InformaLista
O Informativo da lista “Educação
Ambiental”
Alguns textos apresentados na Lista de Discussão do Projeto Apoema - Educação Ambiental (Antigo Projeto Vida – Educação Ambiental)
Os textos não passaram por
revisão ortográfica, portanto, podem haver erros.
Esse é um dos desafios da Ecopedagogia. Para nós, sustentam Gutiérrez e Prado [1999], educar é “impregnar de sentido” as práticas, os atos cotidianos. Nisso, a atuação do educador tem a dimensão ética do seu “quefazer”. A ética nesse sentido, é a própria essência do seu quefazer, e não apenas mais uma coisa mais um conteúdo, disciplina ou conhecimento a acrescentar no “quefazer” educativo.
“Educar-se é impregnar de sentido as práticas da vida cotidiana “Francisco Gutiérrez o cidadão crítico e consciente, para Gutiérrez, é o que compreende, se interessa, reclama e exige seus direitos ambientais aos setores sociais correspondentes, e que também individualmente exerce sua própria responsabilidade ambiental.
A cidadania ambiental compreende as obrigações éticas que temos e que nos vinculam à sociedade como aos recursos naturais do planeta, tendo em perspectiva, desenvolvimento sustentável, cita Gutiérrez.
A comissão da Organização
das Nações Unidas para o Meio Ambiente criou um programa chamado Cidadania
Ambiental Global, tido a partir da necessidade de contar com um cidadão
comprometido com uma profunda mudança de conceitos, valores, e mentalidade
sobre o Meio Ambiente, para promover a compreensão dos direitos e
responsabilidades cidadão referentes ao meio ambiente no intuito de mobilizar ações
voluntárias em todo os níveis sociais. O programa sustenta que a formação de
uma cidadania ambiental é um componente importante e estratégico do processo
de construção da democracia.
“Nunca
duvide que um pequeno grupo de cidadãos preocupados e comprometidos possa mudar
o mundo, de fato, é só isso que o tem mudado”.
Margaret
Mead
[Apud
Gutiérrez op.cit.]
Os educadores devem fortalecer o papel estratégico na formação de crianças e jovens, incorporando valores humanistas e ambientais.
“Cidadania planetária é uma
expressão que abarca um conjunto de princípios, valores, atitudes e
comportamentos, e demonstra uma NOVA PERCEPÇÃO da Terra, como uma única
comunidade”.
A cidadania planetária reconhece a indissociabilidade da civilização planetária e da Ecologia. A Terra é “Gaia”, um super organismo “vivo” e em evolução , isto é, precisa ser tratado como um ser vivo e inteligente.
Alícia Barcena, [apud Gutiérrez,
1999 p.13], diz que no movimento ecológico o local e o global se interligam,
por isso a cidadania ambiental e planetária. Ex. a floresta amazônica
derrubada, não é apenas um fato local, é um atentado à cidadania planetária.
Leonardo Boff, [apud Gutiérrez,1999],
declarou que:
“Meu
novo paradigma é a Terra vista pelos astronautas: os homens vistos como única
comunidade”.
Educar para a cidadania planetária
supõe o reconhecimento de uma comunidade global, de uma sociedade civil planetária;
que precisa que se trabalhe pedagogicamente a partir da vida, do dia a dia, do
cotidiano, a partir das necessidades e interesses das pessoas.
[1]Moacir Gadotti, na apresentação do livro de [2]Francisco Gutiérrez [1999], ressalta que esse autor considera que educar para a cidadania planetária supõe o desenvolvimento de novas capacidades, tais como: “vibrar emocionalmente”, “inter-conectar-se”, e “pensar em totalidade”.
É nesse sentido que a
Ecopedagogia é a pedagogia que promove a aprendizagem do sentido das coisas a
partir da vida cotidiana. É uma pedagogia democrática e solidária, porque,
encontramos nela, sentido ao caminhar, e não apenas observando o caminho.
Os ecologistas tem argumentado
que quem sofre com os efeitos da degradação ambiental são os mais pobres, que
não podem proteger-se, fugir da poluição urbana para casas de campo, que
moraram em ribanceiras que despencam - tipo ao pé de serras e montanhas,
embaixo de linhas de alta tensão, em charcos e lugares alagadiços, etc.
As pessoas e o planeta, então
serão, para ele, salvas no mesmo projeto de futuro da humanidade, e, essas são
tarefas indissociáveis.
O lançamento de , “Ecopedagogia”,
é mais um volume da série “guia da Escola cidadã, e com o tema da cidadania
planetária dá continuidade ao trabalho que o Instituto Paulo Freire tem feito
em torno da “carta da Terra” que na ECO 92 foi lavrada, sob os dizeres:
Carta
da Terra - ECO 92:
“A
terra é uma só nação, e os seres humanos, seus cidadãos”.
Para Gadotti, conseguir isso
depende de um processo educativo.
O referencial teórico da
Ecopedagogia é:
-
“Mais que uma lógica racional, hierarquia e dominante, requeremos uma lógica
relacional, flexível, intuitiva e processual.”
-
“A harmonia Ambiental supõe tolerância, respeito, igualdade social,
cultural, de gênero e aceitação da biodiversidade.”
Os anciões e sacerdotes indígenas
de [3]“Amerika
reunidos”, em novembro de 1995, na Guatemala declararam:
“A
humanidade encontra-se na mais importante encruzilhada
de sua História como espécie. É
tempo de proteger a harmonia ambiental de nosso mundo”.
Gutiérrez
[1999]
Rompemos o equilíbrio natural,
e, se não o recuperarmos com urgência, arcaremos com as suas conseqüências:
estamos jogando com a sobrevivência de nossa espécie!
A
vida dos indígenas, dos maias, assim como a de muitos outros povos antigos, são
testemunhas históricas da consciência planetária: sua vida cotidiana, seu
trabalho, celebrações, sua visão da divindade e da morte, e sua produção
artística e científica o
comprovam. Desde tempos ancestrais,
vivem a dimensão cósmica que hoje nós ansiamos.
“precisamos
falar com a Terra, compreendê-la, experimentá-la. E participar de seu futuro,
ser parte integrante dela mesma. Temos que chegar à consciência plena de estar
vivendo planetariamente”.
Gutiérrez[1999]
Como
conseqüência de que a Terra é nosso planeta, chegamos à comprovação diária
de que temos de viver e conviver em e
com a Terra, como disse
[4]
Morin.
A questão ecológica é tratada no âmbito da ética e da espiritualidade na Educação Holística. Sob esse enfoque tem sido chamada de ecologia profunda; conceito ainda muito novo para a maioria dos educadores ambientais. Cardoso apud Capra 1993:11, diferencia o ambientalismo superficial da ecologia profunda. Essa não só estuda a natureza física, mas também envolve o homem em suas dimensões sociais e psíquicas.
Uma das especificidades da
educação holística é que ela tem como preocupação fundamental o futuro da
humanidade e de todas as outras formas de vida do planeta Terra
[p. 47].
A nova Educação deve fazer eco com as angústias e com as esperanças dos homens nesse final de século, por isso, precisa obrigatoriamente, dar amplo espaço à Educação Ambiental dentro da perspectiva da “ecologia profunda”.
PCNs e Ciências no Ensino Fundamental: O ensino de Ciência na Educação Infantil e nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental, tem sido incrementado, ultimamente, apesar de haver algumas linhas de pesquisa contrárias a isso, de modo que cabe aqui a pergunta: Porque ensinar Ciências na Escola Fundamental ?
Fumagalli, Laura, apud
Weissmann, Hilda Didática das Ciências Naturais, defende o ensino de Ciências
no Ensino Fundamental porque:
-
É direito das crianças aprender Ciências;
-
É dever social da escola Fundamental distribuir conhecimentos científicos ao
conjunto da população;
-
O conhecimento científico tem valor social.
Existem
temas já consagrados, como água, poluição, energia, máquinas, culinária,
etc., que podem ser abordados relacionando-se com os aspectos sócio-culturais,
e são facilmente relacionáveis à Educação Ambiental.
Tópico dos
PCNs: Ser Humano e Saúde: Os conteúdos do bloco temático dos PCNs
[Ser Humano e Saúde] para o ensino de Ciências nas séries iniciais,
podem ser abordadas juntamente com os temas transversais, pois permitem muitas
inter-relações.
Os
PCNs colocam ainda, nesse documento sobre ser humano e saúde que se enfatize a
mudança de hábitos culturais e comportamentos que favoreçam a saúde.
Condena,
inclusive, o grande hábito brasileiro da automedicação, o jogar lixo em
terrenos baldios, o descuido com a higiene pessoal e a discriminação de
pessoas por diferenças culturais raciais, recomendando que esses temas sejam
trabalhados na escola.
Quanto ao SER HUMANO E SAÚDE, a concepção que orienta a abordagem do tema é a que interage com o ambiente, devendo ser visto como um todo dinamicamente articulado, onde cada sistema, aparelho, serve para a manutenção do organismo todo. É justamente o relacionamento entre as diversas funções no corpo humano que assegura a integridade do corpo e forma sua totalidade.
As interações com o meio ambiente e a satisfação ou não das necessidades biológicas, afetivas, sociais e culturais formam os registros no corpo humano.. Por isso se diz que o corpo reflete a história de vida da pessoa. É importante para a criança, associar o conhecimento sobre o corpo humano com um melhor conhecimento de seu próprio corpo, com a necessária atitude de respeito e apreço pelo seu próprio corpo e pelas diferenças individuais. Essa é uma idéia que anima a noção de “Ecologia do Corpo”. A carência nutricional, afetiva e social, por exemplo, interferem na arquitetura e no funcionamento do corpo humano, marcando-o. Cada corpo é único, mas também tem padrões estruturais comuns que identificam a espécie. Há necessidades básicas gerais e individuais.
Incluímos
em nosso trabalho os seguintes comentários sobre alimentação e os PCNs,
porque julgamos ser esse um tema de importância relevante na educação e é
concernente ao tema Ambiental que estudamos nessa pesquisa, pela perspectiva holística
de nossa abordagem.
É
louvável a orientação que os parâmetros curriculares nacionais estão
colocando sobre alimentação. A
alimentação é uma necessidade biológica. Todos têm necessidade de consumir
substâncias alimentares PURAS fundamentais à construção e ao desenvolvimento
do corpo.
Hoje
porém, é a mídia que tem se incumbido de ditar a alimentação, pela
propaganda. É muito importante ficar alerta às ciladas que a propaganda prega.
O consumo é o objetivo principal, ainda que haja o comprometimento da saúde da
população. As pesquisas trazem dados alarmantes. O problema de coleosterol
alto, por exemplo, não é mais só dos adultos, mas também das crianças. E não
se trata de casos esporádicos!... O
motivo é o consumo de sanduíches e doces no lugar de refeições com verduras,
cereais e legumes.
O
desenvolvimento de uma consciência alimentar vital, física, biológica e crítica
no aspecto mental/intelectual, é necessário. É essencial o estabelecimento de
uma cultura contra o desperdício de alimentos, o aproveitamento das partes
comumente desperdiçadas, de plantio coletivo de hortas e árvores frutíferas,
etc.
Tem sido lugar comum na nossa cultura isolar o corpo humano das interações com o meio, ou apenas encará-lo como entidade física. Essa idéia, felizmente vem se modificando, e hoje o corpo não mais é concebido só como máquina, mas como um conjunto de sentimentos, emoções, que, junto com os aspectos físicos formam as dimensões de um corpo todo individual e inseparável.
Segundo Capra [1982, p. 126], a medicina científica teve brilhantes “insights” dos mecanismos íntimos do corpo humano e desenvolveu tecnologias num impressionante grau de complexidade e sofisticação, mas apesar desses grandes avanços da ciência médica, estamos hoje assistindo a uma profunda crise da assistência médica na Europa e América do Norte. O descontentamento é generalizado, por falta de simpatia e solicitude, negligência, imperícia, etc., mas principalmente pela impressionante desproporção entre o custo e a eficácia da medicina moderna. Apesar do considerável aumento nos gastos com saúde nas últimas décadas, dos pronunciamentos médicos acerca do valor da ciência e tecnologia, a saúde da população não parece ter apresentado melhora significativa. Algumas doenças, isoladamente, foram erradicadas, mas isso não restabeleceu necessariamente a saúde. A quantidade em saúde e bem estar físico e mental não pode ser mais importante do que a qualidade, e lamentavelmente o é, na maioria das estatísticas e análises.
O autor cita, ainda nesse capítulo sobre saúde, Lewis Thomas, presidente do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center: “ Estamos, aproximadamente, com a mesma lista das principais doenças mais comuns com que o país se defrontou em 1950, e embora tenhamos acumulado um notável acervo de informações acerca de algumas delas nesse meio tempo, tal acumulação ainda é insuficiente para permitir a prevenção ou a cura completa de qualquer uma delas”.
A falta de
“validade ecológica”, é um fator
que muito contribui para a falta de ética nas ciências de modo geral. As
pesquisas são ficticiamente distorcidas em laboratórios em inúmeros casos, ou
os dados são manipulados com parcialidade, por interesses financeiros, etc.
“Ecologia
não é caso de polícia.
Nunca
haverá um fiscal para cada empresa que deixe vazar lixo químico irregularmente
ou para cada pessoa que jogue lixo na praia.
O desafio é mudar as mentalidades, os comportamentos.
A base é a educação ambiental em toda sua plenitude”.
[5]Minc
[1997]
O ambiente é uma unidade.
Precisa ser compreendida de forma inteira.
O conhecimento inter e transdisciplinar
é o que pode melhor assimilar o equilíbrio DINÂMICO inerente do ambiente,
diz Guimarães [1995].
“O
mundo é superpovoado e as cidades substituem com seus atrativos artificiais a
beleza natural, e o homem corre risco de sufocar-se em seu próprio lixo.
Os lagos e o mar, inevitavelmente poluídos.
O ar está irrespirável em muitas cidades e o lixo urbano e industrial
acumula-se por toda parte. As
pragas ceifam os campos agrícolas e os agrotóxicos utilizados para impedir sua
proliferação concorrem para o aumento da poluição das águas e o
envenenamento da população.”
Gonçalves,1984
[apud
Guimarães, 1995. p.12]
A idéia de a natureza está aí para servir, ser usada pelo homem é muito arraigada. Vem desde os primórdios dessa civilização. Como mudar essa visão antropocentrista, tão enraizada em nossa mente ? Como reatar o “nó” que ligava nossos ancestrais à Natureza? Pela Educação Ambiental poderemos proporcionar esse “encontro” do homem com a Natureza novamente. Isso significa que toda e qualquer atividade que ajude o educando à perceber sua relação com o mundo que o cerca, é uma “Educação Ambiental”.
A mentalidade preservacionista
precisa surgir, e só será realidade quando, diz Candau et alli [1996.p.71],
o indivíduo perceber, por ele mesmo, seu papel nesse processo. Fornecer
elementos para que ele consiga essa percepção é a tarefa da “Educação
Ambiental”. O conceito de
“Viver em harmonia com a Natureza” garante a sobrevivência do homem
enquanto espécie e precisa estar embutido na cabeça de todas as pessoas no
futuro. E o futuro começa a ser construído agora, dizem os autores deste
livro, Tecendo a Cidadania.
Baseados
em [6]Neiman,
Z. eles dão o seguinte recado:
“
Você acaba de se meter numa enrascada. Ou ajuda, com seus conhecimentos a
evitar a destruição de nossos ecossistemas ou se torna conivente com ela”.
É comum o sentimento de impotência,
ante as questões ambientais, especialmente por parte dos jovens e
crianças. Mas é importante
que se incuta neles que a grandiosidade da questão não nos pode paralisar. Ao
contrário, deve nos estimular a agir. Então, Candau et alli,
colocam que podemos
mostrar ao aluno, que só o
fato dele ter a disposição de começar a respeitar a natureza,
sair plantando árvores, jogar o lixo só nos lugares corretos, tentar
reciclar e diminuir seu lixo, ajudar
seus pais não comprarem móveis ou imóveis que destruam o Meio Ambiente, etc.,
já é um grande trabalho em prol da conservação do Planeta.
Alguns povos, até hoje [[7]poucos], se relacionam com a natureza, com seu meio natural, com muito respeito. E outros, que se dizem “mais progressistas” e evoluídos substituíram esse respeito por um “aproveitamento” irracional dos recursos naturais, que nos levou à atual crise ambiental, por saque e apropriação indevida. A magnitude da crise é enorme.
A visão desenvolvimentalista, reducionista, estreita, do nosso Planeta Terra desconhece a dimensão ampla do desenvolvimento sustentado, que se fundamenta numa base ecológica, que vai além do sentido das preocupações imediatistas sobre o meio ambiente. E aí Gutiérrez cita que a ecologia pode ser superficial, quando está simplesmente ostentando a bandeira “do verde”, do ambientalismo superficial, ou pode ser ética, “Profunda”, fazendo analogia com as colocações do capítulo inicial deste trabalho, baseado em Cardoso [1995] - quando vai além das preocupações imediatas de proteção ao meio ambiente - que apenas procuram controlar e gerir mais eficientemente os recursos naturais em “benefício do homem”, egocentricamente.
O movimento da ecologia de Gutiérrez é centrado na ética, [analogamente à ecologia “profunda” de Cardoso, Capra, Weil, e outros autores]. Há o reconhecimento de quando o equilíbrio ecológico exige uma série de mudanças profundas em nossa percepção do papel que o ser humano deve desempenhar no cenário, no ecossistema planetáro.
Para vislumbrar essas
possibilidades é preciso revalorizar práticas antigas de nossa realidade
cultural e aceitar as [8]“premissas
fundamentais sobre a vida e o Universo das antigas tradições religiosas junto
às descobertas da física moderna de Einstein, pois ambos se apóiam
mutuamente”.
[1]
DIRETOR
GERAL DO INSTITUTO PAULO FREIRE
[2]
“Ecopedagogia e Cidadania Planetária”,1999.
[3]
Reunião de Anciões e sacerdotes indígenas de Amerika. Guatemala,
14-24.11.95. Fotocópia. In Gutiérrez [1999]
[4]
M.R; Morin, Edgar, e Brigittekern, Anne. Terra
Pátria. Barcelona, Kairós,
1993
[5] na contra capa de seu livro Ecologia e Cidadania. [1997] Ed. Moderna.
[6] Neiman, Z. Era Verde ? Ecossistemas Brasileiros Ameaçados. Ed. Atual. Série Meio Ambiente. S.Paulo, 1989, p. 91-98.
[7] Poucos: Observação da autora da pesquisa .
[8] Kuiten brouwer, Joost. Génesis y dinâmica psicossocial de la acumulación en Occidente y sus implicaciones para la justicia socialy los derechos humanos. Santiago de Chile, CEAAL, 1987.
Para a monografia na íntegra: http://www.nlink.com.br/~luzsaber/
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Paulo Roney Ávila Fagúndez
2. Ética
..............Tugendhat chama a nova
ética de ética da compaixão. Nela estão envolvidas as questões
pertinentes aos animais, às crianças e à vida pré-natal. Alguns
autores aludem a uma ética de tolerância, ou a uma ética de compaixão,
que tenha por objetivo permitir o convívio harmônico entre todos os
seres vivos do universo.
..............A ética não é apenas
uma possibilidade. É o caminho que temos pela frente para que
possamos compreender a vida e humanizá-la. É o reconhecimento
de que a caminhada não é possível sem solidariedade, sem o que o
outro seja visto como parte imprescindível para que tenhamos uma paz
relativamente estabelecida.
..............O que se busca é a
justiça.
..............O que se quer não é uma justiça formal, mas uma justiça vital, integral, verdadeira. Se o que a humanidade quer um ser mais equilibrado para produzir uma sociedade harmônica, obviamente que deve mudar o modelo educacional preconizador do individualismo e da competitividade. 3. Subjetividade
..............Assim, o que se verifica
é que a visão que se tem hoje está fundada no pensamento do século
XVI e, na melhor das hipóteses, no século XVII. Naquele momento
ocorreu, sem dúvida alguma, um grande avanço. Passou-se, no plano
político, do princípio do poder divino sobrenatural, para o princípio
da soberania popular. Deus não mais explicava tudo. O homem, através
da racionalidade do método, poderia trazer explicações para os fenômenos
naturais. Poderiam ser estabelecidas mansamente relações de
causalidade.
..............Os orientais reconhecem
que os hábitos alimentares, enfim, que os hábitos de vida são
extremamente importantes para que possamos conviver harmonicamente em
sociedade. O corpo individual se reflete no corpo social. O corpo
social se reflete no corpo individual. O reconhecimento da
subjetividade, em última análise, é o reconhecimento da capacidade
do ser humano de ser humano, de amar e odiar, de construir e
desconstruir a realidade a cada instante, a partir do princípio da
incerteza que rege tudo e todos, e que reconhece a indeterminação da
vida e a busca de verdades relativas a cada instante. 4. Cidadania
..............Precisa-se, pois, com
urgência superar a cidadania liberal, que tradicionalmente integrou
nossa realidade política, para que possamos atingir uma ecocidadania,
que não veja o indivíduo dentro de determinados limites
territoriais, mas como integrante do planeta terra, comprometido como
o universo. A questão ambiental, indiscutivelmente, contribuiu para
que houvesse o despertar de uma consciência ecológica na humanidade.
Assim, a vida é o objeto de reflexão em qualquer parte da terra.
..............Para que tenhamos uma
cidadania verdadeira há necessidade de romper com o modelo liberal
que ainda vigora entre nós.
..............Trata-se, na verdade, de
uma sociedade que se olvidou da humanidade e que lançou também as
mulheres, seres divinos, nos jogos de poder. O que tem levado mais as
mulheres a contraírem doenças, até há algum tempo atrás, próprias
dos homens, como infarto do miocárdio, por exemplo.
..............Como se pode ser cidadão
governado pela ditadura de fragmentação do conhecimento? Vivemos o
mundo dos especialistas, que cada vez sabem mais de uma parte cada vez
menor do universo. O que se quer é o controle de um fragmento cada
vez menor da vida. É claro que disso decorre a incompreensão e o
afastamento do ser humano da natureza.
..............A doença surge como uma
possibilidade de crescimento, como um obstáculo que contribui para
que possamos despertar a consciência de que o desequilíbrio é
fundamental para a manutenção do relativo equilíbrio.
..............O novo cidadão não se
preocupa apenas com os seus problemas, ou com os problemas do seu
Estado-nação. Vê a humanidade como a sua família e o universo como
seu lar. Tudo o que atinge o planeta terra lhe atinge. Os problemas
mundiais são os seus problemas. O destino do universo lhe diz
respeito.
..............Impõe-se questionar a
cidadania masculina que, no Brasil, se estendeu até o advento do Código
Eleitoral de 1932 e a Constituição de 1943.
..............Não resta outra
alternativa para a humanidade: ou se resgata a ética holística, que
consiste num compromisso com os homens, animais e plantas, ou não se
terá o futuro. 5. Considerações finais 6.Referências bibliográficas: 1.ANDRADE, Vera Regina Pereira de.In: SILVA, Reinaldo Pereira e,
org. Holismo e a garantia dos direitos fundamentais. Os direitos
humanos como educação para a justiça. São Paulo: LTr, 1998. |
RIO DE JANEIRO - Mais uma vez o Rio é afrontado por uma
onda de crimes praticados por policiais militares. As corregedorias e as próprias
iniciativas punitivas do governo comprovam que os atos de bandidagem são
rotineiros. Mas há momentos, como agora, em que explodem de forma tão violenta
e tão ousada que evidenciam a falta de rédeas na PM.
Não se pode dizer que o governo do Estado seja omisso. É muito grande o número
de policiais expulsos -acusados de extorsão, de sequestro, de abuso de
autoridade e de outros crimes.
A frequência das arbitrariedades fragiliza a PM diante da opinião pública. E
esse é um dos fatores que explicam a rejeição à corporação. Mas não é o
único, pelo menos não nas favelas, onde a ira descontrolada dos moradores
contra a PM -na quarta-feira ocorreram protestos em três comunidades- reflete o
inconformismo com a violência que sofrem.
As populações das favelas do Rio são reféns hoje de dois senhores, ambos cruéis
e impiedosos, os traficantes e os policiais embrutecidos. Os dois humilham,
aterrorizam e matam.
É certo que alguns protestos de moradores de favelas são organizados pelo
narcotráfico, como informa o secretário de Segurança. Mas essa constatação
não remove a mancha principal: a PM também é, frequentemente, um instrumento
de opressão. E não precisava ser assim, como comprova a experiência de
policiamento comunitário no Pavão-Pavãozinho.
As greves das PMs em vários Estados, o grande número de policiais que se
tornam criminosos e as ações punitivas bárbaras e irracionais nas favelas são
partes de um baita problema que nenhum governo estadual, menos ainda o governo
federal, está sabendo resolver.
Os governos estão preocupados e tentam, pela força ou pela razão,
redirecionar as polícias. Mesmo assim, elas estão cada vez mais violentas e
fora do controle. E as populações das grandes cidades, cada vez mais
atemorizadas.
.....................................................................................................................................................................................
Novas Prespectivas de Educação |
O que hoje em dia se denomina "educação" é,
muito frequentemente, confundido com "ensino". Expliquemos
as diferenças entre estes dois conceitos.
O ensino dirige-se exclusivamente às funções intelectuais e sensoriais. Trata-se de uma simples transmissão mental, que aumenta o volume de conhecimentos ou forma opiniões. Esse papel está tradicionalmente ligado á escola. Paralelamente a esta, existe a família, à qual cabe ocupar-se do carácter, isto é, dos sentimentos e emoções, dos hábitos e atitudes interiores. Pais e mães assumem o papel de agentes auxiliares dos professores. Assim, um volume enorme de funções, que seriam pertença da escola, invade as relações domésticas. Resulta daqui uma cisão entre pensamento, opiniões e atitudes racionais (formados pela escola) e sentimentos, hábitos e comportamentos (formados pela família). Relembremos aqui o exemplo de pesquisas feitas, em alguns países, sobre a existência de preconceitos raciais. Se recorremos a opiniões racionais, a maioria dos sujeitos brancos declara ser contra o racismo. Isto deve-se, sem dúvida ao que lhes foi transmitido pela escola. Mas, se indagarmos a indivíduos brancos se concordariam com o casamento das suas filhas com indivíduos negros, a maioria dá uma resposta negativa. Trata-se, sem dúvida, de respostas baseadas no que lhes foi transmitido pela família no plano dos hábitos e costumes. Há vários exemplos desta contradição: podemos ter opiniões democráticas e um comportamento autocrático; podemos defender a natureza e pisar as flores do jardim; declararmo-nos pacifistas e bater nas crianças; afirmar que somos tolerantes e falar mal de toda a gente pelas costas. Este ensino, que é confundido com educação, é muito deficiente. E vai piorando à medida que se desenvolve a fragmentação do conhecimento em especialidades e suespecialidades, como é o caso do ensino secundário e da universidade. A proposta holística (1) de educação apresenta uma perspectiva e
um conjunto de métodos bem diferentes. Enquanto o ensino enfatiza o conteúdo de um programa ou a aquisição de um conjunto de conhecimentos, a proposta holística demonstra como cada situação de existência constitui uma oportunidade para aprender. Em suma, enquanto a educação tradicional tem tendência para condicionar as pessoas para viverem exclusivamente no mundo exterior, a proposta holística orienta a pessoa tanto para o exterior como para o interior. Podemos também comparar os fins últimos da educação tradicional
com os da proposta holística. A primeira enfatiza o consumo, a
competição agressiva, o sucesso e a especialização extrema, a
aquisição e a posse de uma fortuna. Além de todos estes aspectos, uma outra diferença fundamental
reside no reconhecimento do potencial de transformação do ser
humano. A antiga educação está dominada por uma perspectiva estática
segundo a qual o homem, após a adolescência, pára de evoluir
intelectual e afectivamente. Fazendo uma analogia, a lagarta simbolizaria o homem estratificado, esclerosado e preso à rotina dos seus hábitos quotidianos e aos seus preconceitos. A crisálida representaria o processo de transformação da consciência. Este é um período de crise interior, de questionamento de valores, de obscurecimento provisório da alma. Nesta fase, vigoram o egoísmo, o isolamento, a limitação e o medo de uma vida harmoniosa e altruísta. A borboleta seria, então, a nova consciência, caracterizada por um estado de paz e plenitude. Felizmente ainda algumas palavras sobre a metodologia da educação. Segundo o antigo modelo, o aluno é considerado como uma espécie de fita magnética ou filme virgem sobre o qual o professor regista o seu ensinamento, de forma mecânica. O aluno é obrigado a fazer um esforço de memorização para reforçar a acção do professor. Espera-se que este processo de aprendizagem provoque no aluno uma mudança de comportamento correspondente ao conteúdo da lição. Tudo se passa como se ao professor coubesse, pura e simplesmente, adestrar a criança ou adolescente. O novo paradigma substitui o conceito de aluno (aquele que é
ensinado) pelo de estudante (que participa activamente no processo,
que assume e dirige a sua própria educação). Na educação activa, o estudante trabalha, faz as pesquisas, as visitas, as observações no terreno e os relatórios. Por vezes, é o próprio aluno quem dá a aula. O professor transforma-se num perito, num conselheiro. Ele orienta mais do que ensina, dá o exemplo por meio do seu próprio comportamento, mostra que tem profundamente integrados em si próprio os princípios que defende e dá a conhecer. Embora esteja demonstrado que a educação activa é muito mais eficaz do que o ensino tradicional, a adopção desta nova atitude tem sido retardada por hábitos seculares, ancorados em diversos preconceitos. Antes de terminar, convém chamar a atenção do leitor para o facto de que, tal como o modelo de pensamento ocidental, também a educação tradicional é, sem dúvida, específica da civilização industrial. Tudo indica que outras culturas mais inseridas na natureza, integradas no meio ambiente, possuam métodos de educação fundamentados na acção, contando com a participação de toda a comunidade. A educação holística não pode limitar-se à sala de aula, é uma aprendizagem na qual se deve estimular o auto-didactismo. Ela é um convite à pesquisa e à verificação pessoal de princípios de vida provenientes da sabedoria milenar dos povos. Muitos deles foram, em parte, conferidos e confirmados pela ciência moderna, no espírito da declaração de Veneza da Unesco (2). O que é proposto aqui é um sistema no qual "a educação se integre novamente na vida quotidiana, reencontrando algumas das características de aprendizagem imediata, que a antiga aldeia - sem escolas ou professores - proporcionava aos seus jovens. |
Adaptado do livro A arte
de viver |
Link da Ecobonecos:
http://www.geocities.com/ecobonecos/
Um Conto ZEN - A importância de Ser Você Mesmo
Certo
dia, um Samurai, que era um guerreiro muito orgulhoso, veio ver um Mestre Zen.
Embora fosse muito famoso, ao olhar o Mestre, sua beleza e o encanto daquele
momento, o Samurai sentiu-se repentinamente inferior.
Ele então disse ao Mestre:
- "Por que estou me sentindo inferior? Apenas um momento atrás, tudo
estava bem. Quando aqui entrei, subitamente me senti inferior e jamais me
sentira assim antes. Encarei a morte muitas vezes, mas nunca experimentei medo
algum. Por que estou me sentindo assustado agora?"
O Mestre falou:
- "Espere. Quando todos tiverem partido, responderei."
Durante todo o dia, pessoas chegavam para ver o Mestre, e o Samurai estava
ficando mais e mais cansado de esperar. Ao anoitecer, quando o quarto estava
vazio, o Samurai perguntou novamente:
- "Agora o senhor pode me responder por que me sinto inferior?"
O Mestre o levou para fora. Era uma noite de lua cheia e a lua estava justamente
surgindo no horizonte. Ele disse:
- "Olhe para estas duas árvores: a árvore alta e a árvore pequena ao seu
lado. Ambas estiveram juntas ao lado de minha janela durante anos e nunca houve
problema algum. A árvore menor jamais disse à maior: 'Por que me sinto
inferior diante de você?' Esta árvore é pequena e aquela é grande - este é
o fato, e nunca ouvi sussurro algum sobre isso."
O Samurai então argumentou:
- "Isto se dá porque elas não podem se comparar."
E o Mestre replicou:
- "Então não precisa me perguntar. Você sabe a resposta. Quando você não
compara, toda a inferioridade e superioridade desaparecem. Você é o que é e
simplesmente existe. Um pequeno arbusto ou uma grande e alta árvore, não
importa, você é você mesmo. Uma folhinha da relva é tão necessária quanto
a maior das estrelas. O canto de um pássaro é tão necessário quanto qualquer
Buda, pois o mundo será menos rico se este canto desaparecer.
"Simplesmente olhe à sua volta. Tudo é necessário e tudo se encaixa. É
uma unidade orgânica: ninguém é mais alto ou mais baixo, ninguém é superior
ou inferior. Cada um é incomparavelmente único. Você é necessário e basta.
Na Natureza, tamanho não é diferença. Tudo é expressão igual de vida!"
A MÁQUINA DX XSCRXVXR
Apxsar dx minha máquina dx xscrxvxr sxr um modxlo antigo, funciona bxm.
Com xxcxçao dx uma txcla.
Há 42 txclas qux funcionam bxm, mxnos uma, x isso faz uma grandx difxrxnça.
As vxzxs, mx parxcx qux mxu grupo x como a minha máquina dx xscrxvxr, qux nxm todos os mxmbros xstao dxsxmpxnhando suas funçoxs como dxviam, qux txm um mxmbro achando qux sua ausxncia nao fará falta...
Vocx dirá:
"Afinal, sou apxnas uma pxça sxm xxprxssao x, por isso, nao farxi difxrxnça x falta à comunidadx."
Xntrxtanto, para uma organizaçao podxr progrxdir xficixntxmxntx, prxcisa da participaçao ativa x consxcutiva dx todos os sxus intxgrantxs.
Na próxima vxz qux vocx pxnsar qux nao prxcisam dx vocx, lxmbrx-sx da minha vxlha máquina dx xscrxvxr x diga a si mxsmo:
"Xu sou uma pxça importantx do grupo x os mxus amigos prxcisam dx mxus sxrviços!"
Pronto, agora consertei a minha máquina de escrever. Você entendeu o que eu queria te dizer?
Percebeu a sua imensa participaçao na vida daqueles ao seu redor?
Percebeu que assim como tem pessoas que sao importantes para nós, também, somos importantes para alguém?
Lembre-se de que somos parte do Universo e como tal somos uma peça que não podemos faltar no quebra-cabeça da vida...
Autor Desconhecido...
CEMANA
Centro de Ecologia Humana
Você se considera uma pessoa sadia? Caso fique em dúvida ao responder, é possível que você já esteja doente, mesmo que não demonstre nenhum sintoma. Quem afirma é o ecologista, arquiteto e educador Raul Forster, 57 anos, que fundou em 1991, o Centro de Ecologia Humana e é o idealizador do projeto de Revitalização do Sangue Humano. "A solução pode estar mais perto do que você imagina. Distúrbios físicos e mentais podem ser curados através da reeducação alimentar", avisa.
O
Centro de Ecologia Humana está aberto a todos os que queiram conhecer seus métodos.
"As pessoas que se alimentam bem, com produtos naturais, sem agrotóxicos
ou conservantes, conseguem nutrir o corpo o suficiente para não deixar as
defesas abrirem espaços para as doenças", explica Raul Foster. Quinze
anos de pesquisa sobre alternativas mais saudáveis de vida através da alimentação
embasaram as certezas dele. "O sangue precisa ser revitalizado, as doenças
aparecem porque o sangue está fraco, mal nutrido e cheio de coisas
artificiais", revela.
Forster mantém no quintal de sua casa 150 canteiros debruçados sobre o mar na encosta do Morro de Guaratiba. Eles formam umas das maiores hortas de agricultura da América Latina, o Centro de Ecologia Humana, Influenciados pelo estilo arquitetônico da cidade inca de Machu Pichu, no Peru, os canteiros se dividem em degraus com plantações de legumes, verduras e frutas. Na parte mais alta, quatro deles formam anfiteatros, onde são dadas palestras sobre qualidade de vida.
O
desequilíbrio orgânico causador de doenças como o estresse, a obesidade e a
depressão tem segundo ele, causa psicológicas. "A depressão é um alarme
do corpo dizendo que algo não está legal. Temos que mudar a mentalidade, um
tipo de reflorestamento da consciência. Quando ficamos doentes, nos enchemos de
remédios e não procuramos saber a causa do problema e, com certeza, ela está
dentro de nós", afirma.
Experiência
pessoal foi decisiva
Raul Forster, fala com a certeza de quem enfrentou um câncer aos 40 anos e conseguiu se curar, segundo ele, com a purificação do sangue. Depois de três anos percorrendo a América Latina estudando construções incas após deixar a vida corrida na Argentina, ele agradece ter encontrado Barra de Guaratiba.
Sete
anos depois, se diz um novo Homem. “Não tinha a consciência que tenho hoje.
Foi através da decadência que consegui me curar. Foi através da alimentação
e da reeducação de vida que pude começar a viver”, revela. Não foi só
Forster que se recuperou. Manoel da Silva, 74 anos, ex alcoólatra da instituição
Fazenda Modelo, foi trabalhar com o arquiteto nos canteiros e mudou de vida.
“Ele me ajudou colocar cada pedra nos canteiros, mora comigo e não deixa isso
por nada”, diz Forster.
O
arquiteto, ecologista e educador não pára por aí. Suas palestras de
sensibilização estão sendo requisitadas por grandes empresas. “Estou
conseguindo realizar meu maior trabalho: ensinar. Já fui chamado por Furnas,
Banco do Brasil, Texaco, Unisys e BNDES. As empresas perceberam a força da
qualidade de vida, da produtividade e o retorno que conseguem em seus funcionários”,
afirma.
Parece esquisitice, mas é entre os canteiros de pedra que o ecologista recebe representantes de empresas, estudantes e curiosos. Cerca de 200 funcionários da Eletrobrás passaram uma semana nas varandas naturais voltadas para a Restinga da Marambaia, realizando atividades como tai chi chuan, meditação e capoeira.
Procuro
uma mescla de alimentação natural e movimento, combinação ideal para alcançar
o equilíbrio. Esse tipo de programa ajuda a estimular o espírito de equipe e a
criatividade das pessoas”, afirma Forster. O telefone para contato com ele é
469-5105.
http://www.cnotinfor.com.br/cemana/
A
VIABILIADADE DOS TEMAS TRANSVERSAIS
À LUZ DA QUESTÃO DO TRABALHO DOCENTE
Mary Neide Damico Figueiró*
Introdução
A
educação brasileira, a partir do ano de 96, vem sendo considerada segundo
novas regulamentações legais. No período de 95 a 98, o Ministério da Educação
e Desportos elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) que,
vinculados à Nova LDB – 9.394, visam estabelecer diretrizes
para o currículo do ensino fundamental (1ª a 8ª série) e servir como
referência nacional, seja para a prática educacional, seja para as ações políticas
no âmbito da educação.
“Por
sua natureza aberta, [os Parâmetros Curriculares Nacionais] configuram uma
proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre
currículos e programas de transformação da realidade educacional empreendidos
pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não
configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo...”
(Brasil,1997a, p.13)
Os
conteúdos a serem ensinados estão
dispostos em dois grupos. Primeiramente, o das áreas de conhecimento, que são:
Língua Portuguesa, História, Geografia, Matemática,
Ciências Naturais, Arte , Educação Física e Língua Estrangeira.
Compondo o segundo grupo estão os conteúdos organizados em “temas
transversais”: ética, educação ambiental, orientação sexual, pluralidade
cultural e saúde. O conteúdo
“Trabalho, consumo
e cidadania” está em vias de ser inserido.
Os
“temas transversais” dizem respeito a conteúdos de caráter social, que
devem ser incluídos no currículo do ensino fundamental, de forma
“transversal”, ou seja: não como uma área de conhecimento específica, mas
como conteúdo a ser ministrado no interior das várias áreas estabelecidas.
Mesmo
que um determinado tema possa ser
mais pertinente a uma área do que a outra, o fator decisivo do seu grau de
inserção em dada área de conhecimento, poderá depender, pelo menos
inicialmente, da afinidade e preparação que o professor tenha em relação ao
mesmo.
Os
conteúdos propostos para integrar o currículo são organizados em forma de
documentos, sendo um volume introdutório, um volume para cada área e outros três
volumes para os vários “temas transversais”. Cada professor deve receber,
gratuitamente, do MEC, seu material para estudo.
