InformaLista

 O Informativo da lista “Educação Ambiental”

No. 16 – 29 de agosto de 2001

Alguns textos apresentados na Lista de Discussão do Projeto Apoema - Educação Ambiental (Antigo Projeto Vida – Educação Ambiental)

Os textos não passaram por revisão ortográfica, portanto, podem haver erros.


"A hora em que você precisa fazer alguma coisa é quando ninguém mais quer fazê-la ou quando todos dizem que é impossível."

Eudora Welty


Vale ver,

http://www.usp.br/iea/cidade/


A Cidade como Natureza e a Natureza da Cidade
Arthur Soffiati*

Muito em voga atualmente, os conceitos de gestão e de cidadania revelam-se fortemente influenciados pela filosofia ocidental clássica. Em termos genéricos, gestão aparece nos dicionários como ato de gerir, gerência, administração. Aplicado a ecossistemas, equivale a manejo. Um dicionário define o termo como

Aplicação de programas de utilização dos ecossistemas, naturais ou artificiais, baseados em teorias ecológicas sólidas, de modo que mantenha da melhor forma possível as comunidades vegetais e/ou animais como fontes úteis de produtos biológicos para o homem e também como fontes de conhecimento científico e de lazer. A orientação de tais programas deve garantir que os valores intrínsecos das áreas naturais não sejam alterados para o desfrute das gerações futuras (1) (grifos nossos).

Definições em teores semelhantes a esta são encontradas em outros dicionários especializados, sempre enfatizando: a) a dicotomia natural x artificial; b) os ecossistemas, gerenciados ou não, como estoques de recursos para o bem-estar material e espiritual do ser humano; c) a manutenção (numa concepção menos imediatista) dos ecossistemas para usufruto das gerações humanas futuras. O caráter antropocêntrico e utilitarista da gestão denuncia sua origem humanista e mecanicista enraizada na tradição judaico-cristã.

O conceito de cidadania deriva igualmente de uma visão dicotômica, segundo a qual o povo de um Estado nacional se divide em governantes e sociedade civil. É bem verdade que a noção de cidadania já era encontrada na civilização helênica. No entanto, ela diferia da que se desenvolve na Modernidade, difundida e imposta a todos os outros povos pelo processo de expansão ocidental. No mundo helênico, cidadãos eram os bem-nascidos ou os homens livres naturais de uma cidade, como em Atenas, por exemplo, excluídos os estrangeiros, os escravos e as mulheres. O imperador romano Caracala ampliou este privilégio por meio de edito expedido em 212 d.C., concedendo cidadania a todos os homens livres das regiões incorporadas ao Império, mas conservando a escravidão e excluindo as mulheres.

Na Modernidade, o conceito começa a adquirir seus lineamentos atuais com Maquiavel, ao construir a esfera política independente da teologia e ao distinguir moral pública de moral privada. Hobbes dá um passo adiante, imaginando um processo histórico marcado por duas fases: o estado natural e o estado social. No primeiro, há uma espécie de soberania do indivíduo -seja ele homem ou mulher, forte ou fraco-, uma espécie de democracia da violência num mundo em que todos se guerreiam. O medo leva os indivíduos a uma trégua e a um contrato social que separa sociedade do poder soberano, agora concentrado num governante ou num conselho com poder absoluto. Estão lançadas as bases para instituir-se, como bem salientou o antropólogo Pierre Clastres, uma espécie de conflito entre a entidade que passará a denominar-se sociedade civil e o Estado (2). Se, em Hobbes, o arbítrio do poder soberano é um mal menor que a sua destituição e o retorno ao estado de guerra generalizada, para Locke e Rousseau, o direito de rebelião transforma-se num valor sagrado para a sociedade civil, princípio legítimo a ser usado contra o governante toda vez que ele excede os fins para os quais foi constituído. Longe estamos das sociedades arcaicas e da concepção de La Boétie, para quem o poder político é sempre uma usurpação. Em todos os contratualistas, o pacto não incluiu a natureza não-humana por esta não ser dotada de realidade própria, de razão e de vontade. Segundo Hobbes, o estado de guerra permanece entre o ser humano e a natureza não-humana após o contrato e a institucionalização do estado político. No entendimento de Michel Serres, esta longa guerra entre antropossociedades e natureza não-humana acabou por desembocar na crise ambiental antrópica e planetária da atualidade, exigindo, para seu término, um novo contrato, este natural (3).

Por fim, a cidade. Em seus primórdios, uma extensão do meio rural, a ele fundia-se de forma tal que não se lhe reconhecia existência própria. Vários são os autores que analisam a inversão que se operou na Modernidade, com o rural subordinado ao urbano (4). Após a revolução industrial, a cidade de tal forma agigantou-se que o campo foi engolido por ela. O crescimento criou as metrópoles e a conurbação destas, as megalópoles. Fala-se já em ecumenópole (5). A dimensão adquirida pela cidade a partir do século 17, no mundo ocidental, tornou comum a impressão de que ela se apartava inteiramente do reino da natureza para inserir-se no reino da cultura, da mesma forma que o "homem" havia rompido o cordão umbilical que o ligava ao reino animal. A partir destas premissas, podemos discutir três questões que se inserem no novo paradigma organicista e questionam o paradigma mecanicista.


A cidade como natureza


Examinemos o seguinte quadro:(ver na home cuja url está no final do texto)

Nele, podemos distinguir três tipos de ecossistemas: o nativo, o transformado e o antrópico. Em lugar da tradicional divisão, que reconhece ecossistemas naturais e ecossistemas artificiais, a proposta contida neste quadro considera que tudo é natureza, como entendiam as antropossociedades arcaicas, os físicos gregos e o taoísmo, com a diferença de que, no paradigma organicista contemporâneo, a percepção mágica, sensível e intuitiva do organicismo antigo, conta com fundamentação científica. Um ecossistema nativo é aquele formado pela natureza não-humana. Questiona-se, desde Marx e Engels (6), a existência de uma natureza virgem de pés, mãos e cérebro humanos (7). Nesta perspectiva, artificialista, toda natureza autocriada já sofreu alguma sorte de intervenção humana que não nos autoriza mais falar em natureza virgem. Mais ainda, a natureza não existe: trata-se de uma convenção humana, uma espécie de projeção do espírito ou do pensamento, a transformação da representação de natureza em objeto cultural, a substituição do território por seu mapa. Mesmo a natureza anterior à existência da res cogitans não poderia existir enquanto res extensa por falta de um ser dotado de espírito, pensamento e razão que a conhecesse.

Pela ótica do naturalismo contemporâneo, mesmo o ecossistema nativo perturbado por ação antrópica não perde seu caráter de nativo, porquanto processos auto-reparadores continuam em funcionamento. Abandonado a sua sorte, estes ecossistemas são capazes de auto-restauração. Por sua vez, os ecossistemas transformados originam-se de ecossistemas nativos profundamente (e, talvez, temerário afirmar, irreversivelmente) alterados por ação antrópica.

Por fim, um ecossistema antrópico é aquele em que a ordem nativa foi drasticamente substituída por uma ordem humana a ponto de, muita vez, desaparecer. Por mais exóticos que sejam as forrageiras, a cana-de-açúcar e os núcleos urbanos, eles continuam subordinados a processos naturais. As plantas trazidas de outros continentes produzem fotossíntese tanto quanto qualquer espécie nativa erradicada. O gado que pasta realiza os mesmos processo vitais básicos que peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos outrora existentes e hoje em grande parte regionalmente extintos. As unidades urbanas, por mais que tenham se esforçado em desligar-se da ordem natural, jamais lograram êxito neste empreendimento ambicioso e arrogante. Os materiais com que são construídas provêm da natureza. A energia que as movimenta provém da natureza. O Homo sapiens, espécie que se considera predominante e até mesmo exclusiva destes ecossistemas, continua sendo um animal, vertebrado, mamífero, primata e hominídeo. Convivem com ele vírus, bactérias, protozoários, plantas, invertebrados e vertebrados, alguns até no interior do seu corpo, como parasitas.

Dilui-se, assim, a fronteira entre o natural e o cultural, com o cultural passando a ser o natural em outro plano. Ora, se tudo é natural, a distinção entre natural e artificial rui por terra. Para categorizar o natural é preciso, agora, empregar novos conceitos. Daí a distinção entre nativo, transformado e antrópico (8). Permanece, porém, um problema: as unidades urbanas, na Modernidade, alimentam a pretensão de negar a natureza, de criar uma ordem inteiramente artificial. E, neste empenho, transgridem a organização natural linearizando e simplificando os complexos processos ecológicos. Enquanto, num ecossistema nativo em bom estado -ou mesmo num ecossistema transformado-, os ciclos ecológicos ordenam-se de forma circular por meio de um sistema complexo inter-retro-ativo à base de ordem-desordem-organização, nos ecossistemas antrópicos, prevalecem processos com um ponto de entrada de matéria e energia e um ponto de saída de entropia. Num ecossistema agropecuário, por exemplo, entram matéria e energia que alimentam lavouras e animais. A produção realizada nele sai com parte desta matéria e energia agregada. A outra parte se perde na forma de entropia no solo, no ar ou na água, sem a devida ciclagem. Daí os processos de erosão, de perda de fertilidade do solo, de poluição da água, do solo e do ar, de assoreamento, de eutrofização e outros. A produção dos ecossistemas agropecuários entra numa das pontas dos ecossistemas urbanos como produto ou como matéria prima. No interior deles, ou é consumida in natura ou passa por um processo de industrialização que lhe agrega mais insumos. Tanto o produto proveniente do campo quanto o produto industrializado são levados ao consumidor com resíduos e aditivos químicos que o organismo não expele de todo. Os resíduos do pré-consumo constituem o lixo, normalmente depositado em áreas urbanas e peri-urbanas ou mais raramente em aterros sanitários. Cada vez mais, abandona-se a solução ecológica da reciclagem. Muito menos, pensa-se em reduzir e reaproveitar materiais. Os resíduos do pós-consumo são depositados diretamente nos ecossistemas aquáticos continentais superficiais, nas águas subterrâneas continentais e nos ecossistemas aquáticos marinhos, tomando a forma daquilo que denominamos de esgoto. Esta expressão também vale para os resíduos líquidos oriundos de processos industriais. Neste aspecto, também se fala cada vez menos em redução, reaproveitamento e reciclagem. Por sua vez, os gases derivados da queima de matéria e energia são lançados no ar, igualmente com pouca preocupação prática em reduzi-los, a despeito de todas as leis e convenções protetoras da atmosfera. Há ainda os ruídos urbanos, que afetam a audição. Nos ecossistemas nativos e em alguns transformados, os sons além de não afetarem a audição mostram-se saudáveis: o marulhar das ondas, o sopro do vento, o farfalhar das árvores, o pio das aves e o silêncio fazem parte do que Edward Wilson denomina biofilia: o contato com ecossistemas nativos e transformados em equilíbrio é vital para o ser humano (9). Em resumo, se os ecossistemas agropecuários e urbanos são naturais, embora antrópicos, pode-se dizer deles que apresentam estrutura e funcionamento antiecológicos.


O ser humano como animal

Outro aspecto a ser enfocado concerne ao corte epistemológico efetuado entre animal e ser humano pela filosofia clássica. Edgar Morin observa que

Todos nós admitimos, desde Darwin, que somos filhos de primatas, mas não que nós próprios somos primatas. Estamos convencidos de que, descendendo da árvore genealógica tropical, em que vivia nosso antepassado, escapamos dela para sempre, com o fim de construirmos para nós, fora da natureza, o reino independente da cultura (10).

Não obstante todas as suas conquistas em favor da dignidade humana, o humanismo construiu um pedestal muito alto para o Homo sapiens, dando-lhe a falsa convicção de que nenhum laço mais o unia aos outros seres. Petrarca (1304-1374), considerado o pai do humanismo, escreve no ensaio De sa propre ignorance et de celle de beaucoup d'autres: "Para que serve -pergunto a mim mesmo- conhecer a natureza dos animais selvagens, das aves, dos peixes, das serpentes, e ignorar ou negligenciar a natureza do homem, a razão pela qual nascemos, donde viemos e para onde vamos?" (11) A filosofia cartesiana criou um dualismo entre corpo e espírito, entre res extensa, pertencente à esfera do físico, e a res cogitans, pertencente à esfera do metafísico. Ambos se ligavam, no corpo humano, pelo tênue fio da glândula pineal, como se o espírito parasitasse o corpo para manifestar-se através das cordas vocais, que articulam palavras, e da mão, que escreve.

Esta concepção obteve um sucesso tão grande numa economia racionalista de mercado que acabou por impregnar a sociedade européia da cabeça aos pés, além de imposta a todas as sociedades do mundo, como de uma ponta do dedo médio da mão à outra de dois braços abertos. Cristianismo, humanismo e mecanicismo foram as primeiras ideologias de um mundo ocidentalizado, que culminou, até agora, no que chamamos de globalização. O mecanicismo, principalmente, com seu antropocentrismo, culturalismo e utilitarismo exacerbados, tornou-se um paradigma ecologicamente insustentável.

A etologia animal, a biologia molecular e a neurobiologia gradativamente vêm demonstrando, de modo enfático, que traços antes considerados exclusivos dos seres humanos manifestam-se em várias espécies animais. Já está comprovado que todo ser vivo, da bactéria ao Homo sapiens, tem capacidade de aprender comportamentos, jogando por terra a idéia de determinismo genético absoluto. Há um traço que une todos os seres vivos e constitui como que uma espécie de núcleo do conceito de sujeito: o egocentrismo. Todo ser computa informações do ambiente para sobreviver nele. Assim, poderíamos falar que a noção de sujeito manifesta-se já nos unicelulares, ainda que de forma embrionária ou latente, desenvolvendo-se com a complexificação do sistema neurocerebral. No Homo sapiens, a computação concorre para a cogitação (12). O cérebro humano faz a ponte entre natureza e cultura, segundo o fluxograma abaixo:

A sociedade e a cultura, esta segunda principalmente, aparecem, portanto, como expansões ou emergências do funcionamento do hipercomplexo cérebro humano, com seus bilhões de neurônios (13). O novo paradigma organicista logra, por este caminho, empreender uma junção epistemológica entre natureza e cultura, naturalizando a cultura e culturalizando a natureza sem cair em determinismos.


Arquitetura, Urbanismo e Direito

Finalizando, cumpre discutir se a Arquitetura, o Urbanismo e o Direito incorporaram, em algum grau, os princípios do novo paradigma organicista. Parece que a Arquitetura e o Urbanismo continuam a ignorá-los. Aliás, a Modernidade concebeu uma arquitetura e um urbanismo completamente divorciados dos ecossistemas em que se inserem. Ela rompeu com o antigo organicismo e não incorporou o novo. As unidades urbanas e as edificações das culturas pré-modernas ajustavam-se ao ambiente circundante ou por não conseguirem sobrepor-se a ele ou para dele tirar partido. Assim, por exemplo, a geomancia chinesa examinava o espaço de forma sensorial para definir que tipo de construção cabia nele: se casa isolada, se núcleo urbano, se cemitério etc (14).

A Modernidade planejou edificações e unidades urbanas que negam os ecossistemas e procuram soterrá-lo. Berman, numa apologia da Modernidade, é insuspeito, a este título, para analisar Paris, Petersburgo e Nova Iorque (15). Le Corbusier e a Bauhaus levam às últimas conseqüências a concepção de prédios e cidades que se utilizam do espaço apenas como suporte. Chegamos, por conseguinte, a edificações que escurecem e aquecem o espaço interno para depois iluminá-lo e refrigerá-lo a altos custos energéticos, sem se importarem com a iluminação e a refrigeração gratuitas dadas pelo próprio ambiente. Pioneiramente, Gilberto Freyre criticou a concepção antiecológica de Brasília e defendeu uma arquitetura e um urbanismo ecologicamente adaptados aos diversos ecossistemas brasileiros. Segundo sua sugestão, "necessário que os arquitetos brasileiros desenvolvam tipos de arquitetura ecológica (...), que, modernizando sugestões de já antigas formas de arquitetura hispano-árabe ou de arquitetura luso-oriental, corresponda a condições de vida, ou de convivência, brasileiras...(16) Conclui-se, pois, que arquitetos e urbanistas carecem de conhecimentos sobre ecologia em sua formação. Cidade e casa não se resumem a concepção estética e a funcionalidade interna. A edificação deve se inserir no contexto urbanístico e este no contexto ecológico, se é que prédio e unidade urbana desejam contribuir para a redução de impactos ambientais e adotarem ciclos circulares em vez de ciclos lineares.

Em se tratando do Direito, prevalece ainda uma concepção positivista muito forte que dota o direito de um caráter culturalista, distanciando-o das realidades ecológicas. Mesmo a legislação especificamente voltada para a questão ambiental, ressente-se de tal divórcio, ou bem porque o legislador carece de conhecimentos produzidos no campo das ciências ambientais, ou bem porque, na formulação de diplomas legais, há ruídos (no sentido da teoria da informação) provocados por interesses estranhos e deletérios ao meio ambiente, ou bem ainda porque o legislador geralmente não tem formação jurídica, ademais de uma forte razão: o antropocentrismo. O Direito das coisas é, na verdade, o Direito do ser humano sobre as coisas. O Direito ainda não reconhece devidamente a natureza não-humana como sujeito de Direito pelo simples fato de existir, com raríssimas exceções (17). No entanto, mesmo o jurista de formação não domina suficientemente conhecimentos da área de ciências ambientais para formular diplomas legais. Os exemplos são inúmeros: o Código de Águas, o Código Florestal, o Código de Proteção Fauna, o Código de Pesca etc. Também o Direito relacionado ao urbanismo não leva devidamente em conta as cidades como ecossistema. O mesmo se pode afirmar com respeito à aplicação das leis. Apesar dos pesares, juristas e cientistas da natureza começam a se encontrar para um diálogo interdisciplinar que pode se tornar profícuo. Resta, por fim, o problema ético: há juristas que distorcem as leis propositalmente para atender a interesses escusos, assim como há cientistas que emitem pareceres questionáveis. Como, no Direito, há o domínio da lógica retórica, tais distorções passam por interpretações e por jurisprudência. Quanto aos laudos técnicos, existe uma tendência de tomá-los como a palavra final de um processo. Assim, as ciências ambientais, que muito podem contribuir para o aprimoramento das leis e para a sua aplicação, podem, por outro lado, ser um instrumento de destruição.

Notas:
(1) ACIESP. Glossário de Ecologia, 2ª ed. São Paulo: Academia de Ciências do Estado de São Paulo, 1997.
(2) CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
(3) SERRES, Michel. Le Contrat Naturel. Paris: François Bourin, 1990.
(4) Ver, principalmente, os clássicos de MUMFORD, Lewis. A Cultura das Cidades. Belo Horizonte: Itatiaia, 1961; e A Cidade na História: suas Origens, Transformações e Perspectivas, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
(5) cf. TOYNBEE, Arnold. Ciudades en Marcha. Buenos Aires: Emecê, 1971.
(6) Sobretudo em A Ideologia Alemã, 2 vols. Lisboa: Presença; São Paulo: Martins Fontes, s/d.
(7) Cf. ROSSET, Clément. A Anti-Natureza: Elementos para uma Filosofia Trágica. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989.
(8) A este respeito, ver SOFFIATI, Arthur. "Tipos de ecossistemas: uma Proposta para Discussão". In: Espaço Cultural nº 2. Campos dos Goitacases: Faculdade de Medicina de Campos, 1997, p. 3-8.
(9) WILSON, Edward O. Diversidade da Vida. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
(10) MORIN, Edgar. O Enigma do Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
(11) Apud. VÉDRINE, Hélène. As Filosofias do Renascimento. Lisboa: Europa-América, 1974, p. 23.
(12) Cf. MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Mem Martins: Europa-América, S/d.
(13) Ver, principalmente, a este respeito, BATESON, Gregory. Natureza e Espírito. Lisboa: Dom Quixote,
1987; CHANGEUX, Jean-Pierre e CONNES, Alain. Matéria e Pensamento. São Paulo: Unesp, 1996;
DAMÁSIO, António R. O Erro de Descartes: Emoção, Razão e Cérebro Humano. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996; DUPUY, Jean-Pierre. Nas Origens das Ciências Cognitivas. São Paulo: Unesp, 1996;
MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco. A Árvore do Conhecimento. Campinas: Editora Psy II,
1995; MORIN, Edgar. O Método III - O Conhecimento do Conhecimento. Lisboa: Europa-América, s/d.;
MORIN, Edgar. O Método IV - As Idéias: a sua natureza, vida, habitat e organização. Lisboa: Europa
-América, s/d.; PENROSE, Roger. A Mente Nova do Rei: Computadores, Mentes e as Leis da Física. Rio de
Janeiro: Campus, 1991; PENROSE, Roger. O Grande, O Pequeno e A Mente Humana. São Paulo:
Unesp/Cambridge, 1998; POPPER, Karl e ECCLES, John C. O Eu e seu Cérebro, 2ª ed. Campinas: Papirus,
1999.
(14) Ver, sobre este assunto, TUAN, Yi-fu. Topofilia: um Estudo da Percepção, Atitudes e Valores do Meio Ambiente. São Paulo: Difel, 1980; e Espaço e Lugar. São Paulo: Difel, 1983; EITEL, Ernest, J. Feng-shui: A Ciência do Paisagismo Sagrado na China Antiga. São Paulo: Ground, 1985.
(15) BERMAN, Marshall. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar: A Aventura da Modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
(16) FREYRE, Gilberto. "Ecologia (de eco: casa) em relação com a moderna educação do brasileiro". In: - Oh de Casa!: Em Torno da Casa Brasileira e de sua Projeção sobre um Tipo Nacional de Homem. Rio de Janeiro: Artenova, 1979.
(17) Ressalte-se, neste particular, o caso solitário de STONE, Christopher D. "As árvores devem ter capacidade jurídica? Considerações a respeito da obtenção de direitos por objetos naturais". In: Southern Califórnia Law Review, v. 45. University of Southern California, 1972.

Arthur Soffiati - Professor do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional / Universidade Federal Fluminense e doutorando em Ecohistória pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
E-mail: soffiati@censa.com.br

http://www.tu-berlin.de/abz/netz/spanisch/stadtentwicklung/artikel/soffiati/text.htm


Ecolinks - Links Ecológicos

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INFORMA

 

A solução para o problema da fome 

Muitos cientistas afirmam que o consumo de carne animal tem tristes repercussões sociais, dentro das quais a questão da fome no planeta.

Esclarecem eles que se a população mundial fosse vegetariana, seria evitada a reprodução forçada de centenas de milhões de animais, que são engordados com o alimento que pessoas famintas deveriam estar comendo. 

Também seria evitada a morte dos mesmos, que só acontece para agradar ao paladar dos carnivoros, responsáveis por esse estado de coisas. É realmente alarmante que 80 a 90% de todo cereal nobre produzido no mundo, em especial o milho e a soja, sejam utilizados para alimentar gado de corte, e que as extensas áreas ocupadas por esse gado no Brasil diminuam quatorze vezes a sua área de plantio. Além disso, um hectare de terra utilizado para criação de gado fornece apenas 200 kg de proteína, ao passo que essa mesma área usada para plantação de soja, produz mil por cento a mais desse mesmo nutriente, ou seja 2000 kg! 

Isso significa que, enquanto um número imenso de pessoas no mundo inteiro está morrendo de fome, os carnívoros estão desperdiçando vasta quantidade de terras, água e cereais para produzir a carne que consomem.

Tais dados foram deduzidos a partir de um acontecimento que teve lugar na Dinamarca durante a primeira guerra mundial. Os dinamarqueses, bloqueados, ficaram sem possibilidade de realizar qualquer tipo de importação e, diante disso o governo desse país, já prevendo a falta de comida, encarregou o Dr. Mikkel Hindhede de desenvolver e coordenar um programa de racionamento de alimento. Ele recomendou suspender a comercialização de carne e utilizar toda a produção de cultura de grãos, antes destinados à alimentação de gado, na alimentação da população. Foi uma significativa experiência de vegetarianismo envolvendo mais de três milhões de pessoas que, além de comprovar que o problema da fome no mundo está relacionado com o consumo de carne, deixou registrada a menor incidência de mortes por doença de todas a história do país: 34% a menos que a média dos dezoito anos anteriores, fato que torna dificil não fazer também uma relação entre a dieta vegetariana e a diminuição na taxa de mortalidade.

A desmistificação da importância das proteínas

A questão do consumo de carnes não é apenas um problema de consciência, mas como se pôde constatar, tem implicações diretas na nossa saúde. No entanto, durante toda a primeira metade dessse século acreditou-se que as proteínas prvindas da carne fossem nutricionalmente superiores às encontradas nos vegetais. Tal opinião foi decerrente de experimentos feitos em laboratórios, em 1914, por Osborn e Mendel, que demonstraram que ratos engordavam mais rapidamente com a proteína animal do que com a vegetal. A industria da carne aproveitou-se desses estudos para proclamar aos quatro vento que a proteína animal era imprescindível ao organismo humano, e que sua falta causaria problemas graves a saúde.

A primeira suspeita da comunidade científica de que tal assertiva era falsa surgiu após a mencionada experiência da Dinamarca com o vegetarianismo, já que nessa ocasião o índice de doenças havia diminuido consideravelmente. Numa outra guerra, a da Coréia, nos anos 60, foi possível constatar a diferença entre o regime carnívoro e o vegetariano através da autópsia comparativa das artérias dos soldados coreanos e norte-americanos. O resultado revelou que mais de 77% dos jovens soldados norte-americanos já estavam com seus vasos sanguíneos quase totalmente entupidos pela arteriosclerose, enquanto que os coreanos da mesma idade não apresentavam sinais da mesma doença. Sabe-se que a dieta ds primeiros era baseada em carne, ovos e leite, e que a de seus adversários era vegetariana. A hipótese de que tal diferença pudesse ter origem no fator genético foi descartada a partir da constatação de que os coreanos, quando submetidos à dieta norte-americana, apresentavam um rápido aumento de colesterol no sangue.

A partir de tais experiências, os pesquisadores começaram a desconfiar dos "grandes benefícios da proteína" e intensificaram as pesquisas a respeito do assunto.

Segundo Robbins, a propaganda sobre a carne, o leite e os ovos invadiu os Estados Unidos de tal forma que impregnou até o espaço escolar. Ele relata que, quando criança, ouvia a professora "doutrinar"os alunos a ingerirem proteínas através de produtos de origem animal, e para isso ela usava cartazes, folhetos, livros e folders. Mais tarde ele viria a descobrir que todo aquele material "didático" era fruto de uma campanha milionária promovida pela industia da carne, ovos e leite, com a cumplicidade do governo, para induzir as crianças a consumirem os produtos de origem animal. Assim as sociedades ocidentais foram programadas para considerar a ingestão de quantidades elevadas de proteínas como indispensável para um bom  desenvolvimento do corpo. 

Pessoas com atividade física intensa eram instruídas a consumir carne para manter a boa forma e a disposição. No entanto, os resultados de pesquisas atuais na área da nutrição indicam que isso é um engano. Segundo especialistas no assunto, a quantidade adequada de proteínas para a manutenção da saúde corresponde a uma porcentagem das necessidades calóricas diárias que variam entre 2,5 e 8%. No leite materno, que é perfeitamente preparado pela própria natureza para alimentar o bebê, na etapa em que o ser humano apresenta a maior taxa de crescimento durante todo o seu processo de desenvolvimento físico, a porcentagem de calorias provenientes de proteínas é 5%.

Segundo Robbins, "nós nos tornamos obcecados por proteína e estamos pagando um preço incalculável por isso. Usamos uma grande quantidade de grãos para alimentar um estoque vivo de bichos reproduzidos artificialmente, e deixamos de usá-los para matar a fome do mundo.

Causamos um grande sofrimento desnecessário aos animais. E finalmente, ainda comprometemos a nossa saúde". É chegada a hora de os homens reverem rituais e procedimentos sanguinários realizados de forma repetitiva e automática durante séculos e se perguntarem, em primeiro lugar, se os mesmos são realmente necessários. Se a resposta for negativa, não há razão para mantê-los. Se for positiva alegando-se "o prazer da ingestão da carne", convém que se formule uma segunda pergunta: E vale a pena consumi-la? Vale a pena realizar esse morticínio diário que tanto mal faz à saúde física, mental e espiritual do ser humano? Se a resposta for negativa, será necessária uma boa dose de coragem da parte de todos os envolvidos, produtores e consumidores para trasformar essa história de terror numa história de amor pelos animais. Felizmente nos é possível sonhar com um mundo de homens mais evoluidos, caracterizado pela lucidez e harmonia com os reinos da natureza, em que os rituais de morte de animais tenham sido dispensados e as industrias da carne trasformadas em companhia de alimentos provindo da terra. Nossos descendentes olhando para trás, certamente lamentarão um passado tão vergonhoso, mas desfrutarão do alívio de terem sido poupados de viver e sofrer os terríveis efeitos da então passada era de ingestão de cadáveres

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Recebido pela lista da Permacultura - 14/junho/2001

http://groups.yahoo.com/group/permacultura-br

através de Roberto Simão

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Re-enviado pela ..yByTU-c@Tu..

http://www.ybytucatu.com.br

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Divulgado por

ECOLINKS - Links ecológicos

http://ecolinks.vila.bol.com.br/


Já está na praça o sexto número da revista permacultura brasil, editado pela rede brasileira de permacultura. Os interessados devem mandar mensagem para

assinaturas.pb@permacultura.org.br 

Há também a possibilidade de adquirir os números atrasados.

 

Robson Luiz Polmann

Permacultor

Santa Catarina


O QUE VOCÊ PODE FAZER NA INTERNET
 
        Podemos contribuir muito para preservar o meio ambiente. Alguns dos sites voltados que afetam mais diretamente o País são os seguintes:
 
- SOS Floresta - Uma coalizão de 59 ONGs promove a Campanha SOS Florestas e mantêm um site ( www.codigoflorestal.com.br ) para que o público envie mensagens  a parlamentares e autoridades do governo federal, manifestando apoio a Medida Provisória 2080-62 e oposição a proposta, já no Congresso, que reduz a área de preservação na Amazônia e Mata Atlântica.
 
- Proteste contra as emissões de carbono - Envie mensagem ao presidente dos EUA, George W. Bush, protestando contra  a decisão de não controlar as emissões de dióxido de carbono. A rede de cyberativismo Actin Network  ( www.actionnetwork.org  ) tem os modelos de texto e endereços para envio.
 
- Defenda a mata de araucária - A campanha "Levante a Mão em Defesa da Araucária " pede uma moratória ao corte desta árvore que, até o final do século XIX , dominava as paisagens da região sul. Visite oo site ( www.sosaraucaria.com.br ) e envie mensagem para as autoridades suspenderem as autorizações de corte.
 
- Pressione contra o efeito estufa - Assine a petição on line ( www.climatevoice.org ) pedindo para as autoridades governamentais participarem com  propostas concretas na próxima reunião dos países membros da Convenção de Mudanças Climáticas ( COP6)  que acontecerá a partir do dia 13 de novembro de 2000 em Haia na Holanda.
 
- Doe uma árvore - Acessando " click árvore "  ( www.clickarvore.com.br ) da fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Vidágua pode-se doar árvores para recuperar a Mata Atlântica. Uma nova doação pode ser feita a cada 24 horas e o plantio será financiado pelos patrocinadores. É rápido, fácil e não custa nada
 
- Denuncie agressões ao meio ambiente - O guia de denúncias ( www.sosmatatlantica.org.br ) Agressões ao Meio Ambiente da SOS Mata Atlântica, ensina como encaminhar  denúncias  às intituições responsáveis.
 
- Linha Verde do IBAMA - Denuncie crimes ambientais, queimadas, desmatamentos ou obras de grande impacto ambiental no site do IBAMA (www.ibama.gov.br  ou  www2.ibama.gov.br/linhaver/index0.htm   ) ou pelo  telefone 0800 61 8080.
 
        Nem sempre encontramos tais informações na hora em que precisamos, portanto guarde-as e use-as  sempre que necessário.
           Divulgue aos colegas e amigos.

O HOLISMO E A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (1)

PAULO RONEY ÁVILA FAGÚNDEZ (2)

O que é o holismo? (3)

"Quando o povo passa fome,

isso acontece porque

os fortes e os poderosos cobram impostos em demasia: por isso ele passa fome.

Quando o povo é difícil de ser governado,

isso acontece porque os fortes e os poderosos se intrometem em demasia:

por isso ele é difícil de ser governado.

Quando o povo faz pouco caso da morte,

é porque os fortes e os poderosos querem viver a boa-vida:

por isso ele faz pouco caso da morte.

Contudo, quem não age por amor à vida

é melhor do que aquele para quem a vida é preciosa."

Lao-Tzu

O holismo é o resgate da dimensão ética no sentido mais profundo.(4) Consiste num compromisso com a humanidade, com a preservação da natureza e com o estabelecimento de uma relação revolucionária entre homens, animais e plantas. Todos elementos fazem parte de um grande corpo. O holismo traz uma proposta de vida integral. Trata-se de um caminho que não é novo, haja vista que encontra respaldo no pensamento dos pré-socráticos. (5)

Verdadeiramente, o holismo é uma proposta que visa à superação das tradicionais relações de poder, rompendo com os obstáculos criados pelos cientistas. É o que Félix Guattari chama de ecosofia. Ele parte do pressuposto de que a "resposta à crise ecológica deve se dar em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural, reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Esta revolução deve concernir não só às relações de força visíveis em grande escala, mas também aos domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo." (6)

A grande crise a que se refere Félix Guattari se deve à divisão do conhecimento, considerada o ápice do desenvolvimento cientifico.

"A fragmentação do conhecimento levou a humanidade a uma crise sem precedentes na sua história. A ciência se afastou da ética na medida em que deixou de se posicionar, através de sua ‘neutralidade’ em relação a outros ramos do conhecimento, tais como a filosofia, a arte e a mística. Essa aparente objetividade fez com que as regras de ética ficassem exclusivamente por conta da religião." (7)

As fronteiras do conhecimento, no entanto, deverão ser gradativamente derrubadas, para que possamos superar a especialização e avançar em direção a uma cultura holística, que expresse a totalidade. O que significa isso? De onde vem a expressão holismo?

"De Holos, grego, que significa inteiro, não-fragmentado. Adjetivo ou substantivo, significa uma visão não-fragmentada do real, em que sensação, sentimento, razão e intuição se equilibram, se reforçam e se controlam reciprocamente, permitindo ao homem uma plena consciência, a cada momento, de todos os fatores envolvidos em cada situação ou evento de sua existência, permitindo-lhe tomar a decisão certa, no momento certo, com sabedoria e amor espontâneos, o que implica a presença de valores éticos de respeito à vida sob todas as suas formas. É uma visão em que o indivíduo, a sociedade e a natureza formam um conjunto indissociável, interdependente e em constante movimento. É uma visão na qual, paradoxalmente, não só as partes de cada sistema se encontram no todo, mas em que os princípios e leis que regem o todo se encontram em todas as partes." (8)

Em todo o homem encontramos uma síntese da natureza.

De acordo com os orientais, há um princípio único universal que nos rege, contendo os dois braços de uma balança (yang e yin). Tudo é yin ou é yang. (9) Nada é absolutamente yin ou yang. Yin se transforma em yang. Yang se transmuta em yin. Temos aí o paradoxo da vida, em permanente dança, em constante transformação.

A transformação preconizada pelos pensadores holísticos vai se refletir no Direito, porém não deve afetar o que ele tem de essencial, que é a defesa dos direitos e garantias do cidadão. Só que temos agora um cidadão do universo, não apenas da nação, engajado nas lutas do seu tempo e comprometido com a transformação da realidade.

A ciência moderna afastou-se da ética, a educação esqueceu-se da ética e o Direito passou a considerá-la um campo próprio de conhecimento. Os direitos fundamentais, por sua vez, se sedimentaram a partir do surgimento do constitucionalismo, enquanto movimento político-jurídico de superação do absolutismo e construtor do primitivo Estado Democrático de Direito, visando a concretizar três elementos que nascem inseparáveis. Ocorre que:

"O perigoso vírus da divisão também se apoderou de valores significativos no processo histórico de nossa formação cultural. Citamos como exemplos a liberdade, a igualdade e a fraternidade, suportes máximos que alicerçaram a filosofia básica que inspirou a revolução francesa. Essa trilogia constituía a unidade inseparável de sua intenção. Comumente se afirma que a liberdade estaria mais próxima do mundo capitalista, que teria sacrificado a igualdade de oportunidades. Por outro lado, o mundo socialista teria ficado com a igualdade. Entendemos porém ser perigoso estabelecer uma fronteira bem demarcada entre esses dois mundos. A verdade é que a fraternidade foi esquecida por ambos, que se limitaram mais ao processo da ciência e da tecnologia. Embora a fraternidade tenha sido, desde o princípio da civilização, uma questão inserida no contexto da espiritualidade, ainda hoje quem fala em fraternidade e amor é muitas vezes visto como ‘idealista’, sonhador, vivendo nas nuvens, sentimental, atrasado e por aí vai..." (10)

Estamos cada vez mais distantes da sociedade solidária. Sequer temos uma democracia formal.

Carecem nossas sociedades de normas justas.

Quando temos leis justas elas não são aplicadas.

Fracionamos o conhecimento humanista. A ética é estudada como disciplina autônoma. Não se confunde com o Direito. Contudo, temos uma crise de difícil superação, porque as normas, na sua maioria, são edificadas para a defesa dos interesses, especialmente dos detentores do poder político e econômico.

Assim, o Direito não contribui para a felicidade da população. Pelo contrário, aprisiona e consolida a marginalização de grande maioria da população.

