídoto para estas coisas, Ele apresentou o autoconhecimento, a Sabedoria, o Amor  e a energia. 

 Na época de Buddha, o orgulho e a tirania foram institucionalizados no sistema de castas, que não permite a mobilidade social. Uma pessoa nascia dentro de uma casta e nela morria, e infelizmente isto ainda ocorre para os indianos que não se desvencilharam desta tradição insensata. Este sistema é dito ser uma criação do deus Brahma, e tem sanção religiosa. Buddha confrontou abertamente estas coisas, apresentando argumentos biológicos (que ninguém nasce socialmente isto ou aquilo, mas vem a tornar-se) e a teoria da origem dos reis e dos Estados ( que surgiram como uma resposta natural à necessidade dos povos de segurança interna e externa).  A motivação do Buddha era a liberação de todos os seres. Respeito à condição humana, baseada na igualdade de oportunidades é também ecologia.

 O terceiro ponto está relatado no Sutra Sigalovada, onde Buddha explica  detalhadamente os deveres entre pais e filhos; amigos, discípulos e mestres. Fala também até em como se gastar o que se ganha, quanto poupar; fala dos deveres de um cidadão e do Estado. Como o sutra é muito grande, não dá para discorrer sobre ele aqui.  O sutra, ao invés de falar de direitos, fala somente de deveres e obrigações entre diversos grupos que, quando preservados, levam à harmonia e justiça em sociedade. Se Buddha falasse de direitos, isto só daria vazão ao egoísmo de um (grupo) achando-sse mais no direito do que o outro. Quando cumprimos nossos deveres, os direitos do próximo e os meus são automaticamente assegurados. A aplicação máxima dos ideais budistas pode ser encontrada na sociedade inspirada pelo imperador indiano Ashóka, que transformou a Índia de seu tempo numa potência de paz e prosperidade. Em resumo, a harmonia das relações humanas também é ecologia.

 Como o Budismo não sustenta, nem nunca sustentou a preponderância do ser humano sobre a Natureza, ele nunca deu sanção religiosa  à exploração da Natureza. Até a chegada dos europeus em massa no Oriente, diversas nações já contavam com mais de mil anos de Budismo, e os europeus ainda encontraram países com florestas exuberantes e faunas preservadas. De lá para cá, a crescente influência ocidental tornou os budistas distanciados de suas tradições espirituais e, portanto, mais relaxados na conservação de seu patrimônio, dando livre caminho para a ganância da exploração comercial da Natureza. Mas ainda existem preciosidades como o Buthan e o Japão, ainda cobertos por florestas.

 Não interessa para o budista especular se o mundo foi criado por um deus ou por diversos. As teogonias são mutuamente excludentes e confusas... O que interessa para o budista genuíno é a ação. Aliás, uma das coisas que caracterizam uma pessoa como budista é se ela pratica o Ensinamento do Buddha, e não a sanção de um rito religioso como o “batismo”.  E, pensando em ação, o Buddha colocou a Ação Correta e o Meio de Vida Correto como dois ítens indispensáveis da Nobre Senda Óctupla. O budista deverá evitar ganhar a vida com uma ocupação que seja nociva a si e aos demais. A subsistência correta está subjacente ao Caminho budista. O ponto de vista budista considera o trabalho como sendo tríplice em função: 1- dar ao homem a oportunidade de utilizar e desenvolver suas habilidades; 2- possibilitar-lhe a superação de seu egocentrismo, unindo-se a outros em tarefas comuns; 3- gerar produtos e serviços necessários a uma existência digna. São infinitas as conseqüências que decorrem desta concepção. Organizar o trabalho de modo que se torne maçante, embrutecedor ou irritante, é uma atitude criminosa, que indica uma preocupação maior com os bens de produção do que com as pessoas. Na visão budista deste assunto, há dois tipos de mecanização: uma que realça a habilidade e o poder do homem, e outra que transfere o trabalho de um homem para a máquina. Ananda Coomaraswamy nos diz: “...há uma distinção entre uma máquina e uma ferramenta. Por exemplo, o tear de tapeçaria é uma ferramenta, o tear mecânico, porém, é uma máquina, e seu significado como destruidor da cultura reside no fato de executar a parte essencialmente humana do serviço”.  Assim, existe uma economia de moldes budistas, e essa economia é diferente daquela gerada pelo materialismo, já que o Budismo vê a essência da civilização na purificação do caráter humano, a que o trabalho se presta, e não na multiplicação das necessidades e dependências, que a “Segunda Onda” de Alvin Toffler - a Era Industrial atual que engoliu o mundo- produz. A tônica da economia budista é a simplicidade, o saber usar corretamente nossos recursos, em todos os níveis; é a não-violência. Segundo E.F. Schuhmacher, o maravilhoso no ponto de vista econômico budista é a racionalidade absoluta de seu modelo - meios espantosamente reduzidos, levando a resultados altamente satisfatórios.  Em termos até de ecologia da Natureza, este modelo econômico de milhares de grupos/aldeias e cidades, auto-sustentadas e interrelacionadas, em subsistência correta, é um  modelo que pode salvar o mundo da exaustão de seus recursos....

 A visão ecológica budista, então, engloba uma sábia economia ou meio de vida, pois regula nosso relacionamento com o meio ambiente, sem maltratá-lo. Temos de aprender a tocar o mundo de leve. O mundo de hoje só tem a ganhar aplicando a economia ecológica e o meio de vida correto, como de fato muitos setores e iniciativas particulares já vem fazendo. Os países budistas também deveriam redescobrir esta tradição para seu próprio bem. Simplicidade e não-violência andam de mãos dadas. A violência é resultado da escalada dos desejos insatisfeitos e da ganância patrocinados pela cultura industrial que gera dependências, consome quantidades enormes de matéria-prima para produzir um supérfluo. As sociedades mais primitivas, com todo arco e flecha, talvez fossem mais inócuas do que qualquer cidade do mundo moderno. Onde erramos?

 

Nossa vida diária também deve ser reflexo da sabedoria e do amor-compassivo. Devemos ter a sabedoria de utilizar do que dispomos, sem destruir, sem deteriorar condições, sem usurpar. Já dizia um anúncio da tv: “Sabendo usar, não vai faltar!” . É uma grande verdade. Comemos mais do que necessitamos, enquanto outros comem de menos. Taí a falta de espírito ecológico: satisfazer o próprio desejo, sem pensar no quanto se destrói, no quanto se consome, na quantidade de energia gasta para produzir uma pequena coisa; e ainda não damos um só pensamento para quem está fora desse privilegiado clube. Segundo os Ensinamentos do Buddha, deveríamos tocar o mundo de leve, utilizando o que nos dá , renovando seus recursos renováveis.

Se falamos somente em preservação da Natureza, esquecendo que ela começa primeiro dentro de cada um, então ela não será efetiva. E, seguindo o modelo de organização budista, quando existir milhares de pequenas comunidades ou grupos descentralizados, trabalhando no mesmo ideal, será mais fácil administrar problemas; serão mais difíceis de se corromper, e mais eficazes em cumprir suas metas.

Carlos Lessa

 

 

De: Bere  <projetovida@uol.com.br>
Data: Ter,  5 de Set de 2000 9:34am
Assunto: Como explicar o inexplicável



 

Como explicar o inexplicável - Um conto de Maria Cristina Zeballos de Sisto

(Buenos Aires, março de 1995)

do livro: Guía Práctica Ecologia Urbana – Centro de Investigaciones Ambientais de Gustavo Beliz / Editora Nueva Dirigencia

 Maria Cristina, advogada, certa vez deparou-se com uma pergunta de seu pequeno Frederico, de 5 anos que  lhe questionou sobre o cheiro e a cor do rio que havia visto num passeio da escola. Como lhe responder a esta questão? Como lhe explicar que esse era um rio poluído? Como lhe explicar que pessoas como seus pais eram responsáveis pela contaminação do rio? Como lhe explicar que para fabricar seus sapatos se contaminam litros de água? Resolveu, então, criar um conto:

 

                          Era uma vez, uma gota de água que morava numa grande e gorda nuvem, e se chamava GOTITA. Certo dia, la do alto da nuvem GOTITA viu no alto de uma montanha, um fio de prata que descia e ficava cada vez maior e brilhava como o sol. Muito curiosa, GOTITA perguntou a uma gota mais velha:

                          - O que é aquilo tão lindo que desce do alto da montanha?