Embora
a elaboração dos Parâmetros tenha se dado mais acentuadamente no biênio 95 e
96, um período posterior de dois anos se fez necessário para avaliação de
versões preliminares, publicação e distribuição das versões finais.
É
possível crer que no ano de 99 e 2.000 poderão ser iniciados os primeiros
passos da materialização dos PCNs, quando todos os professores já terão
recebido os textos referentes ao ensino fundamental e começado um processo de
estudos sistemáticos sobre os mesmos.
Na
cidade de Londrina (Pr) -- realidade que acompanhamos de perto -- as Escolas
Municipais receberam os documentos referentes aos PCNs da 1ª a 4ª série
(caixa contendo 10 volumes), no 2º semestre de 98, quando, então, a Secretaria
Municipal de Educação iniciou estudos e debates sobre os mesmos, com
supervisores de ensino das escolas. No ano de 99, cada supervisor deverá
organizar estes debates em suas escolas. Já as Escolas Estaduais, que
representam a maioria do município, apesar de terem recebido os materiais na
mesma época, possivelmente deverão começar seus estudos com os supervisores,
a partir de abril do ano de 1999.
Este
é um momento histórico muito significativo e que, portanto, requer a contribuição
de estudiosos e pesquisadores para a reflexão sobre perspectivas de concretização
dos PCNs, com o paralelo apontamento de estratégias limitadoras e facilitadoras
desse processo.
Em
especial, a análise em torno da viabilidade
dos “temas transversais” requer esforços de reflexão
particularmente direcionados, tendo em vista o caráter de “novidade” que em
si comportam, o nível de interdisciplinariedade requerido, bem como a
necessidade de preparação dos professores para desenvolverem os temas.
Trabalho
docente
A
reflexão sobre a viabilidade dos “temas transversais” pode ser iniciada
pelas condições do professor para colocar em prática o que determinam os Parâmetros
Curriculares Nacionais. Para isso, é útil considerar a contribuição
apresentada por Mizukami (1998), no V Congresso Paulista sobre Formação de
Educadores. Ao estudar os documentos dos Parâmetros, a autora procurou conduzir
sua análise em torno da seguinte questão-chave: que competências o professor
precisa ter para que os PCNs se concretizem? De acordo com as determinações e
as fundamentações teóricas presentes nesses documentos, identificou oito
tipos de competências que são esperadas do professor, a saber:
1.
Planejador central do currículo e do ensino.
2.
Ser a figura central do processo ensino-aprendizagem.
3.
Avaliador do progresso do aluno e observador dos eventos da sala de aula.
4.
Educador do desenvolvimento pessoal de cada aluno.
5. Ser agente do seu processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional.
6. Conhecer profundamente as Áreas de Conhecimentos e dos “temas transversais”.
7.
Educador de estudantes diversos.
8.
Partícipar do projeto educativo da escola.
Ao
que se percebe, portanto, é esperado que o professor seja um
“super-profissional” e que tenha tido uma formação de qualidade primorosa,
o que na verdade não condiz com a realidade.
A
exigência de que seja um “educador de estudantes diversos” significa que o
professor precisa saber lidar com os alunos de diferentes repertórios, uma vez
que há diferenças sócio-culturais, emocionais e intelectuais entre eles.
Conforme
apontou Mizukami, ser “profundo
conhecedor das áreas de conhecimentos e dos “temas transversais” implica em
que o professor tenha uma cultura geral sólida.
Será
que o professor conhece, suficientemente bem, conteúdos de outras áreas além
dos de sua área de formação e atuação profissional? Será que conhece, com
propriedade, os temas sociais que deverá abordar “transversalmente” em sua
área de conhecimento. Estará preparado para ensinar sobre ética,
educação ambiental, orientação sexual, pluralidade cultural e saúde?
Sabemos
que, de forma geral, não, e isto nos permite prever o quanto pode ser morosa a
concretização da transversalidade.
Além
dos limites impostos pela própria bagagem do professor, temos que reconhecer
que seu contexto de formação e atuação profissional são desfavorecedores.
Em
vários pontos do volume introdutório dos PCNs. o Ministério da Educação e
do Desporto reconhece as reais condições precárias em que a escola se
encontra, apontando que a concretização, com qualidade, das propostas contidas
nos Parâmetros necessita de:
“... uma política educacional que contemple a formação inicial e continuada dos professores, uma decisiva revisão das condições salariais, além da organização de uma estrutura de apoio que favoreça o desenvolvimento do trabalho (acervo de livros e obras de referência, equipe técnica para supervisão, materiais didáticos, instalações adequadas para a realização do trabalho de qualidade), aspectos que, sem dúvida, implicam a valorização da atividade do professor”. (Brasil, 1997a, p.38)
Embora
os fatores apontados necessitem de investimentos, quando se pensa na viabilidade
dos “temas transversais”, não é suficiente o investimento nas escolas. Ou
seja, não basta cuidar da formação inicial e continuada e das condições
salariais e de atuação profissional, que poderiam constituir-se, isoladamente,
em medidas paliativas.
Há
uma questão básica, de amplitude maior, que precisa ser trabalhada
urgentemente. Trata-se da necessidade de a escola pública passar a ser encarada
como um local de trabalho. Como podem os professores de uma dada escola atuarem
interdisciplinarmente, se não conseguem se reunir e permanecer por período
significativo na escola?
O
que se vê, em muitas escolas brasileiras, é um grande número
de professores atuando em duas, três ou mais escolas, durante um dia ou
uma semana de trabalho; isto inviabiliza investimentos em projetos político-pedagógicos
e mesmo em projeto organizacional da escola.
Diz
Silva Júnior (1995, p.17):
“Para
que as pessoas se organizem ou sejam organizadas, é preciso,
antes de mais nada, que elas se encontrem em seu cotidiano de trabalho. Sem a
presença física do trabalhador individual, o ‘trabalhador coletivo’ não
se constitui, mas também o projeto político não se elabora.” (destaques do
autor)
No
documento introdutório, em sua primeira página de apresentação dos PCNs, está
a seguinte afirmação:
“Os
Parâmetros Curriculares Nacionais, referenciais para a renovação e reelaboração
da proposta curricular, reforçam a importância de que cada escola formule seu
projeto educacional, compartilhado por toda equipe, para que a melhoria da
qualidade da educação resulte da co-responsabilidade entre todos os
educadores. A forma mais eficaz de elaboração e desenvolvimento de projetos
educacionais envolve o debate em grupo e
no local de trabalho”.
(Brasil, 1997a, p.9 – destaques nosso)
Esta
afirmação corrobora a necessidade de se começar a renovação do ensino pela
delimitação do local de trabalho, bem como da jornada de trabalho. Isto
significa que o professor pode vir a ser um profissional de uma única escola,
ou de duas, no máximo, e passar nela(s) o tempo suficiente para desenvolver seu
trabalho com qualidade e satisfação.
A
questão da jornada de trabalho deve ser revista, pois nossa realidade mostra
que um elevado número de professores cumpre
jornada de 40 horas semanais em sala de aula e, muitos, até de 60.
Em
um texto recente, analisando a viabilidade dos Parâmetros Curriculares, como um
todo, Silva Júnior (1998, p.91) deixa claro que
“a
materialização do currículo é algo que só pode se manifestar a partir dos
limites de uma unidade escolar. Se a esta não são dadas condições mínimas
de organização como local de trabalho e a seus trabalhadores não são
asseguradas relações de trabalho compatíveis com suas necessidades pessoais e
com as peculiaridades do trabalho a ser desenvolvido, de pouco adiantará
chegarmos a qualquer consenso em abstrato sobre a qualidade dos PCNs e das
propostas que se dispõem a aprimorá-los. Não é suficiente e nem é mais
admissível o registro sumário que se costuma fazer
nessas oportunidades sobre a indigência salarial e a precarização
geral das condições de trabalho no magistério público. Feito o registro,
parte-se para análise das questões
substantivas, já que, embora
importante, salário não é tudo.” (destaques do autor)
É
certo, então, que as lutas pela melhoria das condições de trabalho e por
melhor remuneração, precisam ser incorporadas à luta maior e primeira, pela
caracterização da escola como local de trabalho. Considerar a escola pública
como local de trabalho implica, também, em repensar sua forma de organização.
Segundo
Silva Júnior (1995, p.21), “a escola pública é um local
de trabalho que, por sua finalidade
e por sua natureza peculiar, supõe
critérios especiais de organização. Tais critérios devem ser estabelecidos a
partir das características do trabalho
que ali se desenvolve”. (destaques do autor)
Como
não visa a produção de bens materiais, nem de mais-valia, o trabalho na
escola não pode continuar sendo organizado de forma a manter o sistema hierárquico
entre os vários profissionais da escola, tampouco o exercício do controle do
trabalho alheio, típicos das relações de trabalho do sistema capitalista.
Ao
contrário, por ser um trabalho que visa a educação, o domínio do saber pelos
alunos, deve encontrar sua forma peculiar de organização, abolindo-se a
hierarquização e o controle do trabalho do outro, para que possam ser
instaurados a solidariedade e o trabalho conjunto entre professores.
Consideramos
que um primeiro passo é os professores se darem conta de toda esta dinâmica
que envolve a possibilidade de consolidação de sua profissão docente. Mas
como, e através de que caminhos?
O
caminho promissor é o caminho da melhoria da formação inicial
e continuada. Porém, sozinhos, os professores, devido a suas condições
de trabalho e de formação, não têm como dar início a esse processo. É aqui
que entra, cremos, a atuação das Universidades.
Ao
mesmo tempo que é dever do Estado, é tarefa da Universidade a formação
continuada dos que atuam nas redes públicas de educação, pela oferta regular
e sistemática de assessoria e cursos, pelo desenvolvimento de projetos
especiais, reuniões de equipe, entre outras (Coêlho, 1996).
Giovanni
(1998), entre outros, propõe a parceria colaborativa entre universidade e
escolas de 1º e 2º graus, para que a formação continuada seja uma
oportunidade de reconstrução da identidade profissional e pessoal.
A
Universidade deve, com urgência, integrar-se com os educadores, investindo em
reflexões e pesquisa-ação, aproveitando este momento histórico especial da
criação dos Parâmetros.
Gostaríamos
de abordar a transversalidade num paralelo com a questão da vertigem da dispersão,
delineada por Perrenoud (1997).
De
acordo com o autor, a prática pedagógica caracteriza-se por numerosos momentos
de dispersão, nos quais o professor precisa realizar inúmeras e pequenas
atividades ao longo do seu dia de trabalho. Necessita distribuir o seu tempo
entre variadas atividades de planejamento, organização e execução do
trabalho pedagógico, com o estabelecimento de prioridade entre as várias
tarefas e solicitações dos alunos, pais e colegas de trabalho. Com isso, acaba
por ter dificuldades em ater-se com mais delonga e dedicação em tarefas
relevantes.
“...
o professor vê-se freqüentemente dividido entre os seus projetos de longo
prazo e a preparação do dia seguinte; cada actividade ocupá-lo-ia horas a fio
se quisesse fazer as coisas a sério, até o fim, reflectindo o tempo necessário
(...) O professor limita-se a ir ao essencial, com um sentimento de culpa, em
numerosas actividades, por não ter podido fazer mais e melhor”. (Perrenoud,
1997, p.58)
“Alguns
conseguem, sem dúvida, dentro do tempo de que dispõem, administrar, de forma
clara, as prioridades, a começar pelas coisas mais importantes, só investindo
nas actividades secundárias quando o essencial está assegurado. Esta organização
racional, que evita ao máximo a dispersão, não é certamente adoptada por
todos os professores, em parte porque o desejo
de fazer coisas não depende sempre da sua importância ou urgência objectiva.
Um professor que, de repente, se lembra de um jogo ou de um modelo não vai
esperar necessariamente antes de passar ao acto, mesmo que esta tarefa não seja
prioritária. Uma certa desordem e
dispersão são, sem dúvida, inseparáveis do prazer e criatividade que existe [existem]
no trabalho solitário do professor”. (Perrenoud, 1997, p.59-60 –
destaques do autor)
Na
profissão docente, uma certa dispersão e
fragmentação são, sem dúvida, inseparáveis do prazer e criatividade
que existe no trabalho inovador do professor. Segundo o autor, mesmo o professor
rotineiro e/ou metódico não escapam de um certo grau de dispersão.
Nóvoa
(1997), pautando-se em outros estudos, também chama atenção para o perigo da
inflação de tarefas diárias e da sobrecarga permanente de atividades,
tornando-se fatores que contribuem para a proletarização do trabalho docente.
Dado
o exposto, é interessante o seguinte questionamento: assumindo o compromisso
com a transversalidade, não aumentaria ainda mais a vertigem da dispersão?
Possivelmente
sim, uma vez que o professor vai precisar despender parte de seu tempo para
organizar formas de ensinar, por exemplo, educação
ambiental ou pluralidade cultural dentro
de uma aula de Geografia, ou de História... Além disto, os conteúdos próprios
da transversalidade só serão cumpridos em sua totalidade se os vários
professores de uma mesma escola reunirem-se para planejar, dividir tarefas e
fazer avaliações e
replanejamentos em conjunto.
Então,
para ser bem cumprida, a transversalidade exige sistematização e deve implicar
em maior número de reuniões ou contatos entre professores, o que pressupõe a,
já abordada, delimitação da escola como local de trabalho.
Diz
Perrenoud (1997, p.61) que
“todas
as formas de concertação [reunião/parceria] entre professores, mesmo quando
escolhidas livremente e vividas positivamente, aumentam a sensação de dispersão
e de frustração na utilização do tempo. Além disso, a
concertação leva o professor a sonhar e a esboçar mais projectos do que
aqueles que poderão, realmente, ser concretizados”. (destaques do autor)
Assim
sendo, por um lado, temos o dado de que a transversalidade pode aumentar a
dispersão e a fragmentação de atividades. Por outro lado, a dispersão
é um fator que pode dificultar a concretização da transversalidade. É
preciso refletir sobre: em que medida e de que forma poderia a prática da
transversalidade amenizar a vertigem da dispersão?
Primeiramente,
é preciso levar em consideração uma hipótese defendida pelo referido autor:
“a de que a dispersão não é apenas a conseqüência inelutável das condições
de exercício” da profissão docente e que, “é um fator de stress, mas também
um fator de excitação, logo de prazer”.(p.66)
“É
ao envolver-se em ‘montes de coisas’, ao dispor, constantemente, de muitos
projectos a pôr em prática, que uma pessoa sente que vive plenamente. (...)
... a dispersão, bem como o stress e a excitação
que a acompanham, são uma forma de escapar à rotina e ao aborrecimento.
As mesmas coisas feitas tranqüilamente, de forma ordenada, despenderiam,
sem dúvida, menos energia mas seriam, ao mesmo tempo, mais banais.” (Perrenoud,
1997, p.66)
Diante
disto, é possível crer que o ensino dos “temas transversais”, pelo fato de
abranger temas sociais, pode ajudar a caracterizar, de uma nova forma, o
processo de dispersão. Permitindo, ao professor, ampliar os horizontes da sua
área de conhecimento e envolver-se com projetos variados e/ou projetos
a longo prazo, pode levá-lo a obter mais prazer no ensino e a
retroalimentar o significado e o sentido que atribui ao seu trabalho. No exercício
da transversalidade, o professor pode sentir satisfação por ver que seu
trabalho como educador tem mais chances de estar ligado à vida como um todo.
É
sabido que educadores das várias
áreas têm se preocupado, nas últimas décadas, com a formação integral do
educando e não apenas com a transmissão dos conteúdos científicos. Com a
entrada dos “temas transversais”, o trabalho em torno da formação integral
parece estar mais sistematizado e parece apresentar-se de forma concreta, clara
e organizada.
Segundo
os PCNs, a educação deve estar comprometida com a cidadania, trabalhando,
junto aos alunos, os princípios: dignidade da pessoa, igualdade de direitos,
participação e co-responsabilidade pela vida social. Porém,
“...
as Áreas convencionais, classicamente ministradas pela escola, como Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, não são suficientes
para alcançar este fim.
Dizer
que não são suficientes não significa absolutamente afirmar que não são
necessárias. É preciso ressaltar a importância do acesso ao conhecimento
socialmente acumulado pela humanidade. Porém, há outros temas diretamente
relacionados com o exercício da cidadania, há questões urgentes que devem
necessariamente ser tratadas, como a violência, a saúde, o uso de recursos
naturais, os preconceitos, que não têm sido diretamente contemplados por essas
áreas. Esses temas devem ser tratados pela escola, ocupando
o mesmo lugar de importância.” (Brasil, 1997b, p.25 – destaques nossos)
É
na confluência dos “temas transversais” que os professores podem chegar ao
processo de redimensionamento do significado de seu trabalho e, a partir daí,
promover mudanças na prática pedagógica, pois, como aponta Basso (1998), o
entendimento claro do significado e do sentido do trabalho docente são
fundamentais para essas mudanças.
Segundo
nossa avaliação, que também foi compartilhada por Mizukami (1998), os
documentos dos PCNs estão bem escritos e são de boa qualidade didática e
científica trazendo boa fundamentação teórica para auxiliar o professor a
repensar o significado, a
finalidade do ensino como um todo, em especial, dos “temas transversais”.
No
entanto, quanto a repensar o sentido do
ensino, pelo menos no que tange à Educação Sexual, reconhecemos que deixa
a desejar, pois está na dependência das reflexões que devem ser feitas em
grupo, especialmente com a participação de profissionais das Universidades.
Para
poder definir quais temas sociais que deveriam ser selecionados como
transversais, a equipe responsável pela elaboração dos PCNs estabeleceu que o
tema teria que atender aos critérios
de urgência social, abrangência nacional, possibilidade de ensino e
aprendizagem no ensino fundamental, favorecimento da compreensão da realidade e
da participação social.
A
Educação Sexual pôde ser incluída, então, por atender a todos os critérios
acima. O fator mais decisivo para tal foi , sem dúvida, a urgência social, o
que é totalmente válido e fundamentado. Uma coisa fica clara: se não fossem
os problemas que a vivência da sexualidade traz para a sociedade, ela não
estaria entrando agora no currículo escolar. Ter sido incluída por este critério
pode interferir no sentido, para o professor, do ensino das questões da
sexualidade.
De
acordo com Forquin (1993, p.9),
“...
ninguém pode ensinar verdadeiramente se não ensina alguma coisa que seja
verdadeira ou válida a seus próprios olhos. Esta noção de valor
intrínseco da coisa ensinada, tão difícil de definir e de justificar
quanto de refutar ou rejeitar, está no próprio centro daquilo que constitui a
especificidade da intenção docente como projeto de comunicação formadora.”
(Grifo nosso)
Não
se questiona a importância e necessidade urgente de um trabalho preventivo com
relação a DSTs, gravidez precoce e indesejada e demais problemas ligados à
uma vivência não saudável da sexualidade. Porém
“...
a preocupação da escola em fazer Educação Sexual porque há necessidade de
resolver e controlar os problemas (AIDS e gravidez), possivelmente torna o
trabalho árduo, pesado, angustiante e desvirtua as energias que poderiam ser
redobradas se se falasse da sexualidade de uma forma alegre e descontraída.
Embora
se saiba que são as necessidades
que, na prática, têm impulsionado o começar a falar sobre a sexualidade, é
preciso assegurar que a força propulsora do trabalho seja o reconhecimento do direito.”
(Figueiró, 1998, p.96-97)
A
própria seleção do termo orientação sexual, nos PCNs, ao invés de educação,
termo cujo uso defendemos, parece estar ligada muito mais a um trabalho diretivo
e de “controle”, que a um trabalho formativo, conforme sugeriria o termo
educação. [1]
“É
preciso fazer com que os educadores sexuais entendam que a principal razão para
desenvolvê-ela [a Educação Sexual] nas escolas é porque é um direito
da criança e do adolescente conhecer sobre o seu corpo, sobre a
sexualidade, com uma visão positiva dessas realidades e porque é necessário
rever e transformar as formas de relação entre homem e mulher...”
(Simonetti, apud Figueiró, 1998, p.96)
Pensar
a Educação Sexual como uma questão do direito do educando, tem a ver, então,
com a mobilização da motivação do educador para este trabalho, com o sentido
do mesmo.
Cremos
que pode ser útil uma análise do documento de cada um dos “temas
transversais”, a fim de identificar elementos que possam ser instigadores,
para o professor, do sentido do ensino do tema, bem como do seu trabalho ou, ao
contrário, identificar elementos que possam atuar como limitadores do encontro
desse sentido.
