InformaLista

O Informativo da lista “Educação Ambiental”

No. 13 – 27 de maio de 2001

Alguns textos apresentados na Lista de Discussão do Projeto Apoema - Educação Ambiental (Antigo Projeto Vida – Educação Ambiental)

Os textos não passaram por revisão ortográfica, portanto, podem haver erros.


Textos para educação ambiental:

http://relictos.ipn.zaz.com.br/reli-05.htm


O homem assumiu, em todo o decorrer da História, o papel de um temível fazedor de desertos.

(Euclides da Cunha, Os sertões.)


DE OLHO NA CIÊNCIA
Uma questão romântica?

por JOSÉ LAMARTINE DA COSTA BARBOSA*

A qualidade de vida da população é uma das questões mais discutidas hoje. Inegavelmente esta questão tem tido um grande espaço na mídia tanto nos países denominados de Primeiro Mundo quanto na América Latina e demais países periféricos. Não poderia ser diferente. As evidências estão aí ao nosso redor, no ar que respiramos, no solo que pisamos, na água que bebemos, onde e como vivemos. Tudo serve para nos indicar que o processo de degradação da natureza e de deterioração do meio ambiente não pode mais ser tratado com indiferença pela sociedade

Tem sido colocado, que em nome do desenvolvimento e do lucro, "o homem tem sido o lobo do homem". Mas, escamotear dessa discussão a ação do sistema capitalista na transformação do meio ambiente é agir ingenuamente. Seria cair no erro secular de ver a questão ecológica sob a perspectiva dicotômica do pensamento cartesiano, que separa o homem da natureza. O homem, enquanto ser biológico-pensante - corpo, sangue e cérebro - não está acima da natureza, mas é parte integrante dela; todos os utensílios criados pelo homem são extensões de seu corpo, que estabelece com a natureza uma relação integrada, através do trabalho.

Infelizmente, com o surgimento da sociedade industrial, que impôs a extração de matéria-prima de florestas, solo, mares e vias navegáveis, tornou o nosso planeta praticamente inabitável. A mística do progresso material, do desenvolvimento criada pela classe burguesa gerou o frenesi da produção e do consumo e vem provocando lesões no conjunto do meio ambiente, comprometendo até mesmo a estrutura geológica do nosso planeta.

No Brasil, a situação é alarmante. Como a população, a terra brasileira está gravemente doente. Quinhentos anos de submissão ao uso da terra a interesses econômicos que não consideram o valor da natureza levaram o Brasil a ter uma das partes mais depredadas do patrimônio ecológico da humanidade. Com a internacionalização da nossa economia, principalmente, durante o período em que os militares estiveram no poder, intensificou-se ainda mais essa depredação, gerando uma crise ambiental sem precedentes. Até mesmo a esperança depositada nos governos denominados civis foi frustrada com a continuidade da política da indiferença. As cidades continuam crescendo desordenadamente, indústrias são instaladas em meio a núcleos residenciais e os conflitos de terra aumentam assustadoramente e quase sempre acompanhados de assassinatos de trabalhadores.

Nos últimos decênios, as ações predatórias do latifúndio, as toneladas de resíduos lançadas por ano na atmosfera, o acúmulo de partículas de fuligem no ar oriundos das queimadas, o mercúrio jogados nos rios através do garimpo e lagos imensos surgidos das novas hidrelétricas construídas, vem comprometendo o ecossistema.

Hoje a maioria da nossa alimentação básica está contaminada por venenos e adubos químicos. As conseqüências dessa forma de agir do latifúndio associado ao setor industrial são, no mínimo, insuportáveis para a classe trabalhadora. Submetidos a um regime de trabalho de semi-escravidão e violados nos seus mais elementares direitos, os trabalhadores são obrigados a sair do seu hábitat aglomerando-se como podem nas periferias das cidades em busca de uma vida melhor.

Necessário se faz lembrar, a racionalidade irracional do regime capitalista, no Brasil, não só tem atingido violentamente apenas a natureza. Ela ocorre também em grande escala nas zonas urbanas. A falta de uma política de saneamento ambiental, paralela à aceleração descontrolada do progresso industrial, tem afetado profundamente a qualidade de vida das populações. O resultado são inúmeras doenças e surtos epidêmicos na periferia das grandes cidades.

Como, então, tratar a questão? A crise ambiental nos últimos anos tem despertado preocupações em indivíduos de todas as classes sociais. Há aqueles preocupados apenas com o lado belo, pitoresco e fabuloso da natureza, os denominados preservacionistas românticos; outros, aos quais me incluo, que vêem a questão ecológica sob a ótica da luta entre as classes sociais. Sabemos, o processo destrutivo tem sido feito dentro da mais perfeita lógica da rentabilidade do processo econômico em sua marcha para a modernidade. Mesmo porque a degradação do meio ambiente - urbano e rural, natural ou transformado pelo homem - não se dá de forma gratuita ou espontânea: ela segue a trajetória traçada pelos que se apropriam da natureza e dominam econômica e politicamente a sociedade. Aí, impõe-se o redirecionamento dessa discussão, buscando inverter o discurso romântico - no sentido clássico da palavra, da classe burguesa, demonstrando claramente que se trata de uma política, econômica, social e ideológica.

Aliás, essa modernidade, tão badalada no Brasil, é como um rio sem água. Não existe "uma" modernidade, mas várias formas de modernidade. Infelizmente, estamos vivendo a nossa modernidade, a modernidade brasileira. Isto porque vivemos numa sociedade dividida em classes na qual a minoria dona dos meios de produção apropriou-se da natureza como da força de trabalho humana. Sábias são as palavras do cacique Sealth: "Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?". Nesse sentido, a luta contra este sistema capitalista que ameaça a vida no planeta requer melhores salários, reforma agrária, reforma urbana, mais transportes, saúde, educação e lazer, associada à luta por um ambiente sadio.

* José Lamartine da Costa Barbosa é professor do Departamento de Matemática e Estatística da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

http://www2.uol.com.br/JC/_1998/1810/cm1810d.htm


Link: http://www.projetozuleide.com.br/Mata.htm


Ecopolítica : novos desafios.

Prof. José Ricardo de Moraes Lopes

 

A atual ecologia política praticada pelos países emergentes e em vias de desenvolvimento enfrenta sérios problemas estruturais sem o apoio concreto dos países alinhados componentes do G-7, que aliás, não fizeram nada de construtivo e concreto nesta década 90 em termos de recuperar economias em crise. Os não-alinhados, mais exatamente, em vias de desenvolvimento enfrentam problemas sociais e políticos crônicos, tais como : a fome, a miséria absoluta, o desemprego, a alienação, estrutura agrária cadente, etc.

O grande desafio do próximo milênio será o de determinar energicamente a aplicação prática das macro e micro políticas já planejadas pelo G-22, onde o Brasil é país membro, de forma a responder necessariamente aos anseios e desejos das populações desassistidas, manifestando o sentido da apropriação social, das tecnologias alternativas, ecotécnicas (Sachs, 1986) priorizando o desenvolvimento de forma sustentável, pela via da política ambiental ou da ecopolítica.

As crises políticas e econômico-financeiras continuarão ocorrendo como frutos da globalização, mas a freqüência e profundidade são os fatores que abalam substancialmente e de forma drástica somente aos países não-alinhados, servindo como modelo já analisado de maior grau de endividamento a cada grande crise financeira em relação aos alinhados.

Este endividamento passa a ser um forte expoente adicional de crítica ao nosso modelo econômico neoclássico, que é alimentado não somente pelas elevadas incidências de capitais voláteis e especulativos, mas pela desregulamentação irresponsável e desplanejada e por não honrar com os verdadeiros compromissos de uma ecopolítica econômica sustentada, que faz emergir uma proposta verde de ecodesenvolvimento, onde os desafios não se restringem à defesa da natureza mas a um desenvolvimento viável numa sociedade profundamente democrática, onde a população tenha poder de fato sobre a organização da economia e do uso do espaço; onde tenha o poder de inventar também novos direitos que ampliem seus espaços de autonomia e de liberdade.

A perversa política social que nos assola e coloca o Brasil como país sem definição social planejada, segundo as estatísticas da ONU, nos força a repensar e adotar uma forma mais consciente, concreta e humana de lidarmos com os nossos desafios sociais e econômicos atualmente muito fragilizados: a ecopolítica.

Na busca de apoio financeiro internacional, o discurso do desenvolvimento sustentável, juntamente com a prática do neoliberalismo econômico, passaram a se constituir como os dois principais eixos da política interna e externa do governo Fernando Henrique Cardoso. Constatado este paradoxo, percebemos que o modelo econômico internalizado, demonstra graves deficiências fiscais, tributárias e da previdência social, contrastada ainda, à uma política externa de tentativas frustradas de avanços comerciais e vantagens não-comparativas.

Os desafios da ecopolítica perpassam pela capacidade substancial da população conquistar avanços significativos quanto ao uso do solo, melhoria da qualidade dos transportes, políticas sustentáveis quanto a proibição e punição pela prática do desmatamento, queimadas e construção em encostas; drenagem de águas pluviais e esgotos sanitários; recuperação dos ecossistemas de lagos, restingas e manguezais; estímulo a proteção acústica para atividades e a despoluição sonora no interior do locais de trabalho; preservação do patrimônio histórico e natural; política viável de saúde pública, consumo e abastecimento alimentar urbano, lixo urbano e estratégias direcionadas para práticas de educação ambiental.

Assumir os desafios da ecopolítica com determinação é preservar o nosso tesouro vivo que é a fauna e a flora brasileira, rica na sua biodiversidade.

O mal exercício político do desenvolvimento econômico sustentável, como tem sido exercido pelos órgãos públicos, que também poluem e corropem, permitindo construções ilegais em encostas, concedendo Alvarás à empresas sem análise da Declaração da Política Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental. Em suma, são cúmplices da degradação do nosso espaço vital e convivencial, contribuindo assim, para a degradação da vida e da natureza

As práticas do ecodesenvolvimento, supõem, para a viabilização da vida em harmonia com o meio ambiente, uma série de condições culturais e políticas que se reúnem no bojo de lutas sociais, de lutas pela reorientação da pesquisa tecnológica, de lutas cotidianas pelo alargamento dos espaços autônomos do cidadão.

Em nome do crescimento não se pode permitir que vidas e talentos sejam ceifados e perdidos.

Uma ecopolítica respaldada em relações ambientalmente sustentáveis pode ser o viés necessário para reavaliarmos até aonde vai a falta de lucidez e respeito do homem público com a sua própria natureza interna, psíquica, espiritual e externa, para com a sociedade, que é o seu relacionamento com o agir no campo político, social e econômico.

Não podemos permitir que a natureza seja reduzida a uma "coleção inesgotável de insumos gratuitos" onde o princípio do poluidor-pagador ainda é compreendido como uma discussão teórica e a população continua reduzida à categoria de força de trabalho mal utilizada. Ao custo de despoluir, sempre julgado exagerado e incompatível pelos empresários especuladores e imediatistas do curto-prazo, deve-se contrapor o custo de não despoluir.

Encaremos a Terra como uma nave espacial. Devemos preparar a terra para as gerações vindouras e entender : "A terra não é do homem, o homem pertence a terra".

 

José Ricardo de M. Lopes é Economista, Mestre em Gestão Ambiental e Pós-Graduado em Engenharia Ambiental pela UFRJ e Consultor de Projetos em Qualidade e Meio Ambiente.

 

Este artigo foi publicado no Jornal "A Gazeta" em 13/10/98

 

Bibliografia:

 

Georgescu-Roegen, N. "Energia e Mitos Econômicos". In Alguns problemas de orientação em economia. Edições Multiplic/EPGE/FGV, Vol.1 n.5, agosto de 1981.

Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Rio de Janeiro (SEMA)."Projeto de despoluição da Baía de Guanabara – PDBG". Rio de Janeiro. UERJ/SEMA/Secretaria de Estado de Educação. 1997.

Pádua, José Augusto. "Ecologia e política no Brasil". Ed. Espaço e Tempo:IUPERJ. Rio de Janeiro, 1987.

Minc, Carlos. "Como fazer movimento ecológico e defender a natureza e as liberdades". Petrópolis, 1987.

Lutzemberger, José. "Ecologia: do jardim ao poder". Ed. L&PM. Porto Alegre, 1985.

Maccormick, John. "Rumo ao paraíso. A história do movimento ambientalista." Ed.Relume Dumará, 1992.

http://www.univila.br/profess/jrlopes/td06.htm


REFLEXÕES SOBRE A PROPOSTA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Robert Betito

Depto. de Oceanografia – Univ. Federal do Rio Grande

docbetit@super.furg.br

 

O que se quer realmente atingir com uma Educação Ambiental? O senso comum direciona a questão para a melhoraria da qualidade de vida, segundo o que a Ciência interpreta da Natureza e aplica na Sociedade via tecnologia. Sem a devida conscientização, estabelece-se o conflito entre o que é socialmente desejável para o enfoque econômico e para o bio-ecológico. As diferenças de visão são decorrentes da dualidade entre reducionismo e holismo que, se mal orientadas, geram atitudes que levam à Tragédia do Bem Comum. Os governos do terceiro mundo, em conseqüência, limitados entre a necessidade de promover a sustentabilidade de recursos para satisfazer a sociedade, por um lado, contra a demanda do consumo capitalista, por outro lado, agem pelo princípio do ‘consentimento sem consentimento’, base de elaboração da ‘falsa consciência’, pessoal e social. A Educação, em seu processo de conscientização holista de como ocorrem os fatos ao nosso redor, deve mostrar que a competição eficiente não é a única solução viável de sobrevivência, havendo excelentes alternativas de evolução via cooperação.

A evolução das condições de vida nas Sociedades depende da filosofia e objetivos das descobertas de seus cientistas (Monod, 1971; Thuillier, 1984), onde a qualidade e quantidade das informações constituem elementos chave. Do ponto de vista da filosofia, Sendov (1994) diferencia Sabedoria de Conhecimento. O conhecimento é um tipo de informação na qual diferentes partes isoladas estão conectadas entre si, ou seja, é informação suprida de estrutura (Teoria da Informação, Shannon & Weaver, 1949). Sabedoria possui uma estrutura superior de informação, envolve qualidade sendo, portanto, um tipo especial de conhecimento. Se conhecimento é informação estruturada, sabedoria tende então a ser um conhecimento especialmente organizado (Burns et al., 1991), onde a soma das parcelas não é igual ao todo (princípio conceitual dos Sistemas Dinâmicos não-lineares), base do holismo e do surgimento de propriedades emergentes (Odum, 1983). Não basta ter a informação para ser sábio, é preciso saber agir como tal (Schenberg, 1991; Natvig, 1993). Infelizmente, como seres biológicos que somos, ‘saber os processos que levam ao câncer, não previne o oncologista de ter seu próprio câncer’.

A Ecologia como ciência busca o conhecimento, mas para sua aplicação busca-se a Sabedoria, uma forma de compreender os ciclos da Natureza em benefício da Humanidade, interagindo com ela sem prejudicá-la, através de uma adequada Educação Ambiental (Bressan, 1994), reconhecendo nossa influência no meio e aproveitando-se de seus mecanismos de reciclagem biogeoquímicos (Dorst, 1973; Margalef, 1977; Odum, 1983, 1988; Lubchenco et al., 1991; Sachs, 1994, 1995; Branco, 1995; Cordani, 1995; Leite, 1997; Cordani et al., 1997).

O holismo incluiu o Homem como espécie no sistema (Chapple, 1972; Margalef, 1978; Olivier, 1981; Odum, 1983; Lubchenco et al., 1991; Patten, 1993; Bressan, 1994), e passou a direcionar as modernas filosofias de trabalho, definindo aos técnicos e cientistas quais são suas reais funções perante a Ciência e às suas comunidades (Schumacher, 1973; Roederer, 1978; Pauly, 1990). Esta abordagem foi ressaltada em vários setores das Ciências Humanas (Meadows et al., 1972; Sachs, 1994, 1995; Branco, 1995; Cordani, 1995; Tassara & Damergian, 1996; Cordani et al., 1997), dentre os quais no Brasil no Seminário Internacional sobre "O Papel das Ciências Aplicadas e da Tecnologia para uma Sociedade Sustentável", onde foram apresentados diferentes exemplos de ciência aplicada, em suas diversas áreas de conhecimento, na busca do aumento da qualidade de vida, tanto para os povos avançados como para os em desenvolvimento (USP, Instituto de Estudos Avançados, de 11-12/10/1993).

A visão holista de encarar um problema permite relacionar eventos que os especialistas, reducionistas por excelência em suas diferentes áreas do conhecimento (Gerardin, 1968; Monod 1971), são incapazes de interagir (Fig. 1), à semelhança do que ocorre em ecologia com as propriedades emergentes (Allen & Starr, 1982; Odum, 1983; Burns et al., 1991; Levin, 1992), devido à geração progressiva de novas informações (Shannon & Weaver, 1949) a medida que inclui-se novos subconjuntos funcionais para a análise dos sistemas (Bertalanffy, 1977). Com a atual globalização de tarefas e responsabilidades (Ianni, 1994), somente uma visão ‘cósmica’, ‘genérica’ e ‘experimental’ é que favorece o encaminhamento de soluções alternativas, ecologicamente corretas (Richmond et al., 1987; Keddy, 1989; Cordani, 1995).

Fig. 1. Relações entre o reducionismo e o holismo, com indicações da abrangência dos temas ecológicos abordados segundo o nível de pensamento (informação) aplicado. O esquema é uma anastomose dos conceitos de Richmond et al. (1987) e de Keddy (1989).

Os estudos da qualidade de vida na América Latina (UNESCO, 1977; Olivier, 1981; Dowbor, 1984; Goldsmith, 1985; Cohen, 1995; Hirst, 1996; Zapata, 1996), no Brasil (Mello, 1991; Schwartzman, 1991; Albuquerque, 1995; Carvalho Filho, 1995; Hoffmann, 1995; Lampreia, 1995; Lopes, 1995; Monteiro, 1995; Smith & Oliveira, 1995; Martine, 1996; Cordani et al., 1997), e no Rio Grande do Sul (Vieira & Rangel, 1985, 1988, 1993; IBGE, 1990) apontam como principais dilemas sociais os seguintes temas equipotenciais e interrelacionados:

* a distribuição populacional no território é altamente diferenciada, acarretando em disparidades regionais e sócio-econômicas. O Brasil em 1995 ocupou o 2º lugar mundial nos índices de concentração da renda e de má distribuição da riqueza, mas é o 8º lugar em termos de Produto Interno Bruto (PIB). Essa desigualdade, onde 2% possuem 92% da renda nacional, enquanto 98% possuem 8% dessa renda, não é considerada como socialmente inaceitável, mas natural e normal. Consequentemente, a sociedade brasileira é oligarquica e está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes (Dowbor, 1984; Chauí, 1995).

* a fome: o problema não é a limitação da produção agrícola, uma vez que para a alimentação humana os países subdesenvolvidos produzem três vezes mais cereais que os desenvolvidos (Dowbor, 1984). Como na pecuária, o maior interesse está em atender às exportações, sem a devida preocupação social com o mercado interno. As novas e modernas tecnologias de produção são restritas para poucos. As más condições de distribuição, a falta de conhecimentos e equipamentos de preservação dos alimentos aumentam o desperdício, que, associado ao baixo poder de compra dos cidadãos, acarreta-se num elevado índice de mortalidade infantil por desnutrição e/ou doenças infecto-contagiosas.

* serviços de saúde e de saneamento básico: existem grandes disparidades de infra-estrutura entre o Nordeste e o Centro-Oeste, bem como entre a região litoral e o interior do país, envolvendo o abastecimento de água (para diferentes fins na zona rural e urbana), instalações sanitárias básicas com tratamento de esgotos e serviço de coleta e reciclagem de lixo.

* tanto a educação formal como a informal estão em crise. As relações alunos-alimentação-rendimento e magistério-salários são deficitárias. As taxas de evasão escolar são elevadas. A rede pública está sobrecarregada e o índice de analfabetismo é alto. Somente 1% da população chega à universidade. A desvalorização do magistério reflete-se na ausência de incentivos à reciclagem, crise de formação e excesso de horas de trabalho.

* a disseminação da pobreza (em suas várias categorias - Lampreia, 1995), tanto na zona rural como na urbana, à medida que a densidade populacional aumenta, sem um adequado programa de planejamento familiar (Meadows et al., 1972).

* mercado de trabalho: há falta de empregos e de geração de novos empregos. O uso de novas tecnologias em vários setores reduz a oferta de empregos em vez de aumentá-la. A qualificação é reduzida pelo baixo nível de escolaridade, o que afeta a remuneração, alimentando a pobreza.

* a falta de políticas eficientes de integração social determina a necessidade urgente de atitudes na defesa da cidadania (luta contra a corrupção e a sonegação fiscal), justiça (funcionamento mais eficaz para os grupos de menor renda) e segurança pública (eliminação da impunidade, o combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas).

A supremacia de políticas econômicas, de curta visão, no âmbito das decisões diárias, frontalmente contrárias aos ensinamentos de preservação do equilíbrio psicológico (Adler, 1955; Del Nero, 1997) e ambiental (Cabral, 1997; Betito, 1999), não levam (talvez nunca tenham levado) em consideração as conseqüências sociais deste procedimento competitivo (Odum, 1983; Lorenz, 1988; Lima, 1995). O Relatório do Grupo de Lisboa (1993) insurge-se contra a ideologia da competitividade como única forma de desenvolvimento, mostrando seus limites (in: Sachs, 1995). Com o avolumar destes eventos, manifesta-se o paradigma da "Tragédia do Bem Comum" (Hardin, 1968; Hardin & Boden, 1977), gerando problemas de conflito de interesses em vários setores da Sociedade. O comportamento de cada ser humano é levado, assim, a limitar suas preocupações às necessidades momentâneas e de seu entorno imediato, tirando-lhe a consciência de sua importância no todo, no tempo e no espaço (Meadows et al., 1972). Vivencia-se no cotidiano os experimentos de Milgram (1963, 1965a, b, 1966), onde o indivíduo ‘pensante’ não reconhece conscientemente as falhas de suas atitudes, submisso às regras do sistema, do grupo de seu convívio ou de alguma autoridade. Em suas conclusões, este autor cita:

"Com assombrosa regularidade pudemos observar como pessoas comuns submetiam-se às exigências de uma autoridade, realizando ações insensíveis e cruéis. Por meio da imposição de uma autoridade e da aceitação resignada de uma situação definida pelo experimentador, fez-se com que estas pessoas, que na vida cotidiana são decentes e responsáveis, cometessem atos terríveis".

A dimensão social deste comportamento é discutida por Tassara & Damergian (1996), caracterizando que para a construção de uma ‘democracia eco-socialista’ é necessário desmontar o ‘consenso ideológico dos dominados’, pois ‘o fator mais forte não é a violência dos dominantes, mas o consenso ideológico dos dominados’. Os efeitos psicossomáticos (inconscientes) gerados pela pressão social sobre o equilíbrio eco-fisiológico dos indivíduos, estudados por Christian (1963) para mamíferos em geral e por George (1977) para peixes, evidenciam os mecanismos compensadores (Kneib, 1981; Fraser & Gilliam, 1992; Johnson, 1994) sobre a reprodução, o crescimento (Bernardo, 1993) e a mortalidade (Fig. 2). Experimentos modernos de Etologia Humana, desenvolvidos por Jane Elliott desde 1970 (filme - Eye of the Storm) sobre os aspectos da discriminação social, caracterizam como uma noção abstrata vigente na cultura de um sistema pode afetar a qualidade de vida de seus membros, submissos ao jogo das relações interpessoais (Farmer & Packard, 1985; Almeida, 1999). Historicamente o Holocausto, como vários outros eventos em outras guerras (Durant & Durant, 1975), tem suas origens neste nosso comportamento biológico, discutido, analisado e criticado no âmbito da Sociobiologia (Chapple, 1972; Lorenz & Leyhausen, 1973; Eibl-Eibesfeldt, 1974; Jacobs & Spradlin, 1974; Wilson, 1975; Ruse, 1983; Thuillier, 1984).

 Fig. 2. Modelo de crescimento populacional N = f(t) amortecido conforme os efeitos dos fatores de compensação, segundo os conceitos eco-fisiológicos de Christian (1963), em um ambiente estável (de seleção ‘d’, Hairston et al., 1970). K: capacidade de suporte ambiental que oferece a resistência ao crescimento ilimitado do potencial biótico. E: variação evolutiva de K, segundo as pressões coercitivas interespecíficas que uma população sofre junto a sua comunidade. A: objetivo do desenvolvimento sustentável, reconhecer e gerar as condições que elevem a capacidade de máximo suporte do ambiente de uma dada população explotada (ex: via Aquacultura), mantendo o equilíbrio dinâmico do ecossistema, base de aplicação adequada de uma educação ambiental consciente.

É triste de se notar que muitas pessoas, em idade avançada, adultas e ditas responsáveis em nossa sociedade, descobrem que o que vinham fazendo carecia completamente de significado, entraram na roda viva do sistema, executando o que se lhes tinha determinado de competência, sem terem a consciência do que realmente queriam, ou pelo menos do que suas próprias biologias requisitavam. Na maioria das vezes, após um grave choque emocional, é que estas pessoas acordam para o real valor da vida (Lorenz, 1988; Del Nero, 1997).

A tomada de consciência, a partir da década de 1960 a nível planetário, do caráter limitado dos recursos naturais renováveis e não-renováveis fez com que o aumento das relações homem-natureza fosse discutido sob um outro prisma (Bressan, 1994), permitindo ao ser humano repensar sobre suas necessidades, não mais considerando as condições naturais como estáticas, mas sim como dinâmicas (uma combinação de relações e processos que produzem e reproduzem a vida), cujo uso excessivo levaria a uma subsequente deterioração inevitável (Dorst, 1973; Diegues, 1983; Odum, 1983). Esta conscientização, no entanto, é um processo aprendido, e depende do esforço dos mais cultos em repassar às classes menos escolarizadas estes conceitos de ecologia (Schumacher, 1973; Roederer, 1978; Brügger, 1994; Reigota, 1994; Leite, 1997). Estas classes por si, subjugadas ao sistema e menos favorecidas, não enxergam as soluções de seus problemas pela limitação de seus conhecimentos (Bandler & Grinder, 1975). O artigo 225 da nossa Carta Magna define claramente esta responsabilidade compartilhada: "Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

O desenvolvimento sustentável somente será alcançado se aplicarmos corretamente estes conceitos (Lubchenco et al., 1991; Cordani, 1994, 1995; Sachs, 1995; Goldemberg, 1996; Vargas, 1996), promovendo com tecnologia adequada o aumento da capacidade máxima de suporte (K) dos ambientes em relação às populações necessárias de serem explotadas pelo homem (Fig. 2, A), procurando sempre manter o equilíbrio dinâmico do ecossistema (Caddy & Sharp, 1986; Ulanowicz, 1987; Wulff et al., 1989). Técnicas de repovoamento, aquacultura, biotecnologia, controle biológico, reprodução seletiva, inseminação artificial, clonagem, ... dentre outras, tem esta finalidade. Esta aplicação de conceitos passa forçosamente pela educação dos que executarão a tecnologia disponível, à semelhança do ditado "ensine a pescar, não dê o peixe", ou "educar para libertar, não para domesticar" (segundo o educador brasileiro Paulo Freire), evitando-se o tradicional "eu sei o que é o melhor para você" (Glasser, 1998), que não leva a nada.

É consenso, portanto, em todas as interrelações do trinômio Ciências - Tecnologia - Sociedade, do qual as Universidades Públicas fazem parte (Roederer, 1978; Thuillier, 1984; Giacaglia, 1994; Hahn, 1994; Kuppermann, 1994; Malnic, 1994; Menon, 1994; Silva Filho, 1994), que as prioridades para um desenvolvimento de qualidade devem ser revisadas em termos de necessidades nacionais, resolvendo questões locais e globais, e não em termos de interesses corporativos, associados a quaisquer grupos, sejam estes políticos, sociais ou econômicos (Irma Passoni, in: Giacaglia, 1994).

Odum (1988) conceitua eMergia, para padronização de uma unidade econômica de sentido ecológico. Ela serve para relacionar os recursos naturais de uma nação em seus sítios de ciclagem, incluindo a energia do sol, ventos, chuvas, marés, migrações, etc ..., aos recursos em seus sítios de depósito (minérios, florestas, estoques pesqueiros, solos, etc ...), dando-lhes um valor financeiro, permitindo uma tomada de decisão econômica baseada na relação custo-benefício ecológica, como aplicado por Philomena (1990) na análise da pesca do camarão no estuário da Lagoa dos Patos. O Brasil consta como tendo 9,52% da emergia mundial (178 emjoules solares, sej), porém com sua elevada densidade populacional (121 milhões em 1980) a emergia/pessoa é baixa (1,6 sej), caracterizando a pobreza no país, conforme as previsões de Meadows et al. (1972).

Concordo com a visão de Money-Kyrle (in: Tassara & Damergian, 1996) em que, atualmente, o ser humano carece de uma consciência humanista, baseada na compreensão. Só alguns indivíduos, dotados de autoconhecimento (junção causal entre a posse de uma certa espécie de consciência e a posse de uma certa espécie de sabedoria), poderão reverter a ‘democracia autoritária’ em ‘democracia eco-socialista’, modificando (educando) as preferências morais e políticas, através da substituição de falsas crenças por verdadeiras (Adler, 1955; Monod, 1971; Chapple, 1972; Lorenz, 1988), em prol da manutenção da Vida (Lovelock, 1988). Este é o propósito fim da Educação Ambiental, permitir a cada um o exercício da consciência crítica, desmistificando a ‘falsa consciência’ (Fromm, in: Tassara & Damergian, 1996). Este trabalho envolve um processo de re-educação de atitudes, onde o ser inconscientemente competente passa a ser conscientemente competente (Almeida, 1999), favorescendo que cada um responsabilize-se pelas escolhas tomadas (Glasser, 1998).

Com a popularização desta conscientização e o estabelecimento de diálogos interculturais moldar-se-á os conceitos comuns em todos aqueles que compreenderem os processos naturais, vinculando cooperativamente as atitudes de cada um à sobrevivência de todos (tragédia do bem comum), numa relação que tenderá a ser pacífica, apesar das diferenças individuais (característica de variabilidade em qualquer espécie). Assim como a troca de experiências é fundamental para a construção da subjetividade (ampliação do mapa de conhecimentos de Bandler & Grinder, 1975), a aceitação do outro como indivíduo, com seus pensamentos e desejos, inscrito em outro sistema simbólico, portador de uma identidade psíquica e cultural diferente, é crucial para a sobrevivência do ser humano. A negação do outro leva à própria negação (Tassara & Damergian, 1996).

A história da civilização humana tem-se caracterizado pela constante disputa do homem contra a Natureza. A partir deste século, a Humanidade percebeu que a Natureza constitui-se na base física de sua própria sustentação e preservação da vida (Lubchenco et al., 1991; Lemos, 1993). Essa percepção da dependência vital do homem em relação à Natureza torna consciente o entendimento de que a capacidade da natureza de sustentar a vida humana e fornecer os recursos e serviços solicitados pelo homem é finita (Margalef, 1977; Odum, 1983). Apesar do notável desenvolvimento científico e tecnológico alcançado pela Humanidade, o que tem-se assistido é o acirramento do processo de degradação da natureza, acompanhado da queda da qualidade de vida e manutenção da maioria da população mundial à margem deste progresso, num crescente estado de pobreza material e psíquica (Bressan, 1994; Brügger, 1994; Leite, 1997).

Como resultado, constata-se que a explotação desenfreada dos recursos naturais levou ao esgotamento dos recursos renováveis e não-renováveis. Nos 20 anos que separam a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, à Conferência da ONU sobre Ambiente e Desenvolvimento, UNCED-92 (Rio-92), foi possível constatar que os problemas ambientais, antes vistos como locais e regionais, assumiram hoje uma situação crítica, caracterizada como uma crise globalizada e multidimensional. Atualmente a humanidade tem a percepção que está na Terra como sua proprietária, manipuladora totipotente de todos os recursos vegetais e animais, que estariam aí para o nosso inteiro dispor. Deveríamos sim, ser mais uma espécie de zelador do que de proprietário, e talvez nem para isto sejamos capazes de servir (comentário de David Suzuki, programa The Nature os Things).

Que tipo de civilização queremos construir no Brasil? Onde está a nossa responsabilidade sobre o legado sócio-ambiental que pretendemos deixar para as futuras gerações? Uma sociedade baseada na concentração da renda, da terra e na exploração desenfreada dos recursos naturais até a sua exaustão, ou uma civilização calcada na democracia participativa, onde a qualidade de vida (demográfica e ecológica) seja o valor apropriado de medir a eficiência de nossa sociedade? Para cada direito têm-se deveres, os quais estão relacionados ao grau de conscientização que possuímos em relação à Tragédia do Bem Comum (Hardin, 1968; Hardin & Boden, 1977).

Esta conscientização já foi atingida em muitos locais, afetando todos os níveis sociais envolvidos (exs: Fórum da Lagoa Mirim (RS); Projeto TAMAR - Tartarugas Marinhas, dentre outros coordenados pelo IBAMA em áreas de conservação), caracterizando que as decisões não devem e não podem ser tomadas simplesmente de cima para baixo (paradoxo do ‘consentimento sem consentimento’, Chomsky, 1997). Ninguém melhor que as próprias comunidades para escolherem o seu próprio caminho, em direção a uma vida digna, próspera e trabalhadora, defendendo seus interesses locais porém em harmonia com o meio ambiente que as cerca, da qual são dependentes.

Este paradoxo, consequência das evidências comportamentais humanas obtidas por Milgram (1963, 1965a, b, 1966), dita a facilidade com que os muitos são governados pelos poucos e a submissão implícita com que os homens cedem os seus destinos aos seus governantes (Chomsky, 1997). Os Governos estão baseados no controle de opinião da mente pública, considerando o povo como uma grande besta (em ambos os sentidos: de animal que necessita de controle e de ignorância) que precisa ser domada, como bem demonstra o que um deles cita: "quando menciono o público, eu quero dizer que aí incluo só a parte racional; o vulgar ignorante é tão incapaz de julgar os modos [do governo] como é incapaz de manejar suas rédeas". A população é de espectadores, e não de participantes, a não ser em práticas eleitorais períodicas, quando ela escolhe entre a classe especializada (Lippmann, in: Chomsky, 1997). Este "consentimento manipulado é a própria essência do processo democrático".

O princípio do ‘consentimento sem consentimento’ é a base de elaboração da ‘falsa consciência’. É um efeito sócio-comportamental denso-dependente, alterando a formação dos grupos individualizados (onde ocorre atração social e reconhecimento individual, de organização mais complexa, estruturada na ordenação hierârquica de seus membros) para grupos anônimos fechados (seus membros não se reconhecem individualmemte, porém identificam se o parceiro pertence ou não ao seu grupo por meio de estímulos sinais característicos, tolerando, em geral, somente membros do seu grupo) (Eibl-Eibesfeldt, 1974). Nas comunidades humanas, atingindo-se uma determinada densidade demográfica (acima de 300 pessoas), onde os membros não se reconhecem mais individualmente, em não havendo dissolução do grupo, formam-se então os grupos anônimos fechados.

Dewey (in: Chomsky, 1997) salienta que a fala da democracia tem pouco conteúdo quando grandes negócios "governam a vida do país através do controle dos meios de produção, troca, publicidade, transporte e comunicação, reforçada pelo comando da imprensa, agentes de imprensa e outros meios de propaganda", sustentando que numa sociedade livre e democrática, os trabalhadores devem ser "os donos de seu próprio destino industrial e não instrumentos alugados pelos empregadores".

A análise da propriedade evidencia as diferenças entre sociedades com atitudes hilotrópicas de holotrópicas (Almeida, 1999). A responsabilidade primeira dos governos parece ser "proteger a minoria dos opulentos contra a maioria". A aplicação da teoria política atual resulta em: não há direitos DE propriedade, somente direitos À propriedade, isto é, direitos de pessoas com propriedades, doutrina esta que deve ser examinada mais cuidadosamente pela Sociedade (discriminação da pobreza). Adam Smith (in: Chomsky, 1997), chamou este comportamento de máxima vil dos patrões: "tudo para nós e nada para o povo", levando à "real dominação dos poucos sob a aparente liberdade dos muitos". Esta conjectura é a mesma quando aplicada à análise da situação social de várias classes trabalhadoras, como a dos pescadores artesanais ao longo de todo o Brasil (Reis, 1993; Lima, 1995; Diégues, 1983, 1989), um dos problemas locais da cidade de Rio Grande (Betito, 1999).

Assim, a sociedade "consentiu que a competição livre fosse organizada pela liderança e propaganda". É degradante constatar que sociedades, ditas desenvolvidas, movidas à negócios, com gastos da ordem de US$ 1 trilhão por ano em ‘marketing’, cerca de um sexto de seu produto interno bruto, na sua maioria dedutíveis de impostos, possuam pessoas que paguem pelo previlégio de estarem sujeitas à manipulação de suas atitudes e de seu comportamento. Tal montante não é investido nem em educação nem em saúde, quanto menos na eliminação da pobreza. Vive-se em um constante "as aparências enganam", com um sistema democrático inescrupuloso e uma economia que é inerentemente injusta.

As idéias de Educação que Paulo Reglus Neves Freire (1922-1997), dentre muitos outros, deseja para a sociedade brasileira objetiva "educar para libertar, não para domesticar", promover um respeito por si e pelos outros, com responsabilidade sobre as conseqüências de seus atos (Almeida, 1999), gerando capacitação de sobrevivência digna, individual e coletiva, a longo prazo, para várias futuras gerações.

Considero que existam dois critérios complementares para a abordagem da relação homem-natureza: o científico e o ético. A biologia/ecologia não se preocupa com os comportamentos éticos, morais, religiosos ou políticos (Branco, 1995), uma vez que estes não fazem parte do patrimônio genético que qualifica as ações de sobrevivência biológica das espécies (Dawkins, 1979; Futuyma, 1992). Os ecossistemas são estruturas fractais ordenadas, que dependem do equilíbrio de um fluxo de energia (Frontier, 1987; Sugihara & May, 1990), no qual estamos inseridos. Utilisando-se dos conceitos de Eigen & Schuster (1979), Prigogine (1980) e de Schrödinger (1986) a ordenação dos elementos de cada sistema tende a assegurar a mínima geração de entropia ao longo das transferências de matéria e energia. Todos os seres vivos aí incluídos são, consequentemente, moldados com uma estrutura física (morfologia), que possui atividade metabólica (fisiologia) (forma x função) (Thompson, 1961; Lozano Cabo, 1970; Thom, 1972; Murray, 1989), evolução e relações com o meio bio-abiótico caracterizadas por um fluxo de entropia negativa (ecologia) (Fig. 3). Esta noção nos leva à compreensão da natureza, da necessidade dinâmica de uma solidariedade intrínseca, entre todos os elementos que a compõem, de modo que nenhum ser vivo tenha existência independente dos demais e do meio físico (Lamarck, 1988).

ig. 3. Relação conceitual entre as dimensões tempo e espaço (organizando as comunidades pela distribuição biogeográfica dos organismos) e tempo e forma (gerando a diversidade de organismos por especiação ao longo da evolução). As diferentes formas ao ocuparem o espaço é escopo da Ecologia. A forma, morfologicamente é instável, adaptável (Thom, 1972). A função, fisiologicamente é estável, obtida às custas de várias tentativas de evolução paralela entre estruturas.

Tempo x forma: taxonomia, especiação, genética de populações (regra de Hardy-Weinberg), filogenia, evolução.

Tempo x espaço: padrões de dispersão, diversidade, biogeografia, clines ecológicos, termo-dinâmica, complexidade e estabilidade dos ecossistemas.

Forma x espaço: adaptações aos parâmetros ambientais bio-abióticos, ecologia, competição intra e interespecíficas por recursos, relações presa-predador (redes tróficas).

Estudos comparativos em Biologia devem sempre levar em consideração a Anatomia, Embriologia e Fisiologia comparadas. A anatomia sugere a forma de como fisiológicamente as funções serão executadas com máxima eficiência e possíveis de serem armazenadas e transmitidas embriologicamente aos seus descendentes. A Ecologia é o ponteiro que direciona para onde este conjunto de variáveis evolui. Evolução não significa obrigatoriamente progresso, representa apenas os meios de obtenção das adaptações.

Princípio dos sistemas dinâmicos: os sistemas não-lineares diferenciam-se dos lineares por não obedecerem ao princípio da superposição, onde: f (A) + f (B) ¹ f (A + B), ou seja, ‘a soma das partes não garantem o conhecimento do todo’, ou, ‘a soma dos conhecimentos das partes que formam um todo é diferente do conhecimento do todo’ (propriedade emergente, Odum, 1983). As variáveis são função do tempo e o comportamento de todo o sistema é extremamente sensível e dependente da caracterização das condições iniciais do processo. Os sistemas dinâmicos descrevem um universo que, embora exiba aparente desordem e acaso, oculta, em si próprio, uma estrutura termodinâmica ordenada (auto-organização).

O dever é uma ação prescrita, de conteúdo formal, resultando na construção de uma moral que, portanto, é exclusiva do ser humano (Branco, 1995). Quando efetua-se um comportamento instintivo, há uma regra necessária à sobrevivência, mas não é uma obrigação, pois esta pressupõe liberdade de escolha (Glasser, 1998). Nas sociedades humanas, contudo, devido a nossa grande capacidade de aprendizagem que subjuga nossos instintos, torna-se necessário ditar as obrigações que mantenham esta sociedade. Estas obrigações (deveres) são atos (espontâneos ou não, racionais ou não) de submissão do homem à sociedade e não à Natureza, ou seja, os fins morais são aqueles que têm por objeto uma sociedade (Durkheim, in: Branco, 1995). O equilíbrio das sociedades é, portanto, de natureza sociológica e não ecológica. O seu próprio meio ambiente é artificial, criado visando unicamente o fim social. Beneficia-se do equilíbrio natural, mas não participa dele, não o percebe, apesar de depender dele. "A lógica da obrigação social é a lógica da reciprocidade" (Delattre, in: Branco, 1995). Deve-se, assim, entender e aplicar os conhecimentos dos efeitos terrestres globais (se não universais) para solucionar problemas locais (Lemos, 1993; Bressan, 1994).

Discordo, portanto, da doutrina econômica neoliberal do começo do século XIX que anunciava que "os pobres só eram prejudicados ao se tentar ajudá-los; e o melhor presente que poderia ser oferecido às massas sofredoras seria libertá-las da ilusão de que têm direito à vida" (Chomsky, 1997). Não é de se surpreender que a Humanidade, neste século, com este nível de conscientização sobre o valor da vida na Terra, tenha passado por duas guerras mundiais e um Holocausto, a destruição de duas populações civis (sem interesse como focos de estratégia militar) por bombas nucleares, ...., dentre vários outros casos de ‘competição intraespecífica’.

Globalizando-se esta visão, discute-se hoje se a ajuda que o BID (Banco Internacional de Desenvolvimento, dentre outras instituições de fomento internacionais) cede aos governos do 3º mundo não segue esta filosofia, atrelando o desenvolvimento controlado destes países a seus próprios interesses, criando uma falsa ilusão de progresso e impedindo que eles atinjam um igual patamar de qualidade de vida (Goldsmith, 1985). Novamente este parece ser um processo fractal (Thuillier, 1984; Bailleau, 1991), onde os mecanismos sociais observados em pequena escala repetem-se nas escalas maiores.

As dificuldades que o Homem encontra para solucionar seus dilemas sociais, este sentimento de estar isolado e solitário no meio de uma multidão (Goleman, 1995; Del Nero, 1997), é o resultado da percepção desta regra invariante ao longo das diferentes escalas de observação, desde seu lar aos diferentes níveis do governo de seu país e das relações internacionais. A solução: crescer interiormente (educar-se, ou reeducar-se), conscientizar-se progressivamente das nossas responsabilidades, perante si e perante os outros, sejam eles quem forem, pois todos vivemos sob o mesmo teto ecológico (Odum, 1983), e o legado que deixaremos para o futuro depende totalmente do que nós seremos capazes de mudar, tanto moralmente como em atitudes. Para isso, só educando o ser humano (Lubchenco et al., 1991; Lemos; 1993; Bressan, 1994; Leite, 1997) a trilhar este propósito: aos adultos, a entender o processo que deve ser alterado, às crianças uma nova visão de vida com melhores perspectivas de sobrevivência.

Almeida (1999) indica o caminho de como estes objetivos podem ser alcançados na formação de cidadãos do Universo, unindo elementos de psiquiatria, através da Teoria da Escolha (Glasser, 1998) (o voltar-se para si) com as habilidades de comunicação verbal e não verbal da Programação Neuro-lingüistica (Bandler & Grinder, 1975) (o voltar-se para o outro). Fica evidente no estudo da evolução do comportamento humano a interdependência que tem-se um do outro para a sobrevivência e formação de nossas Sociedades, por mais variadas que elas possam parecer, porém convenientemente adaptadas (elaboração cultural) aos recursos naturais da área que habitam (Gregersen, 1982; Eibl-Eibesfeldt, 1974). Esta é a base necessária para o estabelecimento da cooperação (Dawkins, 1979; Axelrod, 1984).

Irônico notar que tudo isto não tem nada de novo, já estava escrito na Bíblia há mais de 5000 anos. O Homem apenas deixou de seguí-la. Se esta é a nossa capacidade de evoluir como espécie, certamente devemos repensar o que realmente queremos ser ou nos tornar! (Dawkins, 1979). Ou será que este tempo evolutivamente irrisório é apenas uma fase de transição pelo qual nossa espécie deve passar para incorporar geneticamente os resultados seletivos deste caos?.

 Texto na íntegra, com gráficos incluídos clique no link abaixo:

http://forrester.sf.dfis.furg.br/mea/remea/vol3/vol3n5.htm


TOTALIDADE  VIDA-NATUREZA
Prof. Nílton de Oliveira Cunha . 
Universidade Federal de Santa Catarina. 
Florianópolis, novembro de 2000 
nocunha@mbox1.ufsc.br
  
 Desde os confins do átomo, onde se assentam os alicerces do Universo -  as três famílias de partículas elementares, quarks e léptons, constituintes atômicos, e bósons intermediários, mediadores das interações entre partículas  - até às galáxias mais distantes, nas bordas do Cosmos, a natureza mostra um trepidante conjunto de interações dinâmicas em constante mutação.  É o pulsar do movimento universal, em cuja alternância entre ordem e caos reside a extrema vitalidade criadora do mundo natural. O supremo encanto da  vida está em ser ela nova a cada instante. Que encanto maior se haveria de esperar!? 
 Partículas, moléculas, células, o ser humano, um paquiderme ou o maior corpo celeste não têm existência isolada. Nossos enfoques fragmentários dos processos é que separam os fatos, intrinsecamente integrados. É o "modus operandi" do intelecto, incapaz de perceber de per si a unidade das ocorrências sem fracioná-las. A percepção integral da realidade revela a unicidade universal, expressa na totalidade "vida conjugada à natureza", verdade maior, auto-evidente, em consonância com a qual devem estar idéias e ações humanas.  
 Os átomos se combinam para constituírem moléculas novas; moléculas se compõem para gerar um exemplar original da unidade biológica fundamental - a célula. As células, desde a forma mais simples à mais complexa, articulam-se para, por fim, dar-se o magnífico ato de criação: a vida vegetal e animal, os ecossistemas, os "santuários ecológicos". Espetáculo de luz e cores, calor e movimento, som e música, miríades de configurações estéticas vivas, uma apoteose  magistral que a natureza está a nos oferecer em cada canto e a toda hora. Ao amanhecer, a luz da aurora inunda de dourado colinas e vales, rios e cachoeiras, mares e praias; árvores, folhas e frutos; pétalas de orquídeas e de girassóis. Ao entardecer, em vôos plácidos, os pássaros retornam à tepidez do ninho, embalados pelo canto de sabiás, rouxinóis, uirapurus. Peixes, em nados sinuosos, bendizem sua liberdade.  É a harmonia da  eterna dança da natureza!     
 No ecossistema a energia, como um sopro de vida, circula célere ao longo de uma infinidade de interações complexas, permeando os reinos mineral, vegetal e animal, seja integrando ou desintegrando elementos e processos, para que não pereça o princípio vital. Acasos e desordens geram mutações, inovações, aumento de complexidade. Mutação é reorganização, mas, se os limites biológicos são ultrapassados, degenera-se o meio natural.
 Inchamento das grandes cidades, extrema concentração das populações em regiões costeiras (hoje mais da metade da população do mundo reside na faixa de sessenta quilômetros a partir da costa), ao longo de praias,  baías e estuários,  são fatores que transformam radicalmente o "habitat" da vida, com extinção de espécies raras, despejo de imensas massas de resíduos poluentes nas águas, no solo e ar. A história tem demonstrado a incúria dos povos no trato com as coisas fundamentais para a  vida sobre a Terra. 
 As ações dos indivíduos e sociedades estão sempre a gerar crises sobre crises;  para corrigir os males decorrentes, corremos atrás de uma técnica, uma tecnologia. Esta insensatez deriva da crença de que sempre haverá uma técnica salvadora para corrigir todas as ações danosas que cometemos. Confiamos nas técnicas até para sanar conflitos tipicamente psicológicos. Com as tecnologias aprendemos a encurtar distâncias no tempo e no espaço, melhoramos o conforto de quem pode ter acesso aos benefícios da alta tecnologia, porém a ciência e a tecnologia não têm o condão de melhorar em "essência" a qualidade das relações - dos seres humanos entre si e com a sociedade e a natureza.
 Paralelamente ao progresso das ciências e tecnologias, desenvolveram-se as ideologias fundadas no lucro-usura, no juro-agiota, na concentração da renda em mãos do estado ou de particulares, tudo para aumentar a riqueza para benefício geral, é a justificativa. Um preço que se paga pelo "progressismo" desvairado é a devastadora destruição do ambiente natural. Reféns das próprias instituições ideológicas que criaram, continuam as sociedades do mundo inteiro a navegar à deriva da natureza. Esta insensatez tem um custo imensurável, que a humanidade terá de resgatar ou purgar de modo dramático.     
  Por sua vez, os processos de educação/aculturação em vigor limitam-se a repassar valores ideológicos, cristalizados, de geração a geração; não conseguem levar a reflexões agudas, consistentes, criativas, sobre os problemas fundamentais da vida, visando alcançar formas consentâneas de convivência com o meio natural e a sociedade. Em que pesem os preciosos ensinamentos técnicos, práticos, na vida de relação, a cultura vem eivada de ilusórios valores ideológicos também. Além disso, o imediatismo, a conveniência dita "politicamente correta", prevalecem sobre toda formação cultural ou consciência ecológica. É isso que faz com que povos e governantes assumidos como "ecologicamente conscientes" se limitem a ações no varejo e negligenciem a degradação ambiental de grande escala.
 A preservação ambiental, da biodiversidade, situa-se hoje em primeiro plano dentre os mais graves problemas humanos, mais importante até que as questões macro-econômicas. A prosseguir no atual diapasão, teremos engenhosas teorias econômicas vigorando por todo canto do mundo, porém vivendo em meio ambiente sempre mais inóspito. E dizer que o Brasil está entre os oito maiores emissores de gases poluentes na atmosfera!  
 Mas, é de ver que salvar a natureza significa salvar o ser humano também. A compreensão integral do processo da vida e da natureza não pode excluir ninguém. Não é natural a existência de milhões de homens e mulheres honrados sem emprego e crianças abandonadas pelas ruas, vivendo ao léu, excluídos das conquistas da civilização. 
 O Rotary, por natureza sensível às magnas questões que afligem a humanidade, compreendeu a gravidade do problema e criou o programa Ecologia: "Salve o Planeta Terra", procurando enfatizar, no expressivo significado desta divisa, a magnitude do drama ecológico. O programa visa conclamar rotarianos e  clubes, em todo mundo, para uma integração de esforços com objetivo de cooperar na consecução de efetivas soluções aos problemas ambientais.
 Como bem se pode perceber, o homem é o único problema real no seio da natureza, na condição de predador contumaz, seja por ignorância ou movido por cupidez e egoísmo. Seja como for, desta responsabilidade ninguém está livre, eis que, autores ou atores do processo social que somos, de um ou outro modo, tudo o que fazemos ou deixamos de fazer repercute no seio da sociedade e da natureza. 
 A fim de compreender em plenitude o significado das múltiplas perspectivas do reino natural, suas funções, encantos e belezas, não apenas  seu valor de uso e sua estética exterior, faz-se mister evitar as categorias ideológicas, de significado utópico. É fácil conceber uma ideologia "coerente" internamente, teoricamente. O difícil é compreender a realidade em sua precisa dimensão de verdade. Idealismos, tanto otimistas quanto pessimistas, quando adotados em substituição à efetiva percepção do real, têm-nos conduzido muitas vezes a desgraças cruéis. Só a observação direta das ocorrências de fato pode propiciar compreensão da realidade e conduzir a soluções criadoras. A compreensão e solução de um problema deriva do próprio problema, não vem de fora, do imaginário.
 De outro lado, a percepção integral da realidade transcende os estreitos limites do intelecto mecanicista. O intelecto é estruturado ao modo segundo o qual se constrói um maquinismo, para funcionar sujeito a reações condicionadas, oscilando do conhecido para o conhecido; é determinista, sem a elasticidade necessária para perceber o "novo" de cada instante. Não obstante, o ser humano aspira a uma vida criadora. Por não saber como, o viver via de regra torna-se monótono, insípido, estressante. O estado de criação aflora no sublime instante em que nasce a obra de arte do grande artista, mas também pode ser permanente e manifestar-se em um simples gesto ou palavra, em casa, no trabalho ou no lazer. 
 O intelecto não é a única instância de razão. Empreendendo uma reflexão investigadora, fecunda, aos labirintos da consciência, haver-se-á de compreender o "background" mental, para libertar-se da subjetividade egocêntrica, dos "fantasmas" que turvam e travam o livre pensar. Então, experimenta-se "a doce leveza do ser" ("O meu fardo é leve, e meu jugo, suave."). É a verdadeira liberdade do ser humano,  via estreita de acesso ao singular "estado de comunhão". Superior instância de razão, de compreensão das relações individuais e sociais, a comunhão é um estado singular, "atemporal" (i.e., mente fora do tempo psicológico); é consciência holístico-racional da totalidade "vida conjugada à natureza". Contrariamente, a ausência de comunhão impede a compreensão do significado essencial das relações com os semelhantes, as coisas e as idéias.  Quem está em comunhão está a um passo da sabedoria, da paz e de amor.

http://www.cfh.ufsc.br/~planetar/textos/natureza.htm


Para se pensar o desenvolvimento sustentável

Por Edmerson dos Santos Reis

 Desde a culminação da revolução industrial até os dias atuais, o modelo de desenvolvimento implantado pelas nações sempre foi idealizado sem se levar em conta o respeito à natureza, à qualidade de vida da humanidade e do impacto causado por este sobre a realidade e as condições sociais das populações envolvidas, levando o nosso planeta a atual situação de degradação e devastação ambiental, pobreza e miséria, espalhando assim um imenso caos, principalmente nos países subdesenvolvidos, que ao longo da história foram explorados por tecnologias ambientalmente poluentes e desastrosas, pensadas e testadas pelos países exploradores nessas nações pobres, que diante das suas restrições, foram utilizadas como "cobaias" durante todo este século que agora se encerra.

Ao se pensar em um modelo de desenvolvimento que não repita os males e práticas ainda existentes e que possa amenizar os danos causados ao planeta terra no decorrer da história, temos que colocar acima de tudo e principalmente, o Ser Humano, o Ambiente e a Sociedade, pois só assim poderemos atingir os outros aspectos que permeiam todos estes (o social, ambiental, econômico, político, institucional, tecnológico e o cultural), utilizando-os como referenciais e pontos de partida, já que são as ferramentas e elementos necessários que devem ser considerados na construção de qualquer modelo de desenvolvimento sustentável que sirva para todas as gerações, não deixando que apenas as gerações atuais usufruam dos seus frutos, mas que estes também sejam garantidos aos que ainda estão por vir, possibilitando a continuidade dos recursos naturais disponíveis e consequentemente da vida em nosso planeta.

A relação Ser Humano x Ambiente deve ser realizada de maneira a ter-se sempre como meta os limites de cada um e as possibilidades de sustentabilidade entre ambos, não apenas se restringindo ao momento, às necessidades urgentes, ao local, etc., mas ao futuro, e à escassez dos recursos, principalmente os esgotáveis e vendo o meio como um grande sistema que não se esgota apenas em si mesmo, no local, mas que reflete num todo que é o nosso planeta.

A luta pela construção de uma mentalidade voltada para o respeito a natureza e a garantia da qualidade de vida não deve encerra-se apenas nos movimentos e organizações ecológicas e ambientalistas, mas exige-se um pacto mais que urgente e necessário com a sociedade moderna da nossa atualidade, uma vez que o mundo social, com todas as suas instituições e consequentemente atribuições concretizam em si um papel por demais importante e que de fato deve ser cumprido, que é o de formar uma mentalidade hoje, aqui e agora comprometida com os caminhos do futuro (os homens mulheres, crianças, jovens e adultos) que com exemplos claros e práticos, através da família, da escola, dos grupos formais e informais a que têm acesso na sociedade atual, comecem desde já a construírem as bases da sociedade sustentável do futuro.

Considerar num projeto de desenvolvimento os aspectos político, econômico, institucional, tecnológico e cultural que permeiam a sociedade, é compreender a ligação existente entre cada deles e que só poderemos traçar, esboçar e colocar em prática uma sociedade com olhares para a atualidade e voltada para o futuro, quando de fato entendermos o emaranhado que se constituem as diversas realidades sociais e culturais existentes em nosso país.

Observando o sistema educacional brasileiro, o quanto os "pacotes" não condizem com o real, principalmente agora com os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) elaborados em gabinetes por mentes tidas como iluminadas e distribuídos (quando os são, pois em muitos casos estão jogados nos depósitos empoeirados das secretarias municipais de educação, servido de alimento para as traças) para o batalhão de professores muitas vezes despreparados que nem sequer chegam a ler e quando isso acontece, em alguns casos se perdem no confronto entre o teórico e o prático, já que diante das dúvidas na aplicação da receita a equipe que a elaborou não está presente para discutir ou elucidar as interrogações, pois continuam nos seus gabinetes, esperando que da força de vontade e do dinamismo dos soldados deste exército educacional surja a novidade do deu ou está dando certo, uma vez que não existe por parte do governo um compromisso com o acompanhamento destes docentes, no sentido inclusive de desenvolver uma política de valorização profissional e salarial bem como de convencimento de que a luta e o direito a uma vida e um ambiente saudável deve ser um direito de todos; além de que, da maneira como os PCN's são apresentados, para uma país rico em diversidades e pluricultural os mesmos trazem uma visão uniforme da realidade, não privilegiando só para ilustrar, a diversidade sistêmica que é mundo rural.

Se a escola se constitue numa instituição por demais importante e que não pode se negar diante da construção de um projeto de sociedade sustentável já que está intrinsecamente ligada aos mais diversos contrastes existentes nesta, até por ser fruto dela, deve se comprometer com a formação dos seus alunos dentro de uma lógica de sistema enquanto complexidade como diz Edgar Morin2 "...esta ordem se alimenta da desordem para a sua própria organização, sem nunca esgotá-la totalmente, é, isso mesmo o sinal, o índice, da complexidade...". Portanto, compreender a nossa realidade local, o nosso mundo como um grande universo complexo e cheio de inter-relações é também um dos caminhos para entendermos o papel a ser desempenhado pela educação dentro de um modelo de desenvolvimento nestes moldes.

Assim como a educação, sabemos que a economia, a saúde, as relações sociais, o papel das instituições diversas e as tecnologias utilizadas em um país nascem das decisões políticas que norteiam os destinos de uma nação, sendo então mais que necessário, uma mudança de mentalidade dos que compõem esta parte da sociedade para que só então se possa desenvolver uma nova cultura , a cultura da ecologia humana., das relações humanas, do ambiente preservado, da educação ambiental, das cidades limpas, do saneamento ecológico, da preservação e uso racional dos recursos naturais, do controle de emissão de gases poluentes, do tratamento dos esgotos das fábricas e dos hospitais, da convivência harmônica do homem com a natureza, da criação de tecnologias não agressivas ao meio ambiente, da mudança de hábitos ecologicamente errados usados pela população, da possibilidade de se desenvolver uma boa qualidade de vida para todos, explorando ecologicamente as nossas potencialidades locais, criando e aproveitando as oportunidades que nos são dadas, defendendo-nos das ameaças, evitando os abusos do capital, exercendo a plenitude da cidadania, e enfim desfrutando dos bens nascidos do esforço e vontade de se construir o novo que vem a ser o desenvolvimento sustentável viável.

http://members.tripod.com/pedagogia/desenv_sust.htm


Revista
World Watch
Editorial

A Natureza Não Espera

por Mikhail Gorbachev

A queda do Muro de Berlin e a tempestade política que varreu o mundo há pouco mais de uma década foi, acima de tudo, um testemunho do poder do espírito humano para enfrentar adversidades. A Guerra Fria representava uma ameaça à segurança, liberdade e desenvolvimento de todo o planeta, criando uma barreira quase que intransponível entre os povos. Todavia, a combinação certa de visão humana e liderança corajosa levou este período negro da nossa história a um fim pacífico. Hoje, temos à frente outra ameaça, já responsável pelo grande sofrimento de milhões de pessoas: a degradação do meio-ambiente. Para enfrentar este desafio global precisaremos, novamente, de uma visão clara comum, determinação e liderança decisiva.

O impacto e as previsões do aquecimento global estão piorando, a desertificação avança; o desmatamento e a poluição estão pondo nossos ecossistemas em perigo; e mais de 1,2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável.

Vimos desastres ambientais com destruição incalculável de vidas humanas e da natureza: a curto prazo, nos últimos meses, ocorreram enchentes devastadoras em grande parte da Europa e Sul da Ásia e destruição de petroleiros ao largo dos tesouros naturais das Ilhas Galápagos e dos recifes de barreira da Austrália; a longo prazo, imensas áreas da Terra foram irremediavelmente marcadas pela perda de florestas antigas, manejo inepto de bacias hidrográficas e contaminação.
Muitos especialistas ambientais alertam que estas tendências já estão avançadas demais para que possamos alcançar a sustentabilidade real através de mudanças graduais; acreditam que dispomos de 30 a 40 anos para agir. O tempo é curto e já estamos ficando para trás.Embora haja um número cada vez maior de iniciativas ousadas por parte de governos e líderes corporativos para a proteção do meio-ambiente, não vejo o surgimento de liderança e disposição capazes de assumir riscos na escala que precisamos para enfrentar a situação presente. Embora existam inúmeras pessoas e organizações dedicadas a promover maior conscientização e provocar mudanças na forma que tratamos a natureza, ainda não vi a visão clara e a frente unida que inspirarão a humanidade a reagir a tempo para corrigir nosso rumo.O exemplo do fracasso de liderança nas negociações sobre a mudança climática em Haia, em novembro passado, é preocupante. Este fracasso repousa nas mãos dos nossos líderes políticos, particularmente dos Estados Unidos, que nem ao menos ratificou o tratado e, em menor grau, na comunidade empresarial, que exerce uma influência cada vez maior sobre as políticas governamentais. Outro exemplo preocupante sobre como estamos errando na condução deste assunto é a natureza cada vez mais secreta do Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente em Davos – isolando os delegados e afastando outros grupos de interesse.

Em Haia e Davos vimos a formação de divisões: Norte contra Sul e pró versus anti "globalizacionistas."

A situação é extremamente grave. É crucial que achemos uma forma de realizar mudanças rápidas e abrangentes na consciência e ação humana em todo o mundo – algo que nos permita provocar uma mudança de curso em grande escala em pouco tempo. Isto não será alcançado se permanecermos divididos.

O fim da Guerra Fria proporciona um exemplo de mudança movida por pessoas que alteraram positivamente o curso da história. Precisamos de uma mudança semelhante – uma mudança fundamental de valores – para assegurar que não deixemos passar esta oportunidade de salvar nosso lindo planeta, e a nós mesmos. Em primeiro lugar, entre as ameaças que deveremos enfrentar, estão aquelas representadas pelas armas nucleares e outras de destruição em massa, pela crise da água e pelo impacto da mudança climática.

Precisamos de uma nova maneira de pensar, uma nova ordem mundial que seja baseada mais em justiça e igualdade e menos em lucro. Pensávamos que a queda do Muro de Berlin introduziria estas mudanças mas, ao invés, um mundo mais complicado evoluiu e, o que é mais preocupante, vemos até sinais de ressurgimento da militarização.

O que pode ser feito? Que tipo de liderança precisamos? Penso que cinco pontos sejam vitais neste sentido
:

1. O sistema das Nações Unidas deverá ser reformulado a fim de dar maior poder para ação e imposição das decisões em prol da paz e estabilidade;

2. Acordos, Convenções e Protocolos Internacionais importantes para o desarmamento, mudança climática, biodiversidade, desertificação e cursos d'água internacionais devem ser ratificados sem delongas e implementados com coragem e determinação;

3. Objetivos ambientais deverão ser integrados desde o início ao planejamento desenvolvimentista e a qualquer tipo de atividade econômica;
4. Líderes políticos – e empresariais – deverão reconhecer suas responsabilidades e agirem para transformar a retórica em ação e alcançar sustentabilidade ambiental;

5. O declínio do desenvolvimento internacional deverá ser revertido, permitindo que as nações em desenvolvimento reduzam suas dívidas acachapantes, atendam suas necessidades humanas básicas e acessem tecnologias a fim de utilizarem materiais e energia eficientemente, com um mínimo de água. Se nada for feito para atingir a sustentabilidade na primeira parte deste novo século, diminuirá a perspectiva para a sobrevivência da humanidade. Mas, se pensasse que não havia esperança, não teria me juntado a vocês do movimento ambiental, como Presidente da Green Cross International. A natureza está nos dando todos os sinais que precisamos para desenvolver uma visão comum do futuro: precisamos perceber esta mensagem e agir agora. Governos, indivíduos, corporações – vamos caminhar juntos, com liderança ousada, para resolver a crise ambiental. A natureza não espera.

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"Precisamos de um novo sistema de valores, que reconheça a unidade orgânica entre a humanidade e a natureza e promova a ética de responsabilidade global," declarou Mikhail Gorbachev após o fim da Guerra Fria que dividiu a humanidade durante meio século. Para realizar esta missão, o ex-dirigente da União Soviética criou a Green Cross International (GCI), sediada em Genebra, Suíça, hoje com afiliadas em 26 países.A afiliada norte-americana da GCI é a Global Green USA, fundada em 1994 com sede em Los Angeles. As conquistas da GCI e Global Green nos EUA no ano passado incluíram o resgate do programa de destruição de armas químicas da Rússia de eliminação pelo Congresso dos Estados Unidos; a criação de uma campanha publicitária na Europa para promover apoio internacional à Convenção sobre Armas Químicas; e formação de parcerias com 11 cidades e condados da Califórnia para o desenvolvimento de programas de ponta para a construção do verde.

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A ciência e o novo milênio

Por incrível que pareça, apesar de todos os avanços da ciência e tecnologia, os seres humanos são guiados hoje basicamente pelos mesmos instintos e paixões que os gregos há 2.500 anos

José Goldemberg

O início do século 21 e do terceiro milênio da Era Cristã é ocasião propícia para refletir sobre o que ocorreu nos últimos períodos históricos — e os jornais e revistas têm se dedicado a fazer longas listas dos grandes eventos verificados e quais as perspectivas para o futuro.
  As revistas científicas fazem o mesmo e elas nos convencem de que, sem a menor dúvida, o século 20 trouxe à humanidade enorme progresso científico e tecnológico. Mais do que qualquer outro avanço, a descoberta do eletromagnetismo no século 19 e a geração e propagação das ondas eletromagnéticas abriram caminho para a era da eletricidade e das telecomunicações, que revolucionaram a vida de grande parte da população mundial.
  Junto com os avanços da medicina que, efetivamente, prolongaram a vida humana, atingimos o fim do século 20 com horizontes promissores e um progresso material sem precedentes para parte significativa da população mundial.
  O mesmo argumento foi usado no fim do século 19, mas há uma reflexão nova e importante a fazer aqui: a ciência de então, laboriosamente construída na base das grandes teorias de Newton, influenciou decisivamente o pensamento de filósofos como Kant e cientistas sociais como Marx. Ela se baseava numa visão do mundo determinista e que descrevia os fenômenos que ocorriam ao nosso redor, isto é, era uma ciência formulada para as experiências dos seres humanos e não necessariamente a ciência em geral. Faltava a ela uma compreensão mais profunda do que se passava em nível microscópico, ou seja, no nível dos átomos e no seu interior bem como o que se passava no nível dos cosmos.
  Já no fim do século 19 começaram a aparecer indicações de que a visão do mundo era incompleta, pois fenômenos como a radioatividade e o próprio comportamento da luz ainda estavam inexplicados. A primeira metade do século 20 viu uma completa revolução nos conceitos físicos com a teoria da relatividade de Einstein e a mecânica quântica em que o determinismo dos fenômenos físicos foi seriamente abalado.
  Essa revolução, junto com os conhecimentos do século 19, impulsionou, contudo, a ciência e a tecnologia de tal forma que chegamos ao fim do século 20 com uma enorme confiança nas nossas visões do mundo, incluindo aí o conhecimento do código genético e a possibilidade de modificá-lo. Não há outras revoluções científicas à vista, exceto, talvez, a que poderá resultar dos fenômenos que estão ocorrendo nas fronteiras do universo onde estranhas forças parecem estar em ação. Afora isso o século 21 (e o terceiro milênio) parece prometer mais progresso tecnológico do que científico, para o que os alicerces que temos hoje parecem bastar.
  Isso só não acontecerá se a natureza humana impedi-lo, o que é bem possível. Por incrível que pareça, apesar de todos os avanços da ciência e tecnologia, os seres humanos são guiados hoje basicamente pelos mesmos instintos e paixões que os gregos há 2.500 anos. Essa é a razão pela qual as peças teatrais gregas com suas tragédias e comédias parecem tão atuais, bem como as peças de Shakespeare, que, apesar de escritas há quatro séculos, parecem ter captado o íntimo da alma humana mais do que quaisquer outras.
  Essa parece ser também a razão pela qual a experiência da União Soviética fracassou, bem como outras tentativas de organização social baseadas nos grandes ideais dos socialistas do século 19. Basicamente elas se recusaram a aceitar a idéia que em diferentes sistemas sociais e econômicos — quaisquer que eles sejam, socialistas ou capitalistas — muitos indivíduos agirão de forma competitiva afim de melhorar o próprio status, conquistar o poder e servir aos seus interesses ou do seu grupo.
  Tais características podem levar a distorções, a guerras e até à destruição de certas civilizações, do que existem muitos exemplos ao longo do tempo.
  Nos nossos dias há um ingrediente novo, que é a enorme capacidade que criamos de degradar o meio ambiente, conseqüência do nosso modo de produção e consumo predatório. Ele exacerba as tendências destrutivas das sociedades humanas como parece ter feito com a civilização maia no fim do primeiro milênio. Reduzir, eliminar ou corrigir atentados ao meio ambiente pode ser conseguido com os conhecimentos científicos e tecnológicos de hoje. Melhorar os homens parece mais difícil.


José Goldemberg, ex-ministro da Ciência e Tecnologia, é cientista

http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-01-05/mat_22596.htm


Gazeta Mercantil, 12 de março de 2001

Precaução, risco e razão científica

Ricardo Abramovay*

O americano Robert Merton é considerado o fundador da moderna sociologia da ciência. Num texto de 1938, ele observa que as sociedades contemporâneas geram simultaneamente dois produtos culturais importantes: a crença no valor da verdade científica, mas, ao mesmo tempo, a desconfiança e até a hostilidade em relação tanto aos métodos como aos resultados do que fazem os pesquisadores. Numa sociedade totalitária, o desejo de uma ciência patriótica, dirigida para finalidades decididas politicamente é uma pressão constante que ameaça a qualidade do trabalho de investigação. Mas mesmo num ambiente democrático, ressalta Merton, a independência do trabalho dos pesquisadores está sob tensão. O antídoto contra este ataque de interesses externos vem do fortalecimento das instituições científicas, formadas por especialistas cujos comportamentos e organizações são a melhor garantia para que o avanço do conhecimento não seja comprometido pelas ameaças vindas dos leigos, da sociedade. Para Merton, numa sociedade democrática as instituições científicas devem desfrutar completa autonomia. É basicamente a seus pares que os cientistas têm contas a prestar.

O próprio desenvolvimento científico e tecnológico da segunda metade do século XX contribuiu, de maneira decisiva, para transformar esta autonomia em puro mito. Por um lado, a explosão da bomba de Hiroshima inaugura o que Hans Jonas chamou, em 'O Princípio da Responsabilidade', de 'reflexão nova e angustiada sobre a técnica no mundo ocidental': seria impossível que o fantástico poder transformador da ciência e da técnica não estivesse de alguma forma associado à destruição dos tempos de guerra dando lugar a uma ética do medo.

Mais importante que o medo, porém, é a tomada de consciência de que os cientistas não vivem numa torre de marfim e que sua produtividade não supõe independência com relação às pressões sociais. Ao contrário, nada mais distante do pesquisador que a imagem do homem desinteressado, voltado apenas para a busca da verdade, desencarnado, independente, só comprometido com seus ideais e sujeito ao julgamento daqueles que estão à altura olímpica de seus conhecimentos inacessíveis. O que a sociologia da ciência de hoje mostra é que o verdadeiro cientista é o gestor de uma complexa rede de natureza social e técnica que envolve os conceitos com que trabalha, os experimentos, as revistas em que publica, mas também e ao mesmo tempo sua capacidade de obtenção de recursos e de demonstração pública da importância de seu trabalho. Os melhores cientistas são exatamente aqueles que respondem pelas redes mais extensas e complexas. Um bom pesquisador sobre Aids está em contato estreito com as associações de doentes, com o Ministério da Saúde, com as melhores universidades e revistas do mundo. A ciência não é a verdade pura, absoluta, incontestável que emerge da relação aristocrática entre pares tanto mais competentes quanto menos sujeitos a pressões. Ela é o resultado sempre híbrido, sempre em transformação de um conjunto variado de relações sociais.

Esta é a razão pela qual, nos países desenvolvidos, as grandes decisões científicas que envolvem a vida e os recursos da sociedade contam, cada vez mais, com a participação dos cidadãos. É claro que esta participação não tem a virtude, por si só, de resolver problemas científicos nem de chegar a decisões que, no futuro, poderão ser consideradas justas. O importante, entretanto, é que a distância entre a complexidade da ciência e a compreensão dos cidadãos não pode dar lugar a iniciativas pelas quais responderia apenas uma elite pensante, sem dever satisfação e diálogo ao conjunto da sociedade.

As recentes crises alimentares na Europa (vaca louca, organismos geneticamente modificados, listeria, entre outras) dão lugar hoje à construção de novas relações entre ciência e sociedade e talvez o melhor exemplo disso esteja na maneira como se organiza a discussão a respeito dos organismos geneticamente modificados. O Escritório Parlamentar das Escolhas Científicas e Tecnológicas, da França, organizou, no final de 1997, uma conferência de cidadãos sobre o tema. Um instituto de pesquisa seleciona 14 cidadãos, 'cândidos' (leigos), que passam por uma formação durante dois fins de semana, a partir dos quais formulam 20 questões agrupadas em cinco temas: impacto ambiental dos transgênicos, riscos sanitários, informação dos consumidores, questões jurídicas e como conciliar interesses divergentes. Ajudados pelo Comitê que organiza a iniciativa, eles escolhem os especialistas que participarão da parte pública da conferência, que se realiza durante dois dias no Parlamento. A partir disso, a conferência elabora uma declaração, comunicada em seguida à imprensa.

O que impressiona no método adotado é não só sua transparência, mas também o equilíbrio de seus resultados. O painel (encerrado no final de 1998) se pronunciou inequivocamente por uma etiquetagem dos organismos geneticamente modificados para permitir a livre escolha dos consumidores.

O fortalecimento da pesquisa pública a respeito foi preconizado, para que se obtenha maior independência em relação às empresas diretamente interessadas na liberação dos produtos. Os cidadãos pedem que estas pesquisas levem em conta os impactos sócio-econômicos da adoção dos transgênicos e não só os sanitários ou ambientais. Eles preconizam também que se introduzam na lei presunção de responsabilidade e culpabilidade pela introdução dos transgênicos para o caso de eventuais processos decorrentes de danos hoje não previstos.

Este procedimento é exemplo prático do princípio de precaução, cuja ambigüidade - ética do medo ou afirmação da razão? - não pode ser escamoteada. Não é razoável colocar exclusivamente nas mãos de cientistas e especialistas o destino resultante da organização técnica de uma sociedade.

Mas o medo não pode impedir o desenvolvimento da pesquisa, a inovação tecnológica, a competitividade das empresas e a própria disposição de instrumentos que melhorem a saúde e o bem-estar. Não existe solução pronta para este dilema, e o princípio de precaução, de certa forma, é uma síntese nunca pronta entre medo e razão. O importante nas crises dos transgênicos e da vaca louca, mais que o medo, é que a própria razão se manifesta sob modalidades às quais as sociedades contemporâneas ainda não estão habituadas. A ciência é convidada a ocupar a arena do diálogo democrático e isso só pode lhe fazer bem. (Gazeta Mercantil/Página A3)

* Ricardo Abramovay, professor livre-docente do Departamento de Economia da FEA e presidente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP, e-mail: abramov@usp.br


Que a Ciência siga seu curso em direção ao progresso social

Em janeiro de 2001, o senador Roberto Freire se manifestou contra a moratória dos transgênicos, criticando o “temor que pode raiar o conservadorismo”, certamente se referindo à reação estrondosa da sociedade à maneira com que se introduz tais produtos no Brasil.

O CREA-RJ manifesta aqui a sua posição contrária à visão do senador. Há cerca de três anos, e, portanto, numa ação pioneira, uma vez que a discussão sobre transgênicos era apenas incipiente, o CREA-RJ publicou sua primeira cartilha sobre a questão. O autor, Sebastião Pinheiro - engenheiro agrônomo e florestal, delegado brasileiro no Codex Alimentarius em 1979 e delegado brasileiro na Conferência de Agricultura e Desenvolvimento Rural Sustentável da FAO, em 1991 - manifestou na cartilha sua preocupação com todos os possíveis efeitos das experiências genéticas sobre a saúde humana, o meio ambiente e ainda, os impactos sociais advindos do fato da indústria sementeira poder patentear todas as variedades resultantes das pesquisas, dificultando o acesso do agricultor ao bem primordial que há milênios é de domínio público: as sementes.

Radical e terrorista é a indústria de sementes que, em nome do “progresso tecnológico”, lança uma semente que se esteriliza após o primeiro plantio, a malsinada “Terminator”. Tão absurdo foi este “avanço científico”, que logo após uma estrondosa reação da sociedade, teve de ser recolhida pela empresa detentora desta “Ciência”: a Monsanto. Radical e terrorista é a indústria que realiza experiências genéticas e antes mesmo de concluí-las, estudando seus possíveis impactos à saúde humana e o meio ambiente, luta por sua liberação comercial, numa clara associaçãoentre estes produtos e a busca pelos altos lucros.

O mais grave é que tudo isto se dá com a anuência do governo brasileiro. A indústria sementeira nacional segue a “inexorável globalização”: formam-se gigantescos conglomerados empresariais, que dominam ao mesmo tempo o setor de sementes e agrotóxicos, tornando o mercado sujeito a uma perversa oligopolização. Ditam-se preços e variedades: e se, no futuro, só se oferecer sementes transgênicas, sabe-se lá a que preço?

Quais são os setores que hoje defendem as sementes transgênicas? A indústria sementeira, em primeiro lugar, por puro interesse comercial, vendendo sementes transgênicas resistentes a agrotóxicos fabricados por elas mesmas.

E depois? O governo parece estar firmemente empenhado em aprovar sua liberação. Quem estará, então, se locupletando das vantagens financeiras obtidas com os transgênicos?

As pesquisas agronômicas em vários países do mundo sequer indicam que os cultivos transgênicos são mais produtivos do que os convencionais, refutando por completo o argumento de que estes vieram sanar o problema crônico da fome mundial. Nem tampouco os milagrosos e sofisticados “arroz dourado” e “banana-vacina”vieram para salvar a humanidade de seus problemas de fome e saúde. Quem nos garantirá que os pequenos agricultores terão acesso às “milagrosas” sementes transgênicas, uma vez estando estas protegidas por patentes que em muito aumentarão o seu preço?

Por tudo isto, reforçamos nosso pensamento: em nossa quarta cartilha sobre o tema, confirmamos, assim como o senador, nossa confiança de que somente o avanço científico pode continuar garantindo o bem estar da humanidade. Resta agora separar o joio do trigo, reconhecendo e isolando os falsos daqueles que são os verdadeiros progressos científicos, para que a Ciência possa, de fato, seguir seu curso na direção do bem comum.

José Chacon de Assis

www.chacon.eng.br

Presidente do CREA-RJ


EDUCAÇÃO AMBIENTAL


Talvez o maior problema enfrentado na luta pela preservação do meio ambiente seja o desconhecimento por grande parte das pessoas das relações de causa e efeito que caracterizam ações cotidianamente exercidas pelos homens e que de algum modo acabam por trazer prejuízos aos ecossistemas.

Nos primórdios da revolução industrial, quem poderia associar a queima do carvão nas fornalhas das máquinas a vapor ao aquecimento da atmosfera, à morte dos rios ou à debilitação da saúde humana? Eram ações novas com resultados desconhecidos.

O conhecimento técnico e científico da época, e de dezenas de anos mais tarde, não permitia antecipar o que estava por acontecer. Do mesmo modo que as doenças surgem antes dos medicamentos destinados a tratá-las, a deteriorização do meio ambiente antecedeu a preocupação com as relações de causa e efeito, assim como os estudos das variáveis que são relevantes para conter esse processo.

Os dados apresentados nos capítulos anteriores algumas vezes causam estranheza. Há sérias razões para isso. Basta imaginar que, se a revolução industrial tivesse ocorrido na Idade Média e tivessem passados alguns séculos sem que os danos ambientais fossem percebidos, provavelmente não haveria vida na Terra, pelo menos como a conhecemos hoje. Teríamos uma situação parecida com os filmes de hecatombe pós-guerra nuclear. Desertos substituiriam rios, lagos e florestas.

Cabe ao homem deter a marcha insensata para a eliminação de seu habitat e sua eventual autodestruição. Felizmente, este final de século pode caracterizar-se como o período da história em que mais houve preocupação com o meio ambiente. Sua proteção e recuperação passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas, dos noticiários, dos programas de governo. Na maioria dos casos ainda é possível fazer muito para salvar o planeta, em benefício das gerações futuras.

O primeiro tratado internacional de algum modo relacionado com o meio ambiente foi assinado em 1925, em Genebra. O Protocolo de Genebra proibia o emprego de gases asfixiantes, tóxicos ou similares, assim como o uso de "armas" bactereológicas em situação de guerra.

Em 1940, assinou-se a convenção para a proteção da flora, fauna e belezas cênicas naturais dos países da América. Em 1958, foi firmada a convenção internacional para a prevenção da poluição do mar por óleo. No ano seguinte, o Tratado da Antártida prescreveu o uso pacífico das atividades científicas que ali seriam exercidas, proibindo a deposição de lixo e resíduos nucleares e estabelecendo as bases para a preservação e conservação dos recursos vivos lá existentes.

De 1925 até 1959, ou seja, durante 34 anos, foram firmados apenas quatro tratados internacionais relacionados com o meio ambiente. A partir da assinatura, em 1963, do acordo proibindo o uso de armas nucleares no espaço cósmico, na atmosfera e sobre a água, já foram firmados pelo menos 20 acordos importantes para a proteção dos ecossistemas, sendo os mais recentes os firmados durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Na Rio-92 foram firmadas duas convenções (Clima e Biodiversidade), uma declaração de boas intenções e uma Agenda de Ação (Agenda 21) contendo medidas que enfocam os seguintes pontos:

I.  recursos financeiros novos e adicionais para os países em desenvolvimento, com vistas a permitir-lhes integrar a dimensão ambiental em seus planos de desenvolvimento, inclusive os custos adicionais decorrentes do cumprimento de acordos internacionais de caráter ambiental;

II.  acesso dos países em desenvolvimento a tecnologias ambientalmente saudáveis, inclusive em termos preferenciais, e reforço da capacidade daqueles países para utilizá-las;

III.  fortalecimento das instituições dedicadas ao meio ambiente;

Dois anos após o grande evento, quase nada foi feito para implantar o que está previsto nos documentos assinados pelos países que compareceram à Conferência do Rio. Ao terminar a reunião, ficou a impressão de que o mundo entraria numa nova fase, onde a colaboração entre os povos ganharia uma dimensão jamais atingida, passando a salvação do planeta a fazer parte das grandes preocupações internacionais.

A Convenção da Biodiversidade, cuja finalidade é impedir a destruição de espécies animais, vegetais e microorganismos já está em vigor desde dezembro de 1993. Falta, no entanto, esclarecer alguns itens fundamentais como a transferência de tecnologia, o direito à propriedade intelectual e a destinação de recursos.

Com a transferência de tecnologia, o que se pretende é evitar as agressões ao meio ambiente que são causadas nos países pobres pelo deficiente saneamento básico, ausência de adequado tratamento de lixo, imensa quantidade de habitações subnormais, precariedade do trânsito, contaminação industrial e mau uso dos recursos naturais. Quase todas as tecnologias utilizadas na solução desses problemas são conhecidas nos países em desenvolvimento. Normalmente, existe uma parcela da população que usufrui dos benefícios do tratamento de água e esgotos ou da coleta sistemática de lixo. De modo geral, o problema não reside na má difusão de tecnologias. A questão maior é a falta de recursos financeiros para implantar serviços que evitem, por exemplo, que resíduos domésticos contaminem a água e a terra, pondo em risco a saúde humana.

No que se refere à poluição industrial, os cuidados ambientais não são adotados fundamentalmente pela ausência de normas ou legislação pertinente, pelo desinteresse dos governos nacionais e locais e pelos custos que podem acrescentar ao processo produtivo. Nesse caso somos novamente remetidos ao dilema pobreza e meio ambiente. Prover emprego pressupõe o desenvolvimento de atividades econômicas. As autoridades locais procuram a todo custo estimular a vinda de indústrias e entre os estímulos que oferecem aos industriais está a pouca exigência em relação aos equipamentos necessários ao controle da poluição proveniente das fábricas. Na grande maioria dos casos, são outros os fatores, e não o desconhecimento de tecnologias, que dificultam o relacionamento equilibrado das atividades industriais nos países pobres e naqueles em desenvolvimento com a implantação de programas para a proteção ambiental.

A rigor, com as correções que se fazem necessárias para tornar válida a comparação, o mesmo ocorre nos países industrializados. Além disso, o quadro de consumo de combustíveis e a produção de dióxido de carbono no mundo sugerem que o problema é muitas vezes econômico e financeiro, e não de ordem tecnológica. Em alguns países, grandes investimentos poderiam resultar no abandono do carvão como fonte de energia, na ampliação e densificação das redes de transporte eletrificado e no fechamento de fábricas que poluem o meio ambiente. No entanto, isso não é feito ou por falta de recursos, ou porque a sociedade prefere pagar o custo ambiental, aplicando os recursos disponíveis em outros setores em busca de retornos mais imediatos.

A questão ambiental é na maioria das vezes dependente de prioridade política, que nem sempre lhe é concedida. Mesmo nas sociedades mais ricas, os recursos financeiros são escassos e a definição das prioridades é ditada pelos desejos da população. Enquanto um meio ambiente limpo e preservado não for percebido como uma necessidade pela população, a questão ambiental não ganhará a devida prioridade, seja qual for o país.

Com relação ao uso dos recursos naturais, na maioria dos casos falta a disseminação de conhecimento preservacionista. As técnicas de manejo florestal e o desenvolvimento agrícola sustentável podem, entretanto, chegar facilmente aos pequenos e médios empresários e agricultores, através de programas de educação ambiental. A educação pode, nesse sentido, minorar a ausência de recursos financeiros para grandes investimentos. Por meio de programas educativos, as técnicas mais simples e baratas poderão chegar à grande parte da população, que passará, por exemplo, a usar fossas sépticas, a promover o replantio de árvores e exercer suas atividades agrícolas em locais apropriados.

Por outro lado, tecnologias desenvolvidas por empresas que nelas investiram grandes somas de recursos não serão transferidas gratuitamente a outros. Se alguém desenvolve, por exemplo, uma bateria para veículos automotores realmente eficiente, capaz de substituir a gasolina ou o diesel e de assegurar um notável avanço tecnológico no rumo da emissão zero e do melhor relacionamento entre os transportes e o meio ambiente, a qualidade de vida poderá melhorar nas cidades e as pessoas provavelmente terão menos doenças. Mas o invento pertence a quem o desenvolveu e a transferência de sua patente terá um preço.

Da Agenda 21 consta a necessidade de identificar recursos financeiros para promover a solução dos grandes problemas ambientais do mundo, assim como mecanismos de financiamento. Menciona-se inclusive a possibilidade de estabelecer um fundo internacional para garantir a rápida e eficiente transferência de tecnologias ambientalmente sensatas a países em desenvolvimento. Em 1993, os países ricos prometeram destinar 2,3 bilhões de dólares ao longo de três anos a projetos de interesse global, como os relativos ao efeito estufa, à proteção da camada de ozônio, à biodiversidade e aos oceanos.

O objetivo do projeto principal, como consta da Agenda 21, seria erradicar a pobreza do mundo, criando condições para que os países menos desenvolvidos contribuam de maneira mais eficiente para o equilíbrio ambiental. Enquanto os mecanismos financeiros não são implantados e as transferências de tecnologias não são efetivadas, os países de todo mundo deveriam empenhar-se ao máximo em promover amplos programas de educação ambiental.

Diferentemente de outros ramos do conhecimento, a educação ambiental deve ter grande abrangência, ou seja, deve ser dirigida desde a criança até aos governantes. Evidentemente, a criança deve receber os conhecimentos ambientais em processos educativos formais. As escolas de todos os níveis devem incluir em seus programas o tema de meio ambiente para que, ao concluir o seu curso secundário, o jovem tenha plena consciência dos problemas que advirão dos maus tratos à natureza e de que modo ele e a sociedade poderão contribuir para previni-los.

A amplitude do público alvo, o caráter multidisciplinar da matéria e a abrangência de temas a serem adotados exigem uma ampla utilização dos meios de comunicação para que os assuntos ambientais penetrem em todas as camadas da sociedade, o que já vem sendo feito em muitos países.

Além de abordar os assuntos globais, é importante a divulgação de temas de interesse regional. Nas áreas industrializadas, a poluição produzida pelas fábricas deve ser o tema dominante. O extrativismo poderá ser o principal assunto nas localidades situadas em florestas tropicais. O uso abusivo de combustíveis deverá ter destaque em países mais ricos. Técnicas simples de cuidados com a terra na agricultura poderá ser a ênfase em região de plantios de subsistência.

Outro aspecto que deve constar dos diferentes projetos de educação ambiental é o destaque a ser dado às soluções dos problemas. O mais comum é destacar os danos, os problemas ocorridos, os desastres ecológicos, não o que fazer para evitá-los.

De pouco adianta o permanente diagnóstico ambiental, sem indicações para sanar os erros.

É difícil estabelecer relações de causa e efeito. As confusões são grandes, mesmo entre as camadas mais esclarecidas da população. Os projetos de educação ambiental devem ser formulados de tal modo que essas relações sejam de mais fácil entendimento. Por exemplo, deve ficar claro que o aumento desenfreado da população passará a exigir a divisão dos recursos existentes por um número maior de pessoas de posses escassas, provocará o inchamento das cidades com decorrente degradação dos serviços públicos e implicará a necessidade de aumentar a produção agrícola, muitas vezes em detrimento do meio ambiente.

Espera-se dos cursos de graduação e pós-graduação maior profundidade nos estudos ambientais. A enorme quantidade de temas exigirá que cursos específicos incluam uma disciplina de caráter amplo de conhecimentos ambientais, para que o profissional de uma área descubra onde o seu campo de especialização se interrelaciona com os demais.

Do mesmo modo, cursos de ciências básicas ou de formação profissional deverão permitir ao estudante verificar como sua profissão pode contribuir na solução dos problemas ambientais. Algumas matérias específicas terão de ser criadas em cursos de graduação ou especialização. Os cursos de Direito, no Brasil, já oferecem entre suas áreas de estudo a legislação ambiental, em reconhecimento da complexidade do tema.

A Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, realizada na antiga União Soviética em 1977, definiu os princípios básicos da educação ambiental, que seriam:

I.  Considerar o meio ambiente em sua totalidade, natural e construída, tecnológica e social;

II. Ter um processo continuado ao longo da vida, começando na pré-escola e prosseguindo através de estágios formais e não formais;

III. Ter tratamento interdisciplinar, projetando o conteúdo de cada disciplina dentro de uma visão holística e de uma perspectiva equilibrada;

IV. Examinar os principais resultados ambientais do ponto de vista local, nacional, regional e internacional, de tal modo que os estudantes recebam informações sobre o que se passa no meio ambiente de outras áreas geográficas;

V. Enfocar situações correntes e potenciais no meio ambiente, levando em conta a perspectiva histórica;

VI. Promover a valorização da necessidade da cooperação local, nacional e internacional na prevenção e na solução dos problemas ambientais;

VII. Considerar explicitamente aspectos ambientais nos planos de desenvolvimento e crescimento;

VIII. Habilitar os estudantes ao planejamento e à tomada de decisões, aceitando suas conseqüências;

IX. Dar ênfase ao desenvolvimento da sensatez na solução dos problemas ambientais, principalmente os de sua comunidade;

X. Ajudar os estudantes a descobrir os sintomas e as reais causas dos problemas ambientais;

XI.Enfatizar a complexidade dos problemas ambientais e a necessidade de desenvolver um pensamento crítico e habilidade na solução dos problemas;

XII.Utilizar diversas formas de aprendizagem ambiental e um amplo arranjo de tendências educacionais, para aprender ou ensinar sobre o meio ambiente, com apoio em atividades práticas e experimentais.

O importante é lembrar que o processo de educação ambiental é contínuo e multidisciplinar, devendo-se relacionar com as atividades econômicas e sociais da região onde o programa educacional é desenvolvido. De modo algum poderá estar alienado da realidade local.

Em Educação Ambiental na Pan-Amazônia (Mello 1985) são apresentadas as seguintes considerações:

I. A educação ambiental deve abranger o meio ambiente em sua totalidade, material e humana, ecológica, política, econômica, tecnológica, social, legislativa, cultural e estética. Cursos que lidam apenas com aspectos científicos serão insuficientes se eles ignorarem os aspectos sociais, econômicos e institucionais envolvidos na questão ambiental.

II. A educação ambiental deve ser parte integral de um processo educacional com uma larga variedade de assuntos, e não um currículo separado ou uma especialidade em si mesma.

III. A educação ambiental deve ter um enfoque interdisciplinar. O ensino por um longo conjunto de especialistas não é o bastante. Os assuntos devem ser relacionados à análise dos problemas ambientais.

IV. A educação ambiental deve ser adaptada às necessidades dos estudantes, devendo-se levar em conta as suas aspirações ocupacionais e sociais.

V. A educação ambiental deve envolver experimentos e processