InformaLista

O Informativo da lista “Educação Ambiental”

No. 18 -Outubro

Alguns textos apresentados na Lista de Discussão do Projeto Apoema - Educação Ambiental (Antigo Projeto Vida – Educação Ambiental)

Os textos não passaram por revisão ortográfica, portanto, podem haver erros.


Notícias:
http://www.eco2000.com.br/fiquepordentro/


Material Educativo para Download

http://www.cprh.pe.gov.br/sec-educamb/frme-secund-edamb-mat.html

 Companhia Pernambucana do Meio Ambiente: http://www.cprh.pe.gov.br/index.html


ECOTURISMO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
CAMINHOS PARA UMA NOVA CONSCIÊNCIA DA
COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA

Prof. Ms. Zysman Neiman

Professor Titular das disciplinas Ecologia Geral I e II, Educação Ambiental e Ecologia Humana do Curso de Biologia da UniABC. Mestre em Psicologia e Doutorando em Ciência Ambiental pela USP.

Resumo

O presente trabalho, que se insere numa perspectiva psico-etológica, discute os programas de Educação Ambiental não formais realizados em áreas naturais, através do ecoturismo, e com ambições de contribuir na formação de uma consciência ecológica participativa dos cidadãos urbanos brasileiros. Para tanto, foram realizadas algumas viagens experimentais com estudantes de cursos de graduação da Universidade de Grande ABC (UniABC), potencialmente agentes multiplicadores das metodologias desenvolvidas, com os quais foram aplicadas técnicas especialmente preparadas com o intuito de resgatar vínculos ancestrais de nossa espécie (comportamentos adaptativos inatos de relação com o ambiente e a sociedade) de modo a (re)situá-los, visto que encontram-se, no mundo contemporâneo, deslocados dos contextos para ao quais foram selecionados. Devido ao seu caráter interdisciplinar, o trabalho procurou, também, elaborar metodologias inovadoras que possam colaborar com programas de Educação Ambiental no ensino formal  da UniABC.

Palavras-chave: Educação ambiental, Ecoturismo, Capacitação, Meio ambiente.

Abstract

The present work, inserted in a psycho-etologic perspective, discusses the nom-formal programs of environmental education carried out in natural areas, through the ecotourism, and aiming to contribute to the formation of an ecologic conscience with the participation of the Brazilian urban citizens. For that, some experimental trips were made with students of the graduation courses of the Univversidade do Grande ABC (UniABC), potentially multipliers agents of the developed methodologies, with whom were applied techniques specially prepared, aiming to rescue ancient links of our species (inate adapting behaviours of relation with the environment and society) in order to insert them, in the proper context, since they are, in modern world, dislocated from the context to which they were selected. Owing to its interdisciplinary character, the work also tried to elaborate innovating methodologies than can cooperate with the environmental education programs in the formal teaching at UniABC

Keywords: Environmental education, Ecotourism, Capacitation, Environment.

INTRODUÇÃO

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A ESCASSEZ DE PROPOSTAS PRÁTICAS

Vivemos, atualmente, em um mundo em grande parte dominado pela vaga neoliberal que afeta todas as camadas da sociedade e suas áreas de atividade. A problemática ambiental tem se mostrado um dos grandes dilemas que as sociedades terão que enfrentar no milênio que se aproxima, sendo unânime a opinião de que apenas um processo de educação voltado para a transformação dos valores a atitudes individuais poderá conduzi-las ao encontro de alternativas sustentáveis.

A partir de Estocolmo/72 muito se falou sobre Educação Ambiental em todo o mundo, sendo que no Brasil esta discussão só ganhou força a partir dos anos 80. Com a realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio/92) e a publicação do Tratado de Educação Ambiental Para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Local , pelas ONGs reunidas no Fórum Global (GRUPO DE TRABALHO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS NO FÓRUM GLOBAL, 1992) foram estabelecidas as bases para a implantação de políticas e  programas voltados a uma nova consciência da sociedade em relação à sua interação com o meio. Desde então, muito se escreveu sobre Educação Ambiental, mas pouco se avançou no sentido de elaboração de atividades eficazes e inovadoras que pudessem ser aplicadas nos setores formais e informais da educação.

Reigota (1998:43) aponta que a educação e áreas afins das ciências relacionadas com a ecologia elaboraram os fundamentos básicos da proposta pedagógica que se convencionou chamar de Educação Ambiental, que são: conscientização, mudança de comportamento, desenvolvimento de competências, capacidade de avaliação e participação dos educandos.

Padua e Tabanez (1997:15) consideram que a Educação Ambiental propicia o aumento de conhecimentos, mudança de valores e o aperfeiçoamento de habilidades, que, segundo as autoras, são condições básicas para que o ser humano assuma atitudes e comportamentos que estejam em harmonia como o meio ambiente. Assim como este, pensamentos similares podem ser fartamente encontrados na literatura, e a ênfase na necessidade de se trabalhar questões valorativas e procedimentais é o grande consenso da Educação Ambiental. No entanto, apesar da obviedade de sua importância, poucos educadores ambientais brasileiros divulgam seus trabalhos, ou o fazem de maneira pouco eficiente, pela escassez de periódicos e mesmo pela falta de hábito de publicar experiências. Quando há divulgação, na maioria dos casos, o que se observa são modelos já estabelecidos, que apresentam as mesmas reflexões e são poucos os que contribuem de fato para a busca de estratégias práticas para a implantação de programas inovadores, e que partam de novos pressupostos conceituais.

Reigota (1998:46-47) é enfático ao afirmar que, apesar da popularidade que lhe conferiu a Rio/92 e do desenvolvimento de muitas práticas de diferentes características, seja na escola ou fora dela, o aprofundamento e a compreensão do que é a Educação Ambiental são deficientes, deixando as perguntas de como e por que fazê-la em aberto.

Segundo Jacobi (1998:13) a grande maioria das atividades de Educação Ambiental é feita no Brasil dentro do que chamou de “modalidade formal”, onde os temas como o lixo, a proteção do verde, o uso e degradação dos mananciais ou ações para conscientização sobre os problemas da poluição são recorrentes. Defende que a Educação Ambiental deva ser, acima de tudo, “um ato político voltado para a transformação social e enaltece a ação das ONGs e organizações comunitárias no sentido de desenvolverem ações não formais voltadas, principalmente, à população infantil e juvenil”.

Sorrentino (1998:27-28), numa análise dos tipos de projetos encaminhados para a busca de financiamento e parcerias, publicados ou apresentados em encontros, faz uma tentativa de sistematização classificando-os em quatro grandes correntes: “conservacionistas”, “educação ao ar livre” , “gestão ambiental” e “economia ecológica”, segundo suas tendências voltadas ao  engajamento no movimento ambientalista, ao ecoturismo e suas vertentes, às lutas nos movimentos por liberdades democráticas e à busca do “desenvolvimento sustentável”, respectivamente. Considera, ainda, a existência de quatro conjuntos de temas e objetivos com os quais os projetos se identificam: biológicos, espirituais/culturais, políticos e econômicos. Conclui que os grandes desafios para os educadores ambientais são, por um lado, o resgate e o desenvolvimento de valores e comportamentos, tais como “confiança”, “respeito mútuo”, “responsabilidade”, “compromisso”, “solidariedade” e “iniciativa” e, por outro, “propiciar o desenvolvimento de habilidades individuais capazes de conquistar espaços para a geração de renda e empregos que fomentem e sejam fomentados por uma economia voltada à construção de sociedades econômica, ecológica cultural, espacial e socialmente sustentáveis” (p.31).

No mesmo sentido de aglutinar tendências, Leis (1998:97-98) classifica as posições ecológicas em biocêntricas, preservacionistas e românticas (de retorno à natureza) por um lado e antropocêntricas, utilitarista e de conquista da natureza por outro, maniqueísmo progressivamente abandonado nos anos 80, quando o ambientalismo ingressou em uma fase que denominou “multissetorial” (coexistência de vários setores: governamentais, empresariais, científicos etc.). Para o autor, o ambientalismo se constitui “na procura do ‘justo meio’ entre os diversos radicalismos existentes. Em outras palavras, o ambientalismo não apela nem confia em soluções técnicas ou em determinismos históricos para cuidar da natureza. Pelo contrário, apela e confia em mudanças de comportamento e de atitudes básicas dos seres humanos” (p-98). Eis aqui, mais uma vez, a concepção vigente preponderante da Educação Ambiental. O autor conclui seu pensamento afirmando que “os desafios ambientais devem ser colocados no contexto de um esforço abrangente para onde possam convergir os conhecimentos e as práticas baseadas no domínio técnico da natureza, com vivências da filosofia, da religião, da arte, e até do senso comum. Além de aprender a rir daqueles homens que querem voltar ao paraíso às custas da natureza, a humanidade deve aprender a amar, para poder desenvolver valores e práticas para uma ativa cooperação entre atores com interesses e visões diferentes e até contraditórias” (p-101).

Das contribuições citadas, além de muitas outras que poderíamos lembrar, surgem no entanto inúmeras perguntas: Como conseguir a conscientização almejada por tantas correntes complementares na Educação Ambiental? Quais atividades, vivências, terapias, ou outras experiências pessoais podem contribuir com a formação da cidadania citada por Jacobi (1998)? Qual o modos operantis mais eficaz para a transformação da sociedade? Qual a praxis mais recomendada ?

A essas perguntas, poucas respostas foram dadas, sendo raros os trabalhos que apresentam propostas práticas (Guimarães, M. 1995; Dias, G. F. 1993; Viezzer M. L. & Ovalles, 1995; Cornell, J. 1987, 1989, Matsushima, K, 1992, Neiman, Z. & Motta, C. P. 1991, entre outros). A maioria dos tratados sobre Educação Ambiental também não são objetivos nesse aspecto, justamente porque as metodologias ainda não foram encontradas e estão sendo elaboradas em conjunto, por aqueles que se interessam e se dedicam a essa atividade no Brasil. É dentro desse contexto que muitas áreas do conhecimento podem vir a contribuir na busca de formulações pragmáticas.  O Ecoturismo é uma delas.

O ECOTURISMO E O RESGATE DOS VÍNCULOS ANCESTRAIS ENTRE SER HUMANO E MEIO NATURAL

Apesar de já ser praticado desde a criação dos primeiros parques nacionais no mundo (Yellowstone e Yosemite), há mais de cem anos, o ecoturismo tem se consolidado como fenômeno crescente nos últimos anos do século XX.

Definido pela EMBRATUR como um segmento da atividade turística que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações, o ecoturismo têm se mostrado um promissor campo de atuação para os Educadores Ambientais. Mesmo as Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo prevêem, entre seus objetivos, a promoção e “o aproveitamento do ecoturismo como veículo de Educação Ambiental para turistas, comunidades locais e empreendedores do setor”.

No entanto, o ecoturismo é um fenômeno complexo e multidisciplinar, onde muitos aspectos devem ser levados em conta a fim de que ele seja um empreendimento bem sucedido para todos os envolvidos (Ceballos-Lascuráin, 1995). No que se refere à sua ligação direta com a Educação Ambiental, muitas ponderações se fazem necessárias. Basta colocar o indivíduo em contato com a natureza para estar educando-o? “Ensinar” a ciência Ecologia numa trilha em um ambiente natural é “Educação Ambiental”? A “ponte” de ligação entre os ambientes natural e urbanizado se faz automaticamente durante as atividades de ecoturismo? Onde se encontra a fronteira entre um negócio lucrativo e uma preocupação realmente transformadora?

Ribeiro e Barros (1997) acreditam que tanto o ambientalismo é o resgatador da singularidade do natural quanto o turismo é resgatador da experiência do “eu estava lá”, e, portanto, “de uma certa singularidade do sujeito na sociedade de massas, vieram para se estabelecer como dois grandes fatores de diferenciação social do presente” (pg.36).

Cascino (1998:276) acredita que “somente com a integração do homem com o seu meio, do ponto de vista plural e singular, que estruturas vivas redimensionarão o ser homem. Aqui cabe o discurso, a preocupação, a proposta do ecoturismo. (...) Hoje, estar em contato com a natureza, para além dos modismos, é necessidade prioritária, exigência consciente da condição humana. Lá no espaço selvagem eu posso reencontrar meu território de gênese. Vim de lá. Redescubro-me ser humano, analisando minha condição de ser alienado das coisas da natureza. No enfrentamento das adversidades típicas, faço desvelar sensações instintivas, sensibilidades oprimidas, encantamentos e pavores próprios de uma condição primitiva agora desaparecida.”

Sem ser tão panfletário e acreditando menos no mito do “bom selvagem”, podemos imaginar que o autor faz referência ao fato inegável de que as pessoas têm encontrado no ecoturismo uma oportunidade de experienciar situações que as aproximam dos comportamentos adaptativos aos quais se refere Lorenz (1986) e os demais etólogos e que, por  acionar canais inconscientes inatos, acabam por provocar sensações de prazer e bem estar. No entanto, do ponto de vista psicológico, esta relação precisa ser melhor investigada.

Parece desnecessário, e demandaria muito tempo, rever as evidências de que o homem é um animal, embora único, assim como qualquer outro animal, e que surgiu pelos mesmos  processos de evolução descritos por Darwin. Várias foram as tentativas de considerar o homem como o único que possui cultura, valoriza o parentesco, desenvolve instrumentos, faz divisão de alimentos apresenta linguagem, mas os estudos com os outros animais demonstraram que essas características não lhe são exclusivas. Assim,  a maioria dos biólogos considera absurdo isolar o homem de outros animais e supõe que seja razoável esperar alguma continuidade comportamental, assim como anatômica e fisiológica, de modo que os métodos etológicos possam contribuir, também, para a investigação do comportamento humano (Jones, N.B, 1981).

A influência dos estudos de primatas tem sido importante para dar ênfase a observação do comportamento como ele ocorre nas situações reais da vida. Um produto deste desenvolvimento tem sido o número crescente de estudos do comportamento de crianças que usam técnicas observacionais (Hinde, R.A. 1987).

É importante saber que o enfoque etológico leva sempre em consideração o ambiente específico da espécie. O homem, assim como os outros animais, é um produto da seleção natural e portanto tem comportamentos característicos da espécie, que se apresentam em certas situações. Desvendar esses comportamentos e relacioná-los com as vantagens adaptativas que estes lhe conferem constitui a essência metodológica da Etologia.

O importante é compreender que o enfoque evolucionário ou etológico não tira a especificidade ou a singularidade do homem, ao contrário, este enfoque reafirma esta especificidade e propõe que a conheçamos; ao mesmo tempo que tem nos aproximado dos outros animais (Fríoli,1997).

Em primeiro lugar é importante saber qual seria o “ambiente específico” do homem, para sabermos qual a “relevância ecológica de seus comportamentos” (Ades, 1986).

Para alguns autores a definição biológica do homem é muito decepcionante, na medida em que não lhe é atribuída uma posição singular. No entanto, em virtude de suas capacidades psiquícas, de sua cultura, de sua estrutura social, o grupo humano se distancia nitidamente de outros primatas (Ruffié, 1978).

Dá-se o nome de hominização ao processo de evolução da Família Hominidae, que segundo os paleontólogos, já dura mais de 3,5 milhões de anos. Segundo esses pesquisadores, o homem já nasce num ambiente sociocultural, sendo o comportamento de caça e coleta de alimentos, realizados por grupos nômades de aproximadamente 60 a 100 indivíduos, o roteiro evolutivo mais provável de nossa espécie.

Pode-se supor não somente que a cultura emerge de um processo natural, mas também que ela intervém, por sua vez, nesse processo natural. No entanto o desenvolvimento biológico e o cultural não se dão na mesma velocidade: a medida que vamos nos aproximando do Homo sapiens as modificações biológicas tornam-se cada vez mais modestas enquanto que as aquisições culturais se tornam cada vez mais importantes. No entanto, as aquisições comportamentais inatas apresentam-se como características que levam muitos anos para se estabelecer e, independente da rápida evolução cultural, manifestam-se intensamente no que constitui a essência do ser humano, ou seja, os seus instintos básicos.

Para Fríoli (1997), “o enfoque etológico se caracteriza como um enfoque interacionista, no qual é central um conceito de ambiente específico da espécie. O ambiente específico da espécie humana, no sentido biológico, e com todas as suas implicações em termos de evolução e adaptação, envolve a cultura, que não se apresenta, portanto, separada ou independente, mas  em relação estreita e necessária com a natureza e a biologia do homem”.

Carvalho (1982) define cultura como “o conjunto dos frutos da ação do homem que, transmitidos de geração em geração, constituem a identidade de um grupo humano (ou pré-humano) e, ao mesmo tempo, o meio em que se constitui a identidade de seus membros. (...) A cultura, ao longo da evolução humana adquire propriedades não redutíveis às de sua condição básica de fenômeno biológico. (...) Da mesma forma, embora a cultura tenha vindo a constituir, ao longo da história evolutiva humana, um domínio cuja compreensão não se esgota nos princípios da biologia ou da psicologia, não perde por isso sua condição original e básica de fenômeno biológico”.

“A concepção etológica do ser humano é, portanto, a de um ser biologicamente social e cultural, cuja psicologia está organizada para uma vida sociocultural - a única modalidade de vida social que pode constituir o ser humano; uma vida social própria da espécie, para a qual a evolução criou preparações bio-psicológicas específicas (...)” (Carvalho, 1982, p.91).

Já existem diversos estudos que procuram determinar quais as principais adaptações comportamentais presentes no ser humano. Estudos sobre bebês têm nos mostrado que o ser humano já ao nascer, está extremamente adaptado ao modo de vida social, pois apresenta padrões comportamentais que promovem a sua sobrevivência, como chorar, movimentar-se ritmicamente coordenado em direção ao mamilo, agarrar com os pés e com as mãos, reflexo de moro (abraçar), contato olho-olho na amamentação, especial atenção à face e à fala humana e a identificação de odores. Outros componentes comportamentais inatos presentes no adulto já são consagrados na literatura, como o apego, as seis emoções básicas, a curiosidade e a brincadeira, o flerte, a comunicação (sinais, displays, a linguagem, a para - linguagem e a linguagem não verbal), o comportamento sexual, entre outros.