Há uma grande falta de amor. O próximo, em face da competitividade capitalista, representa o perigo, com potencialidade de atingir os nossos direitos.

Não nos colocamos no lugar do outro, por isso não compreendemos as suas dificuldades.

"Pôr-se no lugar do outro é mais do que o começo de toda comunicação simbólica com ele: trata-se de levar em conta seus direitos. Quando não há direitos, é preciso compreender suas razões. Pois isso é algo a que qualquer homem tem direito frente aos outros homens, mesmo que seja o pior de todos: tem direito – direito humano – a que alguém tente colocar-se em seu lugar e compreender o que ele faz e o que sente. Mesmo que seja para condená-lo em nome de leis que toda a sociedade deve admitir. Em suma, pôr-se no lugar do outro é levá-lo a sério, considerá-lo tão plenamente real como você mesmo. " (11)

Mesmo com todo o avanço tecnológico, ainda temos doenças incuráveis. Não será incurável a própria ciência?

O grande problema que enfrentamos é a crise de percepção, é a leitura equivocada que levamos a cabo das questões naturais complexas.

O Direito não é tão-somente um conjunto de normas. Traz princípios, que são portas que se abrem para a busca de novos conhecimentos, e que se constituem ademais nas pontes que unem a ciência, a arte, a religião, enfim, todos os saberes. É a advertência que faz Hart, porquanto "se sostiene a menudo que esto demuenstra que cualquier elucidación del concepto de derecho en términos de reglas tiene que ser equívoca. Se agrega insistir en una elucidación de este tipo, no obstante lo que muestra la realidad, es incurrir en el vicio de ‘formalismo’." (12)

O significado do garantismo.

"A direção de um Estado implica a arte de governar;

a carreira das armas implica um

talento extraordinário.

Mas para conquistar o mundo

é preciso estar livre de toda atividade.

De onde me vem esse conhecimento do mundo?

Quanto mais proibições houver no mundo,

mais o povo empobrecerá.

Quanto mais instrumentos afiados o homem tiver,

mais a família e o Estado irão à ruína.

Quanto mais o povo cultivar a arte e a esperteza,

mais presságios nefastos surgirão.

Quanto mais leis e decretos se publicarem,

mais ladrões e assaltantes haverá.

É por isso que um sábio diz:

Se não fizermos nada,

O povo evoluirá por si mesmo.

Se amarmos a quietude,

o povo se organizará por si mesmo.

Se não empreendermos nada,

o povo prosperará por si mesmo.

Se não tivermos cobiça,

o povo por si mesmo chegará à simplicidade."

Lao-Tzu

O garantismo, embora corrente ligada ao constitucionalismo, tem um notável conteúdo ético. Não se trata de apenas considerar o Estado Democrático de Direito como sendo o melhor caminho para a humanidade, mas de traçar um norte num momento de grande tempestade e de transformação epistemológica. (13) A ruptura que se propõe não deixará de lado o legado cultural de um sistema construído à custa de sofrimento e luta, com a capacidade inequívoca de estabelecer algumas limitações aos poderosos. Temos de consolidar o Estado de Direito, em que os direitos da pessoa sejam acolhidos pelo ordenamento do País. O Direito é apenas uma parte da grande teia que envolve a todos, que nos prende em seus labirintos.

"Nuestra vida se desenvuelve dentro de un mundo de normas. Creemos ser libres, pero en realidad estamos encerrados en una estrechísima red de reglas de conduta, que desde del nascimiento y hasta la muerte dirigen nuestras acciones en esta o en aquella dirección. La mayor parte de estas normas se han vuelto tan comunes y ordinarias que ya no nos cuenta su presencia. Pero si observamos um poco desde fuera el desarrollo de la vida de un hombre a través de la actividad educadora que ejércen sobre él sus padres, maestros etc., nos damos cuenta que esse hombre se desarrola bajo la guia de reglas de conducta." (14)

Nascemos, vivemos e morremos à luz de normas de conduta, provenientes ou não do Estado.

"Además de las normas jurídicas, hay preceptos religiosos, reglas morales, sociales, de costumbre, reglas de aquella ética menor que es la etiqueta, reglas de buena educación etc." (15)

O monismo jurídico instalou, mormente no Ocidente, um único centro de poder estatal, do qual derivam praticamente todas as normas. Na verdade, o ordenamento de cada povo nos dava a radiografia de cada época. Em decorrência delas tínhamos um regime democrático ou autoritário, de ordem ou desordem, liberdade ou não na atuação dos cidadãos. Porém, o sistema sempre se nutriu de princípios. Os princípios não são apenas os mandamentos nucleares do sistema, mas os canais através dos quais o sistema jurídico se comunica com o mundo exterior. E apresentam os princípios um papel de destaque na hermenêutica jurídica, porquanto a lei expressamente os consagra como fontes do Direito. A adoção de uma praxis holística permitirá que o operador jurídico, livremente, possa buscar as soluções dos problemas apresentados aos órgãos judicantes. Para a hermenêutica nova precisaremos dominar a dialética da natureza (16), composta por forças antagônicas e ao mesmo tempo complementares.

Vivemos uma séria crise. Não se trata apenas uma crise sociopolítica. Ela tem implicações cada vez mais profundas. Queremos encontrar uma saída. E acreditamos na lei como arma para resolução dos conflitos.

"Estamos assistiendo, incluso en los países de democracia más avanzada, a una crisis profunda y creciente del derecho, que se manifiesta en diversas formas y en múltiples planos." (17)

Aponta Ferrajoli os três aspectos da crise do monismo jurídico estatal: a) crise da legalidade, que se expressa na ausência ou ineficácia dos controles, e no variado e chamativo fenômeno da ilegalidade do poder. Trata-se de um sistema de corrupção que envolve a política, a administração pública, as finanças e a economia, que se há desenvolvido em uma espécie de poder paralelo (principalmente na Itália e, em menor medida, na França e na Espanha); b) crise decorrente da inadequação estrutural das formas de Estado de Direito às funções desenvolvidas pelo Welfare State, agravada pela acentuação do seu caráter seletivo e desigual que deriva da crise do Estado Social; e c) crise do Estado nacional, que se manifesta no câmbio de lugares da soberania, na alteração do sistema de fontes e, por conseguinte, na debilitação do constitucionalismo.

O garantismo nasce para superar o modelo positivista na dupla artificialidade do ser e do dever-ser. Busca, sobretudo, um programa que possui conteúdo substancial, que se assenta normativamente nos princípios e nos valores inscritos nas Constituições. Para que se obtenha êxito na empreitada, há a necessidade de se promover uma profunda reformulação no atual sistema. (18) Quais são as mudanças que se fazem necessárias? Ferrajoli as aponta:

"a) en el plano de la teoría del derecho, donde esta doble artificialidad supone una revisión de la teoria de la validez, basada en la disociación entre validez e vigencia, y en una nueva relación entre forma e substancia de las decisiones; b) en el plano de la teoría política, donde comporta una visión de la concepción puramente procedimental de la democracia y reconocimiento também de una dimensión substancial; c) en el plano de la teoría de la interpretación y de la aplicación de la ley, al que incorpora una redefinición del papel del juez y una revisión de las formas y las condiciones de su sujeción a la ley; d) por último, en el plano de la metateoría del derecho, y, por tanto, del papel de la ciencia jurídica, que resulta investida de una función no solamente descriptiva (...) en relación a su objeto." (19)

Sem que se opere uma profunda reformulação institucional não conseguiremos resgatar o cidadão que hoje está só, perdido no meio dos escombros que ardem em chamas. Não sabe para onde ir, ou melhor, não se vislumbra um lugar seguro para estar e progredir.

O neoliberalismo preconiza a solidão.

O ser humano tem uma carência natural de solidariedade, porque todos os elementos estão ligados (os físicos quânticos sabem bem disso). (20) Somente vivo enquanto me encontro com o outro e com ele compartilho.

O garantismo surge – ou melhor, ressurge, porque resultou de todo um processo histórico, que desencadeou o Estado Democrático de Direito – como teoria jurídico-política preconizadora da liberdade do cidadão, mesmo diante dos Estados que agonizam na globalização que caminha, arrastando com seus ventos tudo e todos.

"Garantismo é o termo que nasce para individualizar aquelas teorias, políticas antes que jurídicas, dirigidas a proteger a liberdade do cidadão de qualquer abuso ou arbítrio de quem exercita o poder. A possibilidade de dispor discricionariamente do corpo alheio favorece a máxima expressão do arbítrio e, por conseguinte, a primeira exigência da garantia dos cidadãos é voltar-se contra o Estado, autorizando-o a exercitar a força tão-só nos casos definidos por via de regras precisas. A necessidade de que as regras sejam respeitadas impõe que os governos e o aparato administrativo não façam a sua aplicação, mas que ela decorra de ordem autônoma da magistratura. Os limites ao uso da força de quem comanda tornam-se, assim, direitos individuais, que se podem fazer valer no âmbito de um procedimento jurisdicional. O significado do garantismo assume, então, dois aspectos: o conteúdo das normas com base nas quais a magistratura pode dispor da liberdade do cidadão; e a interpretação e aplicação de tais normas." (21)

Demais, não bastam as leis, mas há necessidade de vontade política de concretizá-las. Em nosso País, as normas garantistas se postam no início da Carta Magna, que é sinal indicativo de priorização dos direitos e garantias fundamentais. Todavia, há muitos dispositivos que são letra morta porque a realidade não sofreu qualquer modificação e não há interesse do poder público de torná-los eficazes.

Toda a atividade de perseguição e de repressão deverá se alicerçar no respeito aos direitos individuais. As Constituições nasceram com o intuito de conter o avanço do poder político sobre os direitos fundamentais. Sem nos olvidarmos que os próprios indivíduos e grupos terão de respeitar os direitos dos outros que não podem viver sob opressão de quem quer que seja.

Para que possamos respeitar os outros precisamos cultivar o autoconhecimento, resgatar o humanismo presente em nossos corpos individual e coletivamente.

Vivemos numa sociedade que se artificializa (os medicamentos alopáticos são estranhos e no entanto são inseridos em nossos organismos). A técnica quer manter o poder completo sobre nossos corpos e pensamentos. Há imposição do poder, seja ele estatal, seja ele proveniente de líderes outros (cientistas, pais, professores etc). Nas favelas, às vezes, os narcotraficantes exercem o poder e suprem as necessidades materiais que não são atendidas pelos organismos estatais. Contudo, o uso da violência é uma constante. Quem fala morre. É a lei do mais forte. É a voz do fuzil. Ninguém pode se insurgir contra ela. O poder público tem dificuldades para combater os verdadeiros traficantes, porque eles são protegidos pelas autoridades, quando não são as próprias autoridades responsáveis pela repressão que praticam os atos ilícitos.

Não se combate a macrocriminalidade, somente a microcriminalidade (caem na rede do sistema os já marginalizados, vale dizer, os pobres, negros etc.). Há um evidente respaldo para proliferação de determinada espécie de criminalidade.

Isso quando as sociedades criminosas não têm nos seus quadros, na sua maioria, elementos da força legítima de repressão. A violência do Estado gera mais violência. Em verdade, essa presença policial no seio da arquitetura do crime causa uma grande confusão no povo, que não consegue mais distinguir o policial do delinqüente e que se considera totalmente desamparado. E que não sabe a quem recorrer quando de uma tragédia pessoal ou familiar.

Onde estão, afinal, preservados os direitos individuais? Somente no texto frio da "Lex Legum"?

Não podemos ter uma Carta Magna em dissonância com as demais normas do sistema. Realmente, vislumbramos o nascimento de legislações infraconstitucionais à Constituição de 1988 que são violadoras do corpo e do espírito das garantias previstas no texto constitucional.

Os direitos humanos estão no pedestal. Todo o processo histórico, que resultou na construção do constitucionalismo, foi no sentido de defender os cidadãos da atuação arbitrária do Estado. O que fazer, então, para controlar o crime? Temos que buscar "o ponto de justo equilíbrio entre as opostas exigências em jogo".

"Não é possível predeterminar de maneira absoluta o ponto de justo equilíbrio, mas deve ser individualizado segundo o contexto histórico e social no qual se insere. É evidente que uma comunidade que não tenha graves problemas de criminalidade poderá permitir-se instituir obstáculos ao poder repressivo mais intensos do que aqueles de uma comunidade que se afoga no crime. Isso não significa, em absoluto, que a exigência de garantia do cidadão deve ser colocada em segundo plano em comparação às exigências investigativas e punitivas do Estado lá onde estas devam ter uma satisfação imediata. O respeito ao cidadão contra o qual a justiça se dirige deve ser colocado sempre sob o mesmo plano do respeito ao cidadão que espera justiça, pela simples razão de que a ação do Estado deve ter como fim o respeito pela totalidade dos cidadãos." (22)

Precisamos reformular urgente e profundamente o aparelho de repressão do Estado. As garantias serão sempre insuficientes se tivermos uma polícia e uma magistratura que não respeitem o ser humano, que obedeçam cegamente os preceitos legais ou equivocadamente apliquem as leis. O Estado Democrático de Direito dá impressão da existência de uma liberdade plena. Entrementes, só formalmente temos um sistema democrático. Não se chega a uma democracia real sem a vontade política das classes dominantes de flexibilização do sistema normativo, sem que haja uma atuação efetiva por parte do povo para a conquista dos seus direitos.