É
possível concluir, então, que um dos fatores que pode contribuir para a
viabilidade dos “temas transversais” é o fortalecimento do sentido do mesmo
para o professor. É necessário considerar, ainda, outros aspectos do sentido
do trabalho docente, além do “valor intrínseco da coisa ensinada”. Para
isto, nos apoiaremos na análise feita por Basso (1998, p.28), que afirma que o
motivo que incita o professor a realizar seu trabalho
“...
não é totalmente subjetivo (interesse, vocação, amor pelas crianças etc.),
mas relacionado à necessidade real instigadora da ação do professor, captada
por sua consciência e ligada às condições materiais ou objetivas em que a
atividade se efetiva. Essas condições referem-se aos recursos físicos das
escolas, aos materiais didáticos, à organização
da escola em termos de planejamento, gestão e possibilidades de trocas de
experiência, estudo coletivo, à duração da jornada de trabalho, ao tipo de
contrato de trabalho, ao salário etc. Quando essas condições objetivas de
trabalho não permitem que o professor se realize como gênero humano,
aprimorando-se e desenvolvendo novas capacidades, conduzindo com autonomia suas
ações, criando necessidades de outro nível e possibilitando satisfazê-las
(...) este trabalho é realizado na situação de alienação”. (destaques
nosso)
Assim,
voltando ao ponto inicial de nossa discussão, defendemos que a
viabilidade dos “temas transversais”, como toda mudança na prática
pedagógica, tem que estar comprometida com a transformação da escola enquanto
local de trabalho, na busca pela delimitação do local e da jornada de
trabalho, assim como das demais condições objetivas para o exercício da
profissão.
Embora
a transversalidade, teoricamente falando, possa ter efeitos positivos na questão
da dispersão, conforme analisado, creio que estamos muito mais diante da
possibilidade de ela vir a acentuar os efeitos negativos da dispersão. É
preciso redobrar os cuidados, pois o perigo é real, enquanto não se conseguir
consolidar a profissão docente.
Autonomia
e construção do saber
Para
iniciar o desenvolvimento desta temática, é interessante o parecer de Machado
(1998, p.95), emitido a respeito da possibilidade, ou não, da materialização
da nova LDB.
“As
diretrizes e bases da educação não têm outra maneira de existir, de
materializar-se, senão como parte
integral da complexa realidade quotidiana da escola. Por essa razão, ao invés
de discutir em que medida a escola se ajustará ao texto legal, procuro destacar
que o ordenamento interno das escolas, na busca da construção da cidadania em
tempos de globalização, dependerá não só das virtudes advindas do texto
legal ou será impedido pelos seus vícios, mas da reconstrução
de relações que entre si estabelecem professores, alunos e conhecimento.”
(destaques nossos)
Acreditamos
que essa visão sobre as condições para a materialização da nova Lei
aplica-se, também, para a materialização dos PCNs e, em especial, dos
“temas transversais”, aqui tratados.
A
questão de reconstruir relações entre professores, já foi abordada, na
medida em que falamos sobre a necessidade de realizar mais debates, reflexões,
estudo em grupo, de poder dispor de mais tempo juntos, na mesma escola, para
assegurar uma atuação interdisciplinar.
Quanto
a reconstruir a relação dos professores com os alunos e com o conhecimento, é
um processo que requer uma nova postura do professor frente ao conhecimento
sistematizado e proposto por diretrizes curriculares oficiais.
O
professor precisa apropriar-se do saber de forma autônoma e crítica, para que
os alunos também possam aprender com eles a desenvolver semelhante atitude
diante do conhecimento sistematizado. (Mazzeu, 1998)
Na
medida em que o professor vai transmitir o conhecimento científico,
sistematizado, acaba por construir um saber escolar, ou seja, por produzir um
novo conhecimento, ao procurar a melhor forma de fazer com que o aluno
compreenda e o assimile. Embora hajam normas e diretrizes curriculares oficiais,
no espaço de sua sala de aula, o professor é o profissional que controla e
executa o seu trabalho, o que confere uma característica singular à sua
profissão.
Em
sua atividade, o professor produz saberes e práticas que, infelizmente, não são
devidamente considerados, pois apenas conhecimento científico tem status
de conhecimento. Aliás, nem o próprio professor se dá conta de que produz
saberes. O professor, bem como os pesquisadores, precisam estar atentos para o
saber presente no espaço escolar, na prática de sala aula, considerando a vivência
e o vivido.
Vários
são os pesquisadores que têm voltado sua atenção para esta questão,
considerando o professor como alguém que constrói saber em seu trabalho
cotidiano e cujo saber precisa ser aproveitado para a consolidação da profissão
docente. Entre eles, citam-se: Caldeira, (1995), Dias-da-Silva (1998), Nóvoa
(1997) e Penin (1996).
Esse
saber necessita de ser retroalimentado continuamente, conforme Caldeira (1995,
p.7)
:
“O
conteúdo do saber cotidiano do professor pode diminuir quando se torna supérfluo,
ou pode aumentar, mediante a apropriação de novos saberes. Nesse último caso,
duas são as fontes: as novas experiências sociais e pessoais e os
conhecimentos produzidos pela ciência, pela filosofia e pela arte”.
Quando
se trata dos “temas transversais”, o conhecimento sistematizado que eles
envolvem é, em grande parte, novo para a maioria dos professores. No documento
do PCN que traz a apresentação dos “temas transversais”, o Ministério
de Educação e Desporto reconhece esse dado e afirma que:
“As
escolas de formação inicial não incluem matérias voltadas para a formação
política nem para o tratamento de questões sociais. Ao contrário, de acordo
com as tendências predominantes em cada época essa formação voltou-se para a
concepção de neutralidade do conhecimento e do trabalho educativo”. (Brasil,
1997b, p.52)
Por
outro lado, o Ministério propõe um desafio para que os professores não
esperem estar “prontos” ou “formados” (destaques do autor) para começar
a aplicar a transversalidade.
É
uma proposta interessante, desde que se considere que trabalhar os temas com os
alunos não significa apenas tentar aplicar o conteúdo apresentado em cada
documento, mas que se proceda a um exercício de estudo, aplicação e reflexão
crítica, em conjunto com os demais professores, em duas concomitantes
vertentes: a do conteúdo sistematizado inerente ao “tema transversal” e a
da experiência, da prática cotidiana, da construção do saber advindos dos
esforços de aplicação dos conteúdos, pelo professor.
A
idéia de pesquisa-ação da qual fala Giovanni (1998) e Costa (1995), entre
outros, vem reforçar essa idéia.
“A
pesquisa-ação tem se apresentado como um movimento que tem contribuído para
que os docentes se voltem para o estudo de sua própria atividade e,
interpretando os fenômenos de sua prática desde o interior do mundo escolar,
se transformem, eles próprios em alimentadores de sua profissão. É uma
alternativa para o fortalecimento da profissão e que pode ser entendida como
estratégia para resistir à perda do controle.” (Ozga e Lawn, apud Costa,
1995, p.151).
Estudar
sua própria prática pedagógica levará ao fortalecimento do saber que é
construído por ele nessa prática.
Na
mesma linha de raciocínio, nos deparamos com a preocupação, tão bem
explicitada por Schön (1997), em formar professores como profissionais
reflexivos, tanto na formação inicial, quanto na continuada. E ser reflexivo,
pensando a própria prática pedagógica, implica em tentar entendê-la no
contexto educacional e político no qual se insere.
Assim,
é preciso que o professor tenha consciência do discurso neoliberal que é a
base de nossa política educacional brasileira, tal qual
é apontado por vários estudiosos, entre eles, Bueno (1996), Marrach
(1996) e Gentili (1995).
“Para
a educação, o discurso neoliberal parece propor um tecnicismo reformado. Os
problemas sociais, econômicos, políticos e culturais da educação se
convertem em problemas administrativos, técnicos, de reengenharia. A escola
ideal deve ter uma gestão eficiente para competir no mercado. O aluno se
transforma em consumidor do ensino, e o professor, em funcionário treinado e
competente para preparar seus alunos para o mercado de trabalho e para fazer
pesquisas práticas e utilitárias a curto prazo.” (Marrach, 1996, p.54-55)
Desta
forma, é difícil conseguir êxito nos esforços para desenvolver, no educando,
a cidadania, como previsto nos PCNs, pois no neoliberalismo, um dos objetivos
centrais é a preparação para o trabalho, sendo a aquisição do conhecimento
a base para a competitividade no mercado de trabalho.
O
professor precisa tomar consciência, também, do fato de que, conforme aponta
Bueno (1996), entre outros, as políticas brasileiras atuais, para a educação
básica, e aqui se encaixam os PCNs, têm como matriz o Plano Decenal de Educação
para Todos que, por sua vez, está inserido em movimentos reformistas
internacionais, que têm ligação com o Banco Mundial.
Com
o movimento reformista, o Estado controla a formação e o trabalho docente. As
formas de regulação social advindas das reformas são testes de rendimento
escolar e avaliação da qualidade da escola. Os professores precisam lutar
unidos para obterem o controle público e democrático sobre a escola e a formação
docente e a saída é a construção de comunidades profissionais. (Davini,
1997).
Esta
saída tem a ver com as alternativas pontuadas neste texto, para a viabilidade
dos “temas transversais”, tais como: debate e reflexões em grupo, crítica
ao conhecimento sistematizado e construção do saber cotidiano do professor.
Apesar
de sugerir o controle público e democrático sobre a escola, Davini (1997,
p.149) defende a idéia de centralização das diretrizes da Educação, o que
acreditamos ser procedente. Segundo a autora,
“a
análise das estratégias de reforma não significa censurar per
se as linhas de centralização político-administrativa ou a normatização
de saberes curriculares.
É
certo que a descentralização das decisões facilita e promove mais participação
de comunidades locais, dos professores e diretores de escolas. Entretanto, há
poucos indícios de que a descentralização possa melhorar a educação”.
Finalizando,
pode-se dizer que a viabilização dos “temas transversais” é um processo
difícil, longo, porém viável, que requer uma construção em coletividade. Os
resultados de sua aplicação podem ser bastante promissores, por se tratarem de
temas que, ao serem desenvolvidos junto aos alunos os alunos, podem levar os
professores a “se trabalharem”, ou seja, a se aprimorarem
como cidadãos. Em especial os temas de pluralidade
cultural e orientação
sexual são muito úteis para ajudar professores e alunos a entenderem o
processo de construção histórico-social dos valores da sociedade, sejam eles
culturais, morais e religiosos, entre outros, para poderem participar do
processo de transformação social.
Notas
* Psicóloga e Docente do Depto de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Educação Sexual pela SBRASH – Soc. Bras. de Sexualidade Hum. / SP. Mestre em Psicologia Escolar pela USP / SP. Doutoranda em Educação pela UNESP de Marília / SP. End: Rua Papa João XXIII, nº 82. - CEP: 86.182 060 Cambé Pr. - E.mail: figueiro@inbrapenet.com.br
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_______________
Michèle Sato
Em tom menor, a estiagem já abriu o inverno e |
uma pálida paródia, |
tomou |
conta dos Cosmus |
floridos na jardineira dessa janela |
essa de onde |
os passantes |
podem ver o coleóptero inominado |
atravessando |
a escrivaninha. |
Acidentes |
geográficos |
tatuam o vasto relevo, |
compõe a trama onde |
todos os insetos se debatem. |
As pétalas caídas |
sob o vaso, |
as chaves, |
a carteira, |
pequenos objetos. |
Esses servos silentes |
contemplam o ruído, |
sons esgarçando-se no vento. |
O cálice agora vazio, |
um cartão postal |
afogado no maço de correspondência, |
detalhes. |
Inanimados concedem |
um epíteto ao minúsculo besouro. |
E assim nesse mar de endereços, |
os élitros resplandecentes, |
alheios a qualquer taxonomia, |
prosseguem cursivamente. |
(assombrado por In
finito, Circuitos fechados, In petto, José Bruma, 2000 |
As paixões humanas
Ao abrirmos os jornais, ao ouvir notícias em TV ou rádios, surpreendemo-nos com as inúmeras informações criminosas que circulam pela humanidade. Neste momento, parece que esquecemos da emoção, deixamos de lado a poesia, o coleóptero e o Cosmus florido (BRUMA, 2000), fechando os corações para os ruídos, e vacinamo-nos no dia-a-dia, para criar mecanismos de defesa e evitar o sofrimento, ou simplesmente porque estamos tão habituad@s com a violência do mundo, que aquela notícia ruim acaba se tornando "mais uma" entre tantas outras. E alhei@s à tudo, seguimos cursivamente, deixando adormecido o lado poeta que nos confere a beleza da vida...
Não temos a pretensão de reverter este quadro neste simples texto de algumas páginas. Mas se o espaço e o tempo permitir, gostaríamos de abrir brechas para um pequeno diálogo sobre os caminhos da humanidade. Assim como estes fatos ruins noticiados quotidianamente, milhões de eventos acontecessem pelo mundo afora. Há encontros, todavia, que marcam e podem até determinar o curso da história. Talvez não a história da humanidade como um todo, mas a história de nossas vidas... E assim, acreditamos que quando moldando-nos à uma nova proposta, engajamos em mudanças globais, pois quando mudamos um pedaço do mundo, mudamos, também, o mundo.
Propor uma transformação nas manchetes, ou tentar mudar o mundo sem mudar a nós mesmos, parece perder a significação. Durante a II Guerra Mundial, um dos principais jornais da Inglaterra - "The London Times", ousou a primeira página totalmente em branco, como protesto às ações bélicas de Churchil. Quiçá algum dia possamos ver uma página em branco na Folha de São Paulo, um branco pela paz, um manifesto contra o massacre testemunhado diariamente pela Nação Brasileira. Ousar uma mudança significa conhecermo-nos primeiro. Resgatando o pensar Socratiano, pensamos que o renascer na consciência de si mesmo, que além de restaurar dúvidas, atinge campos pessoais da moral e da conduta, devem servir de alicerces às instituições políticas.
Se é verdade que nos circunscrevemos na linha da vida e da morte de um círculo dinâmico, não há como não comprometer com esta identidade e existência humana, posta fora de nós em mundo, que por suas injunções com a natureza e cultura, implicam em questões de responsabilidade individual e coletiva (PASSOS & SATO, no prelo). Este é, sem dúvida, o maior desafio da Educação Ambiental (EA).
Assim, refletir nossa condição pessoal nos obriga a pensar na nossa relação com @ outr@. É neste refletir que devemos perceber que nossa solidariedade, moral e paixões também determinam a qualidade do nosso pensar, inseridos na reflexão da limitação, mas ao mesmo tempo da potencialidade, da contribuição individual que tod@s são capazes de oferecer à construção do coletivo. Temos lido muitos trabalhos em EA, e infelizmente algumas pessoas utilizam o romantismo como sinônimo de ingenuidade. Não raro, encontramos textos que atribuem o valor "romântico" da limitação da EA em suas esferas meramente ecológicas. Tal reducionismo nos parece ser inadequado, mas o romantismo confere uma beleza inimaginável ao nosso pensamento crítico. No campo da arte, é possível verificar a criticidade em obras como Guernica, de Pablo Picasso, e de todo movimento cubista que marcou uma era de revoluções, não somente na Espanha, mas nas esferas internacionais. A modernidade pode ter conferido espaços à intelectualidade, ao cientificismo exagerado e ao poder absoluto da produção dos conhecimentos. Mas certamente a Pós-Modernidade representa esta ruptura, abrindo os horizontes para caminharmos em espaços mais amplos, onde a racionalidade pode ser temperada com a emoção. Ou como já dizia GRANGER (1994), escarnecer a ciência externalista e enaltecer a racionalidade interna. Ultrapassar as barreiras do "landscape", e mergulharmos no nosso "inscape" (SATO, 1997). E sem medo de ser piegas (FREIRE & SHOR, 1986), é confortante poder falar sobre a solidariedade e a ternura numa era marcada pelas desigualdades sociais. E seguimos trilhamos o caminho, apostando na utopia como marco de nossas transformações.
Inserir a discussão da Educação Ambiental (EA) neste contexto não é uma
tarefa simples. Pensamos ser desafiador porque sua complexidade nos apontam
diversos caminhos, e lembrando-nos daquela famosa canção latino americana, não
há caminhos a ser seguidos, os caminhos são construídos durante nosso
caminhar. Esta situação de desconforto pode ser agravada quando inserimos sua
interlocução com a Agenda 21 e a Carta da Terra, dois movimentos
internacionais que, na nossa compreensão, jamais se esgotariam num simples
texto. Todavia, arriscaremos a introduzir uma abordagem menos densa, diluindo os
capítulos e os princípios em forma incessante de sensibilidade, na busca de
uma visão que aceite a diversidade, seja ela biológica ou cultural, como a
maior riqueza que confere a beleza da própria Terra. Acreditamos na felicidade,
pois o ser humano é livre para abrir suas brechas e entregar-se às paixões.
Vislumbramos, assim, oferecer uma perspectiva menos memorizativa, mas mais criativa na elaboração de políticas internacionais que assegurem a EA no cotidiano, no nosso "pensar e agir globalmente", uma vez superada a ruptura espacial e temporal. Inserimo-nos nas dobras da vida, que nos oferecem amplitudes para sermos mais atrevid@s, de caminhar na simplicidade, sem perder a complexidade. Debater a EA no Brasil é, portanto, inseri-la nos patamares internacionais, dentro dos grandes movimentos hoje existentes. Neste cenário, parece ser inevitável remeter esta discussão aos dois grandes movimentos mundiais: A Carta da Terra e a Agenda 21.
A Agenda 21
Palco de controvérsias e num momento de "desfiles de autoridades", a Eco-92 trouxe seu momento histórico, ao abrir para o mundo a possibilidade de erradicar a miséria com a incorporação da preocupação ambiental. Todavia, nossos satélites, que oferecem a dimensão de uma Terra azul, com porções de mares e nuvens, negligenciam as atividades humanas que insistem em modificar sua cor. As mudanças globais estão intensas e o risco de uma explosão nuclear, além de outras realidades desconhecidas e temidas, ameaçam cada vez mais esta esfera que mantém a vida como própria essência de existência. Esta informação sobre a natureza e a extensão do que muit@s chamaram de "conquistas" da ciência, parece realmente ser, na proporção das aptidões de cada cultura e cada ser, o interesse de tod@s (GRANGER, 1994).
(Re)Iniciamos, assim, a discussão de um nova ciência,
talvez uma ciência no plural - ciências, que possibilitem a integração dos
sistemas sociais com os sistemas biogeofísicos. Ciências conscientes (MORIN,
1996), que traduzam o sentido da emoção nos jogos políticos onde se travam os
dissonantes acordes da cultura de um lado, e a natureza de outro.
Assim, a Agenda 21 nasce de um debate importante no processo de compreensão do
futuro da humanidade e do planeta, além de proporcionar instrumentação para
os grandes desafios das nações. A ênfase acentuada é na instrumentação
intelectual, nos esforços dos governantes e nos segmentos de toda a sociedade
para uma melhor compreensão dos fluxo globais (SATO & SANTOS, 1999).
Todavia, há que se considerar a ideologia dominante, por trás de um discurso homegenizador na nova ordem mundial - o desenvolvimento sustentável. A criação deste adjetivo ao desenvolvimento não seria fruto do medo do efeito "bumerangue" (SAUVÉ, 1996), dos países chamados "ricos", com medo que a miséria humana lançada no, geograficamente imposto, hemisfério sul, retornasse ao norte? Não haveria aí, uma visão sombria de que a necessidade de "preservação" - e não de conservação, asseguraria uma vida mais feliz? Talvez devêssemos perguntar a quem beneficiaríamos com esta preservação a todo custo. Poderíamos realmente equacionar o grau de liberdade e felicidade de um@ american@ com um@ maçambican@, por exemplo? Parece-nos, que o processo da globalização trouxe a sonhada unificação pela fome e pelos desastres ecológicos, ao invés de alcançarmos as desejáveis condições de vida. "A co-produção global de um colapso ambiental pressupõe uma co-responsabilidade transnacional solidária. É difícil, portanto, enveredar por esta ou aquela linha de abordagem da educação ambiental sem os riscos da contaminação de velados interesses e ideologias fragmentárias do pensamento liberal" (MATA, 2000).