Não existem, contudo, estudos exaustivos sobre a relação ser humano/ambiente numa perspectiva etológica. Sabe-se que a compreensão dos ritmos naturais foi fundamental para a sobrevivência de nossa espécie ao longo de sua evolução. Para vivermos como pequenos grupos sociais, com dieta dependente da caça e coleta, precisamos de habilidades comportamentais específicas que nos possibilitem o encontro do alimento onde quer que ele se ofereça. Integração com elementos naturais, sincronismos e percepção de ciclos são caracteres comportamentais com valor adaptativo que foram selecionados e incorporados ao modo de agir de nossa espécie.

No que tange à questão ambiental moderna, no entanto, quando o ser humano não interage mais diretamente com os elementos naturais, é provável que, em última análise, todos os processos que interferem na relação ser humano/ambiente resultem da diferença entre a velocidade com que se passa a evolução cultural e a velocidade da evolução genética. Cabe aqui a seguinte pergunta: será que o desajuste entre comportamentos inatos humanos de relação com o meio natural e sociocultural e a realidade do mundo contemporâneo não contribuem para o agravamento de sentimento de distanciamento que nos conduz aos problemas ambientais? Não estará havendo um descompasso entre “ambiente evolutivo” dos últimos milhões de anos de nossa espécie e o ambiente real dos tempo recentes, que pode estar acarretando um aumento do estresse e outros distúrbios bio-sociológicos? No que tange às relações sócio-ambientais, quais nossas verdadeiras e ocultas aptidões e anseios? O “animal-humano” é de todo desprezível em relação ao “Humano-intelecto-tecnológico”? Pode o resgate dos nossos “instintos” ancestrais contribuir para uma Re-educação Ambiental? Como fazê-lo? 

Acreditando ser o ser humano, produto do processo evolutivo, e partindo do pressuposto que os caracteres comportamentais, tais como os anatômicos e fisiológicos, são selecionados por conferirem vantagens adaptativas, consideramos a possibilidade da existência de certas pressões psicológicas inatas que motivam-nos ao relacionamento social e, particularmente, ao contato com os elementos naturais. Tais anseios teriam sido importantes durante a epopéia humana no planeta durante os últimos 3,5 milhões de anos, nos quais nossos ancestrais se viram obrigados a sobreviver em pequenos grupos nômades, com fortes laços sociais, alimentando-se do que fossem capazes de encontrar na natureza através da caça e da coleta. Como resultado desse longo processo, incorporou-se ao patrimônio instintivo humano (sendo instinto um termo não muito apropriado) certos elos que, no mundo moderno são impedidos de se manifestarem, devido ao distanciamento imposto pelo modo de organização da sociedade contemporânea, que afasta o cidadão urbano dos seus semelhantes (somos sós, entre milhões) e da natureza. Assim, todas as possibilidades de recontextualização das nossas aptidões inatas podem servir como agentes de re-Educação Ambiental, uma vez que estarão envolvendo o que os especialistas insistem em chamar de “valores”, incitando, naturalmente o estabelecimento de procedimentos e atitudes mais equilibradas na relação com o meio natural e sociocultural. Pelas suas características (contato com áreas naturais, colaboração entre membros de pequenos grupos no sentido de superarem adversidades comuns, contato físico, companheirismo etc.) o ecoturismo têm se mostrado um poderoso instrumento de resgate desses vínculos ancestrais, e o desenvolvimento de atividades especiais podem contribuir para o afloramento desses vínculos que, canalizados corretamente, podem tornar-se úteis para os educadores ambientais que trabalham em instâncias formais ou informais

Com o intuito de compreender melhor essas questões apresentadas, foi fundada em 1991 a Physis - Cultura & Ambiente, uma ONG que desde o início se caracterizou por realizar um trabalho de pesquisa e implementação de programas voltados às possibilidades da Educação Ambiental em atividades de ecoturismo, entendendo meio ambiente como o resultado da relação que o ser humano enquanto sociedade - portanto, entendido como ser cultural - mantém com a natureza.

A Physis realiza atividades que permitam uma melhor compreensão do valor da conservação da natureza e da diversidade cultural, priorizando a sensibilização do indivíduo quanto à importância do seu papel na construção de um mundo diferente, tanto na relação entre a sociedade com a natureza quanto a existente entre os indivíduos no mundo contemporâneo. Estas atividades variam entre palestras, cursos,  viagens de Educação Ambiental etc.

Durante o trabalho, que tem um caráter transdisciplinar e, acima de tudo, visa romper com a interpretação fragmentada da realidade tão presente no mundo de hoje, diversas atividades práticas foram desenvolvidas e aplicadas durante as viagens realizadas. A intensa experimentação seguida de análise exaustiva sobre os métodos e resultados obtidos no trabalho integrado entre aspectos psicológicos, biológicos, históricos, geográficos, sociais e outros, propiciou um conhecimento mais aprofundado da realidade em si, e não da teoria referente a cada uma das áreas do saber, sendo isso o que os membros da Physis entendem por educar.

As atividades foram sempre promovidas com o objetivo de transformar uma visão que coloca o saber como algo distante, aproximando o indivíduo da realidade que está sendo estudada, buscando uma interação entre a sensibilidade e a razão do sujeito e o meio que o cerca. Para isso, trabalhou-se com música, textos, poemas, atividades lúdicas e, fundamentalmente, com vivências, buscando novas significações a respeito dos problemas ambientais e da atuação de cada um sobre eles. A importância deste trabalho foi, inclusive, reconhecida através da inclusão da experiência entre as cinco melhores do Brasil pelo Prêmio SENAC de Turismo Ambiental. (Neiman, 1998).

Como membro da Equipe da Physis, desde sua fundação, sempre me interessei em compreender cientificamente o trabalho realizado e elaborar metodologias embasadas em fundamentos psicológicos. O caminho do empírico ao conceitual, e a volta ao empírico pôde estabelecer atividades que de fato contribuam para a implantação de programas de Educação Ambiental que consigam sair da retórica e se estabeleçam na prática, tanto nas esferas informais, das quais o ecoturismo constitui uma vertente, quanto no ensino formal, incorporando-se aos esforços para a real implantação dessa temática nos meios universitários. Assim, coordenei uma parceria entre a Physis e a Universidade  do Grande ABC no sentido de realizar um projeto conjunto para alunos de graduação.

OBJETIVOS

· detectar e compreender, do ponto de vista etológico, quais os comportamentos adaptativos humanos que se manifestam durante o desenvolvimento de atividades ecoturísticas;

· elaborar situações experimentais, através de atividades que possam potencializar o afloramento desses comportamentos;

· compreender como tais situações podem contribuir para um processo profundo de Educação Ambiental em alunos universitários, capacitando-os como agentes multiplicadores;

· propor procedimentos que possam ser aplicados em situações informais e formais para uma Educação Ambiental mais eficaz;

· contribuir para o aperfeiçoamento do ecoturismo como meio educativo, de modo que possa atingir seus objetivos de forma mais eficiente;

· congregar, numa análise interdisciplinar, conhecimentos das áreas de psicologia (com todas as suas vertentes), antropologia, biologia, turismo, etologia, dinâmicas de grupo, laboratórios teatrais, sociologia, meio ambiente e educação, entre outros;

· contribuir com a implantação de programas de Educação Ambiental em Unidades de Conservação.

METODOLOGIA

Em Etologia o importante é tentar observar o comportamento do indivíduo, ou do seu grupo, em seu habitat natural, procurando ao máximo não interferir com sua observação, no seu comportamento “natural”. Segundo Sorrentino (1997), as observações, questionários e entrevistas são considerados técnicas de “observação ou questionamento direto”, e a leitura/análise de documentos/imagens é considerada técnica de “observação indireta”. Assim, para estudo do comportamento de vínculo com o ambiente natural e as possibilidades da abordagem psico-etológica para a Educação Ambiental, realizamos as viagens com alunos de graduação dos cursos de Biologia, Turismo, Educação Física e Psicologia da Universidade do Grande ABC ao Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira – PETAR – Iporanga – SP, em parceria com a Physis - Cultura & Ambiente, utilizando esses  alunos como grupos de experimentação, durante atividades de ecoturismo. As atividades elaboradas foram testadas quanto a sua eficácia no sentido de contribuir com a Educação Ambiental através de:

-observação Participante - Durante as atividades ao ar livre, estive permanentemente com o grupo analisado, vivenciando com seus integrantes todas as experiências proporcionadas.

- questionários: Utilizei diferentes tipos de questionários, desde alguns com algumas poucas questões abertas sobre as impressões das vivências e o que pensam sobre Educação Ambiental, até perguntas fechadas, com alternativas pré-determinadas. Esses questionários foram aplicados durante a viagem ou, posteriormente, em sala de aula.

- entrevistas: realizei conversas informais (não estruturadas) e semi-estruturadas (aplicada a partir de um pequeno número de perguntas) e centradas (onde, dentro de uma certa hipótese e de certos temas, deixei o entrevistado descrever livremente a sua opinião pessoal), conforme metodologia descrita por Thiollent (1987:35). As entrevistas com roteiro previamente preparado contribuiram para orientar as conversas no sentido de se obter as informações necessárias, sem contudo servir como uma “camisa de  força” que limitasse o diálogo.

-situações especiais (experimentação): Foram realizadas atividades nos espaços livres e nas cavernas de calcário visitadas com o intuito de investigar o comportamento dos participantes. Este constituiu o aspecto mais complexo do presente projeto, uma vez que as contribuições de diversas áreas do saber (antropologia, sociologia, etologia, psicologia, biologia, educação, teatro e turismo0), numa abordagem interdisciplinar, puderam nos levar  a  proposição de estratégias eficazes de Educação Ambiental.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na educação tradicional exclui-se muitas vezes a abordagem de valores significativos para a existência humana, que por não serem considerados “portadores de status científico”, ao contrário, recebem o título pejorativo de “metafísicos”. A missão mais importante da educação é transmitir valores, já que é através deles que interpretamos e vivenciamos o mundo que nos cerca. Educar é mais do que treinamento e conhecimento dos fatos. Quando as pessoas reivindicam educação, estão buscando idéias que tornem o mundo inteligível para si mesmas. Quando algo é inteligível, tem-se o sentimento de participação. A participação é uma estratégia para superar o distanciamento ao qual nos relega os fatores da vida moderna.

Da forma como foi desenvolvido, o trabalho procurou destruir a visão de uma natureza objetiva e exterior ao ser humano, que pressupõe uma idéia de ser humano não natural e fora da natureza, cristalizada com a civilização industrial inaugurada pelo capitalismo. As ciências da natureza se separam das ciências do ser humano; cria-se um abismo colossal entre uma e outra.

O trabalho foi calcado nas vivências realizadas no PETAR, o que proporcionou a retirada dos alunos de seu cotidiano, propiciando o contato direto com novas realidades e, assim, o repensar sobre seu próprio modo de vida, questionando a sua qualidade e reelaborando seus valores e conceitos. Quanto maiores são as diferenças existentes entre o ambiente visitado e o do cotidiano dos  alunos, maiores são os contrastes encontrados e, portanto, mais instigantes os questionamentos.

Esta proposta de EA para os estudantes de graduação é constituída de duas fases distintas. A mais marcante delas constituiu-se nas vivências realizadas no PETAR mas foi, no entanto, com a implantação de uma prática permanente no cotidiano da universidade, realizada a posteriori, que o trabalho ganhou profundidade e consistência.

O público com o qual trabalhamos, em sua grande maioria, nesta idade já havia participado de algum tipo de experiência com “estudo do meio”. Tais atividades, via de regra, são organizadas por professores do ensino fundamental e médio ou mesmo por agências especializadas e priorizam a informação. Com crianças de ensino fundamental, apesar do educador poder explorar a curiosidade e a capacidade de percepção, estudos não direcionados tendem a se converter em caóticos passeios por cidades históricas e/ou áreas naturais. Assim, esses estudos geralmente são estruturados em cima de um roteiro preestabelecido e, ao aluno, cabe seguir esse roteiro e tentar responder as questões que lhe são colocadas, da melhor forma possível. Tal procedimento fornece elementos que podem ser ricamente explorados posteriormente em sala de aula e, assim, tais estudos cumprem uma importante etapa no desenvolvimento intelectual da criança. No entanto, com algumas exceções, os estudos do meio não estão preocupados, pelo menos não prioritariamente, com a Educação Ambiental.

Nosso primeiro desafio foi transformar a expectativa dos alunos com relação à viagem que eles realizaram. Os alunos universitários ainda estão muito arraigados a hábitos adquiridos durante todo o ensino fundamental e médio, e isso não é diferente com relação às “saídas” da universidade.

Assim, as atividades elaboradas puderam permitir um contato direto entre os alunos e o ambiente que era totalmente desconhecido para ele, no caso, as cavernas, propiciando vivências com situações que envolveram medo, insegurança e limitação com relação às obras da natureza. Foram, assim, trabalhados, de maneira mais profunda, os relacionamentos humanos como companheirismo, carinho, colaboração entre pessoas, importância do “outro” e afeição, possibilitando a percepção da relação que o homem mantém com a natureza, com o espaço e com o seu semelhante. Quando se mexe com os valores é que se faz Educação Ambiental.

Os alunos foram levados a trabalhar a sensibilização, a emotividade e a intuição e não o raciocínio, através de atividades preparadas por psicólogos, e que incluem relaxamento, trabalho com tato, contato entre as pessoas e a caverna, entre as próprias pessoas e ainda, aproveitam o silêncio e a escuridão. O objetivo foi mexer com os valores mais profundos do ser humano, arraigados em seu interior, resgatar os vínculos ancestrais descritos pelos etólogos e redirecioná-los para a Educação Ambiental.

Após contato direto com as formações naturais, os grupos foram levados a conhecer uma caverna transformada pelo homem (a Caverna do Diabo - no Parque Estadual de Jacupiranga). Quando os alunos têm contato com essa caverna, que foi iluminada e que possui escadas de cimento construídas pelo ser humano, eles ficam indignados. Argumentam, diante das transformações, que aquilo não é mais uma caverna, é outro espaço. Aproveitando dessa indignação foram levantadas discussões  a respeito da transformação que o ser humano provoca no meio ambiente, do distanciamento que existe entre ser humano e natureza. A proximidade que else sentiram nas cavernas do PETAR, se quebra na caverna do Diabo.

Esse sentimento é resgatado porque é o mesmo que toda humanidade tem sentido: quebrou-se o vínculo ser humano/natureza. Essa dicotomia acaba gerando problemas ambientais seríssimos, por conta de não se conhecer, não se estar próximo, não se ter apego, relacionamento afetivo com a natureza e pelo ambiente em que se vive. Na verdade não havendo uma proximidade, não há preocupação em se preservar. A Caverna do Diabo serve como “incorporação” do desequilíbrio existente na relação do ser humano  com o ambiente.   É através da indignação dos alunos que  discutimos como o ser humano pode ocupar de maneira um pouco mais racional esses espaços e o ambiente.

A segunda etapa, a implantação no cotidiano da universidade de uma rotina de discussões a respeito dos aspectos levantados nas viagens, foi executada durante os cursos regulares desenvolvidas em sala de aula. As viagens serviram como marcos, onde as discussões se iniciam em turbulência, mas os hábitos e costumes têm de ser retrabalhados para serem vividos não só durante essas viagens mas também dentro das salas de aula.

  Atualmente, procuramos ampliar esse trabalho, pois, em três anos, já acumulamos “know how” suficiente  para expandir nossos horizontes. A divulgação do trabalho visa ao reconhecimento, tanto institucionalmente quanto da comunidade. A próxima etapa é implantar as viagens nos cursos regulares de Turismo e Biologia e outros desta universidade e, para tanto, estamos buscando conseguir parcerias e patrocínios que possam minimizar custos,  democratizar a Educação Ambiental e desenvolver, de forma mais efetiva, a participação das pessoas.

 BIBLIOGRAFIA

ADES, C. 1986. Uma perspectiva psicoetológica para o estudo do comportamento animal. Boletim de Psicologia, 36:20-30.

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http://www.uniabc.br/cadernos/turismo2/ecoturismo.htm


A HORTA
(Rubem Alves, em "O Quarto do Mistério")


Uma horta é uma festa para os cinco sentidos. Boa de cheirar, ver, ouvir, tocar e comer. É coisa mágica, erótica, o cio da terra provocando o cio dos homens.  

Cheguei de viagem e antes de entrar em casa fui ver a minha horta. O mato crescera muito. Mas minhas plantas também. O verde anunciava uma exuberância de vida, nascida do calor e das chuvas que se alternavam sem parar. O meu coração se alegrou. Pode parecer estranho, mas é pelo coração que me ligo à minha horta. Daí a alegria... Estranho porque para muitos a relação acontece através da boca e do estômago. Horta como o lugar onde crescem as coisas que, no momento próprio, viram saladas, refogados, sopas e suflês. Também isso. Mas não só. Gosto dela, mesmo que não tenha nada para colher. Ou melhor: há sempre o que colher, só que não para comer.

Semente, sêmen

Horta se parece com filho. Vai acontecendo aos poucos, a gente vai se alegrando a cada momento, cada momento é hora de colheita. Tanto o filho quanto a horta nascem de semeaduras. Semente, sêmen: a coisinha é colocada dentro, seja da mãe/mulher, seja da mãe/terra, e a gente fica esperando, pra ver se o milagre ocorreu, se a vida aconteceu. E quando germina – seja criança, seja planta – é uma sensação de euforia, de fertilidade, de vitalidade. Tenho vida dentro de mim! E a gente se sente um semideus, pelo poder de gerar, pela capacidade de despertar o cio da terra.

Não é à toa que povos de tradições milenares ligavam a fertilidade da terra à fertilidade dos homens e das mulheres. Faziam suas celebrações religiosas em meio aos campos recém-semeados, para que o cio humano provocasse a inveja da terra, e ela também se excitasse para o recebimento das sementes. O cio dos homens provocando o cio da terra. Mas o inverso também é verdadeiro: o cio da terra pode provocar o cio dos homens...