Sem uma mudança política profunda – de uma ecologia integral – não se constrói uma nova sociedade e um novo Direito. Temos de ter um sistema diferente, que não se baseie única e tão-somente na lei estatal, porque se impõe o respeito às culturas das diferentes comunidades que vivem em determinado território.

"O problema das garantias e dos direitos dos indivíduos e da coletividade, no tocante à atividade repressiva do Estado, é, por conseguinte, também – e sobretudo – um problema de recrutamento, formação, inteligência, cultura (geral e jurídica) e equilíbrio dos homens que devem desenvolver tais atividades." (23)

A cultura de corrupção gera uma grande confusão mental também no policial. Ele não sabe hoje no Brasil a quem obedecer. Da mesma forma que o morador do morro no Rio de Janeiro, que é, na maioria das vezes, muito mais grato ao narcotraficante do que ao político, que somente comparece na periferia quando precisa de votos. No Brasil, ao contrário do que vem ocorrendo na Itália, em que o crime de colarinho branco (colletti bianchi) vem sendo punido, tem sido direcionada toda fúria repressiva contra os já marginalizados pela sociedade, como já ressaltamos. E aí temos o ataque aos sem-educação, sem-terra, sem-emprego, sem-vida etc.

Na Itália, a magistratura tem agido exemplarmente contra os políticos do primeiro escalão e os verdadeiros delinqüentes da classe dominante. É uma demonstração inequívoca da possibilidade do feitiço virar contra o feiticeiro. Recentemente, no Brasil, tivemos grandes escândalos (da comissão do orçamento do Legislativo Federal, dos precatórios, da CPI do bingo etc.), sem que houvesse punição de ninguém. O que é certo é que sem a vontade manifestada pelas autoridades não conseguiremos soluções satisfatórias. A reformulação do sistema jurídico passa necessariamente pela mudança do sistema político e da mentalidade, a fim de que também sejam responsabilizados os agentes políticos pelos desmandos.

"Naturalmente, todo esto es tarea que corresponde mucho antes a la política que a la cultura jurídica. Pero, si se toman en serio el derecho y los derechos fundamentales, es también una responsabilidad nuestra, de la ciencia juridica; la cual, como há escrito recientemente Letizia Gianformaggio, puede concebirse hoy como una "garantía": precisamente, como una metagarantía en relación com las garantias jurídicas eventualmente inoperantes, ineficazes o carentes, que actúa mediante la verificación y la censura externas del derecho inválido o incompleto. Se comprende que semejante función pragmática – crítica y proyectiva – de la ciencia jurídica contradice el dogma kelseniano y weberiano de su carácter no valorativo y peramente formal. Pero es sólo mediante el cumplimiento de un papel semejante como la razón jurídica puede hoy ponerse en condiciones de comprender la específica complejidad de su objeto. Porque la ciencia jurídica sólo podrá responder com éxito al difícil reto de la actual complejidad social, si como escribía Filangieri hace dos siglos, cuando identificaba no en el derecho que es, sino en el que débe ser, ‘el objeto común de los que piensan’ vuelve a ser ‘crítica del derecho’ existente, y al mismo tiempo ‘ciencia de la legislación’ y ‘ciencia de las constituciones." (24)

As normas vêm sendo utilizadas como meios de controle social, especialmente dos marginalizados da sociedade. As regras deverão ser levadas a sério, porque a programação tem um papel de destaque no equilíbrio das relações humanas que se desenvolvem no corpo da comunidade.

Não bastam os diplomas legislativos se nos porões das delegacias de polícia continuam a ser obtidas confissões mediante tortura.

O direito emergente (que poderá nascer no Terceiro Milênio) requer uma comunidade socialmente justa e uma cultura que produza importantes transformações na cabeça dos governantes e de todos os detentores de poder (há uma crescente divisão do poder na sociedade contemporânea). Enquanto mantivermos a ideologia da classe dominante como a oficial, todo o esforço realizado na construção de um direito alternativo, ou do uso alternativo do Direito, será uma tentativa infrutífera. O garantismo continua sendo desfraldado como a grande bandeira democrática de uma nação. Somente com ele teremos homens relativamente livres e protegidos das garras do arbítrio. Garantismo, asseguram os escritores, não tem uma significação unívoca, é um pensamento em constante evolução e aperfeiçoamento.

Na realidade do Terceiro Mundo ganha uma importância transcendental, porque nos países periféricos há uma influência fatal do modelo que impera nos países ditos desenvolvidos e que violentam a nossa cultura considerada primitiva e a nossa gente. A globalização nos leva à reflexão, mormente neste momento em que estamos assistindo o desmantelamento da máquina estatal e em que se dá a edificação de uma estrutura de poder neoliberal, que não respeita fronteiras nem direitos.

Isso causa uma debilitação das próprias garantias constitucionais, que, se permanecem no papel, ficam como letra morta. Ou como regras de um jogo de palavras sem significado algum para os algozes liberais.

Que sociedade é essa que está nascendo? Não se consegue definir agora. O futuro dirá, talvez. Mas tememos que a sociedade continue sendo discriminatória, em que somente alguns terão reais condições de desenvolvimento de suas potencialidades, à custa do sofrimento da maioria marginalizada e faminta.

O diagnóstico de crise do monismo estatal é algo que não consegue mais ser combatido pela mais reacionária doutrina. Não consegue o velho sistema, calcado na visão newtoniana-cartesiana, dar respostas para as questões que exigem solução. E isso gera insegurança e medo. Vivemos um período de transição. E ainda continuam em ação as forças conservadores, defensoras intransigentes da pena de morte. Acreditam elas que vamos combater a violência através de uma operação simples. Basta extirparmos do convívio social o elemento que foi responsável pelo gesto tresloucado. É como se não residissem na criminalidade raízes mais profundas. É como se a criminalidade não fosse um fenômeno dotado de múltiplas causas.

Da simplicidade artificial da ciência que reside ainda no século XVII temos de passar para a sociedade complexa, real, regida pela imprevisibilidade. Assim como a Medicina não consegue combater eficazmente o câncer com a eliminação do tumor, a Ciência Jurídica não compreende a criminalidade com a análise simplista de suas causas. O delinqüente é também uma célula louca produzida por uma sociedade intoxicada, inclusive pelos próprios remédios empregados para o seu combate (é o que se chama de efeito iatrogênico). Para que tenhamos uma idéia mais exata da sociedade, temos de estudá-la como um sistema complexo sujeito ao risco e ao perigo, aberto.

A previsibilidade é uma ficção criada pela Ciência Jurídica, que só existe dentro do seu mundo de fantasia. E a segurança não é gerada hoje sequer para os detentores do poder econômico, que vivem acuados em suas mansões, sem saber o que fazer com o avanço da criminalidade. São verdadeiros prisioneiros do medo. Foram pegos pelas suas próprias armadilhas. Adverte Lao-Tzu:

"Quem conhece os outros é inteligente.

Quem conhece a si mesmo é sábio.

Quem vence os outros é forte.

Quem vence a si mesmo é poderoso.

Quem se faz valer tem força de vontade.

Quem é auto-suficiente é rico.

Quem não perde o seu lugar é estável.

Quem mesmo na morte não perece, esse vive".

É preciso dar espaço à justiça vital que reside no interior de cada ser. A justiça formal, externa, depende dos agentes do sistema (juizes, advogados, promotores etc.), enquanto que a justiça vital é a principal, e construída a cada dia dentro de cada um, reconhecendo as desigualdades de todos os indivíduos, que assim contribuem para o equilíbrio da coletividade.(25) Estamos nos referindo a um direito natural, aos direitos humanos, que existem independentemente da vontade dos governantes. Chamam-se Direitos Humanos, por exemplo, "os direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal; direito à igualdade perante a lei; o direito à igual proteção da ordem jurídica; o direito de ser presumido inocente, até que a culpabilidade seja regularmente provada; o direito de defesa; o direito à intimidade; o direito de exprimir o pensamento; o direito de trabalhar; o direito de asilo." (26) Porém, se os direitos naturais não forem reconhecidos pelo sistema jurídico não temos como exigi-los legalmente. O Direito é, na verdade, resultado de todo um processo de reconhecimento estatal, mormente das classes dominantes, que são aquelas que efetivamente possuem o poder no sistema capitalista.

"O Direito é a ordenação quântica das sociedades humanas. Mas, em materia de ordenação, por meio do Direito, tudo é possível. Assim como proteína reguladora deve ser considerada como um produto especializado em "engineering" molecular, assim também o Direito deve ser considerado como produto de uma inteligência especializada em "engineering" social. Assim como nenhuma imposição absoluta determina o Direito. Assim como essas proteínas se dirigem com autonomia, em conformidade com os interesses fisiológicos da célula, assim também o Direito, livre de imposições absolutas, se pode dirigir pelos interesses reais da sociedade, de acordo com os sistemas de referência efetivamente vigorantes. Pode o Direito não se sujeitar a não ser aos fins que a sociedade almeja. A Ciência do Direito não anunciará jamais que um homem, ou um determinado grupo de homens, procederá desta ou daquela maneira, como a Física não pode prever o percurso que um elétron ou um grupo de elétrons irá fazer. A Ciência do Direito dirá, isto sim, que não sabe como um homem, ou um determinado grupo de homens, irá proceder, mas que esse homem, ou esse grupo de homens, tem mais probabilidade de proceder de maneira X, do que de maneira Y. A maneira X de proceder é a que é mais conforme ao sistema ético de referência, dentro do qual age esse homem ou esse grupo de homens. É a maneira de proceder que o Direito Objetivo deve preconizar. As leis humanas são, portanto, leis de probabilidade, como as demais leis da Sociedade Cósmica. A ordenação jurídica é a própria ordenação universal. É a ordenação universal no setor humano." (27)

O Direito terá de imitar a vida, ou melhor, reproduzir as regras que regem a natureza. Caso contrário, estará violentando os valores reais e éticos que estão presentes em nós desde sempre.

Considerações finais.

O holismo traz uma proposta de vida interessante, sem fragmentações e sem visões parciais dos complexos fenômenos naturais. Compromete-se com uma visão ecológica profunda, em que homens, além de preservar os seres, assumem-se como elementos integrantes da natureza e envolvidos eticamente na caminhada em busca de uma sociedade melhor para todos. Não se quer apenas uma democracia formal. Almeja-se um Estado Democrático de Justiça, de uma justiça vital, perene, permanente. O Direito passará necessariamente por uma grande mudança, quando reconhecermos a sua fragilidade, enquanto instrumento a serviço dos interesses da alguns. A Física Quântica revolucionou a ciência e demonstrou que inexiste a previsibilidade. Há apenas uma probabilidade. A harmonia é apenas relativa e depende de cada um e, ao mesmo tempo, de todos nós.

As garantias constitucionais e infraconstitucionais continuam com uma especial relevância, haja vista a relutância das classes dominantes em reconhecer os direitos fundamentais. O sistema jurídico continua como instrumento de manutenção dos privilégios de alguns. Dentro da visão holística humaniza-se o Direito, resgatando a eticidade perdida quando da operação divisória levada a cabo pelos cientistas a partir do século XVII. O Direito que resolve os problemas às portas do século XXI não pode estar com a cabeça voltada para os primórdios da ciência, em que a segurança era uma certeza e o controle da vida seria uma possibilidade real. Para a criação do um mundo seguro produziu um sistema calcado na fantasia.

O sistema jurídico aberto que se quer está mais em sintonia com a Física Quântica, que sabe da imprevisibilidade caracterizadora dos fenômenos naturais. Assim, supera-se o mundo da fantasia criado pelo Direito e aproxima-se o elemento jurídico da realidade. A solidariedade apresenta-se como elemento natural, com o reconhecimento de uma dialética da natureza, mais abrangente e flexível que a dialética marxista. Temos, assim, uma leitura mais completa dos problemas que nos são apresentados diuturnamente. A violência que queremos combater somente é passível de um certo controle, mediante a priorização da educação. Não se trata por óbvio de uma educação formal, mas de uma verdadeira revolução ética, divorciada de qualquer estrutura preestabelecida de poder.

Observações

1 Conferência proferida no I Congresso Brasileiro de Direito e Bioética, no dia 29 de agosto de 1997, em Florianópolis, promovido pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.