                          A gota mais velha lhe respondeu que era a nascente de um rio que é formado por muitas outras gotas que vivem viajando e  moram com muitos peixes e plantas aquáticas.

                          - Quero ser rio também! respondeu animadamente.

                         

                          Para sua sorte, naquele momento começou uma forte chuva e GOTITA embarcou de carona para conhecer aquela maravilha. Mergulhou fundo no rio e tudo era como a gota mais velha lhe havia dito. Ali as águas eram cristalinas e foi então que começou sua viagem.

                          Logo deparou-se com algumas mulheres lavadeiras às margens do rio. Elas despejavam no rio uma água espumante e cheirosa e aquela água também seguia o curso do rio, então, tratou de continuar sua viagem.

                          Na manhã seguinte encontrou um pescador que havia pescado um bagre bigodudo. Foi até a margem para ver o que iria acontecer com o bagre e deparou-se com muitas latas e potes plásticos no leito do rio. Aquilo já não era mais tão bonito...

                          Seguiu sua viagem e a noite avistou muitas luzes que pareciam mil estrelas e sentiu a música de uma pequena cidade. Dois namorados diziam poesias quando ela passava, porém, em seguida lhe ocorreu algo muito desagradável: de um grosso tubo começou a sair um líquido marrom e de textura viscosa. Eram os dejetos de esgoto da cidade. Daí em diante as coisas mudaram. A viagem deixou de ser encantadora. O dono de um frigorífico sujou a água com sangue de um montão de animais e contaminou o rio com restos de tanino que saiam de seu curtume.

                          No dia seguinte passou por uma usina que produzia energia para a cidade. Os que fabricam eletrecidade utilizam a água do rio para esfriar as turbinas. Teve a sorte de conhecer uma turbina por dentro. Este último passeio a esquentou um pouquinho e alguns peixes morreram. A poucas horas adiante dos deságues de uma fábrica juntaram-se umas substâncias que têm nomes muito difíceis e que são muito perigosas. Realmente os humanos não deixavam GOTITA em paz. Neste momento ela pensou: “Que complicado é ser rio”. Logo passou um barco cheio de troncos de árvores que perdia petróleo que ele usava como combustível. Este último acontecimento a perturbou um pouco mais. Nesta noite descobriu que as estrelas quase não se refletiam na água e logo chegou a capital. Em seus arredores vivia muita gente. A sujeira se amontoava nas margens e não se via ninguém, somente muito lixo e entre ele, pneus de automóveis habitados por muitos caracóis que transmitem aos humanos uma doença muito rara. Logo se deu conta que o leito do rio estava coberto por algo negro. Escutou um senhor que dizia que aquilo era petróleo. O andar do rio era cada vez mais lento. Um automóvel velho era morada de muitos ratos as margens do rio. O rio já não era mais puro e nem cantava o canto das cachoeiras. A GOTITA sentiu um odor muito forte. Uma mamãe disse ao seu filho que não podia nadar neste rio porque as águas estavam contaminadas e o contato com essa água era muito perigoso. Neste momento a GOTITA avistou uma professora com seus alunos. “Eles vão querer brincar comigo”, pensou a GOTITA, porém somente escutou a voz de Frederico perguntando: ”o que é isso que cheira tão mal?” . GOTITA encheu seu coração de pena e ela se sentiu muito leve pois o sol começou a esquenta-la e a transformou novamente em nuvem. Suspirou de alívio, “Que susto”, exclamou “Estou limpa e de novo em casa”.

                          Quando se preparava para descansar de sua longa viagem desde o começo, viu uma grande mancha negra que entrava no mar: esse era o rio da Prata.