Cio é desejo intenso, não dá  descanso, invade tudo e provoca sonhos, semente que não se esquece do seu destino, vida querendo fertilizar e ser fertilizada, para crescer. Pois a horta é assim também. Não é coisa só para a boca. Se apossa do corpo inteiro, entra pelo nariz, pelos olhos, pelos ouvidos, pela pele, toma conta da imaginação, invoca memórias...

Cheiração beatífica

Horta é coisa boa de se cheirar.

Estranho o desprezo com que tratamos o nariz. Os teólogos de outros tempos falavam da "visão beatífica de Deus". Mas nunca li, em nenhum deles, coisa alguma sobre a "cheiração beatífica de Deus". Como se fosse indigno que Deus tivesse cheiros, que ele entrasse pelos nossos narizes adentro, por escuros canais até as origens mais primitivas do nosso corpo.

Pois, se eu pudesse, faria uma teologia inspirada na horta, e o meu Deus teria o cheiro das folhas do tomateiro depois de regadas, e também da hortelã, do manjericão, do orégano, do coentro. Essa coisa indefinível, invisível, que entra fundo na nossa alma e daí se irradia para o corpo inteiro como uma onda embriagante, o cheiro é a aura erótica do objeto, sua presença dentro de nós, emanação mágica por meio da qual nós o possuímos. Quem cheira fundo – e para isso até fecha os olhos, porque o cheiro vai mais dentro que os olhos – está dizendo o quanto ama...
 
E fico pensando nessa coisa curiosa: que a horta só seja percebida como produtora de coisas boas para comer. Isso só pode ser devido a uma degeneração do nosso corpo, de sua imensa riqueza erótica, a monotonia canibalesca que só reconhece o comer como forma de apropriação do objeto.

Os cheiros moram na horta, e quem não se dá o trabalho de cultivá-la não poder ter a alegria de reconhecê-los. Há pessoas que se reúnem para ouvir música; outras pelo puro prazer do paladar. Mas ainda não se convidam pessoas para concertos e banquetes de perfumes. O mais próximo seria, talvez, convidá-las para passear pela nossa horta, e ali nos deliciar com a sua perplexidade na medida em que lhes oferecemos folhinhas para cheirar e lhes perguntamos: "Sabe o que é isto?" Veja como é gostoso...

Olhares para a vida

Horta é coisa boa de se ver.

Dizem os poemas sagrados que Deus Todo-Poderoso, depois de criar todas as coisas, parou, deixou cair os braços e foi invadido pelo puro deleite de ver a beleza de tudo o que existia. Ver é experiência estética, não serve para coisa alguma. Diferente do comer. Comer é útil. A mãe insiste com a criança: "Coma o espinafre, meu bem, ele faz você ficar forte." O "ficar forte" justifica suportar o gosto ruim: é a utilidade da coisa.

Mas nada disso se pode dizer do ato de ver. Ver os espinafres, as couves, as alfaces, os tomates não é útil para coisa alguma, não serve para nada. Mas faz bem à alma. "Não só de pão viverá  o homem", diz o texto sagrado. Vivemos também das coisas belas.

Há o belo das cores: o vermelho dos pimentões, das pimentinhas ardidas, dos tomatinhos... À! Os tomatinhos... Falo daqueles pequenos, minúsculos, que não se encontram em lugar civilizado, não se vendem em feiras (quanto poderiam valer?). Mas eu os descobri numa velha fazenda, e não resisti à tentação de trazer umas mudas. Sua maior utilidade, além de serem redondinhos e vermelhos, é serem planta da minha infância. De modo que, na minha horta, eu tenho um arbusto mágico, que me leva através do tempo, e, quando eu os apanho e os como, sinto renascer dentro do meu corpo o corpo de um menino que mora nele.

Há o verde também dos pimentões, que se comprazem em brincar com as cores das cebolinhas, das alfaces, das couves, dos espinafres, da salsa. O amarelo das cenouras, e de novo dos pimentões (vocês já viram pimentões amarelos?) São raros, brilhantes, maravilhosos. Eu até tive uma árvore de Natal enfeitada só com pimentões verdes, vermelhos e amarelos). O roxo das beterrabas, dos rabanetes, das berinjelas. O branco dos nabos.

E ao ver essa abundância de cores imagino que a natureza é brincalhona, ela se compraz na exuberância e no excesso. E enquanto meus olhos vão andando pela variedade das cores, coisas vão acontecendo dentro de mim. Porque isso significa que elas existem dentro de mim. Se eu fosse cego para as cores, não me aperceberia de nenhuma diferença. O objeto que vejo revela um objeto que existe dentro de mim. Os olhos só vêem fora aquilo que já existe dentro como desejo.

Tenho também um pé de ora-pro-nobis, coisa de gente pobre, em Minas Gerais. Só vi referências a ele em dois lugares. Primeiro, no livro Fogão de lenha, de Maria Stella Libanio Christo, como uma receita culinária no meio de uma celebração de 300 anos de cozinha mineira, que vale pelo puro deleite de ler. E depois num poema de Adélia Prado – ela sabe muito bem do encanto das hortas. Ora-pro-nobis, nome que parece responso litúrgico, é um arbusto que se planta uma vez na vida. Ele é tão amigo que fica lá, soltando folhas sem parar.

Pois é: uma festa. Cores, formas, tudo diferente, natureza brincalhona, artista, imaginação sem fim. Morangas gomosas; aboborões e abobrinhas; quiabos escorregadios; berinjelas roxo-pretas, engraçadas em tudo, até no nome; mandiocas; carás de debaixo da terra; carás do ar, pendentes; inhames; chuchus; nabos redondos; nabos fálicos; alcachofras, folhas de todos os desenhos; alfaces, almeirão; acelgas; brócolis; couve; bertalha; repolhos brancos; repolhos roxos; agrião, espinafre. Diante desse esbanjamento de inventividade o jeito é o espanto, o riso e a gratidão de que este seja um mundo onde o enfado é impossível.

Sons e toques

Horta também é coisa boa de se ouvir.  

Ora, direis, ouvir a horta... Plantas não dizem nada, não cantam! Se fosse passarinho, ou o mar, ou as casuarinas, se compreenderia. Mas a horta? Horta é coisa calma e silenciosa. E isso é bom. Ouvir o silêncio.

As pessoas exigem sempre uma palavra. Têm medo de ficar quietas. Entram em pânico quando o assunto acaba, começam a falar bobagens só por falar, porque é melhor dizer besteira que ficar ali na presença do outro, sem nada dizer e sem nada ouvir.

Com as plantas é diferente. Elas nos tranqüilizam. Se quisermos falar com elas, tudo bem. Acho que gostam. Mas o melhor de tudo é que, ao falar com elas, não é preciso fingir, porque as plantas são extremamente discretas. Guardam os segredos com uma fidelidade vegetal...

E as hortas são também coisas boas de se tocar. Sentir o capim molhado, enfiar a mão na terra... Se você tiver a felicidade rara de ter uma aguinha que escorre e cai, você terá uma das experiências mais calmas que se pode ter. Ouvir o barulhinho da água. Ele trará memórias ou fantasias de regatos escondidos no meio do mato, correndo entre pedras, fazendo crescer o limo verde. E aí você enfiará seus pés dentro dela. Difícil um prazer igual pela tranqüilidade, pela pureza, pela profundidade. Porque a água nos reconduz às nossas origens.  

E a terra. Não, não é sujeira. Terra preta com esterco: ali a vida está acontecendo, invisivelmente. Meu destino. Um dia serei terra, de mim a vida poderá nascer de novo. As crianças, sem que ninguém as ensine, sabem dessas coisas. Somos nós que dizemos que terra é sujeira, porque preferimos os carpetes assépticos e mortos e os pisos vitrificados onde mão nenhuma pode penetrar.

Brincar com a terra, conquistar sua dureza, misturar o esterco esfarelado, senti-la leve e solta, esguichar a água. Ali, diante dos nossos olhos, uma metamorfose vai acontecendo, e a terra, de coisa estéril, dura, virgem, é agora mulher em cio, pedindo as sementes. Vamos abrindo os sulcos, canteiros, e neles colocamos a vida que o nosso desejo escolheu. Coisa gostosa. Estamos muito próximos de nossas origens. Nossos pensamentos ficam diferentes. Deixam de perambular pelos desertos de ansiedade e ficam cada vez mais próximos, colados à mão, colados à terra. Os pensamentos fantasmas voltam ao aqui e ao agora do corpo, passam a ser coisas amigas e alegres.

Segundo filósofos de outros tempos, tudo o que existe se reduz a quatro elementos: a terra, a água, o vento e o fogo. E ali estamos nós, mãos na terra, terra molhada, e a brisa sopra.. Horta, pedaço de nós mesmos, mãe. Se compreendermos que ela é não só a nossa origem como também nosso destino, e se a amarmos, então estaremos amando a nós mesmos, como seremos.  Não, não tenho uma horta para economizar na feira. Tenho uma horta porque preciso dela, como preciso de alguém a quem amo.

Sabores amigos

Há, por fim, o ato supremo de comer.

Comer: dizer que o que estava fora pode entrar, será bem recebido, eu o desejo, tenho fome. Para isso examino o que ainda não conheço, pois todo cuidado é pouco. Nem tudo é bom de se comer: há coisas de nojo e de vômito, venenosas e de morte. Provo a coisa: primeiro a aparência, a cor, o cheiro e, cuidadosamente, na ponta da língua, o gosto, para o veredito final – amigo ou inimigo... É assim que a criança aprende sua primeira lição sobre o mundo, mundo reduzido a coisas boas que devem ser engolidas e coisas más que devem ser vomitadas. Assim nasceu a ética, na boca, pois é ela a primeira a dizer "é bom", "é mau".  E a sua sabedoria é imensa, pois o corpo é o grande juiz.

A horta é lugar de coisas boas para comer, ali onde se planta a amizade pelo corpo, onde se plantam os objetos do nosso desejo, que nos fazem alegres quando estão de fora e mais alegres ainda quando os colocamos na boca e dizemos: "Que gostoso..." Sem saber, estamos afirmando nossa solidariedade com a terra. A horta é parte do meu corpo, do lado de fora, e é por isso que pode ser comida, entrar para dentro, transformar-se em vida, minha vida. Eu dou vida à horta, preparo a terra, planto as sementes, rego, elas vivem, e depois se oferecem a mim, através do meu desejo.

E como elas são brincalhonas. Jiló amargo, careta pra quem não está acostumado; o picante da pimenta; o duro amarelo adocicado da cenoura recém-arrancada da terra; o estranho gosto dos nabos obscenos; as ervilhas, brincalhonas e redondas; e a peça que os alhos e as cebolas nos pregam, fica o cheiro, evidência do crime...  

E nós tomamos os frutos da horta e os transformamos pelo poder alquímico do fogo. Já disse dos quatro elementos dos sábios de outro tempo, terra, água, ar e fogo. Sem o fogo só podemos juntar as coisas, do jeito que a terra nos deu. Mas o fogo nos dá um outro poder, tudo fica diferente. Misturamos, alteramos, inventamos. No peixe branco e pálido, o vermelho do urucum, extraído da frutinha pelo poder do calor. Vermelho para excitar: na cor mora o quente. Junta-se mais: a cebola, os pimentões, verdes e vermelhos, o tomate, o coentro. E a pimenta, magia estranha, ainda não entendi por que gosto dela. Talvez por ser metáfora de certos amores que de tão ardentes viram ardume, e machucam.. E aí, tudo junto, pelo poder do fogo, a moqueca, a horta transformada em culinária, em gosto inventado.

Comer é ato complicado, há nele uma mistura de amor e de destruição. As mandíbulas mastigando, infatigáveis, o movimento brusco da cabeça para frente e para baixo, boca aberta, pra abocanhar o naco que o garfo espetou, as bochechas estufadas de comida. O ato de comer é como os sonhos – pode ser psicanalisado, porque revela nossos segredos de ódio e de amor, nosso nojo ou nossa voracidade, nossa mansidão ou nossa violência.

Ao comer nós nos revelamos. E nisto está a diferença entre a comida crescida na horta e a comprada na feira: na primeira está um pouco de nós mesmos – e ao sentir seu gosto bom é como se eu estivesse sentindo meu próprio gosto. "Eu plantei, eu colhi..." O que está em jogo não é o tomate, a alface – é o eu  que está sendo servido, disfarçado de hortaliça. A refeição fica meio sacramental. Come-se um pedaço da própria pessoa, que se oferece, de forma vegetal, num banquete canibal. "Tomai, comei, isto é o meu corpo. Tomai, bebei, isto é o meu sangue..."

Alegria do encontro

Pois é, horta é algo mágico, erótico, onde a vida cresce e também nós, no que plantamos. Daí a alegria. E isso é saúde, porque dá vontade de viver. Saúde não mora no corpo, mas existe entre o corpo e o mundo – é o desejo, o apetite, a nostalgia, o sentimento de uma fome imensa que nos leva a desejar o mundo inteiro. Alguém já disse que somos infelizes só porque não podemos comer tudo aquilo que vemos. Concordo em parte, pois há aqueles que vêem tudo, mas não desejam nada. Estão doentes, prisioneiros deles mesmos. Saúde: quando o desejo pulsa forte, cio por coisas amadas, e o corpo vai, em busca do objeto desejado – a horta podendo ser um pequeno (e delicioso) fragmento dos nossos maiores e infinitos desejos. O mundo bem poderia ser uma grande horta: canteiros sem fim, terra fértil, nossas sementes se espalhando, nosso corpo ressuscitado de sua grande e mortal letargia.

E penso esta coisa insólita: há lições de kama-sutra a serem aprendidas na horta, no despertar dos sentidos que ela provoca. O caminho da saúde, o caminho da libertação do corpo pra copular com os objetos do desejo (e uso a palavra copular no seu preciso sentido gramatical de "fazer conexão" e também no sentido erótico de união entre duas pessoas que se querem e, por isso, se interpenetram, transgredindo os limites do próprio corpo) passa pelo caminho do despertamento erótico dos nossos sentidos adormecidos. A capacidade sutil de distinguir os perfumes, o olhar extasiado que diz, para a planta ou para a pessoa, não importa: "Como é bom que você existe!"; o ouvido que tem a tranqüilidade para morar no silêncio, sem se perturbar; a pele que se deleita com o vento, com a água, com a terra; e a boca que sente o gosto da coisa como quem prova um vinho.

Uma horta é um bom lugar para começar. E pra continuar, até acabar. Seria bom saber que alguém colherá coisas que nós semeamos, depois da nossa partida, e as plantas continuarão, como um gesto nosso de amor.


Da Teoria à Prática Ambientalista

Por: Luciana Cerqueira
Copydesk: Rafael Tassinari

"O princípio particular à ecologia ambiental é o de que tudo é possível, tanto as piores catástrofes quanto as evoluções flexíveis. E, no entanto, é justamente na articulação da subjetividade em estado nascente, do socius em estado mutante, do meio ambiente no ponto em que pode ser reinventado, que estará em jogo a saída das crises maiores de nossa época".

(Felix Guatarri, em As 3 Ecologias)

Definir a Ecologia do Meio Ambiente, em primeiro lugar, implica algo anterior e mais abrangente: é preciso vivenciar a Ecologia da Subjetividade e das Relações Humanas.

Partindo desta linha de pensamento, Félix Guattari, em "As 3 Ecologias", ao problematizar nossas possibilidades de ação tanto em nível individual quanto em escala planetária, nos conclama à reinvenção do ser e do estar no mundo.

Isto traz à tona, em primeiro lugar, a constatação de quão distanciados estamos de nossa essência (natureza). Guattari nos revela o grau de desconexão que permeia nossas relações sociais ao contextualizar o homem moderno no seu modus vivendi serial, que louva a velocidade tecno-científica, a especialização (laminagem das subjetividades) em contrapartida à homogeneização dos comportamentos .

Sem conhecer a si próprio, o homem age mecanicamente, negando sua individualidade e também o coletivo (o outro); conduzindo, por fim, a um estado de tamanha apatia que compromete o significado da própria existência humana. Isto leva à falência de toda as possibilidades de recriação, crescimento, liberdade e espontaneidade.

Assim, o que mais intriga nas "3 Ecologias" de Guattari é o desafio, quase inegável, de recuperarmos o entendimento da Parte como componente do Todo; ou quem sabe, do Todo presente em cada Parte, que é justamente a interligação de singularidade existente em um átomo - unidade de vida.

"Esta revolução deverá concernir não só as relações de forças invisíveis em grande escala, mas também os domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo".

E aqui subentende-se a dinâmica do que ele define como Ecologia Mental. Quando nos fala da relação da subjetividade com sua exterioridade - seja social, animal, vegetal, cósmica - Guattari sinaliza um ponto de partida para uma nova compreensão da vida.

"A ecosofia mental será levada a reinventar a relação do sujeito com o corpo, com o fantasma (inconsciente, no sentido psicanalítico), com o tempo que passa, com os mistérios da vida e morte".

Já sob a ótica social, seu discurso nos fala de flexibilidade frente à diferença (multiplicidade de territórios existenciais), comprometimento (resistência aos valores essenciais) e revolução em termos políticos, sociais e culturais, capaz de reorientar os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. E aqui é possível vislumbrar o componente da transformação social como uma possível resposta à crise ecológica deste final de milênio.

Emprestando algumas palavras de Paulo Freire, é somente depois de compreender-se como sujeito que faz e refaz o mundo que o homem pode então assumir atitudes de mudança de comportamento, movidas não só pelo desejo* da liberdade, mas também pelo sentimento de responsabilidade planetária (não mais a passividade).

Este talvez seja o grande desafio para quem vivencia o movimento ambientalista e sua proposta de respeito à vida, no sentido mais amplo. Ao se anunciar a possibilidade de uma nova apreensão do mundo, pela percepção do que é belo , prazeroso e positivo, traz –se à luz alguns componentes das desterritorialiazações inerentes ao processo de transformação de nossa subjetividade.