Há que se considerar, entretanto, que a Agenda 21 traz a sua valiosa colaboração para uma interlocução mundial, e que através das ações e reflexões dos Governos e da Sociedade, busquem a necessidade de mudanças para os cuidados com a Terra. Didaticamente dividida em 40 capítulos, a EA parece ser o elo de ligação entre todos eles, aparecendo como bandeira de luta e patamares de esperanças em todo o texto da Agenda 21.
Com 27 princípios e 4 seções, a palavra "educação" é a 5ª mais citada em todo o documento. Suas propostas e estratégias buscam uma aliança global, num exercício constante de avanços e recuos, de movimentos coloridos que almejam um caleidoscópio junto ao azul do mundo. Infelizmente, seu conteúdo é imenso e impossibilita que tod@s conheçam o documento em sua íntegra. Tentando corroborar com a idéia e a importância de sua divulgação, SATO & SANTOS (1999) tentaram oferecer sua sinopse, ilustrando as idéias centrais e possibilitando a compreensão dos princípios gerais da Agenda 21. Uma idéia que pode ser compreendida como limiar da limitação, mas um esforço de possibilitar mais visibilidade ao documento, como um referencial em nossas ações cotidianas.
A Carta da Terra
Similarmente, a Carta da Terra também oferece este compromisso. Todavia, resgata as mudanças individuais como prioridade para a mudança global (GORBATCHEV, 1999). Quando a Organizações da Nações Unidas (ONU) foi criada, em 1945, havia a preocupação com a paz, com os direitos humanos e um desenvolvimento social mais eqüitativo. Os rumos tomados podem mostrar contradições, mas a concepção da Carta da Terra (CT), ali implícita, passou por um longo período de gestação, dando seus primeiros sinais de vida durante a Eco-92, juntamente com a construção da Agenda 21. ROCKEFELLER (2000) nos lembra que a especial ênfase da CT reside nos desafios ambientais, mas o movimento reconhece a visão ética da paz e dos direitos humanos como partes indivisíveis para o desenvolvimento da humanidade.
A Conferência Internacional da Carta da Terra realizou-se em Cuiabá, em 1998. A Carta produzida trazia valores espirituais fortes, com negligência ao lado científico da produção dos conhecimentos. Se a Modernidade falhou nos seus excessos científicos, talvez tenhamos errado ao fazer o movimento inverso. Todavia, a Carta é considerada como um "rascunho (draft)", exatamente para que não se perca os movimentos de construção/destruição da Terra. E nestes movimentos, novas versões foram elaboradas. Particularmente para a América latina, os avanços foram significativos. Incluímos itens importantes à nossa história, como a criação de um fundo internacional para o combate à fome e à miséria, a taxação do capital internacional, a taxação do capital das indústrias bélicas, a efetivação adequada das políticas de transferência de tecnologia e a renegociação da dívida externa, além do respeito à todas as formas de vida (MALDONADO, 2000). Nossas ações, neste sentido, são importantes para obtermos a aprovação da ONU, e conferir a chancela em 2002 como uma Carta da Terra.
Assim como na Agenda 21, a EA também aparece implícita nos princípios gerais da CT, enfatizando a participação de pessoas de todas as raças, credos, culturas e conhecimentos. A articulação central ancora-se no sentido ético das ações humanas para a manutenção da biosfera, ampliando os espaços para as ciências (em especial à Ecologia), e à Filosofia, além de outras expressões como as culturas, religiões ou movimentos sociais. Não é uma proposta generalista, uma vez que identifica a importância da diversidade, da construção individual que desenha os campos ontológicos coletivos. É, sobremaneira, uma tentativa de resgatar a manutenção da biosfera como palavra de ordem no nosso cotidiano.
Ela possui 16 princípios gerais orientados pelo respeito e cuidados com as comunidades de vida; da integridade ecológica; da justiça social e econômica; e da democracia pela paz e não violência. Das diversas experiências realizadas pelo mundo, e a EA é sublinhada como uma alavanca nos processos de sensibilização e internalização da CT. Seguramente, a construção da CT é um constante exercício de diálogo entre tod@s aquel@s que possuem esperanças para resgatar o valor intrínseco da Terra.
A liberdade na Educação Ambiental
Talvez seja neste "diálogo" que esteja a importância da EA. Um trabalho coletivo, com envolvimento de todos os setores da sociedade não representa nenhuma facilidade. Para FOUCAULT (1982), as relações entre grupos ou indivíduos traz o mecanismo de poder, não na mera competitividade ou na defesa dos territórios, mas na presença de um conjunto de ações que induzem às outras ações. A era da "globalização" exige novas formas de ultrapassagem para a liberdade do pensamento. A libertação, todavia, caracteriza-se pela superação das fronteiras do pensamento, mesmo que sempre haja diferentes opiniões.
Sem a pretensão de oferecer uma explicação ecológica aos fenômenos interdisciplinares, mas considerando que a realidade antropossocial é multidimensional e sempre possui uma dimensão social e biológica (MORIN, 1996), gostaríamos de fazer algumas reflexões "ecofilosóficas" (SATO, 1997).
Nos estudos dos ecossistemas, os vegetais constituem-se, na maioria das vezes, o essencial da biomassa dos seres vivos e imprimem à paisagem seu aspecto característico. "A passagem de uma biocenose à outra pode fazer-se mais ou menos violentamente. Em todos os casos, existe uma zona de transição (ecótono), que pode ser muito extensa ou somente alguns metros. Nelas, a biodiversidade é mais rica e mais abundante que nas biocenoses adjacentes, cujas espécies se misturam oferecendo um ingrediente mais rico sob o ponto de vista ecológico" (ODUM, 1977). Esse efeito é conhecido pelo nome de "efeito de borda". Entretanto, esse efeito apresenta desarmonia, em função dos processos de reciclagem de nutrientes, dos gastos de energia para a manutenção das relações tróficas, das adaptações dos seres vivos e das competições das espécies, entre outros fatores.
Os recentes estudos têm demonstrado que a suposição do desequilíbrio, ao invés do equilíbrio, tem maior valor analítico-ecológico. Similarmente, PRIGOGINE & STENGERS (1986 apud REIGOTA, 1996) descobriram que a "irreversibilidade dos sistemas físicos em desequilíbrio tem um papel construtivo na natureza, pois lhe permite a reorganização e a auto-organização espontânea. Portanto, a irreversibilidade e a instabilidade são fontes criadoras de novas formas de organização". Assim, a natureza não é passiva nem simplificada, ela é complexa e múltipla.
Segundo esses autores, embora o ecótono seja uma zona conflitante, com desarmonias, é onde a biodiversidade é mais rica e tem alto potencial ecológico, pois contém, em um mesmo espaço, elementos de um ecossistema misturado com o outro. Ao buscarmos o significado da palavra "ecótono" nos dicionários filosóficos gregos, vamos encontrar o seguinte significado: prefixo "oikos", de casa e o sufixo "tónos", que significa tensão (PETERS, 1974). Em outras palavras, o ecótono é "a casa da tensão". Os estóicos explicavam a tensão em vários níveis, a tensão no pneuma é o ar que respiramos, centro vital da nossa capacidade de conhecer, e num estágio superior, é a tensão que se manifesta na capacidade de crescimento. Esse "crescer" parece estar relacionado, tanto do ponto de vista biológico, como sob a perspectiva do crescimento científico.
Num estudo sobre a aproximação do pensamento filosófico de Heidegger e Foucault, FIGUEIREDO (1995) considera que nossa relação com a verdade, que nos permite reconhecermos como sujeitos dos acontecimentos, exige também uma relação no campo do poder, onde somos sujeitos capazes de agir sobre @s outr@s. Nessa dimensão, ele propõe a simbologia de uma "casa", onde é necessário assumir a existência da ética.
A "casa da tensão", onde os atores e as atrizes sociais tentam uma ação interdisciplinar, pode ser explicada como um estágio de desenvolvimento, com rupturas da homeostase, onde as multiplicidades do poder entram em choque, mas que o próprio sistema vai tentar constituir uma unidade superior de conhecimento, porque vai acumular os diversos saberes. E, é claro, porque os conhecimentos estão sob a conduta ética e crítica dos grupos envolvidos, numa relação de reciprocidade que permite que cada um possa edificar a morada.
A atitude crítica do elenco, durante o desenvolvimento dos trabalhos, não pressupõe a existência de um sujeito plenamente consciente de si. "Ela não é um ordem de um juízo que sobrevoa a realidade histórica do alto de uma posição ideal de verdade, mas ela mostra claramente de que longe de transcender o presente, se inscreve nas dobras dos jogos de poder" (FOUCAULT, 1982).
Infelizmente, a EA tem sido considerada como uma ilha natural dentro de um continente cultural. No trabalho coletivo, é bom ter me mente de que deveremos ultrapassar a racionalidade dividida, buscando construir uma ponte que possa unificar a ilha ao continente, mesmo com rupturas, inseguranças e resistências. Certamente, haverá jogos de poder, mas fundamentalmente, devemos resgatar o respeito à postura ética que permitirá a força do trabalho. É nesta ousadia de tentar um caminho dialógico no mosaico de saberes - na maioria das vezes nem expressa, mas profundamente internalizada - que os conhecimentos adquiridos possibilitarão uma nova dimensão da EA.
Acreditamos, assim, que a EA possibilite o ato de liberdade, inserido na derivação da estrutura ontoantropológica e implicando o compromisso com a existência e o percorrido (PASSOS & SATO, no prelo). É na liberdade, pois, que plasmamos o rosto de quem o segue: seja para perda de si mesmo, por moldar-se às estruturas homogenizadoras na alienação, seja o de humanizar-se, pelo risco de protagonizar um caminho para si e para a humanidade. Talvez assim, sejamos capazes de despertar nosso lado poeta, ousando uma melodia com diversas notas musicais, que a cada regente diferente, será capaz de nos libertar para acreditar na utopia.
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FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA EDUCAÇÃO PARA GESTÃO
A Educação Ambiental para
gestão caracteriza-se por adotar a gestão ambiental como princípio educativo
do currículo e por centrar-se na idéia da participação dos indivíduos na
gestão dos seus respectivos lugares: seja a escola, a rua, o bairro, a cidade,
enfim, o lugar das relações que mantém no seu cotidiano. Entendemos que o
papel principal da educação ambiental é contribuir para que as pessoas adotem
uma nova postura com relação ao seu lugar. Para tanto, a remoção de três
obstáculos fundamentais se faz necessário. O primeiro obstáculo está
relacionado com uma postura histórica de descrença absoluta com relação a
possibilidade de ação individual ou coletiva sobre o lugar. Neste aspecto, o
comportamento usual é o de conduzir para longe, para os poderes públicos, de
uma certa forma abstratos, porque inacessíveis, a responsabilidade pelo destino
do seu lugar. Estudos de Sommer (apud Rubba,1991) confirmam que o padrão de
relação do homem com o seu lugar depende menos do conhecimento dos problemas
ambientais do que da sensação de distância da possibilidade de ação
individual e coletiva sobre este lugar.
O segundo obstáculo refere-se
a força do hábito imposta pela rotina, pelos seus tempos cíclicos e
repetitivos que turvam a capacidade de percepção e leitura do ambiente. A esse
respeito, estudos de Ferrara (1996) demonstram que a percepção ambiental é
mediada por signos que traduzem usos, hábitos, crenças e valores, não se
explicitando dentro da lógica verbal. Desenvolver o exercício de percepção
ambiental, portanto, significa penetrar na linguagem do lugar à partir da história
pessoal ou coletiva dos indivíduos.
O terceiro obstáculo liga-se
ao fato de que a idéia naturalista cada vez mais adquire centralidade em
discursos que se produzem e circulam em inúmeras instituições e, sobretudo,
em órgãos de comunicação de massa. Idéia segundo a qual a natureza é vista
como harmônica, autônoma com relação à existência humana, ao acaso e ao
artifício, adquirindo, em decorrência uma eminente função de ordem moral - a
idéia de primitividade, de autenticidade, de puro precedendo a degradação (Rosset
1989).
A soma dos obstáculos
ambientais apontados exige o desenvolvimento de dois diferentes níveis de ação:
o estranhamento e o (re)conhecimento do lugar. Esse duplo movimento deve se dar
mediante situações que conduzam os indivíduos a surpreender-se perante a seu
lugar e perante a si próprios, tranformando a ambos em espaços potenciais de
renovação. Defendemos a tese de que a busca de identidades culturais e sociais
acaba suscitando práticas e políticas de gestão e reabilitação dos patrimônios,
entendendo-os aqui, como a própria vida social, as práticas locais, os
conhecimentos dos indivíduos, que, cada vez mais, parecem constituir objeto de
conservação e transformação.
O campo da Educação Ambiental
para gestão é precisamente um desses domínios particulares de enfrentamento
desses três obstáculos ambientais na medida em que desloca o indivíduo
da condição de telespectador ou simples usuário do seu lugar para o terreno
das escolhas, tomada de decisões, ação reflexiva e deliberada sobre o lugar.
O percurso pedagógico para este tipo de "ultrapassagem" deve ser o
exercício de percepção ambiental reflexivo acompanhado do enfrentamento
consequente das questões que emergem deste exercício primeiro (Ferrara, 1996).
Deve se traduzir na capacidade de integrar os resultados do processo de reflexão,
a imaginação e a vontade num processo de intervenção deliberada sobre o
lugar.
O CURRÍCULO COMO LUGAR DA PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADES
A base de todo o processo de
formação de um tipo de subjetividade atuante é o currículo que adota a gestão
ambiental como princípio educativo. No plano pedagógico, professores e alunos,
em conjunto, definem projetos de intervenção e transformação da realidade, a
partir de problemas por eles identificados no seu ambiente mais próximo. Esses
problemas particulares são estudados buscando entender sua origem, suas conexões
e a diversidade de experiências pessoais a eles relacionados. Em torno deles
interagem professores, alunos, pais de alunos, moradores - nos seus respectivos
papéis e níveis. Na medida em que os indivíduos organizam-se
individualmente e em grupo, selecionando as possíveis soluções e
identificando os interlocutores, cria-se uma cultura de participação política,
uma cultura ambiental. A própria escola, como unidade social, firma-se como
primeira instância de organização coletiva de sua população específica e
da articulação com outras populações, com as diversas instâncias do
poder público responsáveis pela execução de políticas públicas para a área.
Assumir o projeto de intervenção como elemento motor do processo de
aprendizagem significa a possibilidade de exercitar a cidadania no dia a dia;
compreender os fenômenos nas suas múltiplas dimensões, no seu movimento histórico;
abrir espaço para a oralidade e para a memória que se encontram presentes nas
múltiplas faces do cotidiano e reconhecer que tudo isso representa um produto
do fazer coletivo.
RELATO DA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PARA GESTÃO
O AMBIENTE DA PESQUISA
A experiência que será aqui
descrita insere-se no contexto de uma linha de ação do Projeto Memorial Pirajá
elaborado pelo Centro de Educação Ambiental São Bartolomeu, integrando o
Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia. Pretende-se,
com o conjunto da proposta, a recuperação, pela comunidade, do Parque São
Bartolomeu, importante sítio natural, histórico e sagrado da cidade de
Salvador que se encontra esquecido e em processo crescente de degradação no âmbito
fisico como também e, sobretudo, da sua imagem, em decorrência da forte projeção
negativa contra a identidade e ligação que o Parque guarda com a religião
afro-brasileira. O Parque situa-se no subúrbio de Salvador, onde vivem 400.000
habitantes, dentre os quais 90% são negros ou mestiços e onde se atingem os
maiores índices de subnutrição, mortalidade infantil e doenças ligadas ao
saneamento ambiental (Gazzinelli, M, 1993). As escolas municipais aí situadas
possuem problemas básicos de infra-estrutura e condições materiais precárias
para o trabalho pedagógico (falta papel para cópias, lápis, livros, máquina
de extencil, papel metro); defrontam-se, freqüentemente, com problemas de violência
no bairro. Há ainda os fatores pedagógicos que expressam-se através da falta
de motivação docente e discente, dificuldade de expressão escrita e de relação
interpessoal.
Frente a esse cenário e à
conseqüente necessidade de intervenção junto a professores e alunos, na
tentativa de lhes favorecer a construção e apropriação progressiva de novas
atitudes perante a si próprios, aos outros, à escola, ao bairro, ao Parque, ao
meio, enfim, foi proposto um projeto de Educação Ambiental para Gestão que
teve início em 1994 com 6 escolas municipais e é hoje realizado com 10 escolas
para 1282 alunos de 3.a e 4.a séries. No desenvolvimento desse projeto, o
Parque afigura-se menos como existência concreta e mais como referência didática
excepcional para a reconstrução da idéia do lugar,da natureza, da história e
da diversidade humana - racial, cultural, social e religiosa.
SURPREENDENDO-SE PERANTE O LUGAR
Durante o ano de 1994, os
alunos realizaram um exercício de percepção ambiental nos bairros onde
residem e se situam suas escolas, como primeiro passo para a elaboração dos
projetos que seriam desenvolvidos. Mapearam a situação ambiental da escola e
vizinhança, os esgotos a céu aberto, buracos na rua, pontos de lixo em
terrenos baldios e um ponto de lixo ao lado de uma das escolas. A Figura 1
mostra a situação ambiental da rua do Curralinho, bairro de Ilha Amarela,
segundo o mapa elaborado por um aluno da 3.a série. Como parte do exercício de
percepção ambiental, os alunos fizeram desenhos, relatos do dia a dia, o que
mais gostavam de realizar, o que menos gostavam, motivos de tristeza e
contentamento, como encaravam a saúde e doença, o que a saúde tem a ver com
os modos de morar, já que o Subúrbio é apontado como o lugar onde se
encontram os maiores índices de doenças ligadas ao saneamento ambiental. A
Figura 2 mostra a representação surpreendente de saúde e doença de um que
deixa transparecer a diversidade de experiências pessoais de cada um com relação
à saúde e doença. Já os adolescentes desempenharam o papel de
entrevistadores em grupos focais organizados com grupos de mães, de jovens e
terreiros de candomblé, estruturados com o fim de compreender as percepções
dos moradores sobre os seus principais problemas, as doenças, práticas locais,
formas de tratar, suas causas e relatos de experiências de terem estado
doentes.
Todos esses dados foram
confrontados com as informações obtidas por fontes oficiais, de modo a nortear
uma proposta de educação em saúde. Essa intenção se articulava com a
finalidade maior do projeto na medida em que, em um primeiro nível,
interessavam-nos as percepções dos moradores e escolares; e, em segundo nível,
interessava-nos influenciar as percepções dos moradores e escolares no sentido
de levá-los a instituir ações transformadoras nestes lugares.
A principal consequência desse
trabalho de participação comunitária na elaboração de uma proposta em saúde
foi a formulação do projeto (Co)operação lixo por parte dos professores e
alunos de uma das escolas. O projeto (Co)operação lixo, assim designado por um
aluno, por aliar a necessidade de uma operação no seu sentido estrito e de
cooperação, define como problemas o lixo ao lado da escola e a falta de
higiene na própria escola. É nesse sentido que a escola se torna referência e
presença ativa no bairro com relação ao problema do lixo, o que atesta, de
forma inequívoca, o fato de que elaborar informação sobre o cotidiano pode
ser determinante no processo decisório dos indivíduos, favorecendo-lhes a
escolha de alternativas consequentes voltadas para o enfrentamento e reversão
do quadro por eles próprios identificado.
Paralelamente, durante o ano de
1995, outros três projetos de intervenção são criados por alunos e
professores. Fruto de toda essa "trilha" pedagógica já descrita,
surge o Projeto Recreativo, a partir do desejo dos alunos de (re)conquistarem o
recreio e equacionarem espaços para brincar dentro da escola, onde há áreas
livres que não são utilizadas para a recreação dos alunos, conforme texto:
"nós queremos um parque na nossa escola, porque não temos praça e parque
na comunidade. Também não saímos para outros lugares. Na nossa escola não
tem recreio e ficamos na sala. Quando saímos ficamos em espaço pequeno para
muitos alunos. Por isso queremos um parque. Temos uma área grande e murada na
nossa escola. Dá para um parque e um campo de bola. Nosso sonho é termos uma
escola com brinquedos como as escolas particulares. E aprender com mais
alegria!". A Figura 3 representa o que distingue, na concepção dos
alunos, uma escola com recreio de uma escola sem recreio.