                           Assim Frederico aprendeu como os homens podem transformar a natureza.

                           Tradução e Adaptação - Berenice Gehlen Adams

 

 

 

De: Eduardo Bernhardt  <edubenhar@openlink.com.br>
Data: Ter,  5 de Set de 2000 9:57am
Assunto: Para reflexão


O HOMEM

Um cientista vivia preocupado com os problemas do
mundo e estava resolvido a encontrar meios para minorá-los. Passava dias em seu laboratório em busca de respostas para suas dúvidas. Certo dia, seu filho de sete anos invadiu o seu santuário decidido a ajudá-lo a trabalhar. O cientista nervoso pela interrupção, pediu ao filho que fosse brincar em outro lugar. Vendo que seria impossível removê-lo, o pai procurou algo que pudesse ser oferecido ao filho com o objetivo de distrair sua atenção. De repente deparou-se com o mapa do mundo, o que procurava! Com o auxílio de uma tesoura, recortou o mapa em vários pedaços e, junto com um rolo de fita adesiva, entregou ao filho dizendo: - Você gosta de quebra-cabeças ? Então vou lhe dar o mundo para consertar. - Aqui está o mundo todo quebrado. Veja se você consegue consertá-lo bem direitinho! Faça tudo sozinho. Calculou que a criança levaria dias para recompor o mapa. Algumas horas depois, ouviu a voz do filho que o chamava calmamente: - Pai, pai, já fiz tudo. Consegui terminar tudinho! A princípio o pai não deu crédito as palavras do filho. Seria impossível na sua idade ter conseguido recompor um mapa que jamais havia visto. Relutante, o cientista levantou os olhos de suas anotações, certo de que veria um trabalho digno de uma criança. Para sua surpresa, o mapa estava completo. Todos os pedaços haviam sido colocados nos devidos lugares. Como seria possível? Como o menino havia sido capaz ? - Você não sabia como era o mundo, meu filho, como conseguiu ? - Pai, eu não sabia como era o mundo, mas quando você tirou o papel da revista para recortar, eu vi que do outro lado havia a figura de um homem. Quando você me deu o mundo para consertar, eu tentei mas não consegui. Foi aí que me lembrei do homem, virei os recortes e comecei a consertar o homem, que eu sabia como era. Quando consegui consertar o homem, virei a folha e vi que havia consertado o mundo.

 

De:Alexandre Pimentel [ale.pimentel@bol.com.br]

 

Jornal do Brasil, Domingo, 10 de setembro de 2000

Guerra biológica chega à Amazônia

Cientista diz que Governo da Colômbia já iniciou as pesquisas com fungos contra plantações de coca e de papoula

MARCELO AMBROSIO

A guerra biológica na Amazônia é real. Está bem ali do nosso lado, na Colômbia, ainda restrita a laboratórios mas perto, muito perto, de mudar de cenário. Para cumprir o prazo de cinco anos estabelecido pela ajuda militar americana para erradicar metade das plantações de coca e papoulas nas suas florestas, o país terá que usar mais do que as toneladas de herbicidas químicos que vem despejando de aviões desde 1976. A ameaça não dimensionada à biodiversidade está no compromisso para o uso de fungos e outros vetores sobre a floresta, confirmado finalmente pelo governo no fim do mês passado depois de muitas negativas. Adotar a "solução verde" foi a maneira de acabar com culturas ilícitas de forma, aparentemente, seletiva.

"Foi iniciada uma investigação sobre possíveis controles biológicos a partir da fauna e da fora nativas, com a qual se assegura não existir risco para o meio-ambiente e a saúde", afirma o Ministério do Meio-Ambiente colombiano em nota oficial. O comunicado responde às críticas à proposta de se usar na floresta um herbicida que teria sido desenvolvido com DNA de um tipo importado do fungo Fusarium Oxysporum.