Nesse sentido, abre-se a perspectiva de um construtivismo, que se apropria tanto das pré-referências já dadas e estabelecidas (nossas representações) quanto das percepções que advêm da nossa experimentação, para promover um salto do conhecimento, uma mudança de paradigma.

Enfim, lançado está o desafio: uma mudança de paradigma, ou seja, um novo modo de viver, compreender e se relacionar com a vida.

* Desejo, do latim de-sid-erio, provém da raiz sid, da língua zenda, significando estrela, como se vê em sideral - relativo às estrelas. Seguir o desejo é seguir a estrela - estar orientado, saber para onde se vai, conhecer a direção...
(J.A. Gaiarsa, As carícias e o Iluminado, p.12)

Luciana Cerqueira
jornalista, membro do Grupo de Estudos
Multidisciplinar em Educação Ambiental (GEMEA)

do Instituto Thoreau - São Paulo

 

http://www.redepsi.com.br/ecopsi3.htm


PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO - UMA MANEIRA SENSATA DE PROTEGER A SAÚDE PÚBLICA E O MEIO-AMBIENTE

(The Precautionary Principle - A common sense way to protect Public Health and the Enviroment )
preparado por: The Science and Environmental Health Network

traduçao : Lucia A . Melim para Fundação Gaia

O que é PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO ?

Uma definição ampla de PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO foi formulada em uma reunião realizada em janeiro de 1998 em Wingspread, sede da Joyhnson Foundation, em Racine, estado de Wisconsin, com a participação de cientistas, advogados, legisladores e ambientalistas. A Declaração de Wingspread sobre o PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO apresentada na íntegra no fim do presente informativo, resume o princípio da seguinte forma:

"Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio-ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas cientificamente."

Dentre os principais elementos do Princípio figuram: a precaução diante de incertezas científicas; a exploração de alternativas a ações potencialmente prejudiciais; a transferência do "ônus da prova" aos proponentes de uma atividade e não às vítimas ou vítimas em potencial daquela atividade; e o uso de processos democráticos na adesão e observação do Princípio -- inclusive o direito público ao consentimento informado.

"Precaução" tem algum significado especial?

A mesma idéia de bom senso implícita em muitos ditados, tais como "Melhor prevenir do que remediar".

E "incerteza científica"? Por que devemos agir antes que a ciência nos diga o que é nocivo e o que pode ser prejudicial?

Às vezes, se esperarmos por comprovações, é tarde demais. Os padrões científicos para a demonstração de causa e efeito são muito elevados. Por exemplo, já havia a forte suspeita de que fumar provocava câncer do pulmão muito antes desta associação ter sido estabelecida de forma conclusiva, i.e., ter atendido aos padrões científicos de causa e efeito. Àquela altura, muitos fumantes já haviam morrido de câncer do pulmão. Mas muitos outros já haviam deixado de fumar, devido às crescentes evidências de que o fumo tinha ligação com o câncer de pulmão. Essas pessoas estavam exercendo judiciosamente a precaução, apesar de um certo grau de incerteza científica.

Com frequência, um problema -- como uma casuística de câncer ou o aquecimento global -- é por demais amplo, tem causas por demais diversas ou efeitos que só surgem muito a longo prazo para ser explicitado através de experiências científicas que provariam suas causas e efeitos. É difícil levar tais problemas ao laboratório. Assim, temos que contar com observações, estudos de casos e previsões feitas com base no conhecimento atual.

De acordo com o PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃOquando evidências científicas razoáveis de qualquer tipo nos dão boas razões para acreditarmos que uma atividade, tecnologia ou substância possam ser nocivas, devemos agir no sentido de prevenir o mal. Se esperarmos sempre pela certeza científica, haverá gente sofrendo e morrendo, e os danos ao mundo natural podem ser irreversíveis.

Por que precisamos do PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO agora ?

Aqueles que elaboraram a Declaração de Wingspread e muitos outros acreditam que os efeitos de atividades nocivas e negligentes vêm-se acumulando ao longo dos anos. Acreditam que os seres humanos e o resto do mundo natural têm uma capacidade limitada de absorver e superar esses danos e que temos que ser muito mais cuidadosos do que no passado.

Há inúmeros sinais de alerta que nos indicam que devemos agir com cautela. Alguns nos próprios seres humanos -- tais como índices mais elevados de deficiências de aprendizado, asma e certos tipos de câncer. Outros sinais de alerta são a extinção de plantas e espécies animais, o esgotamento do ozônio estratosférico, e a probabilidade de um aquecimento global. É difícil atribuir esses efeitos a causas claras e simples com precisão -- da mesma forma como é difícil prever com exatidão quais serão muitos desses efeitos. Mas o bom senso e muitas evidências científicas nos dizem que devemos ter cuidado e que todas as nossas ações têm consequências.


Temos muitas leis ambientais. Já não estaríamos exercendo a precaução?

Em alguns casos, até certo ponto, sim. Quando uma verba federal é destinada a um projeto de porte, como a construção de uma estrada em área florestal ou o desenvolvimento de programas federais de resíduos, os planejadores devem produzir um "relatório de impacto ao meio-ambiente", mostrando como o projeto irá afetar a área. O público, então, tem o direito de ajudar a determinar se o estudo foi minucioso, se todas as alternativas foram consideradas. Isto é ação de precaução.

Mas a maior parte das legislações ambientais, como o Clean Air Act, o Clean Water Act e a Superfund Law visa a limpeza da poluição e o controle de sua emissão no meio-ambiente. São leis que regulam as substâncias tóxicas ao serem emitidas, ao invés de já limitarem o seu uso ou produção no começo.

Essas leis serviram a uma importante finalidade: deram-nos ar, água e terra mais limpos. Mas apóiam-se no pressuposto de que os seres humanos e ecossistemas podem absorver uma determinada quantidade de contaminação sem serem lesados. Estamos agora descobrindo o quanto é difícil saber quê níveis de contaminação seriam seguros, se é que tais níveis existem.

Muitas das nossas leis e práticas relativas a alimentos e medicamentos são muito mais voltadas para a precaução. Antes de um medicamento ser lançado no mercado, o fabricante deve comprovar sua segurança e eficácia. E a população deve ser informada dos riscos e efeitos colaterais antes de usá-lo.

Mas há algumas brechas importantes na legislação e no modo como ela é observada. Se o PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO fosse universalmente aplicado, muitas substâncias tóxicas, contaminantes e práticas negligentes nem seriam produzidas ou usadas. O PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO focaliza a prevenção e não a cura.

Quais são as brechas nas legislações atuais?

Uma delas é o uso da "certeza científica" como uma norma, conforme mencionado acima. Supomos, com frequência, que se algo não puder ser comprovado cientificamente, não é verdadeiro. A falta de certeza é usada para justificar a continuidade do uso de uma substância ou tecnologia nocivas.

Outra é o uso da "avaliação de riscos" a fim de determinar se uma substância ou prática deve ser regulamentada. Um dos problemas, neste caso, é que a faixa de riscos considerada é muito estreita -- geralmente, a morte, e, geralmente, de câncer. Outro problema é que aqueles que correrão o risco não são informados ou consultados. Por exemplo, as pessoas que moram perto de uma fábrica que emite substâncias tóxicas raramente são informadas ou consultadas a respeito dos riscos.

Uma terceira brecha, correlata, é a "análise custo-benefício", que determina se os custos de uma lei valem os benefícios que ela traria. Geralmente, os custos de curto prazo da lei recebem mais peso do que os custos de longo prazo de um dano possível -- e é deixada ao público a tarefa de resolver os prejuízos. Da mesma forma, muitos acreditam ser virtualmente impossível quantificar os custos dos danos à população ou os benefícios de um meio-ambiente sadio.

O efeito dessas brechas é conceder o benefício da dúvida aos produtos, tecnologias e a todas as atividades econômicas novas ou já existentes, mesmo àquelas que, eventualmente, demonstrem ser nocivas. As empresas, projetos, tecnologias e substâncias, são, de fato, "inocentes até prova do contrário". Enquanto isso, as populações e o meio-ambiente assumem os riscos, muitas vezes, tornando-se as vítimas.

Como o PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO mudaria tudo isso sem fazer a economia estancar?

Estimulando a exploração de alternativas -- maneiras melhores, mais seguras e mais baratas de se fazer as coisas -- e o desenvolvimento de produtos e tecnologias "mais limpos". Às vezes, simplesmente diminuir a velocidade, a fim de se aprender mais sobre danos potenciais -- ou não fazer nada -- é a melhor alternativa. O Princípio serviria como um "quebra-molas" no desenvolvimento de tecnologias e empreendimentos.

O Princípio transferiria o ônus da prova do público para os proponentes de uma nova tecnologia. Faria com que o público pudesse tomar conhecimento e interferir no desenvolvimento de tecnologias que apresentassem um potencial de risco. Os proponentes teriam que demonstrar, através de um processo aberto, que a tecnologia seria segura ou necessária e que não haveria alternativas melhores. O público teria voz ativa nessa determinação.

Esta idéia é nova?

O PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO foi introduzido na Europa na década de 80, tornando-se a base do acordo de 1987, que proíbe o lançamento de substâncias tóxicas persistentes no Mar do Norte. Ele consta da Convenção sobre a Biodiversidade. Um número cada vez maior de leis ambientais suecas e alemãs fundamenta-se no PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO Conferências internacionais sobre substâncias tóxicas persistentes e o buraco de ozônio constituiram fóruns para a promoção e debate do PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO.

Interpretações do Princípio variam, mas a Declaração de Wingspread é a primeira a definir os principais elementos que a compõem e a explicar seus fundamentos.

Os países que adotarem o PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO tornar-se-ão menos competitivos no mercado mundial?

A proposta é progredir com mais cautela do que o fizemos antes. Algumas tecnologias talvez sejam trazidas ao mercado mais lentamente. Outras podem ser interrompidas ou gradualmente desativadas. Por outro lado, haverá muitos incentivos à criação de novas tecnologias que farão com que seja desnecessário produzir e usar substâncias e processos nocivos. Essas novas tecnologias trarão benefícios econômicos a longo prazo.

Países que estão à frente de leis ambientais mais fortes e abrangentes, como a Alemanha e a Suécia, desenvolveram novas tecnologias mais limpas, apesar dos custos temporariamente mais elevados. Eles agora podem exportar essas tecnologias. Outros países correm o risco de serem deixados para trás, com instalações e tecnologias obsoletas tão poluentes que o público logo as reconhecerá como intoleráveis. Há sinais de que isso já está acontecendo.

Será possível prevenir todos os efeitos colaterais negativos do progresso tecnológico?

Os riscos fazem parte da vida. Mas é importante que as pessoas façam pressão em favor de alternativas menos prejudiciais, que exerçam seus direitos a um meio-ambiente limpo e benéfico à vida, e, quando expostas a riscos, que tenham conhecimento disso e que participem da decisão de aceitá-los ou não.

Como o PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO será implantado?

O PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO deve ser o fundamento da reforma de leis e regulamentos ambientais e da criação de novas leis. É, basicamente, uma abordagem, um modo de pensar. Nos próximos anos, a precaução deve ser exercida, discutida e promovida em muitos níveis -- legislação, práticas industriais, ciência, opções de consumidores, educação, comunidades e escolas.

A Declaração de Wingspread sobre o PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO

A emissão e uso de substâncias tóxicas, a exploração de recursos e as alterações físicas do meio-ambiente tiveram consequências involuntárias substantivas, que afetam a saúde humana e o meio-ambiente. São motivo de preocupação: o alto índice de deficiências de aprendizado, de asma, câncer, defeitos de nascença e extinção de espécies; as mudanças climáticas globais, o esgotamento do ozônio estratosférico e a contaminação mundial de substâncias tóxicas e materiais nucleares.

Acreditamos que as atuais legislações ambientais e outras decisões, particularmente aquelas fundamentadas em avaliações de risco, não protegeram adequadamente a saúde humana e o meio-ambiente -- o sistema maior do qual os seres humanos são apenas uma parte.

Acreditamos que há evidências prementes de que os danos a seres humanos e ao meio-ambiente mundial sejam de tal magnitude e gravidade que novos princípios para a condução das atividades humanas se fazem necessários.

Embora tenhamos consciência de que as atividades humanas podem implicar em riscos, deve-se proceder com maiores cuidados do que se vem fazendo na história recente. Empresas, órgãos de governo, cientistas e outros indivíduos devem adotar uma abordagem de precaução em todos os empreendimentos humanos.

Portanto, faz-se necessário implantar o PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO quando uma atividade representa ameaças de danos à saúde humana ou ao meio-ambiente, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se as relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas cientificamente.

Neste contexto, ao proponente de uma atividade, e não ao público, deve caber o ônus da prova.

O processo de aplicação do PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO deve ser aberto, informado e democrático, com a participação das partes potencialmente afetadas. Deve também promover um exame de todo o espectro de alternativas, inclusive a da "não-ação".

Participantes de Wingspread:

Dr. Nicholas Ashford - M.I.T. - Instituto de Tecnologia de

Massachusetts

Katherine Barrett - British Columbia University

Anita Bernstein - Chicago-Kent College of Law

Dr. Robert Constanza - Universidade de Maryland

Pat Costner - Greenpeace

Dr. Carl Cranor - Universidade da Califórnia, Riverside

Dr. Peter de Fur - Virginia Commonwealth University

Gordon Durnil - Advogado

Dr. Kenneth Geiser - Instituto de Redução do Uso de Tóxicos, Universidade de Massachusetts, Lowell

Dr. Andrew Jordan - Centro para Pesquisa Social e Econômica do Meio-Ambiente Global Universidade de East Anglia, Reino Unido

Andrew King - United Steelworkers of America,

(Siderúrgicos Unidos da América, setor Canada), Toronto, Canada

Dr. Frederick Kirschenmann- Agricultor

Stephen Lester - Center for Health, Environment and Justice

(Centro de Saúde, Meio-Ambiente e Justiça)

Sue Marte - Union Institute

Ddr. Michael M'Gonible - Universidade de Victoria, Columbia britânica, Canada

Dr. Peter Montagua - Fundação de Pesquisa Ambiental

Dr. John Peterson Myers - Fundação W. Alton Jones

Dra. Mary O'Brien - Consultora ambiental

Dr. David Ozonoff - Universidade de Boston

Carolyn Raffensperger - Science and Environmental Health Network ( Rede de Ciência e Saúde Ambiental)

Dr. Philip Regal - Universidade de Minnesota

Hon. Pamela Resor - Massachusetts House of Representatives

Florence Robinson - Rede Ambiental de Louisiana

(Louisiana Environmental Network)

Dr. Ted Schettler - Médico, Social Responsibility

Ted Smith - Silicon Valley Toxics Coalition

(Coalizão de Subs.Tóxicas Vale do Silício)

Dr. Klaus-Richard Sperling- Inst. Alfred-Wegener, Hamburgo, Alemanha

Dra. Sandra Steingraber - Escritora

Diane Takvorian - Environmental Health Coalition

(Coalizão de Saúde Ambiental)

Joel Tickner - Universidade de Massachusetts, Lowell

Dr. Konrad von Moltke - Dartmouth College

Dr. Bo Wahistrom - KEMI (Inspetoria Química Nacional), Suécia

Jackie Warledo - Indigenous Environmental Network

(Rede Ambiental Indígena)

http://www.fgaia.org.br/texts/t-precau.html


CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA:
EMERGÊNCIA,OBSTÁCULOS E DESAFIOS

Gustavo F. da Costa Lima (1)

(Revista Eletrônica "Política e Trabalho" - Setembro 1998 / p. 139-154)

 

INTRODUÇÃO

O problema ecológico, em nossa sociedade, assumiu, em anos recentes, uma centralidade e presença marcantes na vida cotidiana. Habita o concreto de nossas vidas, a cultura do tempo, assim como as subjetividades individual e coletiva. Dificilmente vivemos, um dia sequer, sem registrar uma referência à esta realidade e seus efeitos abrangentes.

Este trabalho propõe uma reflexão crítica sobre o fenômeno da consciência ecológica. Busca compreender o significado dessa noção, sua origem histórica - material e simbólica - os fatores sociais, ambientais, culturais, econômicos e políticos que a impulsionaram, como também os principais obstáculos e desafios a seu avanço.

Os motivos que conduziram à presente análise são questionamentos que refletem a crise sócio-ambiental contemporânea. Busca-se compreender as possibilidades e os limites de transformar a consciência e os comportamentos individuais e sociais, no sentido de valorização da vida, das relações sociais e destas com a natureza.

As marcas do tempo mostram sinais contraditórios. Somos parte de uma espécie que é , simultaneamente, solidária e egoísta, salvadora e destruidora, sapiens (inteligente) e demens (demente) (Boff, 1995). Quem vencerá essa luta? Saberemos compreender a crise em que estamos envolvidos e pôr em prática respostas sensatas e viáveis ou esperaremos o impasse e o desastre para agir? Trabalharemos preventivamente, usando o tempo a nosso favor, ou o usaremos contra nós, tardiamente ? Saberemos nos organizar em defesa da vida e de sua qualidade ou nos adaptaremos à sua degradação, numa atitude resignada e conformista? Como na tradição chinesa, o ideograma que representa a idéia de crise significa, simultaneamente, perigo e oportunidade. Qual sua opção?