O Projeto Espaço Verde
nasce a partir da observação da escola: "como ela é feia, sem vida, com
muita terra e mato". O texto poético que se segue sintetiza o trabalho de
percepção ambiental desenvolvido na escola Cidade de Itabuna e vizinhanças
que resultou na proposta de implantação das áreas verdes.
" Eu ouví uma zuada de ônibus
Eu ví um bucado de papel no chão
Eu sentí o cheiro de mato
Eu ouví
os meninos gritarem
Eu ví um pé de malva
Eu ví uma menina de sapato furado
Eu vi muito lixo
Eu sentí o calor e a luz do sol....
Eu ví a folha de coqueiro balançando..
Eu senti um cheiro de jambo
Eu vi vidro e plástico no chão
Eu vi lata enferrujada, telha no chão
Eu sentí o gosto de pastilha de hortelã
Eu quero um escola
organizada
Eu quero uma escola bonita
Uma horta com muitos pés e um jardim."
Para o Projeto Biblioteca Comunitária,
o grande desafio é montar uma biblioteca comunitária como resultado de um
trabalho de (re) significação do autor, do leitor, do espaço de leitura
existente na sala de aula e, sobretudo, do livro. Neste ponto, interessante
expor a metáfora utilizada por uma aluno para nomear o livro resgatando imagens
que pertencem ao seu mundo vivido: "o livro é como uma metralhadora, pois
nos dá poder ".
Todos esses projetos de
intervenção por basear em exercícios de percepção, geração de informação
e gestão do lugar, implicam no desenvolvimento de experiências e conteúdos
voltados para o lugar, processo que será descrito a seguir.
O LUGAR NO CENTRO DA SALA
No âmbito das implicações
pedagógicas dos projetos de intervenção, podemos considerar a criação, na
escola, de uma esfera de comunicação - os gestos, as palavras, os números, os
desenhos, as pinturas, o teatro, as brincadeiras passam a constituir-se em matéria
prima primordial, em senhas sem as quais é impossível viver a escola e
atualizar-se com relação ao que nela acontece de mais inédito. Assim, as
diversas formas de linguagem não têm, para os alunos, uma existência
abstrata, mas um uso e sentido social, porque geradas a partir das necessidades
impostas pela horta, pelo lixo, pelo desejo de brincar na escola e, sobretudo,
de se transformarem em autores reconhecidos. Os alunos, ao escreverem textos
para justificar a importância do parquinho, bilhetes informais, convites para
as Secretarias de Saúde e Educação, frases e emblema para o ato público do
lixo, panfletos para a campanha do lixo na comunidade, abaixo-assinado para a
Companhia Pública de Lixo de Salvador, não estão realizando um simples exercício
gramatical ou de concordância, mas, sobretudo, uma comunicação de idéias. Em
outras palavras, estão tendo oportunidade de se exercitar como sujeitos, ao
mesmo tempo, autores e críticos.
Esse processo foi
confirmado por alguns depoimentos de professores, dentre eles:
"Você precisa ver os meus
alunos ano passado, como eles escreviam e agora.Um aluno criou um rap e outros
criaram frases e a gente vê como a a criança gosta de ser atuante e
participar"
O texto que se segue,
construído coletivamente pelos alunos da 4.a série da Escola Cidade de
Itabuna, após atividade no parque, ilustra como situações vividas pelos
projetos de intervenção acionam, de maneira imediata, diferentes formas de
expressão, neste caso, a escrita, a que nos referimos acima.
"O sábado no parque
foi divertido. Nós fomos pela caixa dágua, tinha uma ladeira tão estreita e
escorregando que todo mundo teve medo. Aí nos fomos descendo por debaixo das
plantas de cipó e das plantas de espinhos. Paramos embaixo de uma árvore que
carregava outras plantas lá no alto, as bromélias. Bem dejunto da árvore
passava o rio da cachoeira, nós vimos os micos gritando porque viram gente. Nós
vimos tantas árvores grandes que não se via o sol. Vimos muits pedras grandes,
muitos pratos de barro de oferenda nos pés das árvores e o som da
cachoeira.....Aí nós chegamos lá embaixo na cachoeira de Oxumaré. Quase todo
mundo tomou banho. Nós assistimos várias pessoas falando, capoeiras e tomamos
banho e voltamos para casa pela escada e pela ladeira. Foi bom mesmo o
passeio."
Igualmente, a representação
constante da Figura 4. Tal figura representa o projeto do parquinho elaborado
pelos alunos depois do treinamento oferecido pelo projeto. Expõe o
desenvolvimento da capacidade de expressão gráfica e de projeção a partir de
condições reais. Revela uma oportunidade de treinamento no raciocínio
projetivo.
Outra competência amplamente
desenvolvida foi a expressão oral espontânea no momento em que os alunos
socializavam suas intenções com os seus pares, com os moradores, visitantes,
instituições e pessoal da imprensa do Projeto.
Ainda, neste terreno da criação
na escola de uma esfera de comunicação, podemos destacar a proposição do
brincar na escola - os alunos brincam durante alguns momentos definidos na
semana, levantam a memória das brincadeiras dos pais e avós, das suas próprias,
registram e socializam os dados levantados com os demais. Através do lúdico,
vivenciam a diversidade de relações e experiências pessoais e coletivas com o
lugar. Tudo isso vai ao encontro do interesse inicial expresso pelos professores
em aprender e aceitar agir em sala de aula com base em um conceito de trabalho
prazerozo e criativo, permitindo a si próprias, inclusive, brincar com as crianças.
Uma professora descreve o trabalho de recreação que vem sendo desenvolvido na
sua sala:
"Os meninos trazem os
problemas de casa, da rua e se agridem no recreio......eu ficava vendo um jeito
de melhorar; aconteceu sem eu acreditar; crianças pesquisando brincadeiras que
as avós brincavam, comparando e já estão conseguindo brincar numa boa. Eles
organizam brincadeira, jogos, já brincam espontaneamente".
Em síntese, todas as
atividades descritas que se caracterizam por trazer o lugar para o centro da
sala, se associam, antes de tudo, a uma específica concepção do sujeito que
ocupa esse lugar:o sujeito aluno, sujeito ator, locus, por excelência, dos
investimentos nos seus saberes e nas suas capacidades de expressão.
SALA DE AULA, LUGAR DO EMBATE ENTRE DIFERENTES SABERES
Em conclusão, podemos afirmar
que a consequência principal de todo o trabalho desenvolvido em sala de aula
é o surgimento de uma tensão entre duas linhas de força contrárias: a força
da repetição imposta pelo discurso escolar e a força da criação. Quando se
observam os textos e desenhos elaborados pelos alunos no dia a dia constata-se,
claramente, a predominância daqueles do tipo padronizado que se traduzem em
simples cópias do livro-texto. A resposta recorrente dos alunos à provocação
do professor "quem sou eu? " remete a indagação acerca do que fazem
os alunos com seus desejos e com as imagens que têm de si quando escrevem tais
textos. Como exemplo segue uma resposta de um aluno da 4.a série à provocação
do professor "quem sou eu?":
"Sou atencioso e alegre.Não
faço mal a ninguém. Respeito os mais velhos. Faço o que a minha mae manda e
meu pai.Gosto de pessoas e crianças boas. Eu sou legal.Gosto da minha mãe e do
meu pai. Eu não gosto de bagunçar quando os outros meninos estão brincando.
Eu sou feliz como todas as crianças!....."
Ao verificar a imposição que
esta cultura escolar homogeneizadora exerce sobre os padrões de trabalho
escolar, somos forçados a admitir que, quando situações concretas intimamente
ligadas à vida dos alunos os invocam a falar, ouvir, escrever, desenhar, só aí
já se encontram os elementos de uma prática eminentemente inovadora.
Na verdade, o que se estabelece
é uma negociação entre duas tendências opostas: a tendência à submissão
ao habitual, ao que está posto e a tendência à subversão dessa pretensa
"ordem" a partir da disposição e abertura para o novo, mesmo com o
incômodo que ele pode trazer. As expressões abaixo utilizadas pela professora
demonstram que ela reconhece que há no aluno muita energia a ser trabalhada e,
ainda, que não há possibilidade de qualquer tipo de ação nesse sentido antes
de, primeiramente, deixar-se livre o potencial e a capacidade de o aluno
"fazer coisas".
"O projeto da minha escola
é o projeto recrativo. Sinceramente,era uma das pessoas resistentes ao projeto.
Eu não esperava. Primeiro fizemos várias reuniões do que iria acontecer no
projeto recreativo com as crianças e tenho uma aluna muito tímida que
desabrochou e no dia da gincana tava um "auê" danado e a recreação
acontecendo...Agora eles participam em dramatizações que não participavam.
Foi em tão pouco tempo que foi uma surpresa para mim. Eu ví que os alunos
podem ser líderes sem mandar. E nos dias de planejamento das ações com eles
sempre pega fogo as reuniões. Está um trabalho cansativo mas está dando
certo, porque eles estão fazendo coisas. Eu ví que as crianças são capazes
de fazer coisas que eu não sabia que eles eram capazes. Eu não queria me
envolver, mas acabei me envolvendo...."
Essa tensão entre a produção
e a reprodução está também expressa no conflito entre as funções geradora
e normativa da Educação Ambiental. Frequentemente, identificamos nos
argumentos dos professores e alunos elementos normativos e moralistas, tais
como: "o lixo não pode ficar alí ", "não é justo o lixo
ao lado da escola", "o parque é bonito e alegre não pode ser destruído
pelo homem,"a natureza é pura e limpa, o homem que a destróe e a
polui". Concordamos com essas afirmações dos professores e alunos.
Contudo, na medida em que essas expressões persistem com o tempo, sem mostrar a
apropriação de um vocabulário mais crítico e desvelador do problema, somos
forçados a admitir a presença de uma tendência cuja origem parece situar-se
na ideologia naturalista que habita o pensamento do homem desde a antiguidade até
hoje, sob as mais diferentes formas. Idéia moralista que, segundo Rosset
(1993), responde às necessidades do homem em afigurar a natureza como uma instância
independende do homem e do artifício, uma instância perene, equilibrada, harmônica,
pura, em substituição à facticidade, instantaneidade, artificialidade,
imprevisibilidade que lhe são inerentes.
As percepções dos alunos
sobre o lixo antes do trabalho educativo revelam como a educação
ambiental desenvolvida nos currículos escolares formais tem sido frequentemente
equivocada com instrução ambiental e, assim sendo, ao invés de se apoiar na
geração de informação sobre o lugar centra suas análises em torno de convenções
de caráter normativo. Vejam a resposta de um aluno que muito pouco têm a dizer
acerca das razões pelas quais justifica-se a retirada do ponto de lixo da
escola:
"O lixo é ruim . Ele
cheira mal.!
"Não é justo ter lixo ao
lado da escola"
"Eu falo com a minha mãe
que o lixo deve ser guardado dentro de sacos de lixo amarrados"
"O lixo deve ser
colocado em lugares próprios para não causar doenças".
A resposta enumerada a seguir,
após investigação e estudo do problema mostra uma mudança
conceitual de uma percepção alienada acerca do problema do lixo para uma visão
crítica e científica que põe ênfase nos processos naturais e biológicos que
justificam a necessidade do seu equacionamento. Segue a resposta:
"O lixo deve ser bem
cuidado porque ele causa muitas doenças. O lixo orgânico é formado por cascas
de frutas e de verduras, por isso se chama lixo orgânico.Os animais mortos também
são materiais orgânicos. Os animais de lixo são ratos, baratas, sariguê,
etc. Tem lixo que se aproveita como latas velhas, ficam novas, vidros, pneus,
papéis, etc. Estamos fazendo um composto que vai adubar a horta. Este composto
é feito com talos de temperos, cascas de frutas, verduras e ovos. Eles são
decompostos pelos microorganismos que são tão pequenos que só podemos ver
através da lupa."
O LUGAR DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CURRÍCULO
Todo este trabalho de
experimentação tem se dado dentro de um clima de busca de integração com os
conteúdos formais do currículo, segundo relatos dos professores:
"Quando eu trabalhei a
identificação do aluno, através da entrevista, eu aproveitei para trabalhar
letras iniciais, vogais, locais de nascimento." "Quando eu dava
rios em estudos sociais, eu entrei nos rios da bacia do rio do Cobre e as
cachoeiras do São Bartolomeu."
Essa busca por uma prática
interdisciplinar, entretanto, não necessariamente redundava em uma ação
interdisciplinar. Neste ponto, o que se observou é uma forte inclinação dos
professores em desenvolver os conteúdos das diversas áreas em torno de um
mesmo texto ou tema gerador, embora conscientes das dificuldades que isso
acarretava: "os alunos acham cansativo porque isso às vezes demanda muito
tempo, como o que aconteceu com o texto "ao lado dos outros" que
levamos um mês, praticamente".
Tais comportamentos encontram
apoio em três equívocos comumente compartilhados por nós educadores. O
primeiro equívoco reside no fato de se estabelecer uma homologia entre o
trabalho com as diversas áreas em torno de um texto e interdisciplinaridade.
Consideramos que este tipo de trabalho com o texto não implica necessariamente
em intersecção entre áreas, pois cada uma delas pode permanecer fechada,
circunscrita em torno do seu objeto de estudo, explorando-o de forma vertical.
Inclusive, este tipo de trabalho pode conduzir ao risco conceitual de
desconsiderar que a intersecção entre as áreas do saber é intrínseca e que
é o objeto de estudo que impõe a abordagem interdisciplinar levando em conta
as múltiplas faces que o compõem e as conexões inimagináveis que ele sugere.
O segundo equívoco está
relacionado à idéia de se conceber a educação ambiental como uma disciplina
isolada, constituída por um conjunto de conteúdos inéditos e exclusivos.
Entendemos que não existe educação que não seja ambiental. Concebida dessa
forma, deve implicar, não na introdução de conteúdos inéditos, cuja marca
principal é a atualidade, mas numa nova abordagem para "velhos" conteúdos
na qual a diversidade, a pluralidade cultural e racial, o imaginário, a memória,
a subjetividade, a identidade, a cidadania estão amplamente expressas.
O terceiro equívoco consiste
em admitir a interdiciplinaridade como algo tranquilo e de fácil implementação
no meio educacional. Em nossa concepção, não pode ocorrer senão mediante um
diálogo entre os professores; o que significa assumir uma posição de indagação
constante acerca da propriedade e pertinência dos princípios e métodos de
cada ramo do saber quando deslocados para o contexto de outro campo disciplinar,
processo que, sem dúvida, interpela os professores no mais íntimo de sua
identidade pessoal e profissional ( Williams 1984 ).
Nesse sentido, as nossas
ações têm caminhado no sentido de desmontar essas noções de
interdisciplinaridade apresentadas pelos professores, bastante frequente nas
escolas. Para isso, temos trabalhado com a idéia de substituição da metáfora
do conhecimento como uma árvore que tem um tronco único a partir do qual saem
ramos, galhos e folhas, pela metáfora do conhecimento como um rizoma, a partir
do qual partem ramificações e subdivisões não ordenadas, permitindo caminhos
não lineares entre as diferentes estruturas, bem como múltiplas possibilidades
de conexões, aproximações, cortes, percepções etc (Gallo, 1995).
SURPREENDENDO-SE PERANTE A SI PRÓPRIO
A capacitação dos professores
para o desenvolvimento da educação para gestão, designada por nós de "o
professor narrador e escritor", tem se dado em torno da transmissão/construção
de conhecimentos; do exercício de reflexão crítica sobre as práticas e do
projeto de escrita pelo professor cuja intenção principal é diminuir a distância
entre os professores e a escrita, entre eles e o uso significativo e prazeroso
do registro escrito.Essas escolhas baseiam-se na idéia de que a formação de
professores não se constrói apenas por acumulação de conhecimentos mas,
sobretudo, através de um processo de reconstrução permanente de sua
identidade pessoal e profissional. Ao desenvolverem projetos de escrita pessoal,
podem compreender como se dá o processo de construção de texto, estimulando o
gosto pela escrita pessoal fora de um interesse formal e pragmático,
vivenciando a diversidade, a criação espontânea e tudo que está envolvido no
processo de invenção e formulação de um projeto de estudo pessoal.
A resposta dos professores a
esse investimento no seu aperfeiçoamento docente, durante os dois
primeiros anos, não foi homogênea, podendo-se considerá-la, de um lado,
como um corpo de professores com grande profissionalismo, que conduziu, de forma
autônoma, as atividades concernentes ao Projeto; por outro lado, como uma
massa significativa de professores pouco empenhada e com fortes resistências às
orientações dadas pelo projeto. O relato a seguir demonstra o sentimento de
insegurança inicial de um professor com a proposta: "Quando vocês
chamaram a gente para trabalhar ninguém sabia o que era, passou para os
professores que vocês tinham ido para observar, ver os defeitos. Depois que
passou aquele primeiro momento disseram, há.! eles não vem para observar, eles
vem para trabalhar! "
Dentre as razões apontadas
pelos professores para resistir ao projeto, está o fato de representar ele
"mais um trabalho adicional" aliado à descrença absoluta com relação
à possibilidade de mudança dentro da escola, cujas raízes parecem situar-se
em experiências anteriores por eles vivenciadas, frustrantes, inacabadas,
negativas, conforme seus depoimentos:
''Os meninos disseram que a
escola não tem plantas e que querem um jardim e um pomar. Mas a relação de
amor pela escola começa a bater. A escola ainda não tem seis meses e já
destruiram instalações e as torneiras. E disseram que querem passarinho na
horta para dar pedrada. O amor pela horta precisa ser trabalhado. Ainda não
saiu da cabeça deles a idéia da destruição."
"Haviam na escola
flores.Os meninos destruiram.Eu não sei o que acontece. Acho que é a
fome."
Assim, os professores
influenciados por experiências inacabadas passam a interpretar as novas metas
de construção do parquinho recreativo, de retomada do recreio e de retirada do
ponto de lixo, de forma única. Esses sentimentos de descrença foram também
encontrados em falas dos alunos:
"A gente se sacrificou
tanto para tirar o lixo daí e não adiantou nada, o lixo continua ao lado da
escola." "A horta não deu certo, não molharam, as pessoas do bairro
entram, arrancam as plantas,pisam, porque não respeitam a escola, o portão
está quebrado, o muro não é alto e não tem vigia, eles invadem. "
Constatávamos que este
comportamento era comum a professores e alunos; ambos tinham a mesma
postura de telespectadores diante de um processo com o qual, em princípio,
deveriam compartilhar, já que o projeto se configurava, na sua essência, como
um projeto de auto-gestão do espaço territorial por parte de alunos e
professores. Isso nos levou a pensar que residia aí uma da contradições da
educação para a gestão.Ao mesmo tempo em que nos dirigíamos aos professores
com uma proposta cujo sucesso estava intimamente condicionado à participação
individual e coletiva na escolha e exercício de alternativas, de forma implícita
transmitíamos a idéia de que os professores dependiam da nossa tutela para
trilhar e aprender o caminho que os conduziria a se tornarem gestores do seu
espaço. Contraditoriamente, com este tipo de trabalho, colaborávamos para a
construção da representação de que os professores, moradores do subúrbio,
eram indivíduos desprovidos de formas próprias de lidar e resistir às
imposições do meio. Traíamos nossas próprias intenções e o resultado era
ao invés de indivíduos com iniciativa e autonomia, indivíduos interditos,
privados de reger o seu próprio espaço.
Em face disso, nós educadores,
lançamos aos professores e alunos a seguinte provocação: "o que há por
trás do lixo que volta, da horta que não sobrevive, do parquinho que não
chega ?". A idéia era que todos refletissem sobre o seu papel como atores
sociais, sobre o seu papel na organização de movimentos com algum tipo de
influência sobre os órgãos e políticas públicas. Ainda, com os professores,
fizemos um outro movimento paralelo - uma oficina para aproximar a pessoa do
professor das intenções do Projeto, a partir das seguintes provocações:
"qual é o meu lugar? ; o lugar que eu moro; o lugar que estou; o lugar que
nasci; em que eu sempre vivi e hoje estou distante; o lugar que eu sonho
para mim; o lugar das pessoas na minha vida; o meu lugar neste mundo; o que
observo daqui do meu lugar; as lembranças e sentimentos que os lugares me
trazem". Atividade à qual podíamos atribuir validade
legítima já que se constituia em exercício indispensável para o ato de
surprender-se perante o lugar e, sobretudo, perante a si mesmo, por suscitar um
processo de reflexão sobre o lugar a partir das experiências pessoais e
coletivas de cada um.