Risco - A resposta esconde mais do que explica. Isso porque, entre as possibilidades de controle biológico nativo - e é preciso que se encontre uma rapidamente - fungos como este têm a preferência pelo ataque interno às plantas, que morrem, em média, em três semanas. "Temos um tipo de Fusarium Oxysporum nas regiões onde se plantam a coca e a papoula. Provavelmente será esse o caminho a seguir. E é perigoso da mesma forma", avalia o sociólogo e escritor colombiano Ricardo Vargas, há 12 anos analisando os efeitos sociais e ambientais da dispersão química por aviões na floresta e em seus habitantes.

Ligado à ONG Acción Andina, Vargas está certo de que o projeto, que custará US$ 3 milhões, já começou, longe dos olhos da opinião pública e vai além da simples pesquisa, como vinha dizendo o Ministro do Meio-Ambiente, Juan Mayr. "Não se faz pesquisa sem objetivo prático. É parte essencial do plano assinado com os Estados Unidos e não haverá ajuda se não for cumprido. E o tempo é muito curto", analisa, revelando que a coordenação das pesquisas, secretas, estaria a cargo da Polícia Antinarcóticos do Ministério da Justiça. "Os ministério da Saúde e do Meio-Ambiente não têm acesso", garante ele, por telefone, de Bogotá.

Nota - A desconfiança está baseada também nas contradições do discurso oficial. A nota do Ministério do Meio-Ambiente afirma que o projeto inicial - de testes com o Fusarium importado - tinha apoio do Programa Internacional de Drogas das Nações Unidas.

Será? "Isso simplesmente não existe. O principal elemento da nossa estratégia é o desenvolvimento alternativo. Trabalhávamos com o governo da Colômbia para um método ambientalmente seguro à erradicação de cultivos ilícitos por fumigação aérea, mas não chegamos a nenhum acordo", declarou o diretor executivo do Programa das nações Unidas para Fiscalização Internacional de Drogas (UNDCP), Pino Arlacchi, em comunicado emitido em Viena, Áustria, no último dia 2.

Área - A UNDCP está tão preocupada que o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, designou um alto funcionário da instituição para acompanhar o caso. O emissário, o norueguês Jan Egeland, já está trabalhando em Bogotá. Procurados pelo JORNAL DO BRASIL, os representantes do governo negam tudo, até o teor da nota que emitiram. "Não vamos usar nada biológico. A erradicação deverá ser obtida através da fumigação com herbicidas e do corte manual", declarou o porta-voz do ministério, Carlos Rangel.

Ricardo Vargas contesta a afirmação usando a "matemática da coca". "Desde 1976, as plantações cresceram numa proporção muito mais rápida que a capacidade de fumigação. Dessa forma, nem em cem anos eles conseguirão acabar com os cultivos. Mas certamente acabarão com a floresta antes disso", analisa. Em tempo: em 1994 existiam 40 mil hectares plantados com coca na Colômbia. Hoje, depois de fumigados 230 mil hectares apenas nos anos 90, restaria ainda o triplo a ser atacado, apesar de o governo colombiano ter anunciado, quinta-feira, que em 2000 já foram destruídos quase 43 mil hectares.

Fungo ataca ser humano

Centro da discussão sobre o controle biológico da planta da coca, o fungo Fusarium Oxysporum tornou-se a vedete dos debates sobre a guerra biológica na Amazônia depois que, no início de julho, foi divulgada a informação de que seu uso, ou melhor, o uso de uma parte do seu DNA que ataca especificamente a coca, serias importada com o aval da ONU para fazer parte do pacote antidrogas na Colômbia.

Segundo a micóloga da Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz, Kátia Rodrigues, o Fusarium é um tipo de fungo fitopatogênico, ataca apenas as plantas. "Ele se aloja no sistema radicular das espécies, causando danos vasculares e impedindo que haja circulação de seiva. A planta morre asfixiada", analisa. Kátia confirma a possibilidade de um ataque específico. "Há um tipo de fungo na família que afeta a Eritroxilum coca, como a planta da coca é conhecida. O problema é que fungos atacam também insetos e outras plantas. Ninguém sabe que tipo de dificuldade surgiria da introdução de grande quantidade de uma espécie. Será que ele destrói somente a coca?", pergunta.