DEFININDO O FENÔMENO DA CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA

Consciência ecológica é uma expressão, exaustivamente utilizada na bibliografia especializada, de anos recentes, sem uma preocupação [fim da página 139] da maioria dos autores de precisarem a que, exatamente, estão se referindo. A noção focalizada se contextualiza, historicamente, no período pós Segunda Guerra Mundial, quando setores da sociedade ocidental industrializada passam a expressar reação aos impactos destrutivos produzidos pelo desenvolvimento tecnocientífico e urbano industrial sobre o ambiente natural e construído. Representa o despertar de uma compreensão e sensibilidade novas da degradação do meio ambiente e das conseqüências desse processo para a qualidade da vida humana e para o futuro da espécie como um todo. Expressa a compreensão de que a presente crise ecológica articula fenômenos naturais e sociais e, mais que isso, privilegia as razões político-sociais da crise relativamente aos motivos biológicos e/ou técnicos. Isto porque entende que a degradação ambiental é, na verdade, conseqüência de um modelo, de organização político-social e de desenvolvimento econômico, que estabelece prioridades e define o que a sociedade deve produzir, como deve produzir e como será distribuído o produto social. Isto implica no estabelecimento de um determinado padrão tecnológico e de uso dos recursos naturais, associados a uma forma específica de organização do trabalho e de apropriação das riquezas socialmente produzidas. Comporta, portanto, interesses divergentes entre os vários grupos sociais, dentre os quais aqueles em posição hegemônica decidem os rumos sociais e os impõe ao restante da sociedade. Assim, os impactos ecológicos e os desequilíbrios sobre os ciclos biogeoquímicos são decorrentes de decisões políticas e econômicas previamente tomadas. A solução para tais problemas, por conseguinte, exige mudanças nas estruturas de poder e de produção e não medidas superficiais e paliativas sobre seus efeitos.

Essa consciência ecológica, que se manifesta, principalmente, como compreensão intelectual de uma realidade, desencadeia e materializa ações e sentimentos que atingem, em última instância, as relações sociais e as relações dos homens com a natureza abrangente. Isso quer dizer que a consciência ecológica não se esgota enquanto idéia ou teoria, dada sua capacidade de elaborar comportamentos e inspirar valores e sentimentos relacionados com o tema. Significa, também, uma nova forma de ver e compreender as relações entre os homens e destes com seu ambiente, de constatar a indivisibilidade entre sociedade e natureza e de perceber a indispensabilidade desta para a vida humana. Aponta, ainda, para a busca de um novo relacionamento com os ecossistemas naturais que ultrapasse a perspectiva individualista, antropocêntrica e utilitária que, historicamente, tem caracterizado a cultura e civilização modernas ocidentais.(Leis, 1992; Unger, 1992; Mansholt, 1973; Boff, 1995; Morin, 1975).

Para Morin, um dos autores que mais avança no esforço de definir o fenômeno:

[fim da página 140]

"(...) a consciência ecológica é historicamente uma maneira radicalmente nova de apresentar os problemas de insalubridade, nocividade e de poluição, até então julgados excêntricos, com relação aos 'verdadeiros' temas políticos; esta tendência se torna um projeto político global , já que ela critica e rejeita, tanto os fundamentos do humanismo ocidental, quanto os princípios do crescimento e do desenvolvimento que propulsam a civilização tecnocrática." (Morin, 1975)

Sinaliza-se, assim, algumas referências preliminares que indicam o significado aqui atribuído à expressão consciência ecológica.

A EMERGÊNCIA DA CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA

Historicamente, podemos considerar os anos do Pós Guerra como o marco inicial do processo de conscientização social da destrutividade do sistema tecnocientífico humano, e da ameaça potencial desse sistema para a continuidade da própria vida no planeta. Esta conscientização cresceu, gradualmente, até os dias atuais, através do trabalho persistente de setores da comunidade científica, da militância dos movimentos ambientalistas, pacifistas e da contracultura numa primeira fase, com a adesão, na etapa seguinte, da atuação de órgãos governamentais, não-governamentais e internacionais (ONU, BIRD, PNUMA) da iniciativa privada, dos meios de comunicação de massa, e dos demais movimentos sociais e religiosos. Viola & Leis (1995) analisam, oportunamente, esse processo de desenvolvimento do ambientalismo mundial e nacional, que transita de uma forma bissetorial preservacionista para um multissetorialismo orientado para o desenvolvimento sustentável.

O conceito e a proposta de desenvolvimento sustentável, são oficialmente apresentados através do Relatório Bruntland, produzido pela Comissão das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD - e publicado em 1987. A proposta inspirada na noção de ecodesenvolvimento, elaborada por Ignacy Sachs e colaboradores, tem com ponto de partida a crítica do modelo de desenvolvimento econômico das nações industriais, considerado esgotado em princípios da década de 70. Uma das críticas centrais a esse modelo dominante é a contradição existente entre uma proposta de desenvolvimento ilimitado, a partir de uma base finita de recursos naturais. Esta contradição tem sido analisada por diversas perspectivas, todas elas evidenciando a insustentabilidade do modelo, a longo prazo. Segundo o Relatório Bruntland o desenvolvimento sustentável é definido [fim da página 141] como aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de as gerações futuras também atenderem as suas. Parte do pressuposto de que os problemas do desenvolvimento e do meio ambiente não podem ser tratados separadamente, e atenta para a necessidade de conciliá-los. Para tanto apresenta uma nova concepção de desenvolvimento que conjuga viabilidade econômica, prudência ecológica e justiça social. Inova, ainda, ao defender uma abordagem multidimensional do desenvolvimento que integra à econômica as dimensões ecológicas, políticas, culturais, éticas e sociais e ao introduzir nesse debate os problemas da pobreza e da desigualdade social (Lima, 1997).

As repercussões desse avanço da consciência ecológica, no meio social, se materializam hoje na grande expansão de agências governamentais voltadas para o ambiental, desde esferas municipais até o nível internacional. Entre as décadas de 70 e 80, no exterior e no Brasil, tornou-se freqüente a criação de secretarias, ministérios, agências especializadas, organismos plurinacionais e partidos políticos envolvidos com a questão ambiental. De modo análogo, o setor privado tem se preocupado em introduzir em seus produtos e estratégias mercadológicas o "apelo verde", mesmo que de maneira enganadora e superficial, porque já detectou na opinião pública e consumidora o interesse por esta nova tendência. Também nos movimentos da sociedade civil, e naqueles de caráter religioso, a preocupação ecológica se faz presente, como se fora um ingrediente indispensável dos novos tempos. Novos e crescentes espaços são, igualmente, ocupados nos meios de comunicação, nas artes e no meio científico. Cresce o número de publicações ou de seções ecológicas em jornais, revistas e demais meios. As Universidades, apesar da dificuldade em superar suas barreiras disciplinares, introduzem o debate ambiental, ampliam o leque de suas possíveis abordagens e discutem propostas transdisciplinares.

Pode-se, de modo sucinto, avaliar que essa cultura ecológica em expansão traz, simultaneamente, conseqüências positivas e negativas. Positivas no sentido que difunde informações sobre problemas sócio-ambientais, influencia comportamentos, desperta para realidades até então esquecidas, assim como para novas possibilidades de ampliação da cidadania. Negativas na medida em que favorece o modismo, a abordagem superficial e acrítica de problemas que exigem reflexão profunda e análise pluridimensional. Negativas, ainda, devido à banalização e mercantilização excessiva da temática e à despolitização do problema. Essa despolitização implica numa leitura alienada do problema, que observa a crise ambiental sem enxergar suas causas profundas e sem questionar o modelo de desenvolvimento econômico, [fim da página 142] político, cultural e social que lhe dá sustentação (Mansholt, 1973; Herculano, 1992; Morin & Kern, 1995).

Percebe-se assim, no panorama mundial e brasileiro atuais, um duelo de forças favoráveis e desfavoráveis à expansão da consciência ecológica. De modo resumido podemos formular esse conflito em torno de duas categorias básicas, a saber: a daqueles interessados na transformação das relações entre a sociedade e a natureza - embora orientados por diversas propostas ecoanarquistas, ecossocialistas, fundamentalistas, alternativistas entre outras (2) - e a daqueles interessados na conservação da sociedade capitalista industrial, tal como se configura no momento, defendendo apenas pequenos ajustes técnicos e demográficos. Diria até que estes últimos estão interessados em "mudar" para que tudo permaneça como está.

OS OBSTÁCULOS À CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA

Conforme indicamos, o processo de conscientização da crise ambiental e a deflagração de ações para combatê-la, enfrenta um conjunto de fenômenos que funcionam como obstáculos à seu crescimento e realização. Entre esses fatores podem ser elencados: os interesses político-econômicos dos grupos socialmente hegemônicos, o tipo de ética predominante na sociedade capitalista industrial; o consumismo, uma certa leitura reducionista da consciência ecológica; a pobreza de largos contingentes populacionais e o baixo nível educacional e de cidadania dessas mesmas populações.

OS INTERESSES POLÍTICOS E ECONÔMICOS DOMINANTES

As exigências da racionalidade capitalista, expressas na incessante busca de produtividade, competitividade e lucratividade, e materializadas num sistema produtivo e tecnocientífico orientado para tais fins, condicionam comportamentos imediatistas, individualistas e predatórios - por parte dos grandes grupos empresariais e pela própria ação governamental - que se refletem negativamente sobre o ambiente natural concreto e sobre a cultura ambiental simbólica.

A realidade tem, seguidamente, demonstrado que os interesses da acumulação de capital se colocam como os principais responsáveis pela presente crise ambiental. Os requisitos inerentes ao sucesso da empresa capitalista encerram incompatibilidades flagrantes com as propostas de preservação da vida. Entre tais requisitos pode-se destacar: a [fim da página 143] necessidade de volumes sempre crescentes de investimentos (para manter taxas constantes de crescimento), a perspectiva de tempo econômico pautado no curto e curtíssimo prazos - já que a rentabilidade depende da maior rotatividade do capital - e, os objetivos centrais visando o crescimento ilimitado e lucros imediatos. Essas características pressupõe um consumo crescente de recursos naturais e energéticos, um comportamento consumista por parte dos compradores e um estímulo obsessivo na busca do ganho rápido e fácil, divorciado de quaisquer considerações éticas. Essa conjugação de características e objetivos resulta numa equação insustentável, com impactos perversos sobre a vida humana - em especial da força de trabalho que torna tal sistema possível - e sobre o meio ambiente (Cavalcanti, 1995).

Ilustra esse processo a análise comparativa de Stahel entre a aceleração do tempo econômico e a estabilidade do tempo biofísico no contexto do capitalismo. À luz da lei da entropia, tal análise conclui pela completa incompatibilidade entre esses dois ritmos, e identifica nesse descompasso a origem da crise ambiental e da insustentabilidade do modelo de desenvolvimento capitalista (Stahel, 1995).

Furtado, por outro lado, em seu O Mito do Desenvolvimento Econômico, desmistifica a doutrina desenvolvimentista que, segundo ele, serve, entre outros fins, para explorar os povos da periferia, legitimar a destruição de culturas e do meio físico e para justificar o caráter predatório do sistema produtivo por ela orientada (Furtado, 1996). Portanto, os imperativos da razão capitalista e os meios técnicos construídos para sua realização orientam ações e representações auto-legitimadoras, que contradizem as propostas práticas, teóricas e éticas de sustentabilidade socioambiental.

A ÉTICA NO CAPITALISMO INDUSTRIAL

O paradigma ético predominante na sociedade industrial se coloca como um forte obstáculo ao avanço da consciência e ação ecológicas, na medida em que atua como referência de comportamentos e ações individuais e sociais. Esse modelo ético, caracterizado pelo individualismo, antropocentrismo e pelo utilitarismo, é antagonizado por amplos setores do pensamento ambientalista que, justamente, apoiam seu pensamento e ação na crítica a estas tendências e, em propostas variadas de reformulá-las. À exceção de partidários do que se convencionou nomear de ecocapitalismo - corrente que vê na crise ambiental o resultado de problemas demográficos e tecnológicos de fácil ajustamento, não demandando reformas profundas do modelo convencional de desenvolvimento capitalista - todos os demais matizes do ambientalismo [fim da página 144] tecem algum tipo de crítica ao padrão ético acima referido ( Leis, 1992; Herculano, 1992). Essa rede tecida com traços utilitários, individualistas e antropocêntricos condiciona comportamentos e legitimações marcados pelo domínio e exploração do ambiente físico, em uma relação de sujeição sem limites, da natureza à sociedade humana. Boff nos lembra que, já entre os pais da modernidade ocidental, entre outros Descartes e Francis Bacon, se faz presente a proposta de subjugar a natureza, possuí-la e escravizá-la para extrair seus segredos (Boff,1995). Nesta concepção a natureza existe e é valorada, exclusivamente, em função do homem, para serví-lo e ser por ele dominada. Deixa de ter leis e necessidades próprias, passando a subordinar-se, estritamente, aos desígnios humanos (Grün, 1996; Unger,1992; Sung, 1995).

O CONSUMISMO E O MEIO AMBIENTE

O consumismo é outra característica da sociedade contemporânea que produz impactos preocupantes sobre o ambiente natural e construído. A sociedade capitalista industrial criou o mito do consumo como sinônimo de bem-estar e meta prioritária do processo civilizatório. A capacidade aquisitiva vai, gradualmente, se transformando em medida para valorizar os indivíduos e fonte de prestígio social. A ânsia de adquirir e acumular bens deixa de ser um meio para a realização da vida, tornando-se um fim em si mesmo, o símbolo da felicidade capitalista (Buarque, 1990; Gorz, 1968; Fromm, 1979).

Para a lógica capitalista de produção o principal objetivo é atender ao consumidor e estimular necessidades artificiais que promovam uma maior rotatividade e acumulação do capital investido. Naturalmente, nesta lógica as categorias de consumidor e indivíduo/cidadão são diferentes. Consumidor é toda pessoa dotada de poder aquisitivo, capaz de comprar mercadorias. O mercado e as mercadorias não são destinados a satisfazer toda e qualquer necessidade das pessoas, mas sim dos consumidores. É por esse motivo que assistimos, freqüentemente, por exemplo, o Brasil investir na exportação de soja para alimentar o rebanho animal europeu, enquanto grandes contingentes da população brasileira não tem feijão para comer e os produtos alimentares básicos - conhecidas como culturas de pobre, como mandioca e feijão - não são atendidos com investimentos de pesquisa. Assistimos, também, diariamente, ao crescimento simultâneo do mercado de rações animais e do número de menores abandonados nas ruas. Isto porque o mercado no capitalismo é um eficiente instrumento para alocar recursos, para indicar os caminhos da maior rentabilidade econômica, mas não foi programado para perceber e responder a necessidades e problemas sociais.

[fim da página 145]

A natureza intrínseca do capitalismo exige, para sua sobrevivência, acumulação e investimentos crescentes, o que inevitavelmente aponta para a estimulação do sistema de produção/consumo. O sistema de produção que satisfaz as necessidades dos consumidores é o mesmo que as cria; seja por processos de competição entre consumidores, pelo estímulo do sistema de valores e prestígio social, seja através da publicidade e marketing. Observa-se, assim, que a teoria econômica, historicamente, defendeu o crescimento do sistema de produção/ consumo de forma completamente desvinculada de considerações éticas entre meios e fins. Os economistas, grosso modo, se atinham à satisfação dos consumidores sem se perguntar pela relevância, justiça, legitimidade ou pela racionalidade das necessidades atendidas (Galbraith, 1987; Buarque, 1990).

São, portanto, evidentes as conseqüências do consumismo sobre o meio ambiente e sobre a qualidade da vida social. Tal tendência conduz, por um lado, ao desperdício no uso de recursos naturais e energéticos e, por outro, agrava os problemas de geração e processamento de lixo. Do ponto de vista cultural e econômico, aprofunda os processos de alienação e exploração do trabalho e cria irracionalidades como a industria bélica, a proliferação de supérfluos e a obsolescência planejada. Representa, enfim, um tipo de comportamento e de ideologia que alimenta o processo de degradação, tanto das relações sociais em si quanto das relações entre sociedade e natureza.

REDUCIONISMO E CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA

Trata-se, neste momento, de criticar certas interpretações da problemática ambiental como reais entraves ao crescimento da consciência ecológica. São leituras reducionistas que se apresentam: a) reduzindo a complexidade da crise ecológica a um problema estritamente ecológico; e b) reduzindo o problema ecológico a um problema técnico, desvinculado de outras considerações. Ambas as colocações são limitadas e enganadoras. A primeira delas, retira da consciência ecológica uma de suas características centrais, que é a de unir realidades, articular e relacionar dimensões complementares que constituem um todo maior. Menosprezar essa capacidade articuladora significa perder a oportunidade de experimentar uma visão sistêmica da realidade, que vê a vida e a questão ambiental como um campo relacional, um todo integrado onde todas as partes se comunicam entre si e com a totalidade.

A segunda redução, também bastante freqüente, expressa o tecnicismo e a excessiva simplificação que reduz a complexa [fim da página 146] multidimensionalidade da temática ambiental à unidimensionalidade técnica. Ou seja, tratar um problema ambiental que é resultante de fatores econômicos, políticos, sociais, culturais e ecológicos conjugados como um problema exclusivamente técnico é, no mínimo, incorrer numa simplificação excessiva. Desconsidera o fato de que a crise ambiental é produto de um modelo de organização geral da sociedade, que comporta decisões políticas e econômicas que condicionam toda a vida individual e social. Está claro que a questão ambiental tem, entre outras, uma dimensão técnica, mas esta é precedida e condicionada por razões políticas e econômicas, e não o contrário como pretende a redução tecnicista. Mostra-se, assim, fora de propósito a leitura que pretende encontrar no desenvolvimento tecnológico a solução de todos os problemas. A mesma crítica pode ser estendida ao economicismo, que propõe soluções exclusivamente econômicas como resposta à questões de maior complexidade.

