InformaLista

O Informativo da lista “Educaço Ambiental”

No. 19 - Segunda Parte

Alguns textos apresentados na Lista de Discussão do Projeto Apoema - Educação Ambiental (Antigo Projeto Vida – Educação Ambiental)

Os textos não passaram por revisão ortográfica, portanto, podem haver erros.~


Uma floresta de papel

Josiane Giacomini Alves, do Cosmo On Line

 

Você acha possível um livro ter 178 árvores inteiras e mais 662 passarinhos? Pode acreditar: o livro Para se ter uma floresta, de João Proteti, tem sim. Mais: um a um - as árvores e os passarinhos - foram desenhados por ele, com lápis de cor. Isso sem falar no texto. O trabalho demorou seis meses para ficar pronto.

O livro Para se ter uma floresta foi editado pela Papirus, custa R$ 15,00 e já pode ser encontrado nas livrarias. Confira agora um pouquinho das idéias do João Proteti.

Cosmo Criança - Quando e como aconteceu a idéia de fazer o livro Para se ter uma floresta?
João - Desenho árvores e pássaros desde sempre e acho que eles estavam prontos e armazenados aqui dentro. De repente, no estalo, saíram com texto e ...pronto.

O seu livro tem 178 árvores e 662 passarinhos (contando com a capa). Quanto tempo você levou para fazê-los?
Desenhei e colori um a um, com tamanha alegria que me esqueci de contar o tempo.

Você usou muitos lápis de cor para fazer o livro?
Não sei quantos lápis usei, mas foram muitos. Tão bom tê-los esparramados na mesa por seis meses e fazê-los virar árvores, passarinhos, chuva, semente...

E porque você escolheu lápis de cor?
Trabalho sempre com lápis de cor. Dificilmente uso aquarela ou acrílica. Certamente é pela leveza e delicadeza que minhas idéias pedem. Principalmente no Para se ter uma floresta.

Algum passarinho que lhe serviu de base?
Os passarinhos não são baseados em passarinhos reais. Quem me dera que eu fizesse passarinhos belos como os de Deus! E eu gosto de todos, por igual.

Você costumava desenhar muito quando era pequeno?
Não muito. Talvez um pouco mais do que normalmente crianças desenham.

Você acha que escrever/desenhar sobre temas como a preservação ecológica é um jeito de 'acordar' a garotada? Você tem essa intenção quando faz um trabalho assim?
Sabe, desde pequeno que os lápis verde e azul sempre acabam primeiro nas minhas caixas de lápis de cor. Depois de adulto é que vim perceber e saber que sempre fui ecológico, sem saber que era. Sempre desenhei árvores, céu, arco-íris, caminho, chuva, passarinho, montanha, planície, mas nunca tive essa preocupação de acordar ou conscientizar outras pessoas para a questão da ecologia. Tudo que faço, faço porque preciso fazer, por mim. Claro que se as pessoas se conscientizarem da sua importância como ser ecológico vendo qualquer trabalho meu, fico satisfeito.

 

http://www.cosmo.com.br/crianca/materias/literatura0624.shtm


Cidadania Ecológica
Promover a qualidade de vida e a consciência ambiental
(texto organizado a partir de reflexões de Pedro Jacobi[1] no Jornal da Abong)

Uma forte tendência nas grandes cidades, tem sido o crescimento dos problemas ambientais em função da dinâmica da urbanização predatória. Contribui diretamente para esta realidade, o déficit de moradia especialmente para as populações de baixa renda, que inclusive acabam sendo diretamente afetadas por muitos destes problemas ambientais.

Poucas são as cidades que escapam desse quadro crítico, que combina muitos fatores, entre eles a precariedade dos diversos serviços e a omissão do poder público na proteção/preservação das condições de vida da população. No entanto, há que se reconhecer que o descuido, a omissão, a falta de informação, etc dos moradores dos centros urbanos, também colabora com o agravamento dos problemas ambientais.

Este processo de degradação ambiental que vem ocorrendo em muitas cidades, tem entre outros fatores relevantes a contaminação da água potável, a falta de cobertura da rede de esgotos, o déficit do sistema de tratamento de água servida, os problemas com a destinação do lixo doméstico, a falta de controle sobre a produção dos resíduos tóxicos, a emissão de poluentes oriundos dos veículos, o aumento da proliferação de vetores de doenças oriundas muitas vezes, da falta de educação sanitária e de saneamento, etc.

O grande desafio posto, é a necessidade de fortalecer a importância da qualidade de vida articulada à ampliação da consciência ambiental. Nessa relação a defesa da qualidade de vida, está baseada na noção de bem coletivo que envolve especialmente as condições de saúde, a satisfação das necessidade humanas básicas, as condições de moradia e de transportes, a oferta de educação, o acesso à infraestrutura e a rede de serviços, etc.

Ainda são muito incipientes as mobilizações sociais em torno da necessidade de evitar a deteriorização da qualidade de vida, na perspectiva da cidade como um todo. A população em geral, se mobiliza a partir dos impactos imediatos e ameaças que a emergência do problema acarreta. A classe média brasileira por exemplo, surge à cena pública através de manifestações muitas vezes voltadas para a preservação de áreas verdes, ameaçadas pela especulação imobiliária.

Em algumas ocasiões, o apoio de organizações da sociedade civil em muitas manifestações, possibilita maior visibilidade e repercussão, estrapolando o espaço local. Mais ainda é pouco.

O avanço das práticas mobilizatórias que questionam a dilapidação do meio ambiente através da sua proteção, preservação, conservação, recuperação e controle deve estar apoiado na multiplicação de práticas participativas diversificadas e numa ampla informação ambiental para a cidadania, bem como em campanhas educativas.

O acesso à informação é de considerável importância, pois potencializa mudanças de comportamento necessárias à uma ação mais orientada para o interesse coletivo. Qualquer cidadão bem informado quando amplia seus horizontes de conhecimento, identifica a importância de sua contribuição nos destinos da cidade. O resultado é que a participação ativa pode levar à co-responsabilidade.

O atual quadro de degradação ambiental nas cidades, está a exigir novos valores e comportamentos, tanto no plano individual quanto coletivo como também dos gestores públicos.

No campo da ação das administrações municipais, a questão ambiental merece atenção urgente e de investimentos significativos. Mas além disso, a abordagem dos problemas ambientais, mais do que ações localizadas deve estar presente na construção e realização de um projeto de CIDADE SUSTENTÁVEL. Isto significa entre outros pontos, que uma política ambiental deve ser traduzida nas diversas ações municipais. Nesse sentido, investimentos na área da saúde necessitam de sintonia com o tratamento da questão do saneamento, por exemplo.

Segundo Jacobi, o que está em jogo é a necessidade de responder ao atraso na implantação de infraestrutura ambiental, assim como de reverter a lógica de estimular obras pontuais para responder a problemas muito específicos.

Algumas experiências inovadoras de implantação de Políticas Municipais de Meio Ambiente, revelam que havendo vontade política, é possível viabilizar ações governamentais pautadas pela adoção de princípios de sustentabilidade ambiental, conjugada com resultados na esfera do desenvolvimento social. Um dado relevante desta tendência é com certeza a implementação em algumas cidades brasileiras da Agenda 21 Local[2].

 

[1] Professor da Unicamp e vice-presidente do CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea).

[2] A Agenda 21 Local é a tradução nas cidades, das propostas firmadas pela Agenda 21 Nacional, esta representa um conjunto de compromissos subscritos pelo Brasil durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92). A base desta proposta está centrada na questão da reorientação do estilo de padrão de desenvolvimento para a sustentabilidade, isto é, associando as dimensões da equidade, da sustentabilidade ecológica e da participação social ao crescimento necessário. A Agenda 21 Local já está sendo desenvolvida em cerca de 1.800 cidades em todo o mundo. No Brasil, o número de cidades com este compromisso está em torno de 20.   

 

http://www.boacidade.com.br/meio_ambiente06.htm


Consciência ambiental cresce, mas problemas continuam

Entrevista com Vilmar Berna - Jornalista e Editor do Jornal do Meio Ambiente



Quais são as principais conquistas na área ambiental no Brasil e no mundo?
O avanço crescente da consciência ambiental da população, mais devido à divulgação dos grandes acidentes ambientais, como os vazamentos de óleo da Petrobras, que por algum trabalho sistemático de educação ambiental. Ao expor a informação, a imprensa gera perplexidade na opinião pública, tornando-a sensível à mensagem de grupos de pressão como os ambientalistas, artistas, cientistas, políticos, por exemplo.

Assim, os acidentes com óleo provocados pela Petrobras, este ano, fizeram aumentar a consciência ambiental da população, e vejo isso como positivo pelas conseqüências que traz.

Uma das conseqüências é a criação de uma nova ferramenta de Gestão Ambiental, como a Comissão de Controle Social (CCS) dentro da própria Petrobras. Embora a Petrobrás não esteja levando muito a sério este instrumento, outras empresas, como a CSN e a INEPAR, estão incorporando-o aos seus sistemas de gestão, permitindo maior transparência ao controle industrial.

Também incluiria o avanço das ONGs e das Empresas como parte da solução para os problemas ambientais, ocupando um vácuo deixado pela crise do Estado. As ONGs estão cada vez mais profissionais e responsabilizam-se por cada vez maiores somas de recursos para projetos ambientais. As empresas também aumentaram seus investimentos em meio ambiente, muitas de forma voluntária, o que era inimaginável até bem pouco tempo.

A nova Lei de Crimes Ambientais também foi um avanço significativo, pois o desleixo ambiental começa a pesar no bolso das empresas irresponsáveis ambientalmente. Por conta dessa nova Lei, muitos Termos de Ajuste de Conduta puderam ser feitos, com vantagens para o meio ambiente.

Haveria outros sinais positivos, mas, para concluir, destacaria a articulação das mídias ambientais brasileiras em torno de um projeto comum, a democratização da informação ambiental como estratégia para a formação da cidadania ambiental brasileira.

A fundação da Ecomídias retirou do isolamento as diversas mídias ambientais que antes, ou ignoravam-se, ou viam-se como competidores pela publicidade. A Ecomídias ainda não conseguiu produzir os resultados que pretende alcançar. Seria exigir muito de uma associação que surgiu este ano, mas está no caminho certo.

Afinal, os problemas ambientais brasileiros são também os problemas de falta de participação política da sociedade brasileira no estabelecimento de estratégias de desenvolvimento. E só existe formação se houver antes informação que motive para o aprendizado e a participação. E este é o papel que as mídias ambientais brasileiras, como o Estado Ecológico [caderno do jornal Estado de Minas], estão desempenhando a duras, duríssimas, penas.

O que ainda precisa ser feito?
Acho que o principal desafio está em abandonar o mais rapidamente possível um modelo de desenvolvimento insustentável, que nos trouxe até aqui com muita degradação e poluição ambiental por um lado e muita miséria e injustiça social por outro.

A atual política desenvolvimentista do Governo Federal, embora tenha nichos de excelência ambiental, no todo ainda adota muito do modelo insustentável de desenvolvimento.

Não há nada de mal em ser desenvolvimentista, em querer mais empregos, mais renda, mais qualidade de vida para a população. O problema é que a política do Governo vem claramente concentrando renda e atropelando procedimentos e cuidados ambientais que exige das empresas e da sociedade.

Dentro dessa lógica, citaria como exemplos a atual política energética, que insiste em termelétricas a gás e carvão e até mesmo em uma terceira usina nuclear, mas não combate o desperdício que consome cerca de 30% da energia já gerada, não investe seriamente em energia solar ou eólica, apesar de seu baixo custo e enorme potencial no país etc.

Outro exemplo é a hidrovia Paraná-Paraguai, que será para o Pantanal o que as queimadas – como política de expansão de fronteira agrícola - tem sido para a Amazônia. Um desastre sócio-econômico e ambiental. E pensar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso vem sendo visto nos outros países como um dos líderes da chamada esquerda moderna.

Acrescentaria outras coisas a serem feitas, mas prefiro concluir com a necessidade urgente de reverter a crescente desmobilização dos movimentos ambientalistas.

Durante a Eco 92, os movimentos ambientais organizados atingiram o máximo de sua força. De lá para cá, só têm feito desmobilizarem-se, consumindo-se em lutas internas e por poder e visibilidade junto à mídia e potenciais patrocinadores, entre outros fatores.

O contraditório nisso é que o movimento ambientalista saiu plenamente vitorioso da Eco 92, fazendo com que a questão ambiental, então um assunto apenas para iniciados e para entidades ecológicas, ganhasse a opinião pública e passasse a ser tratado com seriedade também por sindicatos, associações de moradores, governos, empresas etc.

Parece que os ambientalistas foram pegos de surpresa por esta nova realidade e ainda não redescobriram qual é o novo papel do movimento ambientalista. Fato concreto é que, hoje, os fóruns, assembléias, reunião de ambientalistas reúnem as mesmas caras dos últimos 10 anos, com baixíssima capacidade de renovação de seus militantes.

O que as pessoas podem fazer?
Todos nós desejamos viver em um mundo melhor, mais pacífico, fraterno e ecológico. O problema é que as pessoas sempre esperam que esse mundo melhor comece no outro. Por exemplo: preferem esperar que um vizinho ou amigo convide para plantar uma árvore ou começar uma coleta seletiva de lixo, em vez de tomar a iniciativa.

Tem gente que acha mais fácil ficar reclamando que ninguém ajuda, mas não se pergunta se está fazendo a sua parte em defesa do Planeta. Uma coisa é certa, para conseguir convencer os outros a modificarem seus hábitos, precisamos modificar os nossos primeiro, não é mesmo?