Deste modo, antes dos meados do
terceiro ano de implementação do projeto, em 1996, verificávamos um aumento
de 80% na adesão dos professores à proposta. Um fator sobressae como
determinante: a ênfase à pessoa do professor e suas experiências
profissionais, suas vozes e escritos, acentuando a autonomia e orgulho que
resultam de tais processos.A afirmação transcrita abaixo proferida por um
professor representa, de fato, resultado de uma verdadeira reflexão pessoal
sobre o trabalho desenvolvido:
"No dia da gincana eu pude
observar o excesso de liderança dos alunos e eles entram em choque. Eles tem
dificuldade de trabalhar o ouvir. Temos que trabalhar mais para isso. Você
cansa com o barulho que eles fazem, mas é falta de aprendizado. Todos nós
somos criativos, se estamos preocupados em transformar a escola em espaço
criativo e que os alunos se sintam bem na escola. Mas na verdade nào queremos
transformar a escola. As escolas não querem trabalhar a criança criativa
porque a escola não deseja formar crianças transformadoras.Estamos fazendo
tudo isso para hoje e para sempre. "
Essa motivação com os
encontros e com o trabalho reforça a idéia de que uma das vias de formação
de professores é aquela voltada para a reconstrução dos sentidos de sua ação
profissional (Nóvoa,1991, Kramer,1993).Essencialmente, nos mostra que
professores que verdadeiramente se comprometem com o trabalho que desenvolvem,
identificam-se profundamente com ele, atribuindo ao mesmo um sentido que é
parte de suas vidas. Seguem algumas falas ilustrativas:
"Este trabalho é tão
importante para mim. Estou me descobrindo..... Eu vejo que meus alunos estão
criando. Eu já posso me aposentar, agora eu estou repensando isso."
"Nós estamos sendo
valorizados como profissionais! "
"O importante é a troca
de experiências. Eu vejo uma imensidão de trocas, de técnicas que realmente
enriquece a gente. A gente se comunica com o outro. Isso é prazerozo."
INTERFERINDO NO LUGAR
Após analisar as diversas
experiências no âmbito dos projetos de intervenção, importa refletir acerca
do seu impacto na produção de ações humanas auto-gestionárias. Uma das
escolas representa um exemplo de projeto integralmente assumido pelo corpo
administrativo, docente e discente, resultado de uma efetiva mobilização no
interior da escola. Formou-se o consenso de que o problema do lixo deveria obter
investimento através de campanha informativa na comunidade. Uma oficina na
Escola para que todos pudessem pensar sobre a campanha foi a estratégia
escolhida. Os alunos viam-se envolvidos em idealizá-la e planejá-la. Uma das
atividades seria a criação da peça "falalixo"a partir da experiência
de laboratório com os alunos, onde eles iriam construindo e vivenciando seus
personagens, utilizando os descartados no lixo. Já à direção da Escola coube
entrar em contato com a Empresa de Coleta Lixo, elaborar junto aos moradores
"abaixo assinado" contendo reivindicações e organizar o mutirão
para limpeza e retirada de entulho da escola. Assim, o Projeto (Co)operação
lixo tecia-se enquanto coletivo.
Outro exemplo que ilustra o
exercício da cidadania ativa, desta vez pelos alunos, foi a sua participação
na discussão acerca do "Parque que Queremos", por ocasião da eleição
para prefeito nas capitais. Essa discussão se inseriu num debate mais amplo que
envolveu diversas intâncias - associações de moradores, terreiros de candomblé,
universidades, entidades ambientalistas, para se pensar o parque e apresentar
para discussão na cidade um projeto construído de forma verdadeiramente democrática.
Porém, entre o ceticismo
inicial e a capacidade de auto-gestão, colocou-se uma importante mediação,
uma das chaves para se compreender como se constróem subjetividades atuantes. Não
é sem estranhamento que analisávamos, no início do trabalho, a pouca influência
exercida por todo esse instrumental adquirido por professores e alunos na condução
dos projetos de intervenção, que, na maioria das vezes, eram sobrepujados
pelas necessidades imediatas impostas pelo exercício pedagógico diário. Pensávamos
que a dificuldade em pôr em marcha as ações que nos levariam às mudanças
estava ligada a uma dificuldade mais complexa de tornar concomitantes e
complementares o pensamento, o gesto e a fala ( Matsushima, 1992). Agíamos como
se o pensamento, por si só, encerrasse o ato transformador. Neste ponto,
precisamente, refletimos que tal tendência hegemônica entre os professores em
trabalhar, de forma excludente, a teoria e a prática, o pensar e o agir, o
ensinar e o aprender, o teorizar e o praticar não era singular; ao invés
disso, representava um traço característico do homem moderno, cujas raízes
situam-se na racionalidade instrumental, na profunda separação entre a razão
e a subjetividade humanas. Romper com esta tendência, portanto, constituía um
desafio não só para os professores, mas também para todos, nós, educadores,
uma vez que se tratava de um conteúdo e substância próprios da educação
ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As implicações educativas
desse trabalho foram: (1) criação, na Escola, de uma esfera de comunicação
e de tensão entre a cultura escolar e novas configurações cognitivas;
(2) desenvolvimento, entre os escolares, da capacidade de articular
a imaginação, a vontade e a reflexão no exercício de ação deliberada sobre
o meio.
Com relação à primeira
implicação, constatamos que a introdução da gestão ambiental no currículo
marcou um momento de tensão na configuração das relações de força entre os
diferentes saberes que exercem um controle sobre o currículo. Fez da escola um
campo de livre expressão desses diferentes saberes, sem hierarquizações
absolutas, sobretudo uma instância que se movimenta, ao mesmo tempo, dentro da
manutenção de configurações já existentes e construção de novas configurações
curriculares.
Com relação à segunda
implicação, gostaríamos de ressaltar que a idéia de um currículo para a
gestão não é uma idéia nova; corresponde a uma tradição no interior do
movimento de educação da década de 70, designado Educação em Ciência,
Tecnologia e Sociedade, cuja ênfase situa-se na capacidade de tomada de decisões
dos escolares. O que a proposta de educação para gestão traz de novo, num
momento em que se reforçam mutuamente a crise do conhecimento e a crise
ambiental, é que esse duplo processo de percepção ambiental e ação cidadã
não pode ocorrer senão a partir do investimento na realização pessoal mais
exigente que incorpore o coletivo. Ou seja, mediante a substituição de um
processo educativo cuja ênfase está na racionalidade instrumental e no
individualismo por um processo que exibe a subjetivação como elemento
fundamental para o exercício das competências coletivas. O que significa
assumir que tão importantes quanto o conhecimento e as metodologias como
elementos estruturantes do processo pedagógico são as experiências pessoais,
os valores, as crenças, as emoções, as pulsões, os desejos, as lembranças,
a vontade, o motivo, a imaginação.
Por fim, vale ressaltar a força
de um trabalho empírico como esse para o exame de questões como o
multiculturalismo, o confronto entre diferentes saberes, a
interdisciplinaridade, a seleção cultural, tratadas, com frequência, de forma
não problematizadora nos trabalhos acadêmicos. Como consequência, vem-nos
ajudar a mover com certa inteligibilidade nesses tempos em que se pretende ir
para além dos paradigmas vigentes, mas nos quais ainda não se dispõe de produções
suficientemente consistentes dentro de novos paradigmas.
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que meu trabalho é uma gota no oceano.
Mas sem ele, o oceano seria menor..." Madre Teresa de Calcutá
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ECOTURISMO
E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
CAMINHOS PARA UMA NOVA CONSCIÊNCIA DA
COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA
Prof. Ms. Zysman Neiman
Professor Titular das disciplinas Ecologia Geral I e II, Educação Ambiental e Ecologia Humana do Curso de Biologia da UniABC. Mestre em Psicologia e Doutorando em Ciência Ambiental pela USP.
Resumo
O presente trabalho, que se insere numa perspectiva psico-etológica, discute os programas de Educação Ambiental não formais realizados em áreas naturais, através do ecoturismo, e com ambições de contribuir na formação de uma consciência ecológica participativa dos cidadãos urbanos brasileiros. Para tanto, foram realizadas algumas viagens experimentais com estudantes de cursos de graduação da Universidade de Grande ABC (UniABC), potencialmente agentes multiplicadores das metodologias desenvolvidas, com os quais foram aplicadas técnicas especialmente preparadas com o intuito de resgatar vínculos ancestrais de nossa espécie (comportamentos adaptativos inatos de relação com o ambiente e a sociedade) de modo a (re)situá-los, visto que encontram-se, no mundo contemporâneo, deslocados dos contextos para ao quais foram selecionados. Devido ao seu caráter interdisciplinar, o trabalho procurou, também, elaborar metodologias inovadoras que possam colaborar com programas de Educação Ambiental no ensino formal da UniABC.
Palavras-chave: Educação ambiental, Ecoturismo, Capacitação, Meio ambiente.
Abstract
The present work, inserted in a psycho-etologic perspective, discusses the nom-formal programs of environmental education carried out in natural areas, through the ecotourism, and aiming to contribute to the formation of an ecologic conscience with the participation of the Brazilian urban citizens. For that, some experimental trips were made with students of the graduation courses of the Univversidade do Grande ABC (UniABC), potentially multipliers agents of the developed methodologies, with whom were applied techniques specially prepared, aiming to rescue ancient links of our species (inate adapting behaviours of relation with the environment and society) in order to insert them, in the proper context, since they are, in modern world, dislocated from the context to which they were selected. Owing to its interdisciplinary character, the work also tried to elaborate innovating methodologies than can cooperate with the environmental education programs in the formal teaching at UniABC
Keywords: Environmental education, Ecotourism, Capacitation, Environment.
INTRODUÇÃO
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A ESCASSEZ DE PROPOSTAS PRÁTICAS
Vivemos, atualmente, em um mundo em grande parte dominado pela vaga neoliberal que afeta todas as camadas da sociedade e suas áreas de atividade. A problemática ambiental tem se mostrado um dos grandes dilemas que as sociedades terão que enfrentar no milênio que se aproxima, sendo unânime a opinião de que apenas um processo de educação voltado para a transformação dos valores a atitudes individuais poderá conduzi-las ao encontro de alternativas sustentáveis.
A partir de Estocolmo/72 muito se falou sobre Educação Ambiental em todo o mundo, sendo que no Brasil esta discussão só ganhou força a partir dos anos 80. Com a realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio/92) e a publicação do Tratado de Educação Ambiental Para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Local , pelas ONGs reunidas no Fórum Global (GRUPO DE TRABALHO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS NO FÓRUM GLOBAL, 1992) foram estabelecidas as bases para a implantação de políticas e programas voltados a uma nova consciência da sociedade em relação à sua interação com o meio. Desde então, muito se escreveu sobre Educação Ambiental, mas pouco se avançou no sentido de elaboração de atividades eficazes e inovadoras que pudessem ser aplicadas nos setores formais e informais da educação.
Reigota (1998:43) aponta que a educação e áreas afins das ciências relacionadas com a ecologia elaboraram os fundamentos básicos da proposta pedagógica que se convencionou chamar de Educação Ambiental, que são: conscientização, mudança de comportamento, desenvolvimento de competências, capacidade de avaliação e participação dos educandos.
Padua e Tabanez (1997:15) consideram que a Educação Ambiental propicia o aumento de conhecimentos, mudança de valores e o aperfeiçoamento de habilidades, que, segundo as autoras, são condições básicas para que o ser humano assuma atitudes e comportamentos que estejam em harmonia como o meio ambiente. Assim como este, pensamentos similares podem ser fartamente encontrados na literatura, e a ênfase na necessidade de se trabalhar questões valorativas e procedimentais é o grande consenso da Educação Ambiental. No entanto, apesar da obviedade de sua importância, poucos educadores ambientais brasileiros divulgam seus trabalhos, ou o fazem de maneira pouco eficiente, pela escassez de periódicos e mesmo pela falta de hábito de publicar experiências. Quando há divulgação, na maioria dos casos, o que se observa são modelos já estabelecidos, que apresentam as mesmas reflexões e são poucos os que contribuem de fato para a busca de estratégias práticas para a implantação de programas inovadores, e que partam de novos pressupostos conceituais.
Reigota (1998:46-47) é enfático ao afirmar que, apesar da popularidade que lhe conferiu a Rio/92 e do desenvolvimento de muitas práticas de diferentes características, seja na escola ou fora dela, o aprofundamento e a compreensão do que é a Educação Ambiental são deficientes, deixando as perguntas de como e por que fazê-la em aberto.
Segundo Jacobi (1998:13) a grande maioria das atividades de Educação Ambiental é feita no Brasil dentro do que chamou de “modalidade formal”, onde os temas como o lixo, a proteção do verde, o uso e degradação dos mananciais ou ações para conscientização sobre os problemas da poluição são recorrentes. Defende que a Educação Ambiental deva ser, acima de tudo, “um ato político voltado para a transformação social e enaltece a ação das ONGs e organizações comunitárias no sentido de desenvolverem ações não formais voltadas, principalmente, à população infantil e juvenil”.
Sorrentino (1998:27-28), numa análise dos tipos de projetos encaminhados para a busca de financiamento e parcerias, publicados ou apresentados em encontros, faz uma tentativa de sistematização classificando-os em quatro grandes correntes: “conservacionistas”, “educação ao ar livre” , “gestão ambiental” e “economia ecológica”, segundo suas tendências voltadas ao engajamento no movimento ambientalista, ao ecoturismo e suas vertentes, às lutas nos movimentos por liberdades democráticas e à busca do “desenvolvimento sustentável”, respectivamente. Considera, ainda, a existência de quatro conjuntos de temas e objetivos com os quais os projetos se identificam: biológicos, espirituais/culturais, políticos e econômicos. Conclui que os grandes desafios para os educadores ambientais são, por um lado, o resgate e o desenvolvimento de valores e comportamentos, tais como “confiança”, “respeito mútuo”, “responsabilidade”, “compromisso”, “solidariedade” e “iniciativa” e, por outro, “propiciar o desenvolvimento de habilidades individuais capazes de conquistar espaços para a geração de renda e empregos que fomentem e sejam fomentados por uma economia voltada à construção de sociedades econômica, ecológica cultural, espacial e socialmente sustentáveis” (p.31).
No mesmo sentido de aglutinar tendências, Leis (1998:97-98) classifica as posições ecológicas em biocêntricas, preservacionistas e românticas (de retorno à natureza) por um lado e antropocêntricas, utilitarista e de conquista da natureza por outro, maniqueísmo progressivamente abandonado nos anos 80, quando o ambientalismo ingressou em uma fase que denominou “multissetorial” (coexistência de vários setores: governamentais, empresariais, científicos etc.). Para o autor, o ambientalismo se constitui “na procura do ‘justo meio’ entre os diversos radicalismos existentes. Em outras palavras, o ambientalismo não apela nem confia em soluções técnicas ou em determinismos históricos para cuidar da natureza. Pelo contrário, apela e confia em mudanças de comportamento e de atitudes básicas dos seres humanos” (p-98). Eis aqui, mais uma vez, a concepção vigente preponderante da Educação Ambiental. O autor conclui seu pensamento afirmando que “os desafios ambientais devem ser colocados no contexto de um esforço abrangente para onde possam convergir os conhecimentos e as práticas baseadas no domínio técnico da natureza, com vivências da filosofia, da religião, da arte, e até do senso comum. Além de aprender a rir daqueles homens que querem voltar ao paraíso às custas da natureza, a humanidade deve aprender a amar, para poder desenvolver valores e práticas para uma ativa cooperação entre atores com interesses e visões diferentes e até contraditórias” (p-101).
Das contribuições citadas, além de muitas outras que poderíamos lembrar, surgem no entanto inúmeras perguntas: Como conseguir a conscientização almejada por tantas correntes complementares na Educação Ambiental? Quais atividades, vivências, terapias, ou outras experiências pessoais podem contribuir com a formação da cidadania citada por Jacobi (1998)? Qual o modos operantis mais eficaz para a transformação da sociedade? Qual a praxis mais recomendada ?
A essas perguntas, poucas respostas foram dadas, sendo raros os trabalhos que apresentam propostas práticas (Guimarães, M. 1995; Dias, G. F. 1993; Viezzer M. L. & Ovalles, 1995; Cornell, J. 1987, 1989, Matsushima, K, 1992, Neiman, Z. & Motta, C. P. 1991, entre outros). A maioria dos tratados sobre Educação Ambiental também não são objetivos nesse aspecto, justamente porque as metodologias ainda não foram encontradas e estão sendo elaboradas em conjunto, por aqueles que se interessam e se dedicam a essa atividade no Brasil. É dentro desse contexto que muitas áreas do conhecimento podem vir a contribuir na busca de formulações pragmáticas. O Ecoturismo é uma delas.
O ECOTURISMO E O RESGATE DOS VÍNCULOS ANCESTRAIS ENTRE SER HUMANO E MEIO NATURAL
Apesar de já ser praticado desde a criação dos primeiros parques nacionais no mundo (Yellowstone e Yosemite), há mais de cem anos, o ecoturismo tem se consolidado como fenômeno crescente nos últimos anos do século XX.
Definido pela EMBRATUR como um segmento da atividade turística que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações, o ecoturismo têm se mostrado um promissor campo de atuação para os Educadores Ambientais. Mesmo as Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo prevêem, entre seus objetivos, a promoção e “o aproveitamento do ecoturismo como veículo de Educação Ambiental para turistas, comunidades locais e empreendedores do setor”.
No entanto, o ecoturismo é um fenômeno complexo e multidisciplinar, onde muitos aspectos devem ser levados em conta a fim de que ele seja um empreendimento bem sucedido para todos os envolvidos (Ceballos-Lascuráin, 1995). No que se refere à sua ligação direta com a Educação Ambiental, muitas ponderações se fazem necessárias. Basta colocar o indivíduo em contato com a natureza para estar educando-o? “Ensinar” a ciência Ecologia numa trilha em um ambiente natural é “Educação Ambiental”? A “ponte” de ligação entre os ambientes natural e urbanizado se faz automaticamente durante as atividades de ecoturismo? Onde se encontra a fronteira entre um negócio lucrativo e uma preocupação realmente transformadora?
Ribeiro e Barros (1997) acreditam que tanto o ambientalismo é o resgatador da singularidade do natural quanto o turismo é resgatador da experiência do “eu estava lá”, e, portanto, “de uma certa singularidade do sujeito na sociedade de massas, vieram para se estabelecer como dois grandes fatores de diferenciação social do presente” (pg.36).
Cascino (1998:276) acredita que “somente com a integração do homem com o seu meio, do ponto de vista plural e singular, que estruturas vivas redimensionarão o ser homem. Aqui cabe o discurso, a preocupação, a proposta do ecoturismo. (...) Hoje, estar em contato com a natureza, para além dos modismos, é necessidade prioritária, exigência consciente da condição humana. Lá no espaço selvagem eu posso reencontrar meu território de gênese. Vim de lá. Redescubro-me ser humano, analisando minha condição de ser alienado das coisas da natureza. No enfrentamento das adversidades típicas, faço desvelar sensações instintivas, sensibilidades oprimidas, encantamentos e pavores próprios de uma condição primitiva agora desaparecida.”
Sem ser tão panfletário e acreditando menos no mito do “bom selvagem”, podemos imaginar que o autor faz referência ao fato inegável de que as pessoas têm encontrado no ecoturismo uma oportunidade de experienciar situações que as aproximam dos comportamentos adaptativos aos quais se refere Lorenz (1986) e os demais etólogos e que, por acionar canais inconscientes inatos, acabam por provocar sensações de prazer e bem estar. No entanto, do ponto de vista psicológico, esta relação precisa ser melhor investigada.
Parece desnecessário, e demandaria muito tempo, rever as evidências de que o homem é um animal, embora único, assim como qualquer outro animal, e que surgiu pelos mesmos processos de evolução descritos por Darwin. Várias foram as tentativas de considerar o homem como o único que possui cultura, valoriza o parentesco, desenvolve instrumentos, faz divisão de alimentos apresenta linguagem, mas os estudos com os outros animais demonstraram que essas características não lhe são exclusivas. Assim, a maioria dos biólogos considera absurdo isolar o homem de outros animais e supõe que seja razoável esperar alguma continuidade comportamental, assim como anatômica e fisiológica, de modo que os métodos etológicos possam contribuir, também, para a investigação do comportamento humano (Jones, N.B, 1981).