RENDA, CIDADANIA, EDUCAÇÃO E CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA

Em anos recentes e, sobretudo a partir de 1987, data de publicação do Relatório Bruntland, ganha força no debate ambiental a relação entre pobreza social e degradação ambiental. Entre outras inovações introduzidas por este relatório, figura a constatação básica de que os problemas do meio ambiente estão diretamente relacionados com os problemas da pobreza, e que ambos formam, entre si, um ciclo vicioso de gravidade crescente. Isto é, a pobreza ao mesmo tempo que contribui para a degradação ambiental, sofre os efeitos do ambiente agredido. Significa que os mais pobres tendem a destruir, no curto prazo, os próprios recursos que deveriam garantir sua subsistência a longo prazo. Na verdade, essa constatação levou o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) a diagnosticar que as duas causas básicas da crise ambiental são o mau uso das riqueza e a pobreza. Os pobres, como vimos, pela própria situação de escassez em que vivem, destróem os recursos naturais para sobreviver, enquanto os ricos consomem e desperdiçam, excessivamente, a base de recursos naturais, deixando os custos, mais uma vez, para os mais pobres (CIMA, 1991). Ignacy Sachs, economista polonês, formulador do Ecodesenvolvimento, muito antes do Relatório Bruntland já alertava para a desigualdade social como causa primária do mau desenvolvimento, fato, em geral, ocultado pelos arautos do desenvolvimentismo. Segundo ele, a opulência não é mais que a outra face da miséria e, embora as grandes vítimas sejam sempre os mais pobres, toda a sociedade perde em sistemas muito desiguais (Sachs, 1986). Isto porque, entre outros motivos, a concentração de riqueza, própria ao capitalismo, cria situações extremas [fim da página 147] e desfavoráveis à consciência e atitude ecológicos. Evidencia-se, pois, a importância da distribuição de renda como um instrumento democratizador, que ao melhorar as condições gerais de vida de uma população - através do acesso à alimentação, trabalho, educação, saúde, informação, moradia e lazer - tende a favorecer mudanças e atitudes de defesa da vida, tanto dos próprios homens como de seu ambiente.

Raciocínio análogo desenvolvemos no tocante à relação entre cidadania e consciência ecológica. Nesse sentido, as mentalidades tenderão a avançar à medida que se perceba o ambiente como um direito político, relacionado à qualidade de vida e ao usufruto de um patrimônio público comum. Trata-se, assim, de associar a politização da questão ambiental com o avanço da consciência e ação ecológicas. A realidade tem demonstrado que a ação e o nível de consciência ecológicas são mais presentes e desenvolvidos naqueles países com maior nível de informação, educação, renda e cidadania. Ou seja, onde os indivíduos conhecem e exercitam plenamente seus direitos e deveres sociais. Confirmam, também, essa tendência, a maior incidência de organizações, partidos políticos e associações centradas na questão ambiental - assim como movimentos de protesto e de consumidores contra produtos e processos agressivos à vida e aos direitos dos cidadãos - nos países política e sócio-economicamente mais desenvolvidos.

Reconhecemos que ambos os condicionantes, renda e cidadania, são fatores necessários, mas não suficientes, para transformar o nível de consciência de um povo. Essa transformação exige uma conjugação de elementos, que além dos citados inclui a qualidade da educação e da informação, a motivação social e a capacidade de organização para participar na solução dos problemas comunitários. Deve-se, ainda, observar que o processo de mudança de mentalidades e atitudes envolve um conjunto de estímulos econômicos, políticos, sociais e culturais, e que a definição de uma ordem de prioridades entre eles dependerá de cada configuração social específica.

A educação é outro elemento chave no processo de mudança de mentalidades, hábitos e comportamentos, no sentido de uma sociedade sustentável. Analistas e filósofos da educação preocupados com a questão ambiental têm desenvolvido propostas pedagógicas com características:

a) democrática - que respeita e atua segundo o interesse da maioria dos cidadãos;

b) participativa - onde o cidadão faz parte da elaboração de respostas aos problemas vividos pela comunidade que integra;

[fim da página 148]

c) crítica - que exercita a capacidade de questionar e avaliar a realidade socioambiental;

d) transformadora - que busca a mudança de comportamentos, valores e mentalidades contrários à vida coletiva;

e) dialógica - fundada no diálogo entre todos os participantes do processo educativo e da sociedade circundante;

f) multidimensional - que pauta sua compreensão dos fatos na integração dos diversos aspectos da realidade.(Freire, 1996; Reigota, 1995;UNESCO/UNEP, 1977; Grün, 1996;Dias,1993).

Isto significa dizer que uma educação convencional, conservadora, de tendência monodisciplinar, desintegrada da realidade comunitária e da participação social, acrítica e autoritária representa, na verdade, um obstáculo à mudança de consciência e atitudes.

Por outro lado, parece difícil pensar uma educação de qualidade em sociedades onde a educação continua sendo um privilégio e não um direito prioritário, onde a elite cultural importa dos centros industrializados não só conhecimentos técnicos mas concepções de desenvolvimento, valores e padrões de comportamento.

Merecem destaque, ainda, certas propostas de educação ambiental que tendem a banalizar o tratamento da questão ambiental com um enfoque superficial, despolitizador e invertido dessa realidade. Isso porque focaliza e dá excessiva atenção aos efeitos mais aparentes do problema, sem questionar suas causas profundas, que dão origem à crise atual. É o caso, por exemplo, de chamar muita atenção para uma espécie ameaçada de extinção e promover sua reprodução em cativeiro, sem perguntar e discutir os modelos de ocupação e exploração dos recursos naturais, responsáveis pela destruição de ecossistemas inteiros para satisfazer interesses econômicos e políticos, completamente alheios à degradação que causam. Assim, criar ilhas de conservação fica parecendo a melhor solução para um problema com raízes mais profundas. Concentra-se toda atenção em paliativos superficiais sem tocar nas reais causas que originam os problemas sócio-ambientais. Além disso, análises superficiais do tipo citado tendem a atribuir, de modo genérico, as responsabilidades dos danos ambientais à ação humana, deixando de dizer que o homem vive em sociedades heterogêneas, formadas por grupos e classes sociais com poderes, atividades e interesses diferenciados. Assim, os homens ocupam posições sociais diferentes, e se relacionam com a natureza e o ambiente diversamente. Alguns são governantes, outros governados; alguns são proprietários, outros são assalariados; uns são produtores, outros consumidores; uns incluídos, outros excluídos. Portanto a afirmação genérica de que "o homem" é o grande predador da natureza e do [fim da página 149] ambiente deve ser melhor qualificada, para evitar conclusões apressadas e enganosas. É o caso de transferir para toda a sociedade as responsabilidades de um problema ambiental causado por um determinado grupo empresarial ou iniciativa governamental.

O problema de inversão da realidade se observa na ênfase que certas vertentes de educação ambiental colocam na esfera do consumo - destino do lixo, reciclagem, limpar a praia - em detrimento da esfera da produção, ponto de origem de todo processo industrial, onde se decide o que, quanto e como produzir. É o caso, por exemplo, da opção de usar embalagens renováveis ou descartáveis, de produzir mais bens necessários ou mais bens supérfluos, de escolher entre produtos com maior vida útil ou produtos que rapidamente se tornam obsoletos. A educação ambiental, portanto, exige uma compreensão mais global do sistema de produção/consumo e um enfoque que privilegie mais a esfera da produção (causa) - que engendra e condiciona toda a dinâmica produtiva - que a esfera do consumo (efeito). Do contrário, estaremos invertendo e parcializando a realidade(3). As citadas propostas de educação ambiental também tornam-se despolitizadoras, porque desconsideram as causas políticas da questão ambiental, substituindo-as por motivos e soluções técnicas e, assim fazendo, desviam a atenção pública dos interesses políticos e econômicos que, de fato, explicam a origem dos problemas sócio-ambientais. É por esse motivo que analistas mais críticos da questão pensam a educação ambiental como uma educação política com vistas ao exercício pleno da cidadania (Reigota, 1995).

DESAFIOS À CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA

Vimos até aqui que, desde os anos 70 a consciência ecológica avançou bastante, embora, ainda não o suficiente para conter o crescente ritmo de degradação socioambiental.

Há, em primeiro lugar, que reconhecer-se que a consciência e o discurso ecológicos se expandiram mais rapidamente que os comportamentos e ações práticas. Portanto, o primeiro desafio consiste, justamente, em materializar idéias e teorias em práticas cotidianas ecologicamente orientadas.

Nesse sentido, insere-se como ingrediente indispensável o exercício da participação social. Todas as propostas de fortalecimento da sociedade civil, da cidadania e de melhoria da qualidade da vida social [fim da página 150] passam, necessariamente, pelo desenvolvimento da participação social. Diversos analistas das relações entre sociedade, meio ambiente, educação e sustentabilidade enfatizam a impossibilidade de realizar transformações, com sentido democrático, sem a promoção da participação social (Sorrentino, 1991; Penteado, 1994; Reigota, 1995; Guimarães, 1996). Chamam atenção para os vícios herdados de uma sociedade historicamente autoritária, paternalista, individualista e dotada de baixos níveis de educação política. Tais características sociais terminam produzindo nos indivíduos um conjunto de atitudes e sentimentos negativos, que os distancia da ação coletiva e da mobilização para resolver seus próprios problemas comunitários. Assim, acabam predominando a descrença, a apatia, a inércia e o despreparo para a participação social. O indivíduo, nessas condições, tende a perder a confiança e a crença de que sua atitude individual se transforme numa iniciativa coletiva e eficaz, atrofiando as possibilidades de participação. Soma-se a isso o histórico descrédito nas autoridades e iniciativas públicas, que tão bem se expressam no antigo divórcio entre o público e o privado no Brasil. Da Matta, em pesquisas sobre o tema, observa com lucidez que a vida pública no Brasil foi construída, desde a Colônia, de uma forma onde a casa (a esfera privada) funciona e a rua (a esfera pública), não.

Por isso, segundo ele, a identidade do brasileiro contém mais valores da vida privada que da vida pública, diferentemente de outras nações, onde a coisa pública é mais valorizada e próxima do cidadão (Da Matta, 1996). Nesse contexto, a participação social cumpre o relevante papel de romper o distanciamento entre a ação individual e coletiva e de mostrar a possibilidade de transformar a realidade no sentido de valorização da vida do indivíduo consigo mesmo, com os outros e com o seu ambiente.

Um outro ponto, central nessa discussão, reside na necessidade de exercitar um enfoque multidimensional na análise e tratamento dos problemas ambientais. Esse enfoque supera as abordagens anteriores de caráter unilateral e reducionista, que pretendiam explicar os problemas ambientais, ora por uma ótica econômica estrita, ora por um ponto de vista exclusivamente biológico ou técnico. Isto para não perder a riqueza e maior fidedignidade de uma compreensão e análise pluricausal da realidade, que incorpora e articula dimensões políticas, culturais, ecológicas, econômicas e filosóficas. Dentro dessa compreensão plural surge um outro desafio, que é o de priorizar e hierarquizar as diversas dimensões do real, o que nos remete ao próximo ponto.

Refiro-me à politização da questão ecológica, já percebida e praticada por diversos setores do ambientalismo, mas ingenuamente [fim da página 151] esquecida por setores tradicionais do conservacionismo e bastante manipulada pelos setores dominantes do ecocapitalismo. Numa ou noutra versão, tratam os problemas ecológicos ora como problemas meramente biológicos, desvinculados das relações políticas e econômicas, ora como problemas estritamente técnicos, facilmente ajustáveis através do desenvolvimento tecnológico. O desafio, portanto, consiste em tratar os problemas ecológicos como problemas políticos. Conceber o ambiente como um patrimônio público comum e sua defesa como um direito político que amplia a compreensão e a prática da cidadania. Convergente com o desafio acima proposto, se coloca a questão do fortalecimento político da sociedade civil na construção da sustentabilidade social. Sem negar a importância da participação do Estado e do Mercado nesse processo, a contribuição dos movimentos civis se revela como decisiva na reorganização de uma sociedade voltada aos interesses da maioria dos cidadãos e pautada em princípios democráticos, participativos, de justiça social, prudência ecológica e viabilidade econômica. As outras opções lideradas pelo Estado e pelo mercado, pela própria natureza dos interesses que encarnam, privilegiam, respectivamente, a intervenção normativa e controladora do sistema social - orientada por interesses fortemente contraditórios - e a eficiência alocativa a serviço de interesses privados. Ademais, a realidade tem demonstrado que são as próprias iniciativas estatal e privada os principais agentes responsáveis pela devastação sócio-ambiental. Por outro lado, assistimos à perda progressiva, por parte do Estado, de sua importância e autonomia na relação com os conglomerados transnacionais, no contexto da globalização e do neoliberalismo. Portanto, embora a via da sociedade civil e da cidadania se apresente, ainda, como uma alternativa frágil diante das três forças apresentadas - dada a composição de poder presente no neoliberalismo e da conseqüente desorganização, perplexidade e desmobilização da sociedade civil nesse quadro, em especial nos países periféricos - é a que representa a resposta mais legítima e sintonizada aos interesses e necessidades da maioria dos trabalhadores e a mais promissora, já que o Estado tende à atrofia e o mercado, embora em posição hegemônica, não responde aos crescentes e, cada vez mais, dramáticos problemas sociais.

Vimos, pela análise precedente, que a mudança da consciência e da ação ecológicas encontra obstáculos objetivos e subjetivos poderosos, cuja superação exige profundas transformações no modelo de desenvolvimento sócio-econômico, na direção dos meios científicos e técnicos, nos padrões de comportamento social e nos referenciais éticos que dirigem os rumos hegemônicos da sociedade capitalista globalizada. A realização de tais mudanças vai, cada vez mais, exigir a descoberta dos limites quantitativos e qualitativos do crescimento [fim da página 152] econômico, a subordinação do avanço técnico-científico a controles éticos, a reforma da ética do egoísmo no sentido da solidariedade e o despertar para a dependência ecossistêmica a que está sujeita a sociedade e vida humanas. São tarefas e desafios de magnitude, que vão exigir iniciativas proporcionais pautadas no diálogo, na participação social e na luta por uma vida mais digna.

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RESUMO
CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA: EMERGÊNCIA, OBSTÁCULOS E DESAFIOS
Este trabalho propõe uma reflexão sobre o recente fenômeno da consciência ecológica. A partir de uma revisão teórica e bibliográfica da área, problematiza as possibilidades e limites da expansão e realização prática dessa consciência. Busca, nesse sentido, definir seu significado; resgatar sua origem histórica e compreender as diversas dimensões - sociais, ambientais, econômicas, culturais e políticas - de sua realidade. Analisa, igualmente, os principais obstáculos e desafios que retardam o avanço da consciência e ação ecológicas.
ABSTRACT
ECOLOGICAL AWARENESS: EMERGENCE, OBSTACLES AND CHALLENGES
The purpose of this article is to make a reflection about the recent emergence of ecological awareness. It attempts a theoretical review of the area and discusses the possibilities and the limits of ecological awareness diffusion and the actual achievement of this awareness. In this way, it aims to define the meaning; to find its historical origins and understand the several dimensions - social, environmental, cultural, economic and political - of its reality. It also analyses the main obstacles and challenges that hinder the ecological awareness and the course of its action.

NOTAS

1)Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (Campus I - João Pessoa).
2) Para melhor identificação das tendências ambientalistas ver: Leis (1992); Herculano (1992) e Lima (1997).
3) Contribuição extraída de debate com a Profª. Arlete Moyses Rodrigues, do Doutorado em Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.

http://upd.cefetsp.br/~eso/ecologiacritica.html


Jornalismo Ambiental - Evolução e Perspectivas

por Roberto Villar*

 O meio ambiente é o centro de uma disputa de poder neste final de século. Os empresários estão conseguindo roubar a bandeira dos movimentos ecológicos. As palavras de ordem agora são custo ambiental e parceria. As empresas não só descobriram que podem ganhar muito dinheiro fazendo o que os ecologistas vem dizendo há mais de duas décadas, como perceberam que evitar o desperdício e implantar tecnologias limpas é uma questão de sobrevivência no mercado globalizado.

 O "ambientalismo empresarial" ganha força. Publicamente, as grandes indústrias fazem campanhas publicitárias e plantam notícias na imprensa. Veladamente, exercem um forte lobby para afrouxar a legislação ambiental e desacreditar as ONGs. Nos discursos, defendem a liberdade de imprensa e a democracia. Nos bastidores, são soldados de uma conspiração do silêncio - a censura empresarial - criada para que a população receba apenas a versão dos poluidores. Este é o pano de fundo para entender o jornalismo ambiental dos anos 90.

 O jornalismo ambiental tem características diversas em cada região do Brasil. A existência e a própria qualidade das notícias publicadas estão diretamente relacionadas à mobilização da sociedade em torno do tema. As Organizações Não-Governamentais enfrentam dificuldades para publicar os seus pontos de vista em todo o país, mas onde a atuação das entidades é fraca, o noticiário sobre problemas ecológicos é quase inexistente.

 Os grandes grupos de comunicação do país sabem que não podem ignorar a questão ambiental, meramente por uma questão de mercado, e por isso fazem pequenas concessões, abrindo janelas periféricas aqui e ali. No entanto, mantêm o jornalismo ambiental com um status marginal. E o jornalista que se especializa é rapidamente tachado de ecochato ou ecologista, minando a credibilidade do profissional. Principalmente quando começa a discutir com profundidade as questões ecológicas e denunciar grandes empresas poluidoras.

 A imprensa brasileira dificilmente trata dos problemas ambientais com profundidade na pauta das discussões públicas. As exceções são fruto de um esforço pessoal e isolado. O meio ambiente é manchete e ganha espaço e tempo na cobertura diária quando acontecem desastres, ou quando os assuntos repercutem no exterior, como a morte de um ecologista famoso, as queimadas e os desmatamentos na Amazônia e na Mata Atlântica. A pauta ambiental ainda vem das agências internacionais.

 A grande imprensa não desvenda a promiscuidade que existe entre os órgãos ambientais e as indústrias. Também evita debater temas brasileiros, como a falta de saneamento no país.

A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental reuniu os maiores especialistas em saneamento ambiental de 14 a 19 de setembro em Foz do Iguaçu. Os jornalistas não apareceram. Dias depois, o governador do Paraná, Jaime Lerner, promoveu os Jogos da Natureza e surgiram centenas de repórteres para registrar o espetáculo.

 Diante deste novo "ambientalismo empresarial", uma aliança entre jornalistas, cientistas e ecologistas é de vital importância para a democracia. Um cidadão só tem liberdade de escolha se ele conhece as opções existentes. Se só existe uma versão, não há o que escolher.

O cidadão não tem como confrontar as informações. Por isso, os repórteres tem que ouvir o que os pesquisadores e ambientalistas têm a dizer. Por outro lado, não podem se transformar em meros assessores de imprensa de entidades ecológicas ou instituições de ensino. É preciso bom senso e equilíbrio. Lembrando sempre que o poder da imprensa é determinar os assuntos que estarão na agenda das discussões públicas da sociedade.