Se queremos um planeta preservado, de verdade, não basta apenas lutar contra poluidores e depredadores. É preciso também nos esforçarmos para mudar nossos valores consumistas, hábitos e comportamentos que provocam poluição, atitudes predatórias com os animais, as plantas e o meio ambiente.

Mas só isso não basta, pois não há coerência em quem ama os animais e as plantas mas explora, humilha, discrimina, odeia seus semelhantes. Por isso, precisamos, além nos tornarmos ambientalmente corretos em nossas ações, nos esforçarmos para sermos também mais fraternos, democráticos, justos e pacíficos com os nossos semelhantes.

Por outro lado, é importante não ficar esperando a perfeição individual - pois isso é inatingível. O fato de adquirirmos consciência ambiental não nos faz perfeitos nem mais democráticos. Mas ainda assim é preciso agir. O importante é que tenhamos o compromisso de ser melhor todo dia, procurando sempre nos superarmos.

Um sábio chinês chamado Confúncio disse, há cerca de 5 mil anos, que se alguém quisesse mudar o mundo, teria de começar por si próprio, pois mudando a si próprio, sua casa mudaria. Mudando sua casa, a rua mudaria. Mudando a rua, o bairro mudaria. Mudando o bairro, mudaria o município e assim por diante, até mudar o mundo.

O que as empresas podem fazer?
A questão ambiental é uma realidade que chegou definitivamente às empresas modernas. Deixou de ser um assunto de ambientalistas ‘eco-chatos’ ou de românticos, para se converter em SGA (Sistema de Gestão Ambiental), PGA (Programas de Gestão Ambiental), ISO 14.001 e outras siglas herméticas.

E não se trata de um tardio despertar de consciência ecológica dos empresários e gerentes, mas uma estratégia de negócio, por que pode significar vantagens competitivas ao promover a melhoria contínua dos resultados ambientais da Empresa; minimizar os impactos ambientais de suas atividades; tornar todas as operações tão ecologicamente corretas quanto possível.

Com isso, a empresa ecológica estará se antecipando às auditorias ambientais públicas, além de promover a redução de custos e riscos com a melhoria de processos e a racionalização de consumo de matérias-primas; diminuição do consumo de energia e água e redução de riscos de multas e responsabilização por danos ambientais.

O problema é que, segundo pesquisa da Symnetics com empresas de faturamento entre R$ 200 milhões e R$ 500 milhões, planos estratégicos da empresa, como a Política Ambiental, acabam ficando mais na cabeça da alta administração, que não consegue passar o recado para os seus subordinados. E até mesmo na alta administração das companhias, há quem não saiba traduzir a mensagem do Presidente.

A pesquisa apontou que 5% da alta administração não sabe qual a visão de futuro da empresa. Descendo na estrutura hierárquica, a miopia se acentua. O estudo indica que 14% da média gerência sequer entende o planejamento da empresa e 48% tem uma compreensão mediana. No nível operacional, a situação é ainda pior. A pesquisa constatou que 38% dos operários não têm idéia de quais sejam as metas futuras da organização e 43% têm uma vaga idéia do que se trata.

A solução é investir em programas de conscientização e sensibilização dos funcionários para as políticas da empresa, especialmente a ambiental, já que consciência ambiental não se dá por portaria ou de cima para baixo, mas de dentro para fora. Neste sentido, não basta implantar uma boa Política Ambiental ou obter a ISO 14.001. É preciso, antes, estimular e sensibilizar os funcionários, prestadores de serviços e fornecedores a desejarem ‘ecologizar’ o trabalho, não porque a direção da empresa quer ou determinou, mas porque a adoção de princípios ambientais pode ser uma oportunidade para que os trabalhadores possam dar uma contribuição concreta, em seu próprio ambiente de trabalho, para a melhoria das condições do Planeta.

Mais que uma exigência da Direção, portanto, é uma oportunidade da qual os trabalhadores poderão se orgulhar junto a sua família e à comunidade, ao se revelarem os resultados positivos do trabalho ambiental desenvolvido na empresa. Neste sentido, vale a pena todo o esforço da Empresa para sensibilizar e mobilizar seus funcionários, tais como palestras com ambientalistas, distribuição gratuita de assinaturas de jornais especializados em meio ambiente, encontros com escritores para autógrafos a livros com tema ambiental, distribuição de boletins por intranet ou fotocópia com informações sobre a Política de Gestão Ambiental, entre outras iniciativas.

Uma delas pode ser a distribuição dos Dez Mandamentos Ambientais.

O que o governo pode fazer?
Ecologizar a administração pública, pois há enorme perda de recursos e de energia nas políticas compartimentalizadas, nas quais para cada órgão que cuida do meio ambiente ou do desenvolvimento sustentável, existem dez que fazem diferente ou nem se importa com o assunto.

E meio ambiente não deve ser assunto vertical, mas horizontal em qualquer administração. Não deve ser assunto de um departamento, mas de todos. Mas, ironicamente, o maior problema não é ideológico, de gestão ou de visões diferentes de desenvolvimento, mas político com 'p' minúsculo.

Para ganhar eleição e depois para governar, o presidente, governador ou prefeito precisam fazer acordos multipartidários e isso acaba criando uma administração compartimentalizada em caixas estanques, por vezes impermeáveis, em que cada setor administra suas conquistas políticas de maneira muito atenta, cuidando para não perder substância política, pelo contrário, procura atrair forças e atenção para sua pasta.

Quando o assunto ambiental sai da 'caixinha' da planta e bicho e começa a entrar em saúde, transporte, educação, moradia etc., começa a 'bater de frente' com a política com 'p' minúsculo.

Como o consumo consciente pode ajudar a preservar os recursos naturais?
Ao refletir antes de comprar, a tendência é evitar consumir além do necessário, adquirir o indispensável em alimentos, objetos, roupas, brinquedos etc., ajudar empresas que estão investindo seriamente em meio ambiente ao evitar comprar produtos que não tenham uma certificação de procedência ambiental, como o carvão vegetal, móveis de madeira, palmito etc.

As lojas e supermercados estão cheios de inutilidades que só fazem gastar mais e mais recursos naturais na fabricação. Logo, o consumo consciente é um dos grandes instrumentos que os cidadãos têm à mão para ajudar ao planeta. Ao rejeitar produtos que não sejam recicláveis, ao mesmo tempo em que colaboram para diminuir o ritmo do esgotamento dos recursos naturais, ainda contribuem para evitar a poluição e o aumento do volume de lixo.

Como você se envolveu com a causa ambientalista?
Começou há cerca de 30 anos, quando, adolescente, me recusava a caçar. Sou gaúcho e o Rio Grande do Sul é o único estado brasileiro, infelizmente, em que a caça é autorizada até hoje. Agia por instinto. Com o tempo fui lendo e aprendendo cada vez mais sobre o tema.

Na década de 70 mudei-me para o Rio de Janeiro. Sempre gostei de acampar e já praticava naturismo nas praias de Búzios, que era uma pequena aldeia selvagem. Mas a cada temporada tinha de ir para cada vez mais longe, pois ano a ano via o meio ambiente ir se degradando. Até que resolvi deixar de ir para longe e voltei para lutar pela preservação ambiental.

O texto do cacique Seatle foi decisivo nessa minha decisão (anexo). Em 1982, em São Gonçalo (RJ) fundei minha primeira ONG, a UNIVERDE, que hoje é uma das instituições mais atuantes no Estado do Rio de Janeiro, sendo a ONG que coordena o fórum das entidades ambientalistas no Estado, a APEDEMA/RJ, que também ajudei a fundar.

Em 1988, fundei a ONG Defensores da Terra, que presidi por 10 anos, com inúmeras contribuições ao meio ambiente no estado do Rio de Janeiro e no Brasil. E foi por aí.

Tornei-me consultor ambiental, auditor ambiental, tenho sido requisitado por empresas para dar palestras de sensibilização ambiental para seu público interno, o que tornou-se uma forma de me ajudar a ganhar a vida.

Edito, desde janeiro de 1996, o Jornal do Meio Ambiente. O site do jornal conta hoje com mais de 500 visitas ao dia. Em junho, o Jornal do Meio Ambiente estará durante a semana do meio ambiente nas bancas encartado no Jornal Folha Dirigida. São mais de 100 mil exemplares de tiragem, o que é um marco para uma publicação especializada em meio ambiente. Crio, assim, que estamos ajudando a fazer consciência ambiental e formar uma nova geração de cidadãos e consumidores mais responsáveis com o planeta.

O que significa este prêmio? Significa uma oportunidade para continuar alertando a sociedade e autoridades para os graves problemas ambientais do Brasil que, apesar de afetarem a vida e a qualidade de vida dos brasileiros e representar a destruição de nossa fauna e flora, continuam sem solução, e o que é pior, agravando-se dia a dia.

Mas também significa a possibilidade de apontar o que está sendo feito de bom, identificar mudanças de atitudes e posturas de poluidores, governos, sociedade. É o que tenho investido minhas forças e talento nas últimas duas décadas, e pretendo continuar fazendo até enquanto tiver forças.



Biografia

Vilmar Berna é jornalista e editor, desde janeiro de 1996, do Jornal do Meio Ambiente, um veículo especializado, de circulação nacional, destinado aos multiplicadores de opinião em meio ambiente no Brasil. O site do Jornal tem recebido prêmios nacionais e internacionais como o melhor site de meio ambiente da internet brasileira.

Em 1999, Vilmar Berna foi homenageado pela ONU com o Prêmio Global 500 de Meio Ambiente, sendo o único representante ambientalista do Brasil e da América do Sul naquele ano.
Vilmar fundou as ONGs ambientalistas Univerde e Defensores da Terra e preside a Coopernatureza – Cooperativa Multidisciplinar Profissional de Serviços Ambientais, com sede no Estado do Rio de Janeiro, que reúne uma equipe multidisciplinar de especialistas em soluções de problemas ambientais.
Também foi fundador do Projeto de Educação Ambiental nas Escolas Clube dos Amigos do Planeta e do Movimento Independente e Suprapartidário Voluntários Ambientais, que teve atuação destacada no caso do acidente com óleo na Baía de Guanabara.
 
http://www.akatu.com.br/causas/entrevista_meioambiente2.asp

Villas-Bôas e os índios numa relação de respeito

Em Arte dos Pajés, livro em que homenageia o irmão Cláudio, morto em 1998, o sertanista Orlando trata do universo espiritual do Xingu. Por Paulo Santoro

São Paulo - Dois anos após a morte do irmão Cláudio, a quem dedica o livro, Orlando Villas-Bôas lançou A Arte dos Pajés - impressões sobre o universo espiritual do índio xinguano. Sua autoridade - merecida após longa experiência em um trabalho que é referência entre os antropólogos - dá importância ao volume, uma consciente descrição da prática mística dos povos ditos "não-civilizados". Villas-Bôas, dotado de sensibilidade humanista, tem um contato direto com o mundo que revela e capacidade para expressá-lo de forma ao mesmo tempo simples e aprofundada, ou seja, sem pedantismo acadêmico mas também sem superficialidade redutora.

Como seria difícil de evitar numa obra de divulgação, o autor demonstra a preocupação de evidenciar os equívocos que as pessoas do mundo civilizado têm a respeito dos índios e sua cultura. "O universo do índio não é simples como muitos possam imaginar", ressalta o sertanista. Segundo ele, trata-se de uma cultura complexa que tem recebido pouca atenção dos estudiosos. Essa cultura, admite, tem sido dominada "por uma sociedade mais forte", num processo de aculturação. Mas não é certo dizer que os índios tenham parado no tempo: "Sua evolução se dá em outro ritmo."

A "vida natural" da qual os índios costumam ser símbolo gera paixões peculiares entre os brancos. Há quem exalte o modo de vida indígena, crendo-o mais autêntico do caráter animal do ser humano - afinal, os índios respeitam a natureza que provê seu sustento, vivem em harmonia coletiva, relacionam-se socialmente de forma mais ética. Para outros, eles representam uma sociedade arcaica e que não deve ser invejada - seriam coletividades perdidas em superstições, tecnicamente limitadas e sem capacidade política para se relacionarem de igual para igual com outras sociedades. De fato, dificilmente um civilizado se adaptaria totalmente ao modo de vida do índio, desprovido de quase tudo o que se acredita serem os "confortos" dos tempos modernos.

Mas a relação dos índios com a natureza e entre eles próprios é carregada de exemplos para os brancos. O chefe indígena é um conselheiro cheio de obrigações - alcança essa posição por mérito natural e inquestionável, passando a ser mais exigido do que antes. Isso é uma lição para o nosso modelo de autoridade, pelo qual nossos "caciques" fazem de tudo para chegar a um poder que será recebido mais como um privilégio do que como uma responsabilidade.

O problema político da questão indígena está em como tornar viável a convivência pacífica entre os brancos e esse povo que, como diz Villas-Bôas, "não tem necessariamente de caminhar na mesma direção" que nós. O poder público do País - que demitiu Orlando da Funai por meio de um fax - tem um papel relevante nessa questão. Diversas vezes o governo brasileiro teve atuações positivas, como a do marechal Rondon no início do século, a expedição Roncador-Xingu na década de 40 - liderada desde o início pelos irmãos Villas-Bôas, incluindo Orlando - e a criação do Parque Nacional do Xingu em 1961 (por força dos irmãos Villas-Bôas). Mas a realidade da região é bastante complicada, e o autor é obrigado a contar, aqui e ali, episódios cruéis em que serras, facas e farinha de mandioca com arsênico chegaram a ser instrumentos contra os índios, dos quais lançaram mão seringueiros, garimpeiros, etc. Evitando maniqueísmo, também procura relatar as fortes retaliações dos indígenas diante dessas agressões.