2 Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - e da UNISUL. Procurador do Estado. Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil.

3 Ver CREMA, Roberto. Introdução à visão holística: breve relato de viagem do velho ao novo paradigma. São Paulo: Summus, 1989. Diz ele: "A visão holística, postulada desde 1980 pela psicóloga francesa Monique-Thoenig, é produto de um saber do novo paradigma holístico. Esse paradigma, que surge como uma resposta à crise global da consciência humana, dividida e exilada de "Holos", sustenta o substrato de uma verdadeira mutação de consciência que transcorre, atualmente, nas mais diversas localidades do globo terrestre. Representa, em última instância, o surpreendente encontro entre ‘ciência’ e ‘consciência’."(p. 15).

4 Ver CAPRA, Fritjof. A teia da vida – uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1997. Assinala Capra que "o novo paradigma pode ser chamado de visão do mundo holística, e não como uma coleção de partes dissociadas."(p. 25).

5 Ver DE SOUZA, José Cavalcante. Os pré-socráticos - fragmentos, doxografia e comentários. Traduções de José Cavalcante de Souza e outros. São Paulo: Editora Nova Culural, 1996, p. 24.

6 GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução de Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas: Papirus, 1997, p. 09.

7 WEIL, Pierre. Organizações e tecnologias para o terceiro milênio – nova cultura organizacional holística. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1991, p. 17.

8 WEIL, Pierre. Organizações e tecnologias para o terceiro milênio – nova cultura organizacional holística, p.88.

9 Ver KIKUCHI, Tomio. Inyologia - guia do princípio único. São Paulo: Musso Publicações Ltda., 1979. "O Princípio Único é a ciência unificadora da Metafísica (que estuda o abstrato, o espiritual, o incondicionado, o ilimitado, o indeterminado e a teoria) e da Física (que estuda o concreto, o material, o condicionado, o limitado, o determinado e a prática). É a combinação dos dois elementos universais yin e yang. Muitos aspectos desses dois elementos são de conhecimento geral, como os fenômenos da eletricidade, a existência das forças centrífuga e centrípeta etc. Yin e yang são braços da balança universal e correspondem aos dois aspectos da manifestação: o negativo e o positivo, reação e ação, relaxamento e tensão, dilatação e contração, umidade e secura, frio e calor, ácido e álcali, clorofila e hemoglobina, efeito e causa, fêmea e macho, escuro e claro, veia e artéria, vegetal e animal, repouso e atividade, consumo e produção, oferta e procura, doce e salgado, noite e dia, etc." (p.25).

10 WEIL, Pierre. Organizações e tecnologias para o terceiro milênio – nova cultura organizacional holística, p. 17. E prossegue WEIL, nas páginas 17 e 18, "verbis": "A objetividade científica e da tecnologia se transformou em indiferença em relação aos critérios éticos. O resultado é que o mundo tecnológico está sem rumo firme, sem saber mais o que está certo e o que está errado, ou, no mínimo, não se preocupa com isto. Meio milhão de cientistas e engenheiros está a serviço de pesquisas militares, nas quais se gastam 75 bilhões de dólares anuais. Poucos são os que se preocupam em tomar consciência de que estão a serviço da destruição da vida no planeta."

11 SAVATER, Fernando. Ética para meu filho. Tradução de Monica Stahel. - 2a. ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 130.

12 HART, Herbert .L. A El concepto del derecho. Colombia: Nacional, s/d, p. 153.

13 BITTENCOURT, Jane. Conhecimento, complexidade e transdiciplinaridade. Mimeo. Florianópolis, 1997, p. 49.

14 BOBBIO, Norberto. Teoria general del derecho. Temis: Bogotá, Colombia, 1987, p. 3.

15 BOBBIO, Norberto. Teoria general del derecho, p. 5.

16 ENGELS, Friedrich. A dialética da naturez. 2ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

17 FERRAJOLI, Luigi. El derecho como sistema de garantias. Palestra realizada nas jornadas sobre "La crisis del derecho y sus alternativas, organizadas pelo "Consejo General del Poder Judicial", em Madrid, durante os dias 30 de novembro e 04 de dezembro de 1992, Mimeo, p. 61.

18 FERRAJOLI, Luigi. El derecho como sistema de garantías, pp. 61-62.

19 FERRAJOLI, Luigi. Ob. cit., p. 63.

20 Ver DI BERNARDI. Dos faraós à física quântica. Londrina: 1997. Assinala ele: "A Física Quântica passou a exigir uma revisão radical do que se entende por senso comum, como estrutura da matéria. Niels Bohr expressou-se desta forma: onda e partícula material são formas complementares de uma mesma realidade, uma realidade que está além da nossa capacidade. Denomina-se dentro da Mecânica Quântica Lei da Complementaridade esta possibilidade de uma partícula se manifestar em determinadas circunstâncias como onda. De certa forma, é uma admissão da passagem de um mundo de uma dimensão para OUTRO DE DIMENSÃO MAIS SUTIL. Outra surpreendente conclusão foi o chamado Princípio da Inseparabilidade. Embora para nós, leigos em Física Quântica, todos estes conceitos nos pareçam difíceis, conseguimos perceber o aroma do extrafísico nas entrelinhas; vejamos: uma partícula ao interagir com outra mantém um vínculo que independe do espaço e do tempo." (pp. 158-159).

21 MIGLINO, Arnaldo. Trata-se de ensaio escrito em 20.08.94, a pedido do Instituto de Direito Alternativo (Florianópolis, Brasil), com o título original Brevi riflessioni sul significato del garantismo com riferimento a vicende italiane degli anni 1988-1994 (Breves reflexões sobre o significado do garantismo (em vista dos acontecimentos italianos dos anos 1988-94).. É advogado e pesquisador em Ogliastro Cilento, Província de Salerno, Itália. A tradução é do professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho.

22 MIGLINO, Arnaldo. Ob. cit., p. 8.

23 MIGLINO, Arnaldo. Ob. cit., p. 9.

24 FERRAJOLI, Luigi. Ob. cit., p. 96.

25 CALDEIRA, João Cláudio. Justiça Formal e Justiça Vital. Viva Alavanca. São Paulo, v. 10/01, out./95 e jan./96

26 TELLES JUNIOR, Gofredo. O direito quântico – ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1974.

27 TELLES JUNIOR, Gofredo. O direito quântico – ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica, pp. 285-286.

Referências bibliográficas.

BITTENCOURT, Jane. Conhecimento, complexidade e transdiciplinaridade. Mimeo. Florianópolis, 1997.

 

BOBBIO, Norberto. Teoria general del derecho. Temis: Bogotá, Colombia, 1987.

 

CALDEIRA, João Cláudio. Justiça Formal e Justiça Vital. VivaAlavanca, São Paulo, v. 10/01, out./95 e jan./96.

 

CAPRA, Fritjof. A teia da vida – uma nova compreensão científica dos sisemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. São Paulo : Cultrix, 1997.

 

CREMA, Roberto. Introdução à visão holística : breve relato de viagem do velho ao novo paradigma. São Paulo : Summus, 1989.

 

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FERRAJOLI, Luigi. El derecho como sistema de garantias. Tradução de Andres Ibañez. Mimeo. Madrid, s/d, p. 61.

 

GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução de Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas : Papirus, 1997.

 

HART, H.L.A El concepto del derecho. Colombia: Nacional, s/d.

 

MIGLINO, Arnaldo. Brevi riflessioni sul significato del garantismo com riferimento a vicende italiane degli anni 1988-1994. Tradução de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Mimeo. Florianópolis, s/d.

SAVATER, Fernando. Ética para meu filho. Trad. Monica Stahel. - 2a. ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1996.

 

TELLES JUNIOR, Gofredo. O direito quântico – ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. São Paulo : Max Limonad, 1974.

WEIL, Pierre. Organizações e tecnologias para o terceiro milênio – nova cultura organizacional holística. Rio de Janeiro : Editora Rosa dos Tempos, 1991.

KIKUCHI, Tomio. Inyologia - guia do princípio único. São Paulo : Musso Publicações Ltda., 1979.

http://www.iaccess.com.br/roney/holismo.htm

 


As crises do conhecimento científico e

a práxis pedagógica

 

Maria Antonieta de Campos Tourinho

Maria Roseli Gomes Brito de Sá

Norma Carapiá Fagundes

Professoras da Universidade Federal da Bahia

Doutorandas vinculadas ao NEPEC

 

RESUMO - A crise da ciência moderna vem se manifestando nas mais diversas áreas do conhecimento e fazendo emergir, através dos estudos e debates, novas dimensões epistemológicas para as Ciências Humanas e para as práxis pedagógicas. Conceitos como auto-organização e criatividade questionam a previsibilidade e as certezas supostamente alcançáveis pela pesquisa científica e trazem novas visões tanto para os processos naturais como para os processos humanos. Essa cosmovisão requer um entendimento do processo educativo traduzido em práxis múltiplas pautadas na flexibilidade e na interatividade da dinâmica das relações entre os sujeitos da educação e desses com o conhecimento em construção nesse processo.

 

Com a crise da ciência moderna, conceitos como verdade e realidade - construídos em oposição à idéia do relativismo – se relativizam. Como têm se expressado esses conceitos na trajetória das cosmovisões representativas do conhecimento humano? Vimos a transformação do mundo teológico medieval no mundo mecânico do relógio e a busca da verdade para explicação da realidade, tornando-se o próprio fundamento da ciência. O desmonte do relógio, a partir de formulações que gradativamente foram repensando e/ou abalando os fundamentos da ciência moderna, vem chegando a um patamar em que as próprias ciências "duras", particularmente a Física, vêm liderando investigações que trazem o acontecimento, a subjetividade, a imaginação, a invenção, a criatividade como elementos constitutivos de novas possibilidades ético-estéticas para o conhecimento científico e impondo um novo conceito de inteligibilidade. Essas descobertas, que não pretendem se constituir em verdade única, capaz de tornar inteligível uma realidade previsível, penetram nas mais diversas áreas de conhecimento, abrindo uma nova dimensão epistemológica para as Ciências Humanas e trazendo novas possibilidades para as práxis pedagógicas.

Essa busca de construção de novas inteligibilidades, articulando dimensões físicas a dimensões humanas, pode ser vista em Prigogine & Stengers (1992; 1996), para quem a ciência é obra humana e não um destino implacável. No processo de produção científica, é impossível a separação entre o objeto do conhecimento e o sujeito que conhece, mesmo porque só conhecemos do real o que se expressa nessa relação. Assim, a ciência, além da dimensão científica, comporta também uma dimensão filosófica e existencial, que permite compreender a relação ser humano/mundo e não, fazer oposição entre o homem e o mundo que tenta compreender. O ser humano e a natureza não estão em oposição, a interdependência mostra que vida e não-vida não se opõem.

Pautando suas investigações na questão do tempo, esses autores passam de uma compreensão determinista em que o mesmo estaria inserido num universo linear, mecânico, reversível e estável, para um tempo que comporta amplificações de elementos microscópicos que podem dar margem ao imprevisto, ao acaso, num universo turbulento, não linear, irreversível e caótico. As estruturas dissipativas, que constituem a maior parte do universo não são mecânicas, mas aleatórias. Aleatório para os autores significa não determinado, novo e criativo.

Para esses estudiosos não cabe à ciência, assim como não cabe à arte e à filosofia, dizer o que é o tempo, mas tê-lo como problema, buscando "a criação de coerência entre nossa experiência mais íntima, que é a do tempo e nossas maneiras de descrever o mundo e nós mesmos, que emergimos desse mundo. Buscar a coerência quer dizer problematizar o tempo". A questão básica da concepção de tempo é o princípio da irreversibilidade que permitiu à Física "finalmente descrever a natureza em termos de devir; e assim poder, a exemplo das outras ciências, descrever um mundo aberto à história". Para Prigogine & Stengers, quando a Física anuncia a evolução irreversível, "ali onde a eternidade parecia reinar, as ciências e as culturas descobrem em toda parte, a potência criadora do tempo" (1992, p. 26-27).

Dando uma nova formulação para as leis da natureza em termos de probabilidades e não de certezas, Prigogine (1996) trabalha com o conceito de caos, divergindo do conceito determinista que ensina que só se pode predizer o futuro se se conhecer "o estado do mundo com uma precisão infinita" e considerando a possibilidade de se ir mais longe, dada a existência de uma "forma de instabilidade dinâmica ainda mais forte, tal qual que as trajetórias são destruídas seja qual for a precisão da descrição" (p. 40). Com essas formulações, Prigogine não pretende nos colocar diante da derrota do espírito humano, mas sim num momento privilegiado da história das ciências, mostrando que longe da idéia de equilíbrio, a Física tem nos ajudado a perceber que "a atividade humana criativa e inovadora não é estranha à natureza, podemos considerá-la como uma amplificação de uma intensificação de traços já presentes no mundo físico"(p. 74).