 Hoje, os empresários têm mais acesso à imprensa. Poucas ONGs já aprenderam a disputar tempo e espaço na mídia. Algumas exceções são a Greenpeace e a Fundação SOS Mata Atlântica. A maioria das entidades ambientalistas não conhece o funcionamento dos veículos de comunicação, o processo de produção das notícias. Por isso, melhorar a qualidade do jornalismo ambiental não passa apenas pela educação ambiental dos jornalistas, mas também pela educação jornalística dos ecologistas.

 Além da censura empresarial, existe a omissão dos jornalistas nas redações. Quanto mais especializado, mais o repórter ou editor começa a questionar a sua concepção de mundo e o seu próprio estilo de vida. Como o jornalista pode falar de harmonia entre os homens e a natureza se não sabe o que é a harmonia? Como poderá estimular a solidariedade tendo um espírito individualista? Se é verdade que a destruição da natureza inicia no espírito dos homens, os jornalistas terão que mudar o seu próprio estilo de vida no processo de aprendizado do jornalismo ambiental.

 O jornalismo ambiental é uma especialização do jornalismo, com todas as regras gerais da profissão. A reportagem de meio ambiente tem que ser "vendida" como qualquer outra matéria. Deve ser novidade e de interesse público. A linguagem tem que ser simples.

"O estilo é a arte de dizer o máximo com o mínimo de palavras", dizia Jean Cocteau.

O repórter tem que oferecer boas manchetes para disputar espaço nas redações, e se diferenciar com um trabalho de qualidade. Quando fizer denúncias, deve ter provas suficientes para enfrentar a reação dos poluidores, e a pressão dos editores.

 Alguém já disse que a reportagem é a arte de reconstituir os fatos, com emoção.

E com opinião, eu acrescentaria. Sem uma opinião própria fundamentada sobre os fatos não há como escrever uma boa reportagem. A neutralidade da imprensa é uma bobagem que inventaram para enganar os leigos. O que existe, e deve ser perseguida, é a honestidade. Quando escolhemos uma pauta, a abertura de uma matéria ou um título, estamos sendo parciais, vendo o mundo com os nossos olhos. Afinal de contas somos seres humanos, e não máquinas de calcular.

 Uma tendência que surge cada vez com mais força no jornalismo ambiental é a divulgação de histórias humanas e bons exemplos. Menos catástrofes e previsões científicas assustadoras, e mais dicas práticas para o dia-a-dia das pessoas. No Brasil, quem segue este estilo é o Repórter Eco, da TV Cultura de São Paulo, programa que conseguiu sobreviver à ressaca pós-Rio 92 e vem mantendo um bom índice de audiência em todo o país.

 Este tipo de reportagem educativa é de grande importância, para mostrar que é possível viver em harmonia com a natureza. No entanto, o jornalismo ambiental não pode se limitar apenas a bons exemplos. O repórter especializado tem que ser também um cão de guarda, e denunciar os desmandos. Uma matéria retrata a realidade. Se a realidade é trágica e catastrófica, a imprensa não pode criar um mundo fictício em nome da educação ambiental do público. Deve procurar, porém, contextualizar o homem dentro da natureza, e sempre apresentar os problemas com as soluções ambientalmente sustentáveis.

 O jornalismo ambiental não se limita à grande imprensa. Os jornais de bairro, rádios e televisões comunitárias também são alternativas importantes, pois permitem um envolvimento muito mais direto com o público. A pauta dos veículos reflete mais as necessidades da região. O principal jornal de bairro de Porto Alegre - Oi! Menino Deus - conseguiu fazer, entre 1995 e 1996, reportagens investigativas na área ambiental que lhe renderam diversos prêmios estaduais, vencendo até os grandes jornais gaúchos.

Breve história do jornalismo ambiental

O jornalismo ambiental é uma tendência irreversível na imprensa mundial. Depois da Rio 92, houve um retrocesso nos Estados Unidos e no Brasil. Por outro lado, cresce de importância no Leste Europeu. Apesar da diminuição de tempo e espaço em alguns países, entidades de jornalistas especializados em meio ambiente trabalham na formação de profissionais, melhorando a qualidade das matérias. A primeira organização surgiu na França, ainda na década de 60.

Em 1968, aconteceu em Paris a Conferência da Biosfera. Na mesma época, surgiu na França a primeira entidade de jornalismo ambiental. No mesmo ano, era preso no Brasil - pela Operação Bandeirantes - o jovem repórter Randau Marques, primeiro jornalista brasileiro a se especializar em meio ambiente. Randau foi considerado subversivo na época porque escreveu num jornal da cidade paulista de Franca (berço dos curtumes) reportagens sobre a contaminação de gráficos e sapateiros com chumbo, e já questionava a expressão "defensivos", mostrando que os agrotóxicos eram responsáveis pela mortandade de peixes e pela intoxicação de agricultores. Depois, Randau se especializou em assuntos urbanos e questões ambientais no Jornal da Tarde.

Pelo diário do Grupo Estado, Randau cobriu na capital gaúcha a primeira polêmica ambiental envolvendo uma grande indústria. O fechamento da fábrica de celulose Borregaard, do dia seis de dezembro de 1973 até 14 de março de 1974, atraiu a atenção de jornalistas de outros estados e do exterior. A indústria, hoje chamada de Riocell, fica nas margens do Guaíba, na frente de Porto Alegre. A poluição uniu o embrionário, mas aguerrido, movimento ecológico gaúcho. No entanto, não é a imagem de uma chaminé que representa a época. Foi a famosa foto do estudante universitário Carlos Dayrel sentado numa acácia, tirada no dia 25 de fevereiro de 1975. Ele ficou horas em cima da árvore que seria cortada pela Prefeitura para a construção de um viaduto. Os protestos dos ecologistas ganharam ampla cobertura da imprensa, amordaçada pela censura militar.

Foi depois da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, que as questões ambientais começaram a aparecer com maior freqüência na imprensa internacional. O novo boom ocorreu em meados dos anos 80, com a descoberta do buraco na camada de ozônio e as primeiras hipóteses sobre o impacto das atividades humanas no aumento do aquecimento global. A imprensa brasileira reagiu às preocupações dos países do primeiro mundo, e se voltou para os problemas ambientais da Amazônia.

Em agosto de 1989, foi realizado em São Paulo o Seminário "A Imprensa e o Planeta", promovido pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão e pela Associação Nacional de Jornais. Três meses depois, aconteceu o encontro mais importante para o jornalismo ambiental brasileiro. A Federação Nacional dos Jornalistas realizou no final de novembro, em Brasília, o "Seminário para Jornalistas sobre População e Meio Ambiente". Participaram especialistas internacionais, como o francês François Terrason, especialista em planejamento ecológico e agricultura, a norte-americana Diane Lowrie, da Global Tomorrow Coalition, a jornalista argentina Patricia Nirimberk, da Fundação Vida Silvestre, o tcheco Igor Pirek, da Agência de Notícias CTK, o educador Pierre Weil, da Universidade Holística Internacional e especialistas brasileiros, como o repórter Randau Marques, o professor Paulo Nogueira Neto, o físico Luis Pinguelli Rosa, o agrônomo Sebastião Pinheiro e o jornalista Fernando Gabeira.

A união dos jornalistas de meio ambiente

A partir do seminário da Fenaj em Brasília, em 1989, formaram-se núcleos regionais de jornalismo ambiental em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, com o objetivo de criar uma entidade nacional de jornalismo ambiental. No entanto, sobrou apenas o grupo gaúcho. O Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (Nejrs) nasceu dentro do movimento ambientalista, no dia 22 de junho de 1990, num debate com o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, filósofo Celso Marques, e o presidente da União Protetora do Ambiente Natural, jornalista Carlos Aveline.

Nestes sete anos, o Nejrs trabalhou junto com as principais ONGs gaúchas e também promoveu debates no meio universitário. Em junho de 1991, promoveu o Encontro Jornalismo e Ecologia, junto com a Ufrgs, SBPC, PUCRS e Consulado do Estados Unidos, que viabilizou um debate via-satélite. Entre abril e maio de 1992, realizou junto com a Faculdade de Comunicação da Ufrgs o I Curso de Extensão em Ecologia para Jornalistas, preparatório para a cobertura da Rio 92. O II Curso ocorreu entre novembro e dezembro de 1993, com o objetivo de discutir o papel da imprensa nos desastres ambientais. O resultado foi a publicação do Manual de Emergência para Desastres Ambientais.

O Nejrs foi agraciado pela Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul com a Medalha do Conservacionista, em junho de 1994. No mesmo ano, recebeu o prêmio Contribuição Especial da Associação Rio-Grandense de Imprensa. O Núcleo é formado por 17 jornalistas, 7 na grande imprensa, mas apenas um fazendo jornalismo ambiental diário. Os integrantes da entidade criaram o jornal Sobrevivência da Agapan e um encarte verde dentro do jornal do Sindicato dos Jornalistas, entidade que cede uma sala ao Nejrs. A próxima publicação do Núcleo será um boletim eletrônico quinzenal distribuído na Internet.

Em nível global, a principal entidade de jornalismo ambiental é a Sociedade de Jornalistas de Meio Ambiente do Estados Unidos. A Society of Environmental Journalists foi criada em 1990 por um dúzia de repórteres premiados, e atualmente tem mais de 1.100 sócios. A entidade se dedica a melhorar a qualidade, precisão e importância das reportagens de meio ambiente.Para isso, promove encontros e debates em todo o país. A Sétima Conferência Nacional da SEJ ocorreu de 3 a 5 de outubro na Universidade do Arizona, em Tucson.

A criação de uma rede mundial de jornalistas de meio ambiente foi uma das decisões do Encontro Internacional de Imprensa, Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizado entre 20 e 24 de maio de 1992 em Belo Horizonte. Batizado de Green Press, este encontro estava na agenda oficial da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. Mas foi somente em 1993, numa reunião em Dresden, na Alemanha, que foi criada a Federação Internacional de Jornalistas de Meio Ambiente.

Atualmente, a Federação é uma aliança formada por jornalistas de 52 países. O principal objetivo da entidade é ampliar a compreensão pública dos problemas ambientais através do intercâmbio entre os profissionais especializados. Para isso, realiza encontros anuais.

O primeiro congresso ocorreu em Paris, em 1994, no Palácio da Unesco. Em 1995, a reunião aconteceu no campus do Massachusetts Institute of Technology (MIT), na cidade de Cambridge, junto com a reunião anual da Sociedade de Jornalistas de Meio Ambiente dos Estados Unidos. Depois, a Federação se reuniu em Cebu City, na Ásia (1996) e em Budapeste, na Hungria (1997). Em 1998, o Congresso será no Sri Lanka, depois na América Latina, provavelmente na Colombia, e no ano 2000 no Egito.

O Núcleo de Ecojornalistas acredita que é preciso formar uma rede virtual de jornalistas especializados em meio ambiente no Brasil, através da Internet. Desse modo, é possível trocar experiências, pautas e fontes. Também defendemos a aproximação com a Federação Internacional de Jornalistas de Meio Ambiente. Já existem no Alternex duas conferências eletrônicas para facilitar a troca de informações. Uma em inglês - env.journalism - e a outra em português e espanhol - amb.jornalismo. O intercâmbio internacional e a parceria com as ONGs e cientistas com certeza elevará a qualidade do jornalismo ambiental praticado no país.

As entidades

NEJRS - Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul
Rua dos Andradas 1270, 13.o andar, Porto Alegre.
CEP: 90020-008. E-mail: nejrs@ax.apc.org
Coordenador: Juarez Tosi
E-mail: juatosi@portoweb.com.br
Telefone: (0xx51) 2254555 (Procuradoria da República/RS)

SEJ - Society of Environmental Journalists
P.O. Box 27280
Philadelphia, Pa. 19118
Presidente: Kevin Carmody, do Chicato Daily Southtown
http://www.sej.org

IFEJ - International Federation of Environmenal Journalists
14, Rue de la Pierre Levée, 75011 - Paris, France
Tel: +330148054607
Fax: +330149239149
http://www.sej.org/ifej
Presidente: Jim Detjen - E-mail: detjen@pilot.msu.edu
Secretário: Valentin Thurn
E-mail: v.thurn@link-k.gun.de

ABRAÇO - Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária
Avenida Presidente Vargas 962, sala 711 - Rio de Janeiro
CEP: 20071-002
Fone/Fax: (021) 2531154
Presidente: Tião Santos
E-mail: tiaosantos@ax.apc.org
http://www.ibase.org.br/tiaosantos

* O autor é Roberto Villar, 29 anos, responsável pelos programas Gaúcha Ecologia, da Rádio Gaúcha, e Ecologia em Destaque, da Rádio CBN de Porto Alegre. Sócio do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul. Cobriu pela Gaúcha duas conferências da ONU, a Cúpula da Terra, realizada em 1992 no Rio de Janeiro, e a Habitat II, em Istambul no ano passado. Já participou de dois Congressos da Federação Internacional de Jornalistas de Meio Ambiente, em Paris (1994) e Cambridge/USA (1995). Em maio de 1995, passou duas semanas na Alemanha, à convite do governo alemão, conhecendo projetos ambientais. Já recebeu mais de dez prêmios regionais de jornalismo, entre eles o Primeiro Lugar em Reportagem Geral do Prêmio da Associação Rio-Grandense de Imprensa, edição de 1996, com reportagem sobre a maior mortandade de peixes registrada no Guaíba, publicada no jornal de bairro Oi! Menino Deus.

Obs. Os endereços podem estar desatualizados.

http://www.agirazul.com.br/jorental.htm

 


Texto enviado para jornal da Região Sul Fluminense
 
 

PARATY-CUNHA

Gil Portugal

 Muitas vezes, atravessar uma estrada ou fazer uma ponte passando por áreas de proteção ambiental importantes é fundamental para alavancar o progresso para determinadas regiões. Todavia, cuidados especiais de caráter mitigador e compensatório devem ser tomados, a fim de que a necessidade imediata do homem fique em confronto equilibrado com a preservação do meio ambiente.

A ligação rodoviária do sul da Flórida, nos E.U.A., com o norte do estado se fazia, ou pelo leste, margeando o Oceano Atlântico, ou pelo oeste, margeando o Golfo do México. Entre os dois caminhos se lá estava a mais importante reserva biológica do estado, os Everglades, uma extensa região pantanosa riquíssima em flora e fauna.

Mesmo assim, os americanos ousaram atravessar de leste a oeste essa importante reserva com uma moderníssima estrada de rodagem federal, a chamada US 75.

Para se ter idéia das medidas mitigadoras adotadas para proteção da fauna: construiu-se dos dois lados da estrada um entelamento que não permitia que os animais adentrassem a estrada e de cada lado desse entelamento, um verdadeiro rio artificial de cerca de 10 metros de largura; não bastante e para permitir que os animais silvestres tivessem acesso ao outro lado do pântano, foram abertos túneis por sob a estrada de espaços em espaços. Como medida compensatória, às poucas comunidades indígenas locais foi permitido comercializar seus produtos em pouquíssimos pontos da estrada, não havendo qualquer outro tipo de serviço, como postos de gasolina, vendedores diversos ou outras facilidades para os viajantes, a não ser raríssimos pontos de parada para descanso (“rest áreas”).

Aqui no Brasil, o antigo caminho do ouro, aberto no fim do século XVll sobre uma antiga trilha dos índios Guaianás, foi uma das mais importantes portas de entrada para o interior do Brasil no período colonial. Era uma belíssima estrada calçada com pedras, por onde o ouro era transportado das Minas Gerais até Paraty e daí para o Rio de Janeiro, de onde era levado para Portugal. Dessa forma, esse caminho e Paraty fazem parte de nossa história.

O Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, aprovou o asfaltamento da estrada Paraty-Cunha que atravessa o Parque Nacional da Bocaina, num trecho de nove quilômetros, hoje, estrada de terra de péssima qualidade.

O trecho está em ambiente de relevo movimentado, possui corpos hídricos significativos e floresta ombrófila densa (Mata Atlântica).

A Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza cita, em seu Art. 11: “O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico”.

Todavia, por se tratar de estrada já aberta e tendo em vista forte apelo político do povo de Paraty que vê, na melhoria da estrada, um forte incremento para sua economia, mormente em função da redução de duas horas no tempo de viagem de turistas provenientes de São Paulo dando maior conforto e segurança na viagem, houve por bem o Ministro aprovar o asfaltamento.

A rigor, em todo estudo dessa natureza têm que se considerar os IMPACTOS POSITIVOS E NEGATIVOS que advirão do empreendimento, no caso, o asfaltamento da estrada.

Como positivos, poderíamos citar: a revitalização da economia do Município de Paraty, pela otimização do acesso de turistas à cidade; a melhoria na vigilância e fiscalização de desmatamentos e queimadas no interior do Parque Nacional e o incremento de pesquisas científicas de biodiversidade no interior do Parque Nacional.

Como negativos, citaríamos: o risco à fauna silvestre por atropelamentos em face do aumento de circulação e velocidade dos veículos; o risco de abertura de estradas vicinais futuras, a partir do trecho em questão, com possibilidades de assentamentos irregulares e o risco de incremento de comércios diversos (economia informal) ao longo do trecho em questão.

Nas restrições oficiais (ou obrigações a cumprir) são citados, entre outros, horários de circulação, capacidade de carga, índices de ruído, controle da qualidade do ar, níveis de emissão de gases veiculares; parâmetros, ao nosso ver, de difícil controle.

Para todos os efeitos, o início aprovado do asfaltamento já estava marcado para março de 2001 e só resta aguardar e ver no que dará. Esperamos que os impactos positivos superem em muito os negativos e que Paraty tenha sua sonhada estrada e desfrute com ela todos os benefícios que espera.

Ah! Só para aproveitar o embalo, recente reportagem na TV dá conta da calamidade que é o trato do lixo urbano no Município de Paraty, onde prevalece o lixão como forma de descarte. Não bastando a disposição de forma totalmente inadequada, ali se pratica a queima dos resíduos a céu aberto, causando enormes transtornos à população e às atividade turísticas daquela bela e histórica cidade.