Esses temas não poderiam deixar de ser mencionados, mas o assunto central do livro de Orlando Villas-Bôas é a espiritualidade dos povos do Xingu. Segundo o sertanista, a concepção de divindade do índio "é fruto de uma introspecção em que a fé deve nascer da intuição e não da doutrinação de outrem". Dessa forma, seria em princípio mais pessoal e sensível, menos convencional e impositiva.

Equilibrado, o autor não faz nenhuma maquiagem, não enaltece as atividades místicas dos índios nem emprega efeitos literários oportunistas. Não evita a palavra "supersticiosos" para caracterizá-los e deixa bem claro, em vários relatos, que os pajés não curam ninguém de graça e que os mais "famosos" são proporcionalmente mais caros. Mas também não deixa de expressar seu espanto diante de acontecimentos fantásticos, como a história de duas crianças que desapareceram durante uma pescaria, colocaram inúmeras aldeias em polvorosa e reapareceram 14 dias depois, na hora indicada pelo pajé Tacumã, após sua intervenção ritualística. Esse equilíbrio e a descrição lúcida tornam o livro fidedigno e permitem que o leitor tenha um contato com esse universo de uma maneira crítica

A Arte dos Pajés, de Orlando Villas-Bôas. Editora Globo, 126 págs, R$19,50

http://www.estadao.com.br/divirtase/noticias/2000/set/08/340.htm


"Os índios nada têm a comemorar ou festejar"

Uma das figuras mais importantes na história do contato entre índios e não índios, Orlando Vilas Boas teve um papel ambíguo nessa relação. Ao mesmo tempo em que sempre manifestou uma sincera preocupação com o bem-estar e com a sobrevivência das populações indígenas Orlando esteve junto de algumas expedições do Marechal Rondon pelo interior país. Essas expedições, que estabelecerem o primeiro contato com muitas populações indígenas, também criaram as rotas que foram usadas por madereiros, garimpeiros e industriais responsáveis por muitas das mazelas vividas pelos índios. A Expedição Roncador-Xingu, lançada em 1943 - da qual Orlando participou ao lado de seus irmãos Cláudio, Leonardo e Álvaro e que foi liderada por Rondon - abriu mais de 2 mil Km de picadas, 36 campos de pouso, 42 vilas e cidades em 42 anos.

Hoje, às vésperas da aprovação do Estatuto das Sociedade Indígenas (veja texto), Villas Bôas demonstra estar inquieto com o futuro dos índios que, segundo ele, nada tiveram a comemorar nos festejos do ano passado. Tendo desenvolvido a maior parte de suas atividades no chamado período da "tutela" das populações indígenas - em que os índios eram tidos como populações que não têm condições de assumir integralmente suas responsabilidades - Villas Bôas afirma que "bom seria se sobre eles chegasse a nossa proteção", Para ele, as populações indígenas "caminham para o fim". Foi sobre esse assunto e sobre como os índios encararam as comemorações dos 500 anos que Orlando Villas Bôas falou à revista Com Ciência.

Com Ciência - Houve alguma mudança na vida dos índios após as comemorações?
Orlando Villas Bôas
- Não. A situação continua essencialmente a mesma. Não obstante, a atual gestão da FUNAI pareça ter um maior interesse que a desastrada gestão anterior, é possível verificar a continuidade no estado de abandono das aldeias, sobretudo daquelas que se localizam na faixa litorânea ou gravitam à margem de grandes centros urbanos, como é o caso das aldeias do Jaraguá e Parelheiros aqui em São Paulo. Esses são exemplos de uma pseudo-política integracionista que não integra ninguém, apenas desestrutura e exclui. As comemorações do Brasil 500 anos foram para "inglês ver" e, de fato, talvez eles as tenham visto. O índio certamente não viu nada.

Com Ciência - Segundo a organização do evento "Brasil 500 anos", houve uma renda de R$ 4,5 milhões, entre bilheteria e venda de catálogos, de um total de 1.883.872 visitantes somente na cidade de São Paulo. O Sr. foi informado se houve ou há algum projeto para que parte desta renda seja revertida aos indígenas?
Villas Bôas -
O evento "Brasil 500 anos" não atingiu o índio. Ele foi esquecido como esquecido continua sendo. Para boa parte de nossa gente, e isso inclui até nossas autoridades, o índio é ainda uma figura folclórica. Desconheço qualquer projeto que estabeleça a reversão de parte da renda obtida na "comemoração" para as comunidades indígenas.

Com Ciência - Quando o sr. afirma que "os índios, tal como o conhecemos na sua cultura pura, não existirão mais", qual o aspecto mais relevante que o faz pensar assim? Dos 851.196.500 hectares do território brasileiro, as terras reservadas aos indígenas ocupam 104.367.993, ou seja 12,26%. Este número é suficiente? Além de outros fatores, isto influencia de que maneira na expectativa de vida indígena?
Villas Bôas - Os índios caminham para o fim. Bom seria se sobre eles chegasse a nossa proteção. A proteção do Estado e as da gente. Parece que nós não levamos em conta que eles nos deram um continente para que nos tornássemos uma nação. Não creio entretanto que haja apenas um aspecto essencial para isso. Há, isso sim, uma conjunção de aspectos que vão desde o descaso do poder público à sanha de riqueza de vários grupos que tornam o índio como um estorvo, ou como um meio de enriquecimento. Não basta garantir a terra do índio (o que por vezes nem sequer é feito), é preciso resguardá-lo de um contato indiscriminado com pessoas que visam explorar as riquezas dessa terra e de sua cultura.

Com Ciência - Marechal Rondon tinha como ideal em relação aos índios, o lema "Morrer se preciso for, matar nunca", que era seguido à risca por todos os integrantes da Fundação Brasil Central (FBC). Como o sr. vê este lema nos dias de hoje?
Villas Bôas -
Não canso de dizer que vivemos num país sem memória. Não fosse isso, o velho Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon seria considerado por todos como o maior homem do século XX. Foi ele que, já no início da República começou a implantar as linhas telegráficas nas selvas do Planalto Central brasileiro, desbravando nossos sertões e empurrando nossas fronteiras até encostar nos andes. Foi ele também que, muito adiante de seu tempo, criou o SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em 1910. Rondon era um humanista. O lema "morrer se preciso for, matar nunca", apenas expressa o ideal de Rondon no trato com estas gentes. Sua preocupação com os índios foi decisiva na história de nosso país. Nós tivemos o privilégio de conhecê-lo, e dele nos tornarmos amigos em meados da década de quarenta, quando engajávamos na Marcha para o Oeste, que havia sido criada em 1943 por Getúlio Vargas. Lembramos que ainda no início da expedição Roncador-Xingu, a intervenção de Rondon foi decisiva para que os índios Xavantes não fossem massacrados por uma frente militar que iria "limpar o caminho" para a expansão brasileira. Após alertarmos o Marechal a respeito disso, ele mandou que a frente militar fosse suspensa, e foi quando assumimos a vanguarda da Expedição. Rondon influenciou toda uma geração de indigenistas e antropólogos brasileiros, dentre os primeiros incluo a mim, e a meus irmãos Cláudio, Leonardo e Álvaro. Dentre os segundos, destaco sobretudo, Darcy Ribeiro. Hoje Rondon está esquecido e, com ele, toda uma política de trato com os índios que foi se estiolando até descambar no que hoje temos.

Com Ciência - Em uma oportunidade, o senhor disse que após tantos anos vivendo na selva com os índios, de alguma maneira, o sr. se transformou em um deles. Então, será que o sr. poderia dizer qual foi o significado/ou sentimento que as comemorações do Redescobrimento do Brasil gerou nos indígenas? Tiveram motivos ou benefícios para festejar?
Villas Bôas - Em verdade não chegamos a nos "transformar" em índios. Entretanto, o que nos impressionou ao longo do convívio com eles, foi observar uma verdadeira lição de como se deve viver em sociedade. Nunca vimos dois índios discutirem, nem um casal se desentender. Entre os índios, o velho é o dono da história, o homem é o dono da aldeia, e a criança é a dona do mundo. Diante do que vimos, hoje podemos aquilatar o que não devem eles ter sofrido ante uma gente desordenada e, por essa razão, os índios nada têm a comemorar ou festejar.

http://www.comciencia.br/entrevistas/boas.htm

 


PERFIL DA LEI DE POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Prof. Dr. Sirio Lopez Velasco (FURG/ E-mail: decsirio@super.furg.br)

Todos sabemos que o Brasil é considerado um pais no qual certas leis "pegam" e outras não; isto é suficiente para que tenhamos clareza que no domínio da Educação Ambiental (EA), como em qualquer outro, a lei não é garantia de nenhuma mudança efetiva na ordem das coisas. Mas, ao mesmo tempo, é necessário frisar que a lei é um quadro que pode facilitar e reforçar iniciativas e ações de mudança efetiva. É nesse sentido que considero que a atual Lei (nº 9795 de 27/04/1999) que "dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental" (PNEA,), " e dá outras providências", independentemente das suas limitações, deve ser apreciada como um instrumento útil ao desenvolvimento das atividades de educação ambiental presentes e futuras. Cabe aos agentes destas ações a dupla tarefa simultânea de zelar pelo cumprimento da atual lei e propiciar as alterações que venham a suprir carências da mesma.

No que segue tentarei destacar brevemente alguns tópicos da lei que considero particularmente importantes com vistas: 1) ao esclarecimento de certos conceitos capitais em matéria de EA, 2) das esferas de ação em EA e, 3) dos espaços que daqui para a frente podemos construir fazendo convergir os esforços atuais e futuros em matéria de EA.

 

1. ALGUNS CONCEITOS-CHAVE EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

 

       

    1. O QUE ENTENDO POR EDUCAÇÃO AMBIENTAL

       

Tenho definido a educação ambiental a partir da concepção freiriana da educação e do horizonte utópico rumo ao qual entendo a humanidade deve orientar a sua caminhada na História.

Lembremos que para Freire educar-se é conscientizar-se, e que "conscientização" significa desvelamento crítico das instâncias de dominação existentes na realidade e transformação dessa mesma realidade rumo a uma sociedade sem opressores nem oprimidos freire 1970 e 1982).

Se ampliamos a perspectiva em abordagem sócio-ambiental então podemos estender o desvelamento crítico ao conjunto das instâncias de dominação e devastação, e a ordem sócio-ambiental visada será aquela na qual os seres humanos se reconciliem fraternalmente entre si e também com o restante da natureza, mediante a prática de um intercâmbio que permita a preservação ou a permanente regeneração da natureza não-humana.

A reconciliação fraternal entre os seres humanos significa a constituição histórico-real do gênero humano, que deixa assim de ser uma simples figura lógico-lingüística, para designar uma única família composta de diversidades, onde os membros cooperam entre si com vistas à plena realização de cada um; isto significa que cada ser humano deve receber do esforço conjunto da família humana tudo aquilo que supra as suas necessidades; o limite destas necessidades é marcado pelo acordo consensual entre os seres humanos e pela exigência de um intercâmbio produtivo sustentável com o restante da natureza. Este último é sinônimo de uma economia preferencialmente baseada em recursos renováveis a escala humana (como no plano energético o são as fontes solar e eólica), capaz de zelar pela permanente redução, reutilização e reciclagem dos resíduos (as "três R") até os limites últimos da tecnologia e da física; além da prática das "três R", é bom frisar que os resíduos, já reduzidos em quantidade, terão que ter ao máximo caráter biodegradável e/ou passar pelos processos de tratamento capazes de eliminar ou pelo menos minimizar os seus efeitos poluentes.

Neste contexto a educação ambiental consiste num mútuo conscientizar-se, feito de reflexão e ação, visando a construção dessa ordem sócio-ambiental sustentável de reconciliação planetária.

 

       

    1. MEIO AMBIENTE

       

A concepção de EA que acabei de expor pressupõe que não é correto reduzirmos o "meio ambiente" ao conjunto das entidades não-humanas.

É com satisfação que registro que, apesar de algumas vacilações, a lei da PNEA filia-se a esta visão não-reducionista.

Com efeito, diz a lei que é princípio básico da EA " a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade"; e isto a escala local, regional, nacional e global (Art. 4).

Para que se perceba o alcance prático desta visão abrangente de "meio ambiente" trago o exemplo dos danos causados pelo navio "Bahamas". Se ficamos com a visão reducionista de "meio ambiente" poder-se-ia concluir que, se por efeito direto da descarga da mistura ácida o "Bahamas" não acarretou a morte de (quantidades consideráveis de) organismos vegetais ou animais, então não foi responsável por "dano ambiental". Mas se considerarmos que o "meio ambiente" envolve de maneira indissolúvel os fatores sociais, psicológicos e físico-não-humanos situados num certo espaço-tempo, e constatamos que durante quase um ano toda uma comunidade de pescadores e comerciantes de frutos do mar foram prejudicados na sua vida em decorrência do incidente do "Bahamas", então chegaremos á conclusão que houve sim importante dano ambiental no referido caso. É bom lembrar que provavelmente este será um dos pontos da polêmica legal que marcará a discussão das ações de ressarcimento dos pescadores artesanais atualmente em curso em relação ao episódio "Bahamas".

 

1.3 CARÁTER MAIS-QUE DISCIPLINAR DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Apesar que a lei é dubitativa quanto aos termos, é bom que fique claro no texto que a EA é uma tarefa mais-que-disciplinar. Esta abordagem leva-nos para o domínio da multi, da inter e da transdisciplinariedade (todos termos que aparecem num ou noutro trecho da lei). Acontece que há divergências quanto a conceitualização destes três termos. A lei consegue dar uma produtiva idéia geral da pretensão mais-que-disciplinar em EA quando no seu Art. 10. estipula que " A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal".