Essa percepção privilegiada, que une os processos físicos e humanos, traz uma grande contribuição para a compreensão e o desenvolvimento da práxis pedagógica. A concepção de tempo ligada a processos construídos no "microcosmo", não de um tempo eterno, no sentido de uma abstração, mas um tempo construído em seu devir e sugerindo um mundo de incertezas, de instabilidades, remete-nos a novas possibilidades de desenvolvimento de práxis pedagógicas mais abertas, menos preocupadas com os fundamentos de uma prática estruturante e sim com a "potência criadora" do próprio tempo. A dinâmica das relações "microscópicas" - aqui compreendida por nós como as relações construídas no cotidiano do processo educativo – pode dar margem a um caos traduzido no imprevisto das múltiplas referências trazidas pelos diversos sujeitos da educação, no acaso dos resultados de seus processos diferenciados de construção de conhecimentos, no instável das próprias relações entre subjetividades múltiplas e, longe de inviabilizar uma práxis pedagógica, poderá constituir novas práxis, cuja ordem se paute na flexibilidade, na interatividade.

Tendo como tema básico a (des)ordem, enquanto um problema que "vai claramente além dos limites da Física, ou mesmo da ciência, alcançando a questão da consciência humana e social" Bohm & Peat (1989, p.142) pretendem desenvolver novas noções de ordem, importantes não só para as idéias da teoria quântica, como para a sociedade, a consciência e a criatividade.

Esses autores não absolutizam o conceito de ordem, pois consideram que nenhuma ordem cobrirá toda a experiência humana e quando os conceitos mudam, têm as ordens de ser constantemente criadas e modificadas. Para eles, também o conceito de tempo é de uma instância mutável e transitória. A ordem temporal seria uma ordem de mudança e trânsito; aliás, nenhuma ordem constitutiva é uma verdade absoluta, porque sua capacidade de conduzir a atividade coerente e consistente é sempre limitada.

Numa crítica velada, tanto às posições racionalistas, quanto às empiristas e ao próprio antagonismo entre ambas, Bohm & Peat consideram ser demasiadamente limitado tentar atribuir ordem só ao objeto ou ao sujeito, porque ela está em ambos e nenhum e, simultaneamente, é algo que ultrapassa tudo isso: um processo dinâmico que envolve o sujeito, o objeto e o ciclo de percepção-comunicação que os une e relaciona. Com essas formulações, os autores questionam elementos fundantes da ciência moderna, como a verdade absoluta possibilitada pela investigação especializada, a neutralidade do investigador e a própria realidade, que passa a contemplar os sujeitos em processo, pressupondo uma interação (percepção – comunicação) que em si já demonstra uma nova ordem, novas possibilidades de operação e de relacionamento entre sujeito e objeto.

Após estudo retrospectivo, em que procura mostrar como diversas "cosmovisões" tentam estabelecer uma ordem pretensamente eterna, os autores observam que mesmo as teorias da relatividade e quântica, que contém elementos de crítica à ciência moderna estabelecida, são colocadas em questão com a tese do "buraco negro", na qual estruturas básicas e partículas elementares deixam de existir.

Para eles, as mudanças de longo alcance não são apanágio exclusivo da ciência, elas introduziram mudanças em todas as áreas da vida. As mudanças na ordem social foram de grande alcance e as tensões a elas associadas ainda não foram plenamente resolvidas. Se por um lado, a ciência e a tecnologia abriram novas e imensas possibilidades de vida melhor para um grande número de pessoas, como nunca antes tinha sido possível, por outro lado, o surgimento da indústria e o crescimento tecnológico originaram crises na política, na economia e na ecologia. O aumento sempre constante de mudanças ameaça mergulhar a humanidade numa singularidade de "buraco negro": dado o desconhecimento por completo do que contém essa singularidade, poderíamos encontrar nela, tanto uma crescente miséria, conducente à extinção definitiva, quanto um modo de vida inimaginavelmente diferente e melhor para todos.

Relacionando as formulações sobre o buraco negro - tido como singularidade que não é perceptível e tanto pode manter uma ordem quanto criar novas possibilidades - com a Pedagogia, poderíamos pensar que a práxis pedagógica que se desenvolve na escola hoje, pode se constituir num "buraco negro", onde venham a acontecer processos insuspeitados pelos sujeitos da educação. Além do mais, nesse mundo de incertezas, poderia haver espaço para diferentes manifestações pedagógicas, desde a manutenção de propostas mais tradicionais como o desenvolvimento de propostas que contemplem uma nova práxis pedagógica, pautada na criatividade, na diversidade.

A possibilidade de articulação de práxis pedagógicas centradas na subjetividade, numa nova inteligibilidade que venha a articular a dimensão da subjetividade com as dimensões ambiental e social, pode ser vislumbrada a partir das formulações de Guattari (1990).

Para Guattari (1990), a verdadeira resposta à crise ecológica que ameaça o meio ambiente de nossas sociedades, não poderá ser dada apenas na abordagem dos danos industriais, ou seja, apenas numa perspectiva tecnocrática, mas em uma articulação ético-política – a que Guattari (1990) chama de ecosofia – entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana).

As implicações dessa perspectiva ecosófica na concepção da subjetividade, significa uma tomada de consciência em permanente conflito, onde a condição de sujeito é viver na incerteza e no risco. Esse ato de tomada de consciência não pode ser, por si mesmo, um ato de princípio ético, mas pode ser um ato de iluminação ética. A noção de subjetividade que liga o sujeito ao contexto deve desfazer-se de todas as referências científicas para forjar novos paradigmas que serão, de preferência, de inspiração ético-estética.

O paradigma estético discutido por Guattari (1990) dá ênfase à produção e recriação da heterogeneidade, que busca encontrar seu potencial de emergência no contexto de um mundo da técnica e da desterritorialização dos valores. A heterogênese é entendida como um processo contínuo de re-singularização, onde os indivíduos devem se tornar a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes. Não se trata, pois, de uma operação dialética, porque não há resolução dos contrários, e sim de uma espécie de afirmação de subjetivação parcial que vai produzir efeito também nos conjuntos não-humanos. Para o autor, trata-se de questionar se continuamos na finalidade catastrófica da homogênese capitalística dos valores, que impõe uma espécie de padronização dos comportamentos, ou se buscamos, no âmbito da vida cotidiana, as singularidades microscópicas onde se pode recuperar a subjetivação pelo cultivo do dissenso e da produção singular da existência.

Como exemplos de revolução subjetiva ascendente, podemos citar as mudanças na condição feminina acontecidas em muitas sociedades; as lutas contra o racismo; a construção de um mínimo de territórios existenciais pelos jovens ligados a movimentos como o rock e o hip hop, que exemplificam um contexto de ruptura, de descentramento, de multiplicação dos antagonismos e de processos de singularização em que surgem as novas problemáticas ecológicas. Mas para que esses movimentos produzam mudanças mais profundas na sociedade é necessário que tenham em mira, a título de objetivo maior, os modos de produção de subjetividade – isto é, de conhecimento, cultura, sensibilidade e sociabilidade – que dizem respeito a sistemas de valor incorporal, os quais a partir daí estarão situados na raiz dos novos agenciamentos produtivos.

A configuração de um paradigma ético-estético requer uma opção de valorização dos valores, bastante diferente das oposições dualistas (maniqueístas) tradicionais que guiaram o pensamento social e as cartografias geopolíticas. A questão da enunciação subjetiva colocar-se-á mais e mais, à medida que se desenvolverem as máquinas produtoras de signos, de imagens, de sintaxe, de inteligência artificial. Disso decorrerá uma recomposição das práticas sociais e individuais que o autor agrupa segundo três rubricas complementares: a ecologia social, a ecologia mental e a ambiental, sob a égide ético-estética da ecosofia, de uma política focalizada no destino da humanidade (Guatarri, 1990, p. 23).

Guattari (1990) amplia conceitos fundamentais para a ciência contemporânea. Ressaltando a subjetividade e incorporando-a ao conceito de ecologia, não reduzida a uma simples preocupação com a natureza, mas tendo um olhar para suas interfaces (com o mental, o social), pode trazer uma nova dimensão teórica para a práxis pedagógica. Paradoxalmente, contudo, a ecosofia de Guattari, aproximando-se da idéia de um vetor, uma direção - seria uma nova "teologia"? - parece sugerir um pretenso encaixe harmônico das três ecologias e nos revela uma face prescritiva, podendo reforçar uma certa tendência da pedagogia, de buscar soluções acabadas para suas interrogações.

A pluralidade de fenômenos e processos que permeiam a rede de relações "eco-subjetivo-sociais" e que aparece como cenário da realidade contemporânea nas formulações dos autores estudados, põe em questão, pois, o próprio sentido identitário dessa realidade, sua ordem temporal, tornando mais apropriado falar de realidades, de novas ordens, de padrões diferenciados de inteligibilidade, de incertezas... Nesse cenário, não caberia buscar uma verdade, mas a construção de novas inteligibilidades. Também seria descabido pensar a práxis pedagógica fundada numa lógica identitária, finalista. O grande desafio posto aos processos educativos é de superar um ordenamento linear, centrado em inícios claros e fins definidos e pensar uma práxis pedagógica, enquanto "forma de concretização do processo educativo" (Serpa, 1987), construída na relação entre subjetividades diversas, com objetos não específicos e delimitados previamente (mesmo porque as próprias subjetividades confundem-se enquanto objetos de uma realidade ampliada). A historicidade dessa relação funda-se e expressa-se na heterogeneidade, na indeterminação, no inacabamento dos processos, sem aspirar a uma síntese efetiva e definitiva.

Podemos constatar, porém, que essa práxis pedagógica ainda está muito longe de nossas escolas, pelo menos de forma institucionalizada. A escola, enquanto criação da modernidade, pretende ser única e universalizante e as pedagogias oficiais, fundadas em teorias que traduzem-se em grandes narrativas, de base identitária, acabam veiculando uma cultura hegemônica e reforçando a idéia de estabilidade mediante a transmissão de conhecimentos prontos, acabados, sacralizados. Nessa escola as diferenças são demarcadas, comparadas, "rotuladas" e hierarquizadas, sendo que essa pedagogia da homogeneização e da desautorização traz como conseqüência maior da escola única, a exclusão.

Pedagogias fundamentadas na diferença, por sua vez, romperiam com a grande narrativa, pois o que se coloca como pano de fundo são as próprias diferenças e não as identidades, interagindo em processos contingenciais e imprevisíveis, nos quais o movimento e não a estrutura, a instabilidade e não a certeza, seriam a expressão da práxis.

Caminhos para a superação das amarras das chamadas ciências modernas e da construção de teorias pedagógicas possibilitadoras de práxis pedagógicas alternativas podem ser vislumbrados também, nas formulações de Feyerabend (1977) sobre o processo de produção científica. Para ele há uma incomensurabilidade entre algumas teorias. Ou seja, duas ciências rivais não compartilham de proposições de observação, não sendo possível deduzir logicamente algumas das conseqüências de uma teoria dos princípios de sua rival, para efeito de comparação. Segundo o autor, não usamos teorias para efeitos classificatórios para a ordenação de fatos neutros, como quer o esquema positivista. As teorias não são, portanto, redutíveis umas às outras, mas isso não quer dizer que devamos enquadrar os objetos de pesquisa apenas em uma teoria, ao contrário, o alerta de Feyerabend é para uma abertura maior na ciência, onde os objetos rebeldes (como os da educação, por exemplo), possam ter uma explicação mais ampla através da utilização de mais de um referencial.

Feyerabend (1977) critica a educação científica por simplificar a ciência, simplificando seus elementos a uma lógica própria de um determinado campo, se desligando da história dessa própria ciência e separando os "fatos" científicos, que passam a ser vistos como independentes de opinião, de crença ou de formação cultural. Além da pluralidade dos métodos, reivindica que o processo de investigação ocorra de forma mais livre e prazerosa, contemplando as crenças, valores, cultura, paixões ou mesmo opiniões e incorporando leveza, despreocupação com um método específico, vez que não há regra epistemológica que deixe de ser violada em algum momento.

Apoiando-nos nessa compreensão da não existência de um espaço globalizante e hierarquizável, percebemos que a escola precisa ser plural, não única, assim como múltiplas as propostas e as práxis pedagógicas, de acordo com a dinâmica das relações entre os sujeitos da educação e desses com o conhecimento a ser construído nesse processo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOHM, David, PEAT, F.D. Ciência, ordem e criatividade. Lisboa: Godiva, 1989.

FEYERABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.

GUATTARI, Felix. As três ecologias. Campinas : Papirus, 1990.

PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: Editora da UNESP, 1996.

PRIGOGINE, Ilya, STENGERS, Isabelle. Entre o tempo e a eternidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

SERPA, L. F. Sobre a práxis pedagógica. Educação em Debate, Fortaleza. v.14, n.2, p.21-25, jul/dez. 1987

http://www.faced.ufba.br/~nepec/noesis1/crises.htm

 


Carta dos Princípios de Proteção à Vida

 

Nós, os Protetores da Vida, crianças e jovens estudantes, representando todos os estados brasileiros e o Distrito Federal, reunidos em Brasília, no período de 9 a12 de outubro de 1999, refletimos sobre o Ambiente e a Vida, observamos que o Brasil tem riquezas e problemas e entendemos que a cidadania também representa um compromisso com a vida.

Para falar da vida entramos no mundo da arte, pois a arte é uma maneira de expressar o que a gente sente. Através da palavra, da música, do teatro e das artes plásticas afirmamos os seguintes Princípios de Proteção à Vida:

Princípio Primeiro – A vida depende do ambiente e o ambiente depende da gente. Vamos todos juntos nos mobilizar para o ambiente preservar.

Princípio Segundo – O meio ambiente não nos pede nada, pelo contrário, nos dá tudo. Cuidar dele, sem se preocupar em receber algo em troca, é uma necessidade vital.

Princípio Terceiro – A natureza é vida. Precisamos amar e respeitar tudo que faz a vida existir, tendo consciência da nossa responsabilidade perante a vida. Planejar nossas atitudes e ações para que não prejudiquem a vida.

Princípio Quarto – Respeitar as diferenças entre todas as formas de vida e entender que são únicas.

Princípio Quinto – Todos temos direito à vida, não importa a raça ou a cultura. A diversidade cultural é bonita. Todos os tipos de discriminação devem acabar.

Princípio Sexto – O Brasil tem muitos problemas mas possui riquezas que precisamos preservar. Não poluir, não desmatar, não devastar, não destruir a natureza.

Princípio Sétimo – A qualidade do ar e da água é essencial para sobrevivermos. Nós, Protetores da Vida, queremos ar puro. Queremos que o governo construa estações de tratamento de esgoto em todos os estados.

Princípio Oitavo – Usar melhor a tecnologia. Nós temos que associar a tecnologia à limpeza do meio ambiente. O desenvolvimento sustentável é a melhor forma de proteger a Terra.

Princípio Nono – Devemos reciclar o lixo e evitar o desperdício. A reciclagem diminui o lixo e faz surgir novas invenções.

Princípio Décimo – A educação é o caminho para uma vida melhor. Precisamos de informações sobre a importância da natureza e da vida no planeta. Cada professor deve falar de educação ambiental em suas aulas. A educação ambiental é a nova escola da vida.

Princípio Décimo primeiro – Cidadania é quando falamos de direitos básicos: moradia, emprego, saúde, educação e opinião. Compor as decisões com a participação de todos. Cidadania é viver em harmonia, alegria, promover o bem-estar de todos e preservar o meio ambiente. Queremos salários mais justos, reforma agrária, respeito aos direitos dos mais pobres, o fim da fome, da miséria, da violência, do desemprego, da corrupção e do desvio de verbas públicas.

Princípio Décimo segundo – Não basta só falar, tem que fazer. Através das pequenas ações nos tornamos cidadãos.

Princípio Décimo terceiro – Solidariedade, respeito, amor, união, alegria são valores que devemos respeitar.

Princípio Décimo quarto – O Governo Federal tem que fazer valer o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Princípio Décimo quinto – Para conservarmos o meio ambiente precisamos da conscientização de todos. Nós, Protetores da Vida, repassaremos a idéia aos que não tiveram a oportunidade de estar no Encontro. Podemos promover debates, passeatas, propagandas, reuniões, cartilhas e outras formas de sensibilização.

As guerras não estão com nada! Paz para todos os seres. Seja um Protetor da Vida.

Brasília, 12 de outubro de 1999

Para saber mais: http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/protetor.html

 


Arquitetura Ecológica

Um quinto da população do planeta vive em casa de terra crua, material que está sendo redescoberto neste fim de milênio.

Por: Rosângela Trolles

O grande impacto que o processo de industrialização iniciado após a Segunda Guerra Mundial causou ao meio ambiente e à saúde dos indivíduos fez com que em muitos campos da atividade humana os especialistas procurassem por alternativas. A arquitetura não foi uma exceção. As técnicas tradicionais de construção, algumas delas milenares, como a utilização de terra crua, atraem atualmente a atenção de muitos profissionais.

Após a década de 70, com a crise energética, essas técnicas passaram a ser utilizadas fora das áreas onde sempre existiram. Materiais como a terra crua, bambu e fibras vegetais diversas representam uma excelente alternativa aos materiais industrializados. Não são poluentes, não requerem grande consumo de energia e oxigênio em seu processo de preparo, são renováveis e de baixo custo. Suas técnicas de utilização foram sendo desenvolvidas ao longo dos anos por diferentes culturas e agora ganharam os espaços acadêmicos onde se propagam e se aperfeiçoam. O professor e pesquisador alemão Gernot Minke vem pesquisando há cerca de 20 anos as aplicações da terra e do bambu em diversas áreas. Seu trabalho é desenvolvido na Universidade de Kassel, Alemanha, e tem seguidores por todo o mundo.

Partindo de análises científicas, Gernot Minke procura aprimorar técnicas que utilizam materiais de construção naturais buscando um resultado seguro e de beleza estética. Em suas pesquisas, ele tem procurado determinar as propriedades estruturais e físicas de diferentes texturas de terra e as possibilidades de seu uso em paredes, domos (coberturas arredondadas) e mobiliário. "A mistura encontrada para estas experiências é aquela que reúne a argila, o calcário e a areia formando um solo estabilizado", explica o pesquisador. Essa mistura, no entanto, pode receber uma série de agregados e aditivos resultando em substâncias com outros aspectos e comportamentos.

Os experimentos buscam encontrar as quantidades de agregados e aditivos ideais para aumentar a resistência das misturas à intempérie. O estudo inclui a preocupação em reduzir a condutividade térmica das misturas. Para aumentar a capacidade de isolamento térmico (que aumenta com a espessura maior do material utilizado), foi desenvolvida uma terra especial, agregando minerais porosos tais como argila, vidro ou lava expandidas, e ainda pedra-pomes e palha. A qualidade da terra utilizada também é um fator determinante.

Para tornar a terra impermeável, foram pesquisados outros aditivos, além de cimento e cal, já conhecidos. Óleo de linhaça, vidro solúvel, silicone, éster de ácido silícico e emulsão betuminosa, entre outros, foram utilizados com ótimos resultados. "Até a simples reunião de cal e caseína, líquido extraído do leite animal, foram soluções encontradas com resultados comprovados", afirma o arquiteto.

O sucesso de tais técnicas fez Gernot Minke projetar sua própria residência em terra crua. O pesquisador criou um ambiente dinâmico em cinco módulos hexagonais, evitando os opressivos espaços retangulares. "Apliquei em especial uma técnica de empilhamento do que chamo de "salsichas" de terra", conta. "Nela, a terra deve ser bem manuseada para se tornar mais fácil de ser trabalhada. Em seguida os pedaços são colocados uns sobre os outros, podendo ser modelados de forma ornamental nas extremidades para dar o acabamento". O resultado é tão seguro que o pesquisador pôde revestir o banheiro de sua residência com esta técnica.

Bambu para estruturas naturais

O bambu é outro material que vem sendo aplicado em grande escala (ver Ecologia e Desenvolvimento nº 21). Se destina à construção de telhados, vedações, reforço para paredes de terra comprimida e ainda aparelhagem habitacional. É um material durável e atinge uma resistência ideal para o corte após três anos. As edificações em bambu têm sido implantadas na Guatemala, Costa Rica, Colômbia, Equador, Índia, Holanda e Alemanha.

Vários centros de pesquisa vêm se dedicando a este material. A Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro desenvolve pesquisas com materiais e tecnologias tradicionais em alguns núcleos de trabalho. O engenheiro e professor Khosrow Ghavami orienta pesquisas científicas com materiais que podem ser encontrados em nosso território. Ele procura incorporar os exemplos bem-sucedidos de outras culturas. "Soluções encontradas na China para casas populares e para pontes de bambu utilizadas por mais de 500 anos e ainda castelos persas, são fonte de inspiração para nosso núcleo de pesquisa", diz o professor. "Invenções como a de Santos Dumont, que construiu 14 aviões em bambu, são consideradas como os primórdios da utilização do material no país".

As soluções encontradas no núcleo de ciência dos materiais, orientado pelo professor Ghavami, são aplicadas no laboratório de design, uma grande oficina, localizada no estacionamento da universidade, destinada ao desenvolvimento de estruturas pelos alunos de desenho industrial. "Estes conhecimentos são aplicados mais tarde no meio social", conta o professor José Luis Ripper, responsável pelo núcleo.

A pesquisa também visa construir equipamentos renováveis para deficientes físicos. "Procuramos projetar uma aparelhagem de uso hospitalar de modo singularizado e de forma a adaptar-se às fases de recuperação dos doentes", diz Ripper. O núcleo explora ainda as qualidades plásticas do bambu e produz belas esculturas artísticas.

O processo para a preparação do bambu é também objeto de estudo na oficina. "Técnicas como a carbonização para a proteção contra insetos já foram superadas, evitando a perda de uma importante propriedade que é a flexibilidade", explica Ripper. "Outras soluções foram inventadas, como a criação da tinta elastomérica, que dá à superfície um alto poder de aderência, e a tinta epóxi, que funciona como uma luva de borracha."

Um novo método proporcionou o aumento da vida útil das estruturas. Na verdade não se trata de algo estritamente "novo" e sim de adaptações de soluções adotadas por culturas milenares. Um bom exemplo é a utilização de peças inteiriças substituindo a prática de corte do material. Esta medida implicou o desenvolvimento de peças como torniquetes e adaptadores para o encaixe dos módulos, possibilitando a substituição de partes possivelmente danificadas.

Técnicas saudáveis

A pesquisa carioca foi um incentivo para novos núcleos de trabalho, que estão surgindo em diversos estados do Brasil. Já existem grupos pesquisando e trabalhando com materiais de construção naturais na Paraíba, Bahia, Minas Gerais e Mato Grosso. Em Minas Gerais, o professor Luis Eustáquio Moreira dá continuidade a sua pesquisa, realizada em nível de doutorado, sobre ligações para a estabilização das estruturas espaciais, levando em consideração as irregularidades do material. Ele também elaborou com seu orientador, professor Ghavami, normas e recomendações para um uso eficaz do bambu.

No estado da Paraíba, a pesquisa visa à implantação de um projeto habitacional popular na comunidade de Cuba de Baixo, em Sapé. "Com a prensa francesa GEO 50" construímos um Centro Comunitário em tijolos prensados de terra crua estabilizados com cimento", assinala o professor Normando P. Barbosa. Com a orientação da equipe, os moradores passaram a fabricar o material para erguer novas edificações.

Em Itabuna, um grupo busca conhecer e difundir as características dos solos existentes na região cacaueira da Bahia. "A linha de pesquisa trabalha com as técnicas da taipa de pilão (paredes monolíticas de terra batida ou socada), o adobe e o bloco comprimido", assinala o pesquisador Rogério Serôdio.

No Rio, uma empresa brinda consultoria técnica destinada a capacitar grupos sociais a desenvolverem suas próprias unidades habitacionais, utilizando esses métodos. O Instituto de Tecnologia Intuitiva e Bio-Arquitetura é uma empresa fundada por Joham Van Langen que trabalha a partir de metodologia artesanal. Os arquitetos vão à localidade, fazem um levantamento dos recursos que podem ser extraídos do terreno e ensinam a comunidade a propagar as técnicas necessárias. "De acordo com estes métodos, é possível construir uma casa de 80m2 a um custo de 4 a 5 mil reais", diz Alexandre Hugueney, diretor-financeiro do Instituto.

Depois de vinte anos de estudo sobre o bambu e as fibras naturais na construção civil no Brasil, estes materiais não são mais considerados estranhos. Pelo contrário, a proliferação de projetos, cada vez mais sofisticados, incentivou a criação de uma associação de engenheiros e arquitetos, pesquisadores das ciências dos materiais e tecnologias não-convencionais, a Abmtenc. Esta linha de construção civil vem sendo propagada pela associação, através do intercâmbio entre as universidades, instituições e organizações não-governamentais do país e do exterior.

Fonte: Revista Ecologia & Desenvolvimento. A 9, nº 73. Pg. 50 – 53.

http://www.unilivre.org.br/centro/experiencias/experiencias/267.html


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