Além da questão da manipulação, a micóloga ressalta que é preciso lidar com os fungos tendo em mente que eles se alteram. "O próprio Fusarium encontrado aqui no Brasil antes fitopatogênico, já está causando infecções sistêmicas em pacientes imunodeprimidos, como os soropositivos, além da onicomicose, uma doença nas unhas e ceratite, inflamação da córnea", descreve a cientista. Curiosamente, uma das culturas do laboratório da Fiocruz veio das areias da Praia de Ipanema.

 

A sombra tóxica do Glifosato

Independente do desmatamento que cria ao destruir as plantações, os efeitos da fumigação prolongada com o herbicida Glifosato sobre as áreas de coca e papoulas já começaram a aparecer. E poderão, segundo o cientista colombiano, chegar ao Brasil pelos rios Japurá e Icá, no Amazonas. Nos Estados Unidos, o fabricante foi obrigado judicialmente a retirar do rótulo a expressão "biodegradável". "E o que tenho visto confirma que é um produto que se acumula. Só morre 27% daquilo que se fumiga", conta ele. Nos catálogos disponíveis no Brasil, o Roundup, ou Fosfometilglicina, aparece como um herbicida de persistência curta no ambiente, com deslocamento pequeno, absorção lenta pelas plantas e sem seletividade.

Em áreas de pasto, o local atingido pelo spray aéreo costuma ficar amarelado por mais de um ano. "O gado que consome essa gramínea perde peso e pelos. Além disso, morrem galinhas e outros pequenos animais. Espécies inteiras de peixes desaparecem de uma hora para outra", afirma outro cientista, o biólogo holandês Martin Jelsma, do Instituto Transnacional, organização com sede em Amsterdam que se dedica à pesquisa do narcotráfico em todo o mundo.

Porém, mais que os animais, é a população que sofre. "A ingestão da água de rios ou de alimentos nessas regiões tem provocado vômitos, diarréia, dores de cabeça e náusea. Sabe-se lá que moléstias virão", descreve o biólogo. No ecossistema, o maior prejuízo é o desaparecimento de uma espécie de palma, o Cananguchal, "oásis vegetal" que abriga e alimenta vários animais e pássaros amazônicos. É também essencial à vida dos índios, que a chamam de Árvore da Vida, tal a gama de utilizações.

E não foram poucos os litros de Glifosato lançados em vôos que, atualmente, atingem também culturas de subsistência das comunidades rurais pobres. São misturadas às plantações de coca como uma tática dos traficantes ou alternativa desesperada de quem já teve a terra atingida indiscriminadamente - um dos efeitos sociais mais drásticos da fumigação. Segundo Jelsma, entre 1992 e 1998, 1.897.357 litros de Glifosato foram jogados sobre áreas de coca. As papoulas receberam, no mesmo período, 540.979 litros.

Poderia ser pior. Por pressão americana, testes com os herbicidas granulados Imazapyr e Tebuthiuron foram feitos na Colômbia. Contra a vontade do mesmo Ministério do Meio-Ambiente que garante que a pesquisa biológica não será usada e dos próprios fabricantes. "Além de mais tóxicos, eles poderiam ser lançados a uma altitude maior, contra os 10 a 15 metros do Glifosato. Com isso, áreas muito maiores seriam afetadas", avalia Ricardo Vargas.

Ameaça real

Sociólogo, autor de vários livros sobre temas andinos, com larga experiência no acompanhamento local dos efeitos sócio-econômicos da ação contra drogas nas florestas colombianas, Ricardo Vargas é um dos muitos cientistas que vêm tentando representar, para a sociedade, o papel de "periscópio", furando o muro de silêncio em torno do combate biológico às drogas erguido à sombra dos compromissos assumidos com o Plano Colômbia. Compromissos que, segundo ele, impõem muito mais em consequências do que cedem em soluções, sobretudo no campo econômico. "O único benefício comercial que o país terá será a facilidade na entrada, no mercado americano, de produtos têxteis e manufaturados. Isso deixa toda a população envolvida com o plantio da coca de fora de qualquer programa de substituição", afirma. O tema é tão preocupante para a comunidade científica dos países vizinhos que será objeto de uma conferência internacional que será realizada em Quito, no Equador, em outubro.