Na especificação desta idéia geral acredito que a seguinte caracterização, inspirada do documento que estipula a "Estratégia Nacional de EA" em Cuba (ENEA, 1997), encaminha corretamente a discussão e aplicação dos termos antes citados (sem pretender resolver definitivamente a questão, que fica ainda em aberto, na busca do uso dos termos que se achar mais conveniente):

     

  1. A multidisciplinariedade caracteriza uma situação na qual, embora não exista coordenação entre diversas disciplinas, cada uma delas participa desde a perspectiva do seu próprio quadro teórico-metodológico ao estudo e tratamento de um dado fenômeno. [ Se entendermos por disciplina, con forme o Aurélio " qualquer ramo do conhecimento científico", ou, ainda " conjunto de conhecimentos em cada cadeira dum estabelecimento de ensino", podemos dizer que os cursos de Pedagogia que conhecemos são multidisciplinares; com efeito, definido o objetivo que é formar educadores, ou simplesmente professores, supõe-se que é necessário para tal que o aluno conheça o ser humano, entre outros, os assuntos relativos a sua psicologia e desenvolvimento, às suas formas de aprender, e às circunstâncias positivas e problemáticas da sua existência social; e assim o curso oferece as disciplinas de Filosofia, Psicologia, Didática e Sociologia, que mesmo sem interagirem na programação dos seus conteúdos, nem na suas referências teórico-metodológicas, dão ao aluno de forma multidisciplinar o desejado conhecimento sobre algumas dimensões do que é o ser humano].

     

     

  2. A interdisciplinariedade significa que as disciplinas em questão, apesar de partirem cada uma do seu quadro referencial teórico-metodológico, estão em situação de mútua coordenação e cooperação e estão engajadas num processo de construção de referenciais conceituais e metodológicos consensuais.[ No Mestrado em Educação Ambiental da FURG, ao tempo que construem e reconstruem dialogadamente a concepção de educação ambiental que se pretende seguir, as diversas disciplinas tencionam fazer convergir suas abordagens rumo e desde uma visão teórico-metodológica que definimos como "pensamento sistêmico" ou seja, aquele no qual o conjunto dos elementos abordados é focalizado nas suas relações recíprocas de retro-alimentação ou de equifinalidade; é bom frisar que ainda temos muito chão pela frente nessa caminhada de convergência].

     

     

  3. já a transdiciplinariedade caracteriza a situação na qual estes referenciais consensuais têm sido construídos e propiciam a re-acomodação, com relativa desaparição, de cada "disciplina" envolvida no estudo e tratamento do fenômeno considerado. [Na nossa experiência ainda não temos vivências que atestem da plena realização da transdisciplinariedade, mas é certo que o Mestrado em Educação Ambiental da FURG não pode fugir desse desafio].

     

A esta caracterização acrescento que penso que a "transdisciplinariedade" em EA pode ser entendida também, num sentido menos ambicioso que o recém esboçado, como o fato da educação ambiental ter que permear-ligar, como grande "tema transversal", todos os espaços educacionais (na educação formal, todos os conteúdos); para visualizar com clareza o que quero dizer com isto serve a analogia da (nefasta) estrada "trans-amazônica", assim chamada pelo fato de atravessar o espaço amazônico estabelecendo contato entre suas partes.; de maneira análoga a EA está chamada a atravessar-ligar todas as atividades educacionais (e na educação formal todas as disciplinas e conteúdos).

Neste ponto gostaria de salientar que no meu entendimento a lei comete um equívoco quando, defendendo o caráter mais-que-disciplinar da EA parte para a pura e simples proibição da criação de uma disciplina de EA em outro espaço que não seja os dos " cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico da educação ambiental".

A esse respeito o Art. 10 diz literalmente: " § 1.o A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino; § 2.o Nos cursos de pós-graduação, quando se fizer necessário, é facultada a criação de disciplina específica".

Ora, se sabemos que o Brasil é um pais no qual algumas leis "pegam" e outras não, me ocorre que, à luz da mais-que-disciplinariedade da EA na sua melhor acepção, a lei deveria aconselhar a não-criação de uma disciplina específica de EA, mas não deveria vetar a sua criação pois na presença de omissões ou resistências é obvio que é melhor termos pelo menos um espaço garantido de EA na forma de uma disciplina, que não termos nada em absoluto. Isto toma um caráter prático imediato quando pensamos nos espaços que estarão ou não abertos para os alunos que formemos a nível do pós-graduação, no nosso caso, no nosso Mestrado em Educação Ambiental (MEA) da FURG.

 

 

 

2. ESFERAS DE AÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

A lei de PNEA combina educação formal e não-formal; assim, embora esquecendo a educação informal que é aquela do dia a dia que acontece pelo simples contato direto ou indireto entre os seres humanos, a lei vêm de fato responsabilizar toda a sociedade, através das mais diversas esferas organizativas, pela educação ambiental.

Diz o artigo Art. 2.o "A educação ambiental é um componente essencial e permanente da

educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e

modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal (sublinhado meu, que pauta a responsabilidade de toda a sociedade para com a EA).

E o Art. 3. especifica : " Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito

à educação ambiental, incumbindo: I - ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação,

recuperação e melhoria do meio ambiente; II - às instituições educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que desenvolvem; III - aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - Sisnama, promover ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente;

IV - aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua programação; V - às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio ambiente; VI - à sociedade como um todo, manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas ambientais ".

[Nota: a) O Art. 205 da Constituição Federal diz " A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho"; já o Art. 225 reza no seu caput: " Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações", e no seu inciso VI estabelece que incumbe ao poder Público " promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente". b) Lembre-se que compõem o Sisnama ( conforme a lei nº 6938 que institui a Política Nacional do meio Ambiente em 31/08/1981, Art. 6): "Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito federal, dos Territórios e Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental". Alguns desses órgãos são os Conselhos de Meio Ambiente a nível federal, estadual e municipal, as Comissões do âmbito legislativo federal, estadual ou municipal voltadas total ou parcialmente ao meio Ambiente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), e, no Rio Grande do Sul, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental ( FEPAM )].

 

 

2.1 Na Educação Formal.

A lei deixa muito clara a sua abrangência quando na sua Seção II, Art. 9 diz : " Entende-se por educação ambiental na educação escolar a desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas, englobando:

I - educação básica:

a) educação infantil;

b) ensino fundamental e

c) ensino médio;

II - educação superior;

III - educação especial;

IV - educação profissional;

V - educação de jovens e adultos.

Como se percebe, e para ficarmos só na esfera das nossas obrigações como universitários, a lei exige que todos os cursos da Universidade (em especial as licenciaturas e pós-grados formadores de professores) revisem os seus currículos para fazer com que o elo transversal da EA os permeie, enriquecendo-os; com efeito, o Art. 11 estipula que: " A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas".

Similar desafio está lançado às escolas, sejam elas do ensino infantil, fundamental, médio, ou técnicas (com responsabilização especial dos atuais cursos de Magistério e/ou dos seus sucessores).

 

2.2 Na Educação Não-Formal

A abrangência das responsabilidades atribuídas pela lei em matéria de EA não-formal, fica clara, apesar de algumas fraquezas conceituais, na Seção III, Art. 13, ao estipular que " Entendem-se por educação ambiental não-formal as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente". E continua: " O Poder Público, em níveis federal, estadual e municipal, incentivará: I - a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, em

espaços nobres, de programas e campanhas educativas, e de informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente; II - a ampla participação da escola, da universidade e de organizações não-governamentais na formulação e execução de programas e atividades vinculadas à educação ambiental não-formal; III - a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento de programas de educação ambiental em parceria com a escola, a universidade e as organizações não-governamentais; IV - a sensibilização da sociedade para a importância das unidades de conservação; V - a sensibilização ambiental das populações tradicionais ligadas às unidades de conservação; VI - a sensibilização ambiental dos agricultores;

VII - o ecoturismo".

Fica por nossa conta a realização incessante das devidas cobranças, em especial pela sua grande repercussão no grande público (inclusive nas próprias crianças, muitas vezes com impacto maior que o conseguido pela Escola), da responsabilidade aqui atribuída à grande imprensa, cuja democratização e colocação sob controle social é uma exigência inadiável com vistas à construção da ordem sócio-ambiental fraterna e sustentável pretendida. Nessa ótica e por exigência da lei haverá de se dobrar a lógica do lucro e encontrar espaços de EA ás 8 da noite, retirando-os do gueto dos surrealistas espaços educativos colocados "espertamente" às 6 da manhã para cumprir assim com a forma mas não com o espírito e o conteúdo do desafio educativo que a todos nos interpela.

De maneira semelhante também terá que ser dobrada a lógica do lucro para que as empresas venham a zelar efetivamente pela saúde e segurança dos trabalhadores e pela preservação ou conservação do meio ambiente não-humano do seu entorno.

 

3. ESPAÇOS CONVERGENTES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

3.1 Introdução

Uma grande incógnita da lei é a relativa a sua implementação, em especial no que diz respeito aos recursos disponíveis para a efetivação do dispositivo e à cobrança das responsabilidades atribuídas (incluindo aqui o funcionamento do Órgão Gestor previsto na lei).

O fato de que o Presidente da república tenha vetado precisamente o Art. 18 que estipulava : "devem ser destinados a ações em educação ambiental, pelo menos vinte por cento dos recursos arrecadados em função da aplicação de multas decorrentes do descumprimento da legislação ambiental", é um péssimo sinal que faz pensar que, como vêm acontecendo até hoje, os heróicos praticantes da EA deverão continuar a fazer o melhor com quase nada (e às vezes nada mesmo) e, ao mesmo tempo, lutar para que a EA seja efetivamente reconhecida como prioridade através da alocação dos recursos, em especial públicos (saídos dos bolsos de todos nós), que ela merece.

Nesse contexto ganha importância a idéia de criarmos espaços em que todos os projetos e as ações de EA possam convergir para, além do salutar intercâmbio cooperativo que a todos enriquece, somarem forças com vistas à luta pela obtenção de recursos.

 

3.2 A Sociedade de Educação Ambiental: rumo à SBEA

 

É com este entendimento que saudamos a criação da Sociedade de Educação Ambiental do Brasil (SEAB), organizada em encontro ocorrido no Rio de Janeiro em meados de 1999 e que tem como sua primeira presidente uma profissional formada pelo Mestrado em Educação Ambiental da FURG, a professora Jara Fontoura da Silveira.

Propomos a idéia da criação de uma seccional Sul da SEAB, capaz de nuclear a todo interessado ( que este faça parte ou não de uma instituição de ensino, uma ONG ou qualquer organização social), reunindo inicialmente voluntários de Rio Grande e Pelotas; a esta seccional caberia organizar pelo menos um grande evento regional anual no qual todos os interessados pudessem discutir, para mútuo enriquecimento, a teoria e a metodologia da EA, e trocar experiências em EA, tanto a nível da educação formal quanto da não-formal e informal.

Esta seccional poderia também trabalhar no sentido da criação de uma Sociedade Gaúcha de Educação Ambiental e, ainda, colaborar para que a SEAB possa pleitear sua filiação à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) (como qualquer outra sociedade científica com representação nacional).

Em todos esses níveis associativos lutar-se-ia pela ocupação dos espaços que à EA lhe são devidos na política educacional, científico-tecnológica e social do Brasil ( incluindo-se aqui o espaço da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, ANPED).

 

BIBLIOGRAFIA

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1970.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1982.

MINISTERIO DE CIENCIA, TECONOLOGÍA Y MEDIO AMBIENTE. Estrategia nacional de

Educación Ambiental, Ed. Centro de Información, Divulgación y Educación Ambiental

(CIDEA), La Habana, 1997.

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Prof. Dr. Sirio Lopez Velasco

FURG (DECC) - Campus Carreiros - 96500-900 Rio Grande (RS)

Fone : 0532-336624 - FAX: 0532-336652

E-mail: decsirio@super.furg.br

 


Século XXI,  século da espiritualidade?

Leonardo Boff

A característica básica do século XXI será a consolidação do processo de globalização. Esse fenômeno deve ser corretamente entendido. Ele não é apenas um dado econômico, político e cultural, afetando os seres humanos. Ele tem a ver com a história da própria Terra como Planeta. Mais e mais ganha adesão na consciência coletiva que a Terra é um superorganismo vivo que tem bilhões de anos de evolução e de história. A Terra é parte da história do universo; vida é parte da história da Terra e a vida humana é parte da história da vida. Cosmos, Terra, vida e humanidade não são realidades justapostas mas formam um todo orgânico.

Como humanos, somos filhos e filhas da Terra, melhor ainda, somos a própria Terra que chegou ao seu momento de consciência, de sentimento, de liberdade e de responsabilidade. A globalização se insere dentro desta perspectiva universal. Os seres humanos que estavam dispersos em suas culturas, confinados em suas linguas e estados-nações, agora estão voltando de seu longo exílio rumo à casa comum que é o Planeta Terra. A globalização representa esse momento novo da Terra e da espécie humana. Todos se encontram como num único lugar: no Planeta Terra. A partir de agora não haverá tanto a história da Alemanha ou do Brasil, mas a história da humanidade unificada e globalizada, unida com a história da Terra.