A influência dos estudos de primatas tem sido importante para dar ênfase a observação do comportamento como ele ocorre nas situações reais da vida. Um produto deste desenvolvimento tem sido o número crescente de estudos do comportamento de crianças que usam técnicas observacionais (Hinde, R.A. 1987).
É importante saber que o enfoque etológico leva sempre em consideração o ambiente específico da espécie. O homem, assim como os outros animais, é um produto da seleção natural e portanto tem comportamentos característicos da espécie, que se apresentam em certas situações. Desvendar esses comportamentos e relacioná-los com as vantagens adaptativas que estes lhe conferem constitui a essência metodológica da Etologia.
O importante é compreender que o enfoque evolucionário ou etológico não tira a especificidade ou a singularidade do homem, ao contrário, este enfoque reafirma esta especificidade e propõe que a conheçamos; ao mesmo tempo que tem nos aproximado dos outros animais (Fríoli,1997).
Em primeiro lugar é importante saber qual seria o “ambiente específico” do homem, para sabermos qual a “relevância ecológica de seus comportamentos” (Ades, 1986).
Para alguns autores a definição biológica do homem é muito decepcionante, na medida em que não lhe é atribuída uma posição singular. No entanto, em virtude de suas capacidades psiquícas, de sua cultura, de sua estrutura social, o grupo humano se distancia nitidamente de outros primatas (Ruffié, 1978).
Dá-se o nome de hominização ao processo de evolução da Família Hominidae, que segundo os paleontólogos, já dura mais de 3,5 milhões de anos. Segundo esses pesquisadores, o homem já nasce num ambiente sociocultural, sendo o comportamento de caça e coleta de alimentos, realizados por grupos nômades de aproximadamente 60 a 100 indivíduos, o roteiro evolutivo mais provável de nossa espécie.
Pode-se supor não somente que a cultura emerge de um processo natural, mas também que ela intervém, por sua vez, nesse processo natural. No entanto o desenvolvimento biológico e o cultural não se dão na mesma velocidade: a medida que vamos nos aproximando do Homo sapiens as modificações biológicas tornam-se cada vez mais modestas enquanto que as aquisições culturais se tornam cada vez mais importantes. No entanto, as aquisições comportamentais inatas apresentam-se como características que levam muitos anos para se estabelecer e, independente da rápida evolução cultural, manifestam-se intensamente no que constitui a essência do ser humano, ou seja, os seus instintos básicos.
Para Fríoli (1997), “o enfoque etológico se caracteriza como um enfoque interacionista, no qual é central um conceito de ambiente específico da espécie. O ambiente específico da espécie humana, no sentido biológico, e com todas as suas implicações em termos de evolução e adaptação, envolve a cultura, que não se apresenta, portanto, separada ou independente, mas em relação estreita e necessária com a natureza e a biologia do homem”.
Carvalho (1982) define cultura como “o conjunto dos frutos da ação do homem que, transmitidos de geração em geração, constituem a identidade de um grupo humano (ou pré-humano) e, ao mesmo tempo, o meio em que se constitui a identidade de seus membros. (...) A cultura, ao longo da evolução humana adquire propriedades não redutíveis às de sua condição básica de fenômeno biológico. (...) Da mesma forma, embora a cultura tenha vindo a constituir, ao longo da história evolutiva humana, um domínio cuja compreensão não se esgota nos princípios da biologia ou da psicologia, não perde por isso sua condição original e básica de fenômeno biológico”.
“A concepção etológica do ser humano é, portanto, a de um ser biologicamente social e cultural, cuja psicologia está organizada para uma vida sociocultural - a única modalidade de vida social que pode constituir o ser humano; uma vida social própria da espécie, para a qual a evolução criou preparações bio-psicológicas específicas (...)” (Carvalho, 1982, p.91).
Já existem diversos estudos que procuram determinar quais as principais adaptações comportamentais presentes no ser humano. Estudos sobre bebês têm nos mostrado que o ser humano já ao nascer, está extremamente adaptado ao modo de vida social, pois apresenta padrões comportamentais que promovem a sua sobrevivência, como chorar, movimentar-se ritmicamente coordenado em direção ao mamilo, agarrar com os pés e com as mãos, reflexo de moro (abraçar), contato olho-olho na amamentação, especial atenção à face e à fala humana e a identificação de odores. Outros componentes comportamentais inatos presentes no adulto já são consagrados na literatura, como o apego, as seis emoções básicas, a curiosidade e a brincadeira, o flerte, a comunicação (sinais, displays, a linguagem, a para - linguagem e a linguagem não verbal), o comportamento sexual, entre outros.
Não existem, contudo, estudos exaustivos sobre a relação ser humano/ambiente numa perspectiva etológica. Sabe-se que a compreensão dos ritmos naturais foi fundamental para a sobrevivência de nossa espécie ao longo de sua evolução. Para vivermos como pequenos grupos sociais, com dieta dependente da caça e coleta, precisamos de habilidades comportamentais específicas que nos possibilitem o encontro do alimento onde quer que ele se ofereça. Integração com elementos naturais, sincronismos e percepção de ciclos são caracteres comportamentais com valor adaptativo que foram selecionados e incorporados ao modo de agir de nossa espécie.
No que tange à questão ambiental moderna, no entanto, quando o ser humano não interage mais diretamente com os elementos naturais, é provável que, em última análise, todos os processos que interferem na relação ser humano/ambiente resultem da diferença entre a velocidade com que se passa a evolução cultural e a velocidade da evolução genética. Cabe aqui a seguinte pergunta: será que o desajuste entre comportamentos inatos humanos de relação com o meio natural e sociocultural e a realidade do mundo contemporâneo não contribuem para o agravamento de sentimento de distanciamento que nos conduz aos problemas ambientais? Não estará havendo um descompasso entre “ambiente evolutivo” dos últimos milhões de anos de nossa espécie e o ambiente real dos tempo recentes, que pode estar acarretando um aumento do estresse e outros distúrbios bio-sociológicos? No que tange às relações sócio-ambientais, quais nossas verdadeiras e ocultas aptidões e anseios? O “animal-humano” é de todo desprezível em relação ao “Humano-intelecto-tecnológico”? Pode o resgate dos nossos “instintos” ancestrais contribuir para uma Re-educação Ambiental? Como fazê-lo?
Acreditando ser o ser humano, produto do processo evolutivo, e partindo do pressuposto que os caracteres comportamentais, tais como os anatômicos e fisiológicos, são selecionados por conferirem vantagens adaptativas, consideramos a possibilidade da existência de certas pressões psicológicas inatas que motivam-nos ao relacionamento social e, particularmente, ao contato com os elementos naturais. Tais anseios teriam sido importantes durante a epopéia humana no planeta durante os últimos 3,5 milhões de anos, nos quais nossos ancestrais se viram obrigados a sobreviver em pequenos grupos nômades, com fortes laços sociais, alimentando-se do que fossem capazes de encontrar na natureza através da caça e da coleta. Como resultado desse longo processo, incorporou-se ao patrimônio instintivo humano (sendo instinto um termo não muito apropriado) certos elos que, no mundo moderno são impedidos de se manifestarem, devido ao distanciamento imposto pelo modo de organização da sociedade contemporânea, que afasta o cidadão urbano dos seus semelhantes (somos sós, entre milhões) e da natureza. Assim, todas as possibilidades de recontextualização das nossas aptidões inatas podem servir como agentes de re-Educação Ambiental, uma vez que estarão envolvendo o que os especialistas insistem em chamar de “valores”, incitando, naturalmente o estabelecimento de procedimentos e atitudes mais equilibradas na relação com o meio natural e sociocultural. Pelas suas características (contato com áreas naturais, colaboração entre membros de pequenos grupos no sentido de superarem adversidades comuns, contato físico, companheirismo etc.) o ecoturismo têm se mostrado um poderoso instrumento de resgate desses vínculos ancestrais, e o desenvolvimento de atividades especiais podem contribuir para o afloramento desses vínculos que, canalizados corretamente, podem tornar-se úteis para os educadores ambientais que trabalham em instâncias formais ou informais
Com o intuito de compreender melhor essas questões apresentadas, foi fundada em 1991 a Physis - Cultura & Ambiente, uma ONG que desde o início se caracterizou por realizar um trabalho de pesquisa e implementação de programas voltados às possibilidades da Educação Ambiental em atividades de ecoturismo, entendendo meio ambiente como o resultado da relação que o ser humano enquanto sociedade - portanto, entendido como ser cultural - mantém com a natureza.
A Physis realiza atividades que permitam uma melhor compreensão do valor da conservação da natureza e da diversidade cultural, priorizando a sensibilização do indivíduo quanto à importância do seu papel na construção de um mundo diferente, tanto na relação entre a sociedade com a natureza quanto a existente entre os indivíduos no mundo contemporâneo. Estas atividades variam entre palestras, cursos, viagens de Educação Ambiental etc.
Durante o trabalho, que tem um caráter transdisciplinar e, acima de tudo, visa romper com a interpretação fragmentada da realidade tão presente no mundo de hoje, diversas atividades práticas foram desenvolvidas e aplicadas durante as viagens realizadas. A intensa experimentação seguida de análise exaustiva sobre os métodos e resultados obtidos no trabalho integrado entre aspectos psicológicos, biológicos, históricos, geográficos, sociais e outros, propiciou um conhecimento mais aprofundado da realidade em si, e não da teoria referente a cada uma das áreas do saber, sendo isso o que os membros da Physis entendem por educar.
As atividades foram sempre promovidas com o objetivo de transformar uma visão que coloca o saber como algo distante, aproximando o indivíduo da realidade que está sendo estudada, buscando uma interação entre a sensibilidade e a razão do sujeito e o meio que o cerca. Para isso, trabalhou-se com música, textos, poemas, atividades lúdicas e, fundamentalmente, com vivências, buscando novas significações a respeito dos problemas ambientais e da atuação de cada um sobre eles. A importância deste trabalho foi, inclusive, reconhecida através da inclusão da experiência entre as cinco melhores do Brasil pelo Prêmio SENAC de Turismo Ambiental. (Neiman, 1998).
Como membro da Equipe da Physis, desde sua fundação, sempre me interessei em compreender cientificamente o trabalho realizado e elaborar metodologias embasadas em fundamentos psicológicos. O caminho do empírico ao conceitual, e a volta ao empírico pôde estabelecer atividades que de fato contribuam para a implantação de programas de Educação Ambiental que consigam sair da retórica e se estabeleçam na prática, tanto nas esferas informais, das quais o ecoturismo constitui uma vertente, quanto no ensino formal, incorporando-se aos esforços para a real implantação dessa temática nos meios universitários. Assim, coordenei uma parceria entre a Physis e a Universidade do Grande ABC no sentido de realizar um projeto conjunto para alunos de graduação.
OBJETIVOS
· detectar e compreender, do ponto de vista etológico, quais os comportamentos adaptativos humanos que se manifestam durante o desenvolvimento de atividades ecoturísticas;
· elaborar situações experimentais, através de atividades que possam potencializar o afloramento desses comportamentos;
· compreender como tais situações podem contribuir para um processo profundo de Educação Ambiental em alunos universitários, capacitando-os como agentes multiplicadores;
· propor procedimentos que possam ser aplicados em situações informais e formais para uma Educação Ambiental mais eficaz;
· contribuir para o aperfeiçoamento do ecoturismo como meio educativo, de modo que possa atingir seus objetivos de forma mais eficiente;
· congregar, numa análise interdisciplinar, conhecimentos das áreas de psicologia (com todas as suas vertentes), antropologia, biologia, turismo, etologia, dinâmicas de grupo, laboratórios teatrais, sociologia, meio ambiente e educação, entre outros;
· contribuir com a implantação de programas de Educação Ambiental em Unidades de Conservação.
METODOLOGIA
Em Etologia o importante é tentar observar o comportamento do indivíduo, ou do seu grupo, em seu habitat natural, procurando ao máximo não interferir com sua observação, no seu comportamento “natural”. Segundo Sorrentino (1997), as observações, questionários e entrevistas são considerados técnicas de “observação ou questionamento direto”, e a leitura/análise de documentos/imagens é considerada técnica de “observação indireta”. Assim, para estudo do comportamento de vínculo com o ambiente natural e as possibilidades da abordagem psico-etológica para a Educação Ambiental, realizamos as viagens com alunos de graduação dos cursos de Biologia, Turismo, Educação Física e Psicologia da Universidade do Grande ABC ao Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira – PETAR – Iporanga – SP, em parceria com a Physis - Cultura & Ambiente, utilizando esses alunos como grupos de experimentação, durante atividades de ecoturismo. As atividades elaboradas foram testadas quanto a sua eficácia no sentido de contribuir com a Educação Ambiental através de:
-observação Participante - Durante as atividades ao ar livre, estive permanentemente com o grupo analisado, vivenciando com seus integrantes todas as experiências proporcionadas.
- questionários: Utilizei diferentes tipos de questionários, desde alguns com algumas poucas questões abertas sobre as impressões das vivências e o que pensam sobre Educação Ambiental, até perguntas fechadas, com alternativas pré-determinadas. Esses questionários foram aplicados durante a viagem ou, posteriormente, em sala de aula.
- entrevistas: realizei conversas informais (não estruturadas) e semi-estruturadas (aplicada a partir de um pequeno número de perguntas) e centradas (onde, dentro de uma certa hipótese e de certos temas, deixei o entrevistado descrever livremente a sua opinião pessoal), conforme metodologia descrita por Thiollent (1987:35). As entrevistas com roteiro previamente preparado contribuiram para orientar as conversas no sentido de se obter as informações necessárias, sem contudo servir como uma “camisa de força” que limitasse o diálogo.
-situações especiais (experimentação): Foram realizadas atividades nos espaços livres e nas cavernas de calcário visitadas com o intuito de investigar o comportamento dos participantes. Este constituiu o aspecto mais complexo do presente projeto, uma vez que as contribuições de diversas áreas do saber (antropologia, sociologia, etologia, psicologia, biologia, educação, teatro e turismo0), numa abordagem interdisciplinar, puderam nos levar a proposição de estratégias eficazes de Educação Ambiental.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na educação tradicional exclui-se muitas vezes a abordagem de valores significativos para a existência humana, que por não serem considerados “portadores de status científico”, ao contrário, recebem o título pejorativo de “metafísicos”. A missão mais importante da educação é transmitir valores, já que é através deles que interpretamos e vivenciamos o mundo que nos cerca. Educar é mais do que treinamento e conhecimento dos fatos. Quando as pessoas reivindicam educação, estão buscando idéias que tornem o mundo inteligível para si mesmas. Quando algo é inteligível, tem-se o sentimento de participação. A participação é uma estratégia para superar o distanciamento ao qual nos relega os fatores da vida moderna.
Da forma como foi desenvolvido, o trabalho procurou destruir a visão de uma natureza objetiva e exterior ao ser humano, que pressupõe uma idéia de ser humano não natural e fora da natureza, cristalizada com a civilização industrial inaugurada pelo capitalismo. As ciências da natureza se separam das ciências do ser humano; cria-se um abismo colossal entre uma e outra.
O trabalho foi calcado nas vivências realizadas no PETAR, o que proporcionou a retirada dos alunos de seu cotidiano, propiciando o contato direto com novas realidades e, assim, o repensar sobre seu próprio modo de vida, questionando a sua qualidade e reelaborando seus valores e conceitos. Quanto maiores são as diferenças existentes entre o ambiente visitado e o do cotidiano dos alunos, maiores são os contrastes encontrados e, portanto, mais instigantes os questionamentos.
Esta proposta de EA para os estudantes de graduação é constituída de duas fases distintas. A mais marcante delas constituiu-se nas vivências realizadas no PETAR mas foi, no entanto, com a implantação de uma prática permanente no cotidiano da universidade, realizada a posteriori, que o trabalho ganhou profundidade e consistência.
O público com o qual trabalhamos, em sua grande maioria, nesta idade já havia participado de algum tipo de experiência com “estudo do meio”. Tais atividades, via de regra, são organizadas por professores do ensino fundamental e médio ou mesmo por agências especializadas e priorizam a informação. Com crianças de ensino fundamental, apesar do educador poder explorar a curiosidade e a capacidade de percepção, estudos não direcionados tendem a se converter em caóticos passeios por cidades históricas e/ou áreas naturais. Assim, esses estudos geralmente são estruturados em cima de um roteiro preestabelecido e, ao aluno, cabe seguir esse roteiro e tentar responder as questões que lhe são colocadas, da melhor forma possível. Tal procedimento fornece elementos que podem ser ricamente explorados posteriormente em sala de aula e, assim, tais estudos cumprem uma importante etapa no desenvolvimento intelectual da criança. No entanto, com algumas exceções, os estudos do meio não estão preocupados, pelo menos não prioritariamente, com a Educação Ambiental.
Nosso primeiro desafio foi transformar a expectativa dos alunos com relação à viagem que eles realizaram. Os alunos universitários ainda estão muito arraigados a hábitos adquiridos durante todo o ensino fundamental e médio, e isso não é diferente com relação às “saídas” da universidade.
Assim, as atividades elaboradas puderam permitir um contato direto entre os alunos e o ambiente que era totalmente desconhecido para ele, no caso, as cavernas, propiciando vivências com situações que envolveram medo, insegurança e limitação com relação às obras da natureza. Foram, assim, trabalhados, de maneira mais profunda, os relacionamentos humanos como companheirismo, carinho, colaboração entre pessoas, importância do “outro” e afeição, possibilitando a percepção da relação que o homem mantém com a natureza, com o espaço e com o seu semelhante. Quando se mexe com os valores é que se faz Educação Ambiental.
Os alunos foram levados a trabalhar a sensibilização, a emotividade e a intuição e não o raciocínio, através de atividades preparadas por psicólogos, e que incluem relaxamento, trabalho com tato, contato entre as pessoas e a caverna, entre as próprias pessoas e ainda, aproveitam o silêncio e a escuridão. O objetivo foi mexer com os valores mais profundos do ser humano, arraigados em seu interior, resgatar os vínculos ancestrais descritos pelos etólogos e redirecioná-los para a Educação Ambiental.
Após contato direto com as formações naturais, os grupos foram levados a conhecer uma caverna transformada pelo homem (a Caverna do Diabo - no Parque Estadual de Jacupiranga). Quando os alunos têm contato com essa caverna, que foi iluminada e que possui escadas de cimento construídas pelo ser humano, eles ficam indignados. Argumentam, diante das transformações, que aquilo não é mais uma caverna, é outro espaço. Aproveitando dessa indignação foram levantadas discussões a respeito da transformação que o ser humano provoca no meio ambiente, do distanciamento que existe entre ser humano e natureza. A proximidade que else sentiram nas cavernas do PETAR, se quebra na caverna do Diabo.
Esse sentimento é resgatado porque é o mesmo que toda humanidade tem sentido: quebrou-se o vínculo ser humano/natureza. Essa dicotomia acaba gerando problemas ambientais seríssimos, por conta de não se conhecer, não se estar próximo, não se ter apego, relacionamento afetivo com a natureza e pelo ambiente em que se vive. Na verdade não havendo uma proximidade, não há preocupação em se preservar. A Caverna do Diabo serve como “incorporação” do desequilíbrio existente na relação do ser humano com o ambiente. É através da indignação dos alunos que discutimos como o ser humano pode ocupar de maneira um pouco mais racional esses espaços e o ambiente.
A segunda etapa, a implantação no cotidiano da universidade de uma rotina de discussões a respeito dos aspectos levantados nas viagens, foi executada durante os cursos regulares desenvolvidas em sala de aula. As viagens serviram como marcos, onde as discussões se iniciam em turbulência, mas os hábitos e costumes têm de ser retrabalhados para serem vividos não só durante essas viagens mas também dentro das salas de aula.
Atualmente, procuramos ampliar esse trabalho, pois, em três anos, já acumulamos “know how” suficiente para expandir nossos horizontes. A divulgação do trabalho visa ao reconhecimento, tanto institucionalmente quanto da comunidade. A próxima etapa é implantar as viagens nos cursos regulares de Turismo e Biologia e outros desta universidade e, para tanto, estamos buscando conseguir parcerias e patrocínios que possam minimizar custos, democratizar a Educação Ambiental e desenvolver, de forma mais efetiva, a participação das pessoas.
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