 

Gil Portugal


Olá Bere e demais amigos,
 
Recebi um artigo publicado em um jornal de Campinas em 1996, escrito pelo nosso amigo Rubem Alves.
O título é muito instigador, principalmente para os estudiosos da história natural. Para quem não conhece Rubens Alves, provavelmente pensaria que esse artigo daria noções sobre o comportamento sexual das estrelas do mar, mas partindo de Rubem Alves, a gente pode esperar muito mais que isso. Ao ler o texto, ele nos mostra o quanto é importante a criança vivenciar o meio onde ela vive, explorando a "educação "dos sentidos.
Vale a pena conferir!.
Ah, só uma observação: as estrelas  do mar são unisexuadas
Um abraço
Valter

Crônicas de Rubem Alves

 

Sobre a vida amorosa das estrelas do mar

 

Dei-me conta, repentinamente, da existência de uma grave lacuna na minha formação intelectual e produção literária. Nada sei sobre a vida amorosa das estrelas do mar e jamais escrevi qualquer crônica sobre o assunto. A revelação dessa limitação me foi feita quando, chegando em casa, vi o meu filho Sérgio, pai de Mariana, às voltas com a Encyclopaedia Britannica. "O que você procura?", perguntei. Ele me respondeu com outra pergunta: "Pai, como é "estrela do mar" em inglês?"Respondi:"É starfish". Fiquei curioso sobre o interesse por esses animais tão distantes do nosso cotidiano. Afinal de contas, só muito raramente se encontra uma estrela do mar no caminho. Aí ele me explicou:" Nova pesquisa da Mariana.Ela deve descobrir a forma como as estrelas do mar se reproduzem."

Fiquei me assombrando e imaginei que a Mariana, minha neta de seis anos, deveria estar destinada a se transformar numa verdadeira enciclopédia quando tivesse a minha idade. Antes ela já tivera de fazer uma pesquisa sobre o tema "o que é política?" Agora, uma pesquisa sobre a vida amorosa das estrelas do mar. Invejei-a. Percebi logo que as crianças de hoje não são como as crianças de antigamente. Dei-me conta de que minhas idéias sobre a educação, tão esquisitas, devem ser fruto de um equívoco psico-biológico: sempre pensei por meio de analogias, pressupondo que as crianças são as mesmas, em qualquer tempo, e que para entender uma criança de hoje é preciso começar por entender a criança que fui ontem ( e ainda continuo a ser, secretamente). Assim, eu pensava, assim eu agia: via a minha neta através dos meus olhos de menino.

Eu estava errado. Quando eu era menino eu tinha o menor interesse na vida sexual das estrelas do mar, na verdade nem mesmo sabia que elas existiam. Estrelas do mar eram entidades distantes, não habitavam o meu espaço, e por não habitarem o meu espaço elas não existiam nem para o meu corpo nem para minha mente. Seria tolo, portanto, tentar ensinar-me algo seja da biologia seja da sexualidade, tomando como referência essas notáveis hermafroditas. E eu nem sabia o que era hermafrodita. Muito mais fascinantes eram as galinhas, que moravam no meu quintal, ciscando a terra, botavam o ovo, cacarejavam e eventualmente eram transformadas em canja. Que maravilhosos objetos de investigação, ponto de partida para reflexões biológicas, estéticas, ecológicas, econômicas, culinárias, religiosas, politicas, e até mesmo erótico-poéticas. Religiosas, porque foi um galo que anunciou a traição de São Pedro. Políticas, porque cada galinheiro é um espaço político, onde as aves mais fortes bicam as mais fracas. E erótico-poéticas, porque as galinhas, por seus hábitos sexuais promíscuos, se tornaram metáforas para as mulheres enfermas de furtor uterino, que são denominadas "galinhas" e daí o verbo "galinhar", que pode se aplicar também aos homens.

A gente aprendia por conta própria, movidos por uma curiosidade incontrolável. Só tardiamente descobri que meu pai era um mentiroso. Eu nada sabia sobre os fatos da vida, e perseguia os galos machistas que subiam nas costas da galinhas segurando-as pelas cristas. Perguntei ao meu pai por que os galos assim batiam nas galinhas e ele me respondeu que, com certeza, era punição por alguma malcriação que tinham feito. Acreditei. Continuei a perseguir os galos. A cena está absolutamente clara na minha mente, como se fosse agora: eu agachado diante de um ninho onde uma galinha se esforçava por botar um ovo: imóvel, não se perturbava com a minha proximidade, olhos arregalados, o esforço era demais, en orifício traseiro, róseo, o ovo que aparecia. Como profecia de um médico que não fui, eu fazia o "toque" para ver se faltava muito. Botado o ovo, eu o levava triunfante para a cozinha, onde o feto seria transformado em ovo frito. Havia, também, as moscas que voavam acopladas, em maravilhosa sincronia olímpica, na felicidade singular e poética de copular voando, graça que aos seres humanos é dada em ocasiões muito especiais, quais sejam, na conjunção dos astros, em eclipses de lua, aos som do uivo dos lobos ou quando os amantes riem enquanto fazem amor. E havia também os cachorros, enganchados na mais ridícula das posições, um resfolegando, língua de fora, olhando para o norte, o outro resfolegando, língua de fora, olhando para o sul, o que nos fazia supor que os sexo era coisa ridícula, que não devia ser feito com a mulher amada,santa e pura.

A gente aprendia olhando e pensando os objetos qaue habitavam o mesmo espaço que nós. E foi assim que eu, equivocadamente, elaborei meu princípio pedagógico fundamental: a aprendizagem acontece no espaço habitado, espaço onde criança,

sensações, sentimentos, bichos, coisas, ferramentas, cenários, situações, pessoas e atividades acontecem e formam um mundo. Com os objetos do cotidiano, a gente não precisava de enciclopédia para fazer pesquisa. Pesquisa se fazia com os cinco sentidos e a curiosidade.

Percebi, então,que estou fora da moda. Também pudera! Não ando na companhia daqueles com que os educadores andam. Nâo lemos os mesmos livros. Com a idade passei a ler pouco. Se me criticarem por esse pecado acadêmico, direi que devem criticar também Bernardo Soares e Nietzsche.Acho que qualquer aluno de mestrado tem mais informações sobre a bibliografia recente de educação do que eu. Desconfio da leitura. Ela pode ( notem bem, eu só disse "pode") produzir a cegueira. Isso se torna claro na universidade, que é o lugar onde se encontra a maior concentração de cegos que eu conheço. Perdão, a minha mania de exagerar!Não é que sejam cegos. É que os olhos deles só vêem o que está escrito nos livros. Se a gente pedir para os moradores da universidade fazerem um trabalho sobre coisa complicada, sobre a qual existe uma bibliiografia, tudo bem; eles fazem. Mas se a gente pedir para fazer um trabalho sobre aquilo que estão vendo, eles ficam paralisados.Prá ver, eles precisam de ter uma citação. Schopenhauer chama a atenção para esse fato: que para ler é preciso parar de pensar os próprios pensamentos para pensar os pensamentos de uma outra pessoa. O que é bom, até um certo ponto, e horrível, depois dele, pois então desaprendemos a alegria de ter nossos próprios pensamentos. Diante de um pensamento escrito num livro , um pensamento simplesmente pensado na cabeça aparece como coisa insignificante, sem valor.

E o que aconteceu comigo foi que, ficando velho,dei-me conta de que os anos que me restavam não me davam tempo para acompanhar a literatura que se produzia sobre a educação. Parei de ler e tratei de gozar e cuidar dos meus próprios pensamentos sobre o assunto – que nada têm de científico, pois não se baseia em estatísticas. As tartarugas caminham solidamente sobre o chão. A vantagem é que não correm o risco de quedas. Tartarugas não quebram pernas. A desvantagem é que são míopes, vêem quase nada do mundo. Já as águias, correndo o risco das alturas, acham que o risco da queda vale a pena, pois lá de cima, sem pés no chão, se vê muito mais longe e muito mais bonito. Segundo o que penso, e seguindo minha filosofia da aprendizagem, inspirada na cebola, coisa que explicarei em ocasião futura, se Deus não pensar o contrário, o corpo aprende apenas aqueles coisas com as quais ele está em contato. A aprendizagem é uma função do viver. A gente aprende para sobreviver e para viver melhor, com alegria. Mas a vida tem a ver com a relação direta do corpo com o meio. Por isso, a aprendizagem começa com os sentidos: o ver, o ouvir, o cheirar, o tocar, o gostar. Para os que só pensam com o auxilio de citações: Magister dixit! Asssim falou Marx, que a tarefa da história é a educação é a educação dos sentidos!".

Confesso não saber o que Mariana vai fazer com as informações sobre a vida sexual das estrelas do mar, seres ausentes do seu mundo. Acho que ela aproveitaria mais se estudasse sobre os seres que vivem no seu espaço: galinhas, cachorros, moscas, gatos, coelhos, homens e mulheres. Mas, como eu disse: estou de fora de moda. Tudo mudou. As crianças de hoje não são iguais às de antigamente..........


O Ensino da Educação Ambiental

A Educação ambiental realiza-se através de dois tipos de processos:

Em nível formal, na rede escolar, só agora a E.A. está sendo realizada mais continuamente, muito embora venha consistindo na apresentação de alguns tópicos informativos em algum momento da disciplina de Ciências (1° grau) de Biologia (2° grau), mais freqüentemente quando são apresentados os conteúdos de Ecologia. Ora, em vez de ter um caráter meramente informativo, a EA deveria desenvolver hábitos, atitudes e comportamentos que propiciassem a formação, no alunado, de uma cultura eminentemente ativa na defesa de um meio ambiente saudável ou do uso dos recursos naturais não - renováveis. Mais ainda, esta cultura antipredatória também deveria desenvolver, nas comunidades, a capacidade de repensar seu processo de desenvolvimento, corrigindo distorções e propondo inovações que garantam o desenvolvimento, sem comprometer, irremediavelmente, as condições ambientais.

Por outro lado, a Educação Ambiental vem tendo um caráter essencialmente informativo, que não propicia a verdadeira compreensão dos fenômenos estudados. O programa é extensivo, levado a cabo de forma detalhista e, freqüentemente, exige do aluno processos contínuos de memorização. Os fenômenos abordados parecem não ter relações entre si e pouco é mostrado de sua inserção na vida do jovem estudante. Tudo isso faz com que o estudo seja algo muito pouco interessante para o aluno, assim como para o professor.

Educação Ambiental : Desenvolvimento Sustentável e desenvolvimento Científico

Desde a Conferência Mundial do Meio Ambiente da ONU, realizada em Estocolmo, em 1972, que a Educação Ambiental (EA) é concebida como um processo interdisciplinar contínuo e permanente, escolar e extra-escolar que deveria ter em conta a totalidade da problemática ambiental, isto é, incluir os fatores ecológicos, políticos, tecnológicos, sociais, legislativos, culturais e estéticos.
Portanto, a EA não deveria ficar restrita às ciências naturais. Tal concepção norteou a formulação pela UNESCO, em 1978, dos objetivos da EA, que em linhas gerais, são os seguintes:

Assim sendo, a ação em EA deve dar-se através da integração de componentes informativos - relativos a conhecimentos da ciências naturais (biologia, física e química), sociais (geografia, história, economia, direito, sociologia, antropologia) e tecnológica – e componentes formativos, como conscientizar , desenvolver atitudes e estimular a participação dos indivíduos e das comunidades.

Os países subdesenvolvidos não deixam de, junto com os países desenvolvidos,reivindicar um desenvolvimento sustentável, isto é, promover a preservação do meio ambiente, de modo a assegurar às gerações futuras o usufruto de recursos naturais necessários à sua sobrevivência.No entanto, o desenvolvimento ecologicamente sustentado não foi ainda assimiladopelos programas de Educação Ambiental, que continuam:

Quais são as condições para o desenvolvimento sustentável?

O desenvolvimento sustentável é uma questão de puro bom senso, não há como discordar do conceito.
Porém, sua aplicação no dia-a-dia exigirá mudanças na produção e de consumo, em formas de pensar e de viver.
A propósito, é urgente encontrar soluções para algumas questões de gravidade:

Embora não exista ainda um roteiro definido e acordado por todos os países e pelos vários setores da sociedade, algumas ações estratégicas são necessárias à transição rumo ao desenvolvimento sustentável;

Assim sendo, o governo e sociedade devem interferir no processo educativo, formal e informal, assim como na gestão do bem público para o desenvolvimento sócio-econômico, hoje, sem dúvida, dependente da educação e da ciência e tecnologia, associadas à preservação ambiental.
A Conferência do Rio, em 1992, produziu 5 documentos que podemos considerar fundamentais ao conceito de desenvolvimento sustentável, que são: Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento ou Carta da Terra; Declaração Sobre Florestas; Convenção Sobre diversidade Biológica; Convenção Quadro Sobre Mudanças Climáticas; e a Agenda 21, amplo programa de ação com a finalidade de dar efeito prático aos princípios aprovados na declaração do Rio.

Ficam assim evidentes os motivos que levam à formulação de uma Educação Ambiental que não seja exclusivamente conservacionista e informativa de conteúdos, principalmente biológicos. Mas sobretudo, que se torne formadora de hábitos, atitudes e comportamentos que identifiquem, formulem propostas e atuem no sentido da preservação do meio ambiente.
A EA volta-se para criação de condições de sobrevivência futura da humanidade.
Esta só sobreviverá com justiça para todos os homens e povos, se souber promover o seu desenvolvimento sócio-econômico eqüitativo e integrado à preservação do meio ambiente, ou seja, atingindo às nações pobres e ricas do globo terrestre. Para tal, dependerá de desenvolver-se científica e tecnologicamente, em novas bases culturais, especialmente seguindo uma nova ética social e ambiental que tenha repercussões econômicas.

Seus processos educacionais não podem deixar de integrar componentes reformativos em todos os ramos do conhecimento, com componentes formativos de novos hábitos, atitudes e comportamentos em relação ao meio ambiente e aos modelos de desenvolvimento adotados.

Educação Ambiental e interdisciplinaridade

A Educação Ambiental é, portanto, uma consciência crítica e um propósito estratégico. É você fazer prevalecer o qualitativo sobre o quantitativo. É resgatar a harmonia na medida em que propõe uma disposição bem ordenada em partes de um todo.

Harmonia é uma ordem autônoma e não imposta. É fazer imperar a noção de equilíbrio sobre o desequilíbrio sistêmico produzido pelos "máximos": o máximo do consumo, o máximo da produtividade, o máximo do prazer e o máximo da fruição aqui e agora. E o que dizer da ética e da estética, valores que emprestam complexidade ao cálculo econômico de uma equação simplificada pelas relações custo X benefício? A racionalidade ambiental capaz de enfrentar a vulnerabilidade deste novo ator chamado ECOCIDADÃO que bebe a água que não sujou; respira o ar que não poluiu; é vítima da chuva ácida que não produziu; sofre com a mudança de clima que não provocou, enfim, é a um só tempo um cidadão emblematicamente global e profundamente frágil.

Tomando emprestado o conceito do professor Cristovam Buarque, podemos dizer que a humanidade está colocada diante de uma "esquina civilizatória". Tem que escolher um rumo na direção de um novo projeto. O ser humano tem sido capaz de acumular riquezas em escala inimaginável. Esta é a coluna contábil do ativo. Do outro lado, na coluna do passivo, encontramos dois registros dramáticos: o que demonstra custo ambiental expresso pelos indicadores da degradação dos recursos naturais e outro que revela um cruel custo social expresso pelo contingente majoritário de excluídos.

A engenharia econômica ainda não teve forças para destruir e preservar. O resultado é que o luxo da minoria se sustenta sobre as bases frágeis dos lixos que afetam a maioria: o lixo ambiental e o lixo social, segundo Leonardo 80ff; "No imaginário dos pais fundadores da sociedade moderna, o desenvolvimento se movia para dois infinitos: o infinito dos recursos naturais e o infinito do desenvolvimento rumo ao futuro".
Em outras palavras, a humanidade caminhou e caminha com velocidade numa rota de colisão. E aí chega à esquina civilizatória, surge a bússola do 3° milênio: o surgimento de uma nova consciência universal.

A INTERDISCIPLINARIEDADE, metodologia do óbvio, por inerente à natureza humana, é uma das regras de ouro da nova racionalidade ambiental e, assim, perpassa as ciências naturais, a sociologia, a antropologia, a geografia, o urbanismo, o direito, a economia, a política e todos os ramos do conhecimento humano.
Valores, saberes e métodos atrelados à solução de problemas concretos são duas pontas ou dois sentidos que Thomas Kuhn chama de paradigma. O novo paradigma é o anúncio de uma nova cultura, a cultura ambiental, a ser tomada pelo homem, incorporada pela sociedade, vivida como símbolo e como suporte para uma existência com significação.
A abordagem interdisciplinar, portanto, é global, holística, histórica e radical, na medida em que se compromete com o acontecer contemporâneo, com suas problemáticas e suas angústias.

Voltada para a experiência humana, a maior preocupação nesta abordagem é mantê-la como algo natural, pois a integração do conhecimento, meta maior dessa proposta, é algo simples e espontâneo no processo do conhecimento, visto que o real é uno e não fragmentado. Percebe-se isso pelo conhecimento do senso comum, o das pessoas simples, que sempre têm uma lógica interna onde o saber se integra. O saber erudito é que, por ser elaborado, nem sempre tem essa lógica, esse sentido e essa coerência.
Por isso, a abordagem interdisciplinar tem de ser um espelho da naturalidade e da expressão do verdadeiramente humano resgatado em forma de método.
As tentativas interdisciplinares na educação brasileira constituem um movimento que, segundo Ivani Fazenda, na três últimas décadas nos indicou:

Texto Extraído do Documento: Água Presente - Metodologia Transversal para Temas Ambientais - CAESB - DF .

http://www.bahiaplanet.com.br/ecologia/ensino.htm


Mensagens enviadas até o dia 30.07.01

Projeto Apoema - Educação Ambiental

www.apoema.com.br