Esse fenômeno novo foi detectado com grande impacto emocional pelos astronautas em suas naves espaciais ou da Lua. Muitos deles, pasmados, confessaram: "daqui da Lua não há distinção entre russos e norte-americanos, entre brancos e negros, entre Terra e humanidade; somos uma única realidade viva, irradiante e frágil como uma bola de Natal dependurada no fundo negro do universo; temos o mesmo destino comum; devemos aprender a amar a Terra como a nossa Casa Comum".

A globalização traz consigo uma consciência planetária. Temos apenas esse Planeta para morar. Importa cuidar dele como cuidamos de nossas casas e de nossos corpos. E estamos todos ameaçados seja pelo arsenal de armas nucleares e químicas já construidas e armazenadas que podem destruir a biosfera, seja pela sistemática agressão aos ecosistemas que colocam em risco o futuro do Planeta. Desta vez não haverá uma arca de Noé que salve alguns e deixe pereceber os demais. Ou nos salvamos todos, biosfera e humanos, ou pereceremos todos.

Essa consciência coletiva forçará a criação de orgnismos internacionais destinados a gerenciar os interesses coletivos destinados a garantir um destino comum para todos e para o Planeta. Mais e mais nos sentiremos como uma única sociedade mundial, una pelas convergências comuns e diversa pelas expressões culturais diferentes de realizar essa unidade. Sentir-nos-emos como uma única família, a família dos humanos. Esse sentimento de família irá criar uma nova solidariedade. O escândalo de dois terços da humanidade, feita de pobres e marginalizados será tido como intolerável. Far-se-ão políticas globais para criar um tipo de sociedade mundial na qual todos possam caber com um mínimo de dignidade. Haverá mais justiça societária e menos violência no mundo.

O fenômeno da globalização e de sua correspondente consciência planetária dão origem a um outro paradigma civilizacional. Ele se caracteriza por um novo modo de relacionar-se com a natureza e com os povos, por uma nova forma de produção, por uma redefinição da subjetividade humana e do trabalho. Vamos considerar alguns destes pontos.

Na medida em que cresce a consciência planetária cresce também a convicção de que a questão do meio-ambiente, da ecologia, é o contexto de tudo, das políticas públicas, da indústria, da educação e das relações internacionais. Os recursos não renováveis estão se exaurindo e o equilíbrio físico-químico do Planeta está profundamente afetado. Ou mudamos de padrão de comportamento para com a natureza ou vamos ao encontro do pior. Por isso a sociedade do século XXI consumirá com mais responsabilidade. Fará uma nova aliança de respeito e de veneração com a natureza. O desenvolvimento se fará com a natureza e não contra ela ou à custa dela, como se fez durante séculos.

Haverá um pacto social mundial entre os povos baseado em três valores fundamentais que todos assumirão: (1) salvaguardar as condições para que o Planeta Terra possa continuar a existir e a co-evoluir; (2) garantir o futuro da espécie humana como um todo e as condições de seu ulterior desenvolvimento;(3) preservar a paz perpétua entre os povos como um meio de solução de todos os conflitos que sempre existirão.

A sociedade do século XXI será profundamente uma sociedade do conhecimento, da informação e da automação. Terá incorporado socialmente a nova natureza do processo tecnológico. A tecnologia inaugura uma nova história. Até agora as sociedades se construiram sobre a força do trabalho humano, completado e potenciado pela máquina. O trabalho construíu tudo, modificiou a natureza e originou a cultura. Agora o robot e os computadores substituem o ser humano. Milhões de trabalhadores são dispensados. Nem sequer entram a compor o exército de reserva de mão de obra a serviço do capital. São excluidos do processo produtivo.

Como ocupá-los com sentido? Como passar do pleno emprego para a plena atividade? Os trabalhadores deverão ser flexíveis, mostrar habilidade para trabalhos e atividades produtivas não vinculadas ao mercado. Possivelmente o ministério da cultura e do desporto será um dos ministérios mais importantes dos governos futuros, pois eles deverão criar alternativas de ocupação para milhões que estarão fora do mercado do trabalho assalariado. Por outra parte, o trabalho, libertado do regime de salário, assumirá seu sentido originário de atividade plasmadora da natureza a partir da criatividade humana. Os autômatos libertarão o ser humano do regime da necessidade de ter que trabalhar para viver. Eles inauguram o regime de liberdade que permite ao ser humano expressar-se de uma forma que somente ele, sujeito livre e criativo, poderá fazer.

A nova relação para com a natureza no sentido de um reencantamento e de maior benevolência fará que milhões trocarão as cidades pela vida no campo ou em cidades menores integradas ecologicamente com o meio-ambiente. A preocupação pela qualidade de vida fará que as megalópoles sejam transformadas profundamente pela recuperação dos rios, das paisagens, da pureza da atmosfera e de sua riqueza cultural.

A automação do processo produtivo que aludimos acima abrirá um espaço muito grande para a liberdade humana, para o tempo livre e para o lazer. O encontro das culturas mostrará formas diferentes de sermos humanos O homem terá menos coações sociais e mais liberdade para decidir seu projeto pessoal. Os valores da subjetividade, a singularidade de cada pessoa, suas preferências e filosofias de vida serão vistos positivamente como riqueza e não como ameaça à unidade humana. O ser humano, devido à educação ecológica incorporada em todas as instâncias, será mais sensível, mais compassivo, mas respeitoso e mais cooperativo.

A liberdade conquistada redefinirá o estatuto da família. Ela não se ordena, primeiramente, à procriação. Ela será o espaço onde a experiência do amor e da intimidade poderá ganhar estabilidade e se transformar num projeto a dois. As coações sociais e legais continuarão, pois a história da desigualdade e até de guerra entre os sexos possui milhares de anos e se cristalizou em arquétipos do inconsciente coletivo e em certos padrões de comportamento social. Mas de forma crescente os parceiros organizam suas relações de forma mais igualitária e democrática como expressão criativa de seus sentimentos e menos como ajustamento a imposições sociais.

Talvez uma das transformações culturais mais importantes no século XXI será a volta da dimensão espiritual na vida humana. O ser humano não é somente corpo que é parte do universo material. Não é também apenas psiqué, expressão da complexidade da vida que se sente a si mesmo, se torna consciente e responsável. O ser humano é também espírito, aquele momento da consciência no qual ele se sente parte e parcela do Todo, ligado e re-ligado a todas as coisas. É próprio do espírito colocar questões radicais sobre nossa origem e nosso destino e se perguntar pelo nosso lugar e pela nossa missão no conjunto dos seres do universo. Pelo espírito o ser humano decifra o sentido da seta do tempo ascendente e se inclina, reverente, face Àquele mistério que tudo colocou em marcha. Ousa chamá-lo por mil nomes ou simplesmente diz Deus.

Mais do que religião o ser humano busca espiritualidade. A religião codifica uma experiência de Deus e dá-lhe a forma de poder religioso, doutrinário, moral e ritual A espiritualidade se orienta pela experiência de encontro vivo com Deus, prescindo do poder religioso. Esse encontro é vivido como gerador de grande sentido e de entusiasmo para viver.

O século XXI será um século espiritual que valorizará os muitos caminhos espirituais e religiosos da humanidade ou criará novos. Essa espiritualidade ajudará a humanidade a ser mais corresponsável com seu destino e com o destino da Terra, mais reverente face ao mistério do mundo e mais solidária para com aqueles que sofrem. A espiritualidade dará leveza à vida e fará que os seres humanos não se sintam condenados a um vale de lágrimas mas se sintam filhos e filhas da alegria de viver juntos nesse mundo.

 

Desafios Ecológicos do Fim do Milênio

"O bem-estar não pode ser só social, tem de ser também sociocósmico" Leonardo Boff.

Ernst Haeckel, biólogo alemão (1834-1919), criou em 1866 a palavra ecologia e definiu o seu significado: o estudo do inter-retrorelacionamento de todos os sistemas vivos e não-vivos entre si e com seu meio ambiente. De um discurso regional como subcapítulo da biologia, passou a ser atualmente um discurso universal, quiçá de maior força mobilizadora na virada do milênio.
Na pletora de propostas, queremos apresentar, como numa leitura de cegos, os elementos mais relevantes da discussão atual.
Ela se dá em quatro grandes vertentes: a ecologia ambiental, a ecologia social, a ecologia mental e a ecologia integral.

Ecologia ambiental
Esta primeira vertente se preocupa com o meio ambiente, para que não sofra excessiva desfiguração, com qualidade de vida e com a preservação das espécies em extinção. Ela vê a natureza fora do ser humano e da sociedade. Procura tecnologias novas, menos poluentes, privilegiando soluções técnicas. Ela é importante porque procura corrigir os excessos da voracidade do projeto industrialista mundial, que implica sempre custos ecológicos altos.
Se não cuidarmos do planeta como um todo, podemos submetê-lo a graves riscos de destruição de partes da biosfera e, no seu termo, inviabilizar a própria vida no planeta.

Ecologia social
A segunda _a ecologia social_ não quer apenas o meio ambiente. Quer o ambiente inteiro. Insere o ser humano e a sociedade dentro da natureza. Preocupa-se não apenas com o embelezamento da cidade, com melhores avenidas, com praças ou praias mais atrativas. Mas prioriza o saneamento básico, uma boa rede escolar e um serviço de saúde decente. A injustiça social significa uma violência contra o ser mais complexo e singular da criação que é o ser humano, homem e mulher. Ele é parte e parcela da natureza.
A ecologia social propugna por um desenvolvimento sustentável. É aquele em que se atende às carências básicas dos seres humanos hoje sem sacrificar o capital natural da Terra e se considera também as necessidades das gerações futuras que têm direito à sua satisfação e de herdarem uma Terra habitável com relações humanas minimamente justas.
Mas o tipo de sociedade construída nos últimos 400 anos impede que se realize um desenvolvimento sustentável. É energívora, montou um modelo de desenvolvimento que pratica sistematicamente a pilhagem dos recursos da Terra e explora a força de trabalho.
No imaginário dos pais fundadores da sociedade moderna, o desenvolvimento se movia dentro de dois infinitos: o infinito dos recursos naturais e o infinito do desenvolvimento rumo ao futuro. Esta pressuposição se revelou ilusória. Os recursos não são infinitos. A maioria está se acabando, principalmente a água potável e os combustíveis fósseis. E o tipo de desenvolvimento linear e crescente para o futuro não é universalizável. Não é, portanto, infinito. Se as famílias chinesas quisessem ter os automóveis que as famílias americanas têm, a China viraria um imenso estacionamento. Não haveria combustível suficiente e ninguém se moveria.
Carecemos de uma sociedade sustentável que encontra para si o desenvolvimento viável para as necessidades de todos. O bem-estar não pode ser apenas social, mas tem de ser também sociocósmico. Ele tem que atender aos demais seres da natureza, como as águas, as plantas, os animais, os microorganismo, pois todos juntos constituem a comunidade planetária, na qual estamos inseridos, e sem os quais nós mesmos não viveríamos.

Ecologia mental
A terceira, a ecologia mental, chamada também de ecologia profunda, sustenta que as causas do déficit da Terra não se encontram apenas no tipo de sociedade que atualmente temos. Mas também no tipo de mentalidade que vigora, cujas raízes alcançam épocas anteriores à nossa história moderna, incluindo a profundidade da vida psíquica humana consciente e inconsciente, pessoal e arquetípica.
Há em nós instintos de violência, vontade de dominação, arquétipos sombrios que nos afastam da benevolência em relação à vida e à natureza. Aí dentro da mente humana se iniciam os mecanismos que nos levam a uma guerra contra a Terra. Eles se expressam por uma categoria: a nossa cultura antropocêntrica. O antropocentrismo considera o ser humano rei/rainha do universo. Pensa que os demais seres só têm sentido quando ordenados ao ser humano; eles estão aí disponíveis ao seu bel-prazer. Esta estrutura quebra com a lei mais universal do universo: a solidariedade cósmica. Todos os seres são interdependentes e vivem dentro de uma teia intrincadíssima de relações. Todos são importantes.
Não há isso de alguém ser rei/rainha e considerar-se independente sem precisar dos demais. A moderna cosmologia nos ensina que tudo tem a ver com tudo em todos os momentos e em todas as circunstâncias. O ser humano esquece esta realidade. Afasta-se e se coloca sobre as coisas em vez de sentir-se junto e com elas, numa imensa comunidade planetária e cósmica. Importa recuperarmos atitudes de respeito e veneração para com a Terra.
Isso somente se consegue se antes for resgatada a dimensão do feminino no homem e na mulher. Pelo feminino o ser humano se abre ao cuidado, se sensibiliza pela profundidade misteriosa da vida e recupera sua capacidade de maravilhamento. O feminino ajuda a resgatar a dimensão do sagrado. O sagrado impõe sempre limites à manipulação do mundo, pois ele dá origem à veneração e ao respeito, fundamentais para a salvaguarda da Terra. Cria a capacidade de re-ligar todas as coisas à sua fonte criadora que é o Criador e o Ordenador do universo. Desta capacidade re-ligadora nascem todas as religiões. Precisamos hoje revitalizar as religiões para que cumpram sua função religadora.