- No que o sr. se baseia para temer a pesquisa anunciada pelo governo ?

- Em 25 anos de ataque aos cultivos ilícitos, nunca foram realizados estudos de impacto sobre a saúde e o meio-ambiente provenientes do lançamento de herbicidas. Não há acesso, estrutura e equipamentos para medir o impacto, que já é sério sem a guerra biológica. Se não foram criados dispositivos para estudar os efeitos dos herbicidas, logicamente não o serão para fungos e outros agentes.

- Quais seriam os riscos para países vizinhos como o Brasil?

- O argumento de que se tentará usar apenas agentes biológicos nativos é uma desculpa para escapar das críticas ao Fusarium importado. Para o prazo acordado, até 2005, a alternativa poderia ser o mesmo Fusarium Oxysporum que há na semente da coca, que é controlado pela natureza. Espalhar quantidades maiores representa um desastre potencial para toda a Amazônia. Incluindo a brasileira.

- Por que?

- Porque em um ambiente natural estariam entrando mais agentes, mesmo nativos, de uma mesma espécie muito superior ao que a natureza consegue administrar. Os efeitos dessa superpopulação são imprevisíveis.

- O governo nega.

- O ministro do Meio-Ambiente, Juan Mayr, enviou uma carta à Organização de Povos Indígenas Colombianos afirmando que o controle biológico é uma alternativa que está sendo buscada. O estilo de governo aqui é assim, vertical, excludente, secreto e arbitrário. A comunidade científica não participa do projeto.

- Qual foi a reação dos países mais próximos à decisão pelo ataque biológico?

- Estão temerosos. Peru e Equador, por exemplo, já proíbem qualquer tipo de pesquisa com agentes biológicos e até a fumigação. A Bolívia não proibiu, mas, segundo o presidente Hugo Banzer, os pés de coca estarão extintos lá antes que o agente esteja desenvolvido. Não sei do Brasil.

- Nunca houve acompanhamento dessas questões?

- Até 1986 algumas comissões estiveram fizeram análises. Os governos anteriores criaram mais exigências e debates, mas não condições técnicas. Somos o país que mais fumigou cultivos no mundo e o que menos sabe do impacto sobre a saúde.

- Voltando ao Brasil, a ameaça biológica assusta. Mas a contaminação por químicos não é mais imediata?

- Sim, e mais drástica. Apenas entre 1992 e 1998, foram jogados na floresta 1 milhão e 900 mil litros de herbicida Glifosato (conhecido como Roundup) sobre áreas de coca e 541 mil litros sobre papoulas. Tudo isso foi para algum lugar.

- Para onde?

- A água leva o excesso do herbicida, e também os produtos usados para prepará-lo, como vinagre e dispersante, um surfactante altamente tóxico. Além disso, o solo recebe químicos do processamento da pasta base da coca, como gasolina, cimento, ácido sulfúrico e permanganato de potássio.

- Que áreas o Sr. apontaria na Colômbia como críticas? O Brasil pode estar sofrendo esse envenenamento?

- Eu destacaria os vales dos Rios Putumayo e Caquetá. Os dois estão arrastando uma quantidade de elementos para o seu país, para o Amazonas. (No Brasil, o Putumayo vira Japurá e o Caquetá é rebatizado de Icá).

- Os defensores do herbicida afirmam que não é agressivo ao meio-ambiente. O que leva o sr. a concluir o contrário?

- O tempo do uso e também o fato de que, na Colômbia, a proporção da mistura não é a recomendada pelo fabricante (a americana Monsanto). O ideal é que em 200 galões, 10 sejam de Glifosato, 184 de água, 4 de vinagre e dois de surfactante. Dois a três litros são suficientes para desfolhar um hectare (10 mil metros quadrados). Aqui se usam 13 litros por hectare em uma mistura que, muitas vezes, traz o dobro da quantidade de herbicida. (M.Am.)