Ecologia integral
Por fim, a quarta - a ecologia integral - parte de uma nova visão da Terra. É a visão inaugurada pelos astronautas a partir dos anos 60 quando se lançaram os primeiros foguetes tripulados. Eles vêem a Terra de fora da Terra. De lá, de sua nave espacial ou da Lua, como testemunharam vários deles, a Terra aparece como resplandecente planeta azul e branco que cabe na palma da mão e que pode ser escondido pelo polegar humano.
Daquela perspectiva, Terra e seres humanos emergem como uma única entidade. O ser humano é a própria Terra enquanto sente, pensa, ama, chora e venera. A Terra emerge como o terceiro planeta de um Sol que é apenas um entre 100 bilhões de outros de nossa galáxia, que, por sua vez, é uma entre 100 bilhões de outras do universo, universo que, possivelmente, é apenas um entre outros milhões paralelos e diversos do nosso. E tudo caminhou com tal calibragem que permitiu a nossa existência aqui e agora. Caso contrário não estaríamos aqui. Os cosmólogos, vindos da astrofísica, da física quântica, da biologia molecular, numa palavra, das ciências da Terra, nos advertem que o inteiro universo se encontra em cosmogênese. Isto significa: ele está em gênese, se constituindo e nascendo, formando um sistema aberto, sempre capaz de novas aquisições e novas expressões. Portanto ninguém está pronto. Por isso, temos que ter paciência com o processo global, uns com os outros e também conosco mesmo, pois nós, humanos, estamos igualmente em processo de antropogênese, de constituição e de nascimento.
Três grandes emergências ocorrem na cosmogênese e antropogênese: (1) a complexidade/diferenciação, (2) a auto-organização/consciência e (3) a religação/relação de tudo com tudo. A partir de seu primeiro momento, após o Big-Bang, a evolução está criando mais e mais seres diferentes e complexos (1). Quanto mais complexos mais se auto-organizam, mais mostram interioridade e possuem mais e mais níveis de consciência (2) até chegaram à consciência reflexa no ser humano. O universo, pois, como um todo possui uma profundidade espiritual. Para estar no ser humano, o espírito estava antes no universo. Agora ele emerge em nós na forma da consciência reflexa e da amorização. E, quanto mais complexo e consciente, mais se relaciona e se religa (3) com todas as coisas, fazendo com que o universo seja realmente uni-verso, uma totalidade orgânica, dinâmica, diversa, tensa e harmônica, um cosmos e não um caos.
As quatro interações existentes, a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte, constituem os princípios diretores do universo, de todos os seres, também dos seres humanos. A galáxia mais distante se encontra sob a ação destas quatro energias primordiais, bem como a formiga que caminha sobre minha mesa e os neurônios do cérebro humano com os quais faço estas reflexões. Tudo se mantém religado num equilíbrio dinâmico, aberto, passando pelo caos que é sempre generativo, pois propicia um novo equilíbrio mais alto e complexo, desembocando numa ordem, rica de novas potencialidades.

Uma visão libertadora
A ecologia integral procura acostumar o ser humano com esta visão global e holística. O holismo não significa a soma das partes, mas a captação da totalidade orgânica, una e diversa em suas partes, mas sempre articuladas entre si dentro da totalidade e constituindo esta totalidade. Esta cosmovisão desperta no ser humano a consciência de sua funcionalidade dentro desta imensa totalidade. Ele é um ser que pode captar todas estas dimensões, alegrar-se com elas, louvar e agradecer aquela Inteligência que tudo ordena e aquele Amor que tudo move, sentir-se um ser ético, responsável pela parte do universo que lhe cabe habitar, a Terra.
Ela, a Terra, é, segundo notáveis cientistas, um superorganismo vivo, denominado Gaia, com calibragens refinadíssimas de elementos físico-químicos e auto-organizacionais que somente um ser vivo pode ter. Nós, seres humanos, podemos ser o satã da Terra, como podemos ser seu anjo da guarda bom. Esta visão exige uma nova civilização e um novo tipo de religião, capaz de re-ligar Deus e mundo, mundo e ser humano, ser humano e a espiritualidade do cosmos.
O cristianismo é levado a aprofundar a dimensão cósmica da encarnação, da inabitação do espírito da natureza e do panenteísmo, segundo o qual Deus está em tudo e tudo está em Deus.
Importa fazermos as pazes e não apenas uma trégua com a Terra. Cumpre refazermos uma aliança de fraternidade/sororidade e de respeito para com ela. E sentirmo-nos imbuídos do Espírito que tudo penetra e daquele Amor que, no dizer de Dante, move o céu, todas as estrelas e também nossos corações. Não cabe opormos as várias correntes da ecologia. Mas discernirmos como se complementam e em que medida nos ajudam a sermos um ser de relações, produtores de padrões de comportamentos que tenham como consequência a preservação e a potenciação do patrimônio formado ao longo de 15 bilhões de anos e que chegou até nós e que devemos passá-lo adiante dentro de um espírito sinergético e afinado com a grande sinfonia universal.


SATO, Michèle. Educação ambiental na Agenda 21 e na Carta da Terra. Anais "Simpósio Gaúcho de Educação Ambiental". Erechim: URI, agosto de 2000, 53-64.


Educação Ambiental na Agenda 21 e na Carta da Terra

Michèle Sato

Em tom menor, a estiagem já abriu o inverno e
uma pálida paródia,
  tomou
  conta dos Cosmus
floridos na jardineira dessa janela
  essa de onde
os passantes
  podem ver o coleóptero inominado
  atravessando
  a escrivaninha.
Acidentes
  geográficos
  tatuam o vasto relevo,
compõe a trama onde
  todos os insetos se debatem.
As pétalas caídas
  sob o vaso,
as chaves,
a carteira,
  pequenos objetos.
  Esses servos silentes
contemplam o ruído,
  sons esgarçando-se no vento.
O cálice agora vazio,
um cartão postal
  afogado no maço de correspondência,
  detalhes.
Inanimados concedem
  um epíteto ao minúsculo besouro.
 
E assim nesse mar de endereços,
os élitros resplandecentes,
alheios a qualquer taxonomia,
 
  prosseguem cursivamente.

(assombrado por In finito, Circuitos fechados,
El Sur e LFT que me fez ver o bezouro)

In petto, José Bruma, 2000

As paixões humanas

Ao abrirmos os jornais, ao ouvir notícias em TV ou rádios, surpreendemo-nos com as inúmeras informações criminosas que circulam pela humanidade. Neste momento, parece que esquecemos da emoção, deixamos de lado a poesia, o coleóptero e o Cosmus florido (BRUMA, 2000), fechando os corações para os ruídos, e vacinamo-nos no dia-a-dia, para criar mecanismos de defesa e evitar o sofrimento, ou simplesmente porque estamos tão habituad@s com a violência do mundo, que aquela notícia ruim acaba se tornando "mais uma" entre tantas outras. E alhei@s à tudo, seguimos cursivamente, deixando adormecido o lado poeta que nos confere a beleza da vida...

Não temos a pretensão de reverter este quadro neste simples texto de algumas páginas. Mas se o espaço e o tempo permitir, gostaríamos de abrir brechas para um pequeno diálogo sobre os caminhos da humanidade. Assim como estes fatos ruins noticiados quotidianamente, milhões de eventos acontecessem pelo mundo afora. Há encontros, todavia, que marcam e podem até determinar o curso da história. Talvez não a história da humanidade como um todo, mas a história de nossas vidas... E assim, acreditamos que quando moldando-nos à uma nova proposta, engajamos em mudanças globais, pois quando mudamos um pedaço do mundo, mudamos, também, o mundo.

Propor uma transformação nas manchetes, ou tentar mudar o mundo sem mudar a nós mesmos, parece perder a significação. Durante a II Guerra Mundial, um dos principais jornais da Inglaterra - "The London Times", ousou a primeira página totalmente em branco, como protesto às ações bélicas de Churchil. Quiçá algum dia possamos ver uma página em branco na Folha de São Paulo, um branco pela paz, um manifesto contra o massacre testemunhado diariamente pela Nação Brasileira. Ousar uma mudança significa conhecermo-nos primeiro. Resgatando o pensar Socratiano, pensamos que o renascer na consciência de si mesmo, que além de restaurar dúvidas, atinge campos pessoais da moral e da conduta, devem servir de alicerces às instituições políticas.

Se é verdade que nos circunscrevemos na linha da vida e da morte de um círculo dinâmico, não há como não comprometer com esta identidade e existência humana, posta fora de nós em mundo, que por suas injunções com a natureza e cultura, implicam em questões de responsabilidade individual e coletiva (PASSOS & SATO, no prelo). Este é, sem dúvida, o maior desafio da Educação Ambiental (EA).

Assim, refletir nossa condição pessoal nos obriga a pensar na nossa relação com @ outr@. É neste refletir que devemos perceber que nossa solidariedade, moral e paixões também determinam a qualidade do nosso pensar, inseridos na reflexão da limitação, mas ao mesmo tempo da potencialidade, da contribuição individual que tod@s são capazes de oferecer à construção do coletivo. Temos lido muitos trabalhos em EA, e infelizmente algumas pessoas utilizam o romantismo como sinônimo de ingenuidade. Não raro, encontramos textos que atribuem o valor "romântico" da limitação da EA em suas esferas meramente ecológicas. Tal reducionismo nos parece ser inadequado, mas o romantismo confere uma beleza inimaginável ao nosso pensamento crítico. No campo da arte, é possível verificar a criticidade em obras como Guernica, de Pablo Picasso, e de todo movimento cubista que marcou uma era de revoluções, não somente na Espanha, mas nas esferas internacionais. A modernidade pode ter conferido espaços à intelectualidade, ao cientificismo exagerado e ao poder absoluto da produção dos conhecimentos. Mas certamente a Pós-Modernidade representa esta ruptura, abrindo os horizontes para caminharmos em espaços mais amplos, onde a racionalidade pode ser temperada com a emoção. Ou como já dizia GRANGER (1994), escarnecer a ciência externalista e enaltecer a racionalidade interna. Ultrapassar as barreiras do "landscape", e mergulharmos no nosso "inscape" (SATO, 1997). E sem medo de ser piegas (FREIRE & SHOR, 1986), é confortante poder falar sobre a solidariedade e a ternura numa era marcada pelas desigualdades sociais. E seguimos trilhamos o caminho, apostando na utopia como marco de nossas transformações.

 


Inserir a discussão da Educação Ambiental (EA) neste contexto não é uma tarefa simples. Pensamos ser desafiador porque sua complexidade nos apontam diversos caminhos, e lembrando-nos daquela famosa canção latino americana, não há caminhos a ser seguidos, os caminhos são construídos durante nosso caminhar. Esta situação de desconforto pode ser agravada quando inserimos sua interlocução com a Agenda 21 e a Carta da Terra, dois movimentos internacionais que, na nossa compreensão, jamais se esgotariam num simples texto. Todavia, arriscaremos a introduzir uma abordagem menos densa, diluindo os capítulos e os princípios em forma incessante de sensibilidade, na busca de uma visão que aceite a diversidade, seja ela biológica ou cultural, como a maior riqueza que confere a beleza da própria Terra. Acreditamos na felicidade, pois o ser humano é livre para abrir suas brechas e entregar-se às paixões.

Vislumbramos, assim, oferecer uma perspectiva menos memorizativa, mas mais criativa na elaboração de políticas internacionais que assegurem a EA no cotidiano, no nosso "pensar e agir globalmente", uma vez superada a ruptura espacial e temporal. Inserimo-nos nas dobras da vida, que nos oferecem amplitudes para sermos mais atrevid@s, de caminhar na simplicidade, sem perder a complexidade. Debater a EA no Brasil é, portanto, inseri-la nos patamares internacionais, dentro dos grandes movimentos hoje existentes. Neste cenário, parece ser inevitável remeter esta discussão aos dois grandes movimentos mundiais: A Carta da Terra e a Agenda 21.


A Agenda 21

Palco de controvérsias e num momento de "desfiles de autoridades", a Eco-92 trouxe seu momento histórico, ao abrir para o mundo a possibilidade de erradicar a miséria com a incorporação da preocupação ambiental. Todavia, nossos satélites, que oferecem a dimensão de uma Terra azul, com porções de mares e nuvens, negligenciam as atividades humanas que insistem em modificar sua cor. As mudanças globais estão intensas e o risco de uma explosão nuclear, além de outras realidades desconhecidas e temidas, ameaçam cada vez mais esta esfera que mantém a vida como própria essência de existência. Esta informação sobre a natureza e a extensão do que muit@s chamaram de "conquistas" da ciência, parece realmente ser, na proporção das aptidões de cada cultura e cada ser, o interesse de tod@s (GRANGER, 1994).

(Re)Iniciamos, assim, a discussão de um nova ciência, talvez uma ciência no plural - ciências, que possibilitem a integração dos sistemas sociais com os sistemas biogeofísicos. Ciências conscientes (MORIN, 1996), que traduzam o sentido da emoção nos jogos políticos onde se travam os dissonantes acordes da cultura de um lado, e a natureza de outro.
Assim, a Agenda 21 nasce de um debate importante no processo de compreensão do futuro da humanidade e do planeta, além de proporcionar instrumentação para os grandes desafios das nações. A ênfase acentuada é na instrumentação intelectual, nos esforços dos governantes e nos segmentos de toda a sociedade para uma melhor compreensão dos fluxo globais (SATO & SANTOS, 1999).

Todavia, há que se considerar a ideologia dominante, por trás de um discurso homegenizador na nova ordem mundial - o desenvolvimento sustentável. A criação deste adjetivo ao desenvolvimento não seria fruto do medo do efeito "bumerangue" (SAUVÉ, 1996), dos países chamados "ricos", com medo que a miséria humana lançada no, geograficamente imposto, hemisfério sul, retornasse ao norte? Não haveria aí, uma visão sombria de que a necessidade de "preservação" - e não de conservação, asseguraria uma vida mais feliz? Talvez devêssemos perguntar a quem beneficiaríamos com esta preservação a todo custo. Poderíamos realmente equacionar o grau de liberdade e felicidade de um@ american@ com um@ maçambican@, por exemplo? Parece-nos, que o processo da globalização trouxe a sonhada unificação pela fome e pelos desastres ecológicos, ao invés de alcançarmos as desejáveis condições de vida. "A co-produção global de um colapso ambiental pressupõe uma co-responsabilidade transnacional solidária. É difícil, portanto, enveredar por esta ou aquela linha de abordagem da educação ambiental sem os riscos da contaminação de velados interesses e ideologias fragmentárias do pensamento liberal" (MATA, 2000).

Há que se considerar, entretanto, que a Agenda 21 traz a sua valiosa colaboração para uma interlocução mundial, e que através das ações e reflexões dos Governos e da Sociedade, busquem a necessidade de mudanças para os cuidados com a Terra. Didaticamente dividida em 40 capítulos, a EA parece ser o elo de ligação entre todos eles, aparecendo como bandeira de luta e patamares de esperanças em todo o texto da Agenda 21.

Com 27 princípios e 4 seções, a palavra "educação" é a 5ª mais citada em todo o documento. Suas propostas e estratégias buscam uma aliança global, num exercício constante de avanços e recuos, de movimentos coloridos que almejam um caleidoscópio junto ao azul do mundo. Infelizmente, seu conteúdo é imenso e impossibilita que tod@s conheçam o documento em sua íntegra. Tentando corroborar com a idéia e a importância de sua divulgação, SATO & SANTOS (1999) tentaram oferecer sua sinopse, ilustrando as idéias centrais e possibilitando a compreensão dos princípios gerais da Agenda 21. Uma idéia que pode ser compreendida como limiar da limitação, mas um esforço de possibilitar mais visibilidade ao documento, como um referencial em nossas ações cotidianas.


A Carta da Terra

Similarmente, a Carta da Terra também oferece este compromisso. Todavia, resgata as mudanças individuais como prioridade para a mudança global (GORBATCHEV, 1999). Quando a Organizações da Nações Unidas (ONU) foi criada, em 1945, havia a preocupação com a paz, com os direitos humanos e um desenvolvimento social mais eqüitativo. Os rumos tomados podem mostrar contradições, mas a concepção da Carta da Terra (CT), ali implícita, passou por um longo período de gestação, dando seus primeiros sinais de vida durante a Eco-92, juntamente com a construção da Agenda 21. ROCKEFELLER (2000) nos lembra que a especial ênfase da CT reside nos desafios ambientais, mas o movimento reconhece a visão ética da paz e dos direitos humanos como partes indivisíveis para o desenvolvimento da humanidade.

A Conferência Internacional da Carta da Terra realizou-se em Cuiabá, em 1998. A Carta produzida trazia valores espirituais fortes, com negligência ao lado científico da produção dos conhecimentos. Se a Modernidade falhou nos seus excessos científicos, talvez tenhamos errado ao fazer o movimento inverso. Todavia, a Carta é considerada como um "rascunho (draft)", exatamente para que não se perca os movimentos de construção/destruição da Terra. E nestes movimentos, novas versões foram elaboradas. Particularmente para a América latina, os avanços foram significativos. Incluímos itens importantes à nossa história, como a criação de um fundo internacional para o combate à fome e à miséria, a taxação do capital internacional, a taxação do capital das indústrias bélicas, a efetivação adequada das políticas de transferência de tecnologia e a renegociação da dívida externa, além do respeito à todas as formas de vida (MALDONADO, 2000). Nossas ações, neste sentido, são importantes para obtermos a aprovação da ONU, e conferir a chancela em 2002 como uma Carta da Terra.

Assim como na Agenda 21, a EA também aparece implícita nos princípios gerais da CT, enfatizando a participação de pessoas de todas as raças, credos, culturas e conhecimentos. A articulação central ancora-se no sentido ético das ações humanas para a manutenção da biosfera, ampliando os espaços para as ciências (em especial à Ecologia), e à Filosofia, além de outras expressões como as culturas, religiões ou movimentos sociais. Não é uma proposta generalista, uma vez que identifica a importância da diversidade, da construção individual que desenha os campos ontológicos coletivos. É, sobremaneira, uma tentativa de resgatar a manutenção da biosfera como palavra de ordem no nosso cotidiano.

Ela possui 16 princípios gerais orientados pelo respeito e cuidados com as comunidades de vida; da integridade ecológica; da justiça social e econômica; e da democracia pela paz e não violência. Das diversas experiências realizadas pelo mundo, e a EA é sublinhada como uma alavanca nos processos de sensibilização e internalização da CT. Seguramente, a construção da CT é um constante exercício de diálogo entre tod@s aquel@s que possuem esperanças para resgatar o valor intrínseco da Terra.

 

A liberdade na Educação Ambiental

Talvez seja neste "diálogo" que esteja a importância da EA. Um trabalho coletivo, com envolvimento de todos os setores da sociedade não representa nenhuma facilidade. Para FOUCAULT (1982), as relações entre grupos ou indivíduos traz o mecanismo de poder, não na mera competitividade ou na defesa dos territórios, mas na presença de um conjunto de ações que induzem às outras ações. A era da "globalização" exige novas formas de ultrapassagem para a liberdade do pensamento. A libertação, todavia, caracteriza-se pela superação das fronteiras do pensamento, mesmo que sempre haja diferentes opiniões.

Sem a pretensão de oferecer uma explicação ecológica aos fenômenos interdisciplinares, mas considerando que a realidade antropossocial é multidimensional e sempre possui uma dimensão social e biológica (MORIN, 1996), gostaríamos de fazer algumas reflexões "ecofilosóficas" (SATO, 1997).

Nos estudos dos ecossistemas, os vegetais constituem-se, na maioria das vezes, o essencial da biomassa dos seres vivos e imprimem à paisagem seu aspecto característico. "A passagem de uma biocenose à outra pode fazer-se mais ou menos violentamente. Em todos os casos, existe uma zona de transição (ecótono), que pode ser muito extensa ou somente alguns metros. Nelas, a biodiversidade é mais rica e mais abundante que nas biocenoses adjacentes, cujas espécies se misturam oferecendo um ingrediente mais rico sob o ponto de vista ecológico" (ODUM, 1977). Esse efeito é conhecido pelo nome de "efeito de borda". Entretanto, esse efeito apresenta desarmonia, em função dos processos de reciclagem de nutrientes, dos gastos de energia para a manutenção das relações tróficas, das adaptações dos seres vivos e das competições das espécies, entre outros fatores.

Os recentes estudos têm demonstrado que a suposição do desequilíbrio, ao invés do equilíbrio, tem maior valor analítico-ecológico. Similarmente, PRIGOGINE & STENGERS (1986 apud REIGOTA, 1996) descobriram que a "irreversibilidade dos sistemas físicos em desequilíbrio tem um papel construtivo na natureza, pois lhe permite a reorganização e a auto-organização espontânea. Portanto, a irreversibilidade e a instabilidade são fontes criadoras de novas formas de organização". Assim, a natureza não é passiva nem simplificada, ela é complexa e múltipla.

Segundo esses autores, embora o ecótono seja uma zona conflitante, com desarmonias, é onde a biodiversidade é mais rica e tem alto potencial ecológico, pois contém, em um mesmo espaço, elementos de um ecossistema misturado com o outro. Ao buscarmos o significado da palavra "ecótono" nos dicionários filosóficos gregos, vamos encontrar o seguinte significado: prefixo "oikos", de casa e o sufixo "tónos", que significa tensão (PETERS, 1974). Em outras palavras, o ecótono é "a casa da tensão". Os estóicos explicavam a tensão em vários níveis, a tensão no pneuma é o ar que respiramos, centro vital da nossa capacidade de conhecer, e num estágio superior, é a tensão que se manifesta na capacidade de crescimento. Esse "crescer" parece estar relacionado, tanto do ponto de vista biológico, como sob a perspectiva do crescimento científico.

Num estudo sobre a aproximação do pensamento filosófico de Heidegger e Foucault, FIGUEIREDO (1995) considera que nossa relação com a verdade, que nos permite reconhecermos como sujeitos dos acontecimentos, exige também uma relação no campo do poder, onde somos sujeitos capazes de agir sobre @s outr@s. Nessa dimensão, ele propõe a simbologia de uma "casa", onde é necessário assumir a existência da ética.

A "casa da tensão", onde os atores e as atrizes sociais tentam uma ação interdisciplinar, pode ser explicada como um estágio de desenvolvimento, com rupturas da homeostase, onde as multiplicidades do poder entram em choque, mas que o próprio sistema vai tentar constituir uma unidade superior de conhecimento, porque vai acumular os diversos saberes. E, é claro, porque os conhecimentos estão sob a conduta ética e crítica dos grupos envolvidos, numa relação de reciprocidade que permite que cada um possa edificar a morada.

A atitude crítica do elenco, durante o desenvolvimento dos trabalhos, não pressupõe a existência de um sujeito plenamente consciente de si. "Ela não é um ordem de um juízo que sobrevoa a realidade histórica do alto de uma posição ideal de verdade, mas ela mostra claramente de que longe de transcender o presente, se inscreve nas dobras dos jogos de poder" (FOUCAULT, 1982).

Infelizmente, a EA tem sido considerada como uma ilha natural dentro de um continente cultural. No trabalho coletivo, é bom ter me mente de que deveremos ultrapassar a racionalidade dividida, buscando construir uma ponte que possa unificar a ilha ao continente, mesmo com rupturas, inseguranças e resistências. Certamente, haverá jogos de poder, mas fundamentalmente, devemos resgatar o respeito à postura ética que permitirá a força do trabalho. É nesta ousadia de tentar um caminho dialógico no mosaico de saberes - na maioria das vezes nem expressa, mas profundamente internalizada - que os conhecimentos adquiridos possibilitarão uma nova dimensão da EA.

Acreditamos, assim, que a EA possibilite o ato de liberdade, inserido na derivação da estrutura ontoantropológica e implicando o compromisso com a existência e o percorrido (PASSOS & SATO, no prelo). É na liberdade, pois, que plasmamos o rosto de quem o segue: seja para perda de si mesmo, por moldar-se às estruturas homogenizadoras na alienação, seja o de humanizar-se, pelo risco de protagonizar um caminho para si e para a humanidade. Talvez assim, sejamos capazes de despertar nosso lado poeta, ousando uma melodia com diversas notas musicais, que a cada regente diferente, será capaz de nos libertar para acreditar na utopia.


BIBLIOGRAFIA

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FIGUEIREDO, Luiz C. Foucault e Heidegger. In Tempo Social - Revista de Sociologia, v. 7, n. 1 e 2, 136 - 149, 1995.
FOUCAULT, Michel. Subject and power. In DREYFUSS, H. & RABINOW, P. Beyond Structuralism and Hermeneutics. Bringhton: The Harvester Press, 1982.
FREIRE, Paulo & SHOR, Ira. Medo e Ousadia. São Paulo: Paz e Terra, 1986, 224 p.
GORBATCHEV, Mikhail. Earth Charter Online Forum. In http://www.earthforum.org [download] 30 November, 1999.
GRANGER, Gilles-Gaston. A Ciência e as Ciências. Tradução de R. L. Ferreira. São Paulo: UNESP, 1994, 122p.
MALDONADO, Carlos Alberto. Informes sobre Hague. In Reunião da Carta da Terra. Cuiabá: Carta da Terra, julho, 2000 (comunicação oral).
MATA, Speranza F. Educação para o meio: por um ambientalismo político. http://www.cfch.ufrj.br/jor_p4/educusp2/speranza.html [capturado] 08 junho, 2000.
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. São Paulo: Bertrand Brasil, 1996.
ODUM, Eugene P. The emergence of ecology as a new integrative discipline. In Science, n. 195, 1289 - 1293, 1977.
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ROCKEFELLER, Steven. What is the Earth Charter? Hague: Earth Charter Meeting, 2000 (personal communication).
SATO, Michèle. Educação Para o Ambiente Amazônico. São Carlos: Tese de Doutorado, PPG-ERN/UFSCar, 1997, 245 p.
SATO, Michèle & SANTOS, José Eduardo. Agenda 21 em Sinopse. São Carlos: UFSCar, 1999, 57p.
SAUVÉ, Lucie. Environmental education and sustainable development: further appraisal. In Canadian Journal of Environmental Education, v.1, n.1, 7-34, 1996.

http://www.cartadaterra.org.br/novidades.htm


DIREITO AMBIENTAL

Ética ambiental

   Reflexões sobre a ética tradicional
    A palavra ética vem do grego ETHOS que significa: modo de ser, caráter enquanto forma de vida do homem. Ética é a forma de proceder ou de se comportar do ser humano no seu meu social, sendo portanto uma relação intersocial do homem, e seus parâmetros são as condutas aceitas no meio social, e tem raízes no fato da moral como sistema de regulamentação das relações intersociais humanas, assentando-se em um modo de comportamento.
    Portanto, a ética é uma ciência da moral e pode ser definida como: a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade ( Adolfo Sanches Vasquez, Ética, ed. Civilização Brasileira, 14ª edição.1993 ).
    Podemos, também, dividi-la em:
- ética normativa  que são as recomendações;
- ética teórica quando explica a natureza da moral relacionada às necessidades sociais.
    Enquanto teoria a ética estuda e investiga o comportamento moral dos homens, tendo seu valor como teoria naquilo que explica e não no fato que recomenda ou prescreve.  Atualmente, ante as correntes intuitivas, positivas e analíticas, a ética foi reduzida a análise da linguagem moral, abstraindo-se as questões morais ( conf.o citado autor ).
    Resultado disso é que a moral e a ética perderam significado social, dando-se hoje em dia importância a obtenção finalista do sucesso pessoal e material a qualquer custo, ficando assim reduzidas a preceitos delimitadores das relações profissionais (Códigos Éticos), restando apenas a ética normatizada e direcionada às profissões, não havendo mais uma ética universal. Passamos por uma crise ética e moral, faltando uma orientação ética geral.
    Como ciência da moral, a ética como conhecemos,  está relegada a um plano inferior social, deixando de ser uma orientadora do comportamento humano como dantes, mas uma nova forma de relação ética vem surgindo, como pretendemos demonstrar,  ante a degradação ambiental em larga escala e o desenvolvimento científico, o qual vem  desvendando a origem do homem, tirando-o do pedestal de espécie superior.
    Toda a sociedade é responsável pela degradação ambiental, pois :  o rico polui com sua atividade industrial, comercial etc; o pobre polui por falta de condições econômicas de viver condignamente e por falta de informações, já que a maioria é semi-analfabeta; e o Estado polui por falta de informações ecológicas de seu administradores, gerando uma política desvinculada dos compromissos com  o meio ambiente.
    Somando isso aos novos conhecimentos científicos que concluem que o homem faz parte da natureza como vemos por exemplo na teoria evolucionista de Darwin, pela qual a raça humana tem origem no mesmo ancestral dos grandes macacos e evolui como todos os demais seres viventes, e ainda a Teoria de Gaia de Lovelock para a qual a Terra,  Gaia, é um ser vivo que pulsa em vida plena com todos os seus seres, incluindo o homem, em igualdade de condições, surgiu a necessidade do ser humano rever a sua ação predatória e consequentemente seu comportamento integral, fazendo com que a visão antropocêntrica que rege a conduta humana, tendo o homem como o centro do universo, comece a perder força.

   Ética antropocêntrica
    A ética antropocêntrica, defendida principalmente por Kant, que orientou e deu base para as doutrinas posteriores, estuda o comportamento social do homem entre si, levando-o a condição de espécie superior pela razão, perde campo para uma nova visão: a visão ecocêntrica.

   Ética ecocêntrica
    Esta nova visão ecocêntrica que podemos definir como o homem centrado em sua casa - "oikos" = casa em grego, ou seja o homem centrado no tudo ou no planeta como sua morada, permite o surgimento de uma ética que estuda também o comportamento do homem em relação à natureza global; com ela o ser humano passa a entender melhor a sua atuação e responsabilidade para com os demais seres vivos.
    Então, surge a necessidade desta nova forma de conduta em relação à natureza. Uma nova concepção filosófica homem-natureza. A ética passa a ser também, neste caso, um estudo extrasocial e extrapola os limites intersociais do homem, nascendo assim, uma nova ética diversa da ética tradicional. Surge a ética ambiental.Com ela nós passamos a ter mais "humildade zoológica", e consequentemente, passamos a ter um novo entendimento da vida. Mas para que isto ocorra é necessário que tenhamos uma plena conscientização da problemática ambiental, caracterizando esta como ter pleno conhecimento de algo e o seu processo dá-se internamente, refletindo-se nas ações.
    Essa nova filosofia ecocêntrica e a conscientização fazem com que o ser humano passe a se preocupar com suas ações entendendo que ele faz parte na natureza. Não é o "dono da Natureza", passa a compreender que a Natureza não está ali para servi-lo, mas para que ele possa sobreviver em harmonia com os demais seres. Percebendo isso, o ser humano passará a se preocupar com suas ações, passará a ter ações coerentes em relação à Natureza e mesmo as suas ações intersociais passam a ser direcionadas à causa da preservação da vida global. Então, estará ele desenvolvendo cada vez mais uma “visão holística"  do mundo, ou seja uma visão global.
    Essa nova consciência e visão global trazem a necessidade de desenvolver uma nova linha de conduta ética com a Natureza, formando uma nova interligação ética: homem-natureza.

   Ética ambiental: definição
    Podemos definir essa Ética Ambiental como a conduta, ou a própria conduta, comportamental do ser humano em relação à natureza, decorrente da conscientização ambiental e conseqüente compromisso personalíssimo preservacionista, tendo como objetivo a conservação da vida global.

   Uma nova relação ética
    Com essa nova ética, diferente da ética tradicional, pautamos  toda a sua vida e assim estaremos agindo sempre com  um  maior compromisso ético. Compromisso criado por nós; dentro de nós. Sem nenhuma lei que não seja a nossa consciência.
    Esse compromisso ético é personalíssimo, de modo que não está adstrito a nenhum outro compromisso. É um compromisso de todos os conscientes. É um compromisso da sociedade consciente. É ético não legal. Não se trata de obrigação legal, mas moral e ética de cada um.
    O compromisso ético reflete-se em ações éticas, isto é, em ações coerentes com os princípios éticos da pessoa, de modo que as ações impulsionadas por esta nova ética homem-natureza trarão resultados favoráveis à preservação ambiental e consequentemente a melhoria da qualidade de vida, ficando assim criada uma barreira ética protegendo a natureza como um todo.
    A ética ambiental aqui exposta passa a ser o início de uma nova ordem mundial, é uma nova filosofia de vida do ser humano alicerçada em novos valores extrasociais humanos. Sua base científica é o estudo da relação homem-natureza, englobando neste binômio todas as raças humanas e todos os seres existentes, abrangendo também os inanimados como o solo, o ar e a água. Tudo que existe tem sua importância e passa a fazer parte desta nova relação ética.
    Esta nova ética ajudará a formar uma humanidade consciente de sua posição perante a vida no planeta Terra e dará origem a uma nova postura, um novo comportamento calcado na preservação global da natureza, sendo uma nova esperança de vida.
    A colocação em prática dessa nova forma de comportamento ético propiciará uma enorme satisfação subjetiva e íntima em cada indivíduo, e consequentemente da sociedade humana de estar contribuindo com responsabilidade para a preservação do maior bem que existe que é a Natureza como um todo, e isto nos dará a esperança de poderemos prolongar a existência de nossa espécie nesse planeta com condições mais dignas, permitindo que possamos usufruir juntamente com os demais seres plenamente deste bem que é a vida, só existente por comprovação científica na nave mãe-Terra.
 Uma nova forma comportamental e uma nova esperança de vida, daí a importância de se conscientizar todos os segmentos da sociedade para essa nova relação ética.
 

©Copyright 1999/2001 by Antônio Silveira R. dos Santos (Programa Ambiental: A Última Arca de Noé).
Todos os direitos reservados.

http://www.aultimaarcadenoe.com/direitoetica.htm


Ecologia Profunda 

Prof. José Roberto Goldim 


A Ecologia Profunda foi proposta pelo filósofo norueguês Arne Naess em 1973 como uma resposta a visão dominante sobre o uso dos recursos naturais. Arne Naes se inclui na tradição de pensamento ecológico-filosófico de Henry Thoreau, proposto em Walden, e de Aldo Leopold, na sua Ética da Terra. Denominou de Ecologia Profunda por demonstrar claramente a sua distinção frente ao paradigma dominante. no Brasil, nesta mesma época, o Prof. José Lutzemberger já propunha idéias semelhantes e desencadeava o movimento ecológico brasileiro com a criação da AGAPAN (Associação Gaucha de Proteção ao Ambiente Natural).

O quadro abaixo demonstra, pelo menos em parte, as propostas de Arne Naess e as suas diferenças frente a visão de mundo predominante.
 
Visão de Mundo
Ecologia Profunda
Domínio da Natureza
Harmonia com a Natureza
Ambiente natural como 
recurso para os seres humanos
Toda a Natureza tem valor intínseco
Seres humanos são superiores 
aos demais seres vivos
Igualdade entre as 
diferentes espécies
Crescimento econômico e material 
como base para o 
crescimento humano
Objetivos materiais 
a serviço de objetivos maiores de 
auto-realização
Crença em amplas 
reservas de recursos
Planeta tem 
recursos limitados
Progresso e soluções 
baseados em alta tecnologia
Tecnologia apropriada e 
ciência não dominante
Consumismo
Fazendo com o necessário e 
reciclando
    Comunidade nacional 
    centralizada
Biorregiões e 
reconhecimento de 
tradições das minoriais
Naess A. The shallow and the deep, long-range ecology movements: a summary. Inquiry 1973;16:95:100.

 


http://www.ufrgs.br/HCPA/gppg/ecoprof.htm

Sistematização das propostas feitas pelos grupos de discussão do Seminário da Carta da Terra em Mato Grosso em 30/10/2000.

 

“Tudo o que existe e vive deve ser cuidado para continuar a existir. A essência humana reside na capacidade de tomar este cuidado. Talvez seja este o maior desafio da capacidade inventiva do ser humano – despertar a sensibilidade e a responsabilidade com os cuidados da Terra.”
(Leonardo Boff, 1999)

 

O Seminário Mato-Grossense da Carta da Terra, realizado no dia 30/10/00 com cerca de 500 participantes, discutiu e encaminhou algumas reflexões e propostas para a adoção mundial da CT. Inicialmente, uma grande preocupação foi exposta sobre os caminhos da Carta da Terra (CT)
– ficará somente no documento ou sua implementação assegurará novas perspectivas para a manutenção da Terra? Como assegurar a implementação da CT, num mundo ainda testemunhado por grandes disparidades econômicas e injustiças sociais? Para que a paz, a democracia, justiça social e econômica e a manutenção dos sistemas de vida sejam assegurados, o seminário da CT, subdividido em 9 grandes grupos, acredita que os valores e os princípios universais devem iniciar-se primeiramente no indivíduo, para que através da internalização destes fundamentos e engajamentos responsáveis, ele seja capaz de participar num processo coletivo (parcerias globais – indivíduos, organizações não governamentais, instituições governamentais) considerando o diálogo como primeira manifestação para o necessário respeito pelos diferentes. Através da visão integrada e interdependente, a CT deverá ter o compromisso de zelar pela biosfera (dimensões sociais e biológicas), sublinhando a solidariedade, ética e paz como princípios essenciais. Neste contexto, a Comissão da Carta da Terra de Mato Grosso (CT-MT), referendando as propostas feitas durante o seminário da Carta da Terra, recomenda:
1. Implementar programas de Educação Ambiental (EA), que sejam construídos conforme as realidades locais, respeitando a visão integral da biosfera em seus sistemas culturais e naturais. Diversas estratégias podem ser adotadas, como:
a) Formação (inicial e continuada) de professor@s sobre os princípios da CT e sua inclusão nos sitemas curriculares (ensinos fundamental, médio, superior e programas de pós-graduação);
b) Teatro, oficinas, atividades artísticas diversas e debates com jovens e crianças, promovendo e estimulando a participação d@s mesm@s nas comunidades (problemática do lixo, saneamento, agricultura orgânica, modelos de desenvolvimento, estudos dos ecossistemas,
currículo, diversidade, etc.);
c) Campanhas, cartazes e fóruns com as comunidades (respeitando todas as idades, classes sociais, credos e valores) como associações de bairro, igrejas, comércio e empresas.
2. Buscar espaços na mídia, tornando os meios de comunicação sensíveis e participativos com a construção da CT, auxiliando os processos de formação e educação, além da divulgação e informação sobre os princípios da CT (utilização de todos os meios, inclusive da Internet).
3. Reivindicar uma política efetiva aos ambientes rurais e à agricultura, em especial contra os transgênicos e outras estratégias duvidosas, incentivando a agricultura orgânica e as práticas alternativas menos danosas ao ambiente.
4. Criar mecanismos para a implementação de políticas efetivas para a melhoria dos ambientes urbanos, em especial contra a violência e modelos insustentáveis de consumo, além da criação de selos verdes às indústrias e empresas.
5. Respeitar o ambiente local, na sua ampla dimensão natural e cultural, com cuidados necessários às comunidades, inclusive aos povos indígenas (valorização da linguagem, símbolos e tradições).
6. Enfatizar a pluralidade de sexos (social e biológica), popularizando o debate sobre
as relações de gênero;
7. Estimular a criação de mecanismos legais, realmente efetivos, que possam assegurar os processos de adoção da CT, principalmente aos representantes governamentais.

A CT-MT acredita, assim, que para vencer o imobilismo testemunhado na sociedade, é preciso romper com certas estruturas, individuais e coletivas. É preciso, neste contexto, identificarmo-nos como sujeitos históricos do processo, reconhecendo nossa participação frente às políticas que determinam as redes da sociedade. Priorizando a ética, solidariedade e coletivismo como partes integrantes de qualquer sociedade sustentável, devemos reconhecer o todo e as suas partes (globalização sem homogeneização), tecendo o diálogo necessário entre as ciências, as artes e todas as manifestações culturais, fazendo com que a dicotomia “razão-emoção” seja superada na transição desta Modernidade tardia, e sobremaneira, nunca separando a sociedade e a natureza para a construção da cidadania, que assegure um sistema complexo e sustentável para a manutenção da Terra. Estamos convict@s de que a CT possibilita o ato de liberdade, inserido na derivação da estrutura ontoantropológica e implicando o compromisso com a existência e o percorrido. É na liberdade, pois, que plasmamos o rosto de quem o segue: seja para perda de si mesm@, por moldar-se às estruturas homogenizadoras na alienação; seja o de humanizar-se, pelo risco de protagonizar um caminho para si e para a humanidade (Passos e Sato, 2000). Talvez assim, sejamos capazes de despertar nossa verdadeira cidadania, que nos liberte para acreditar na utopia.

Michèle Sato - Instituto de Educação - UFMT
 
 

 

 

 


Mensagens enviadas até o dia 30.08.01

Projeto Apoema - Educação Ambiental

www.apoema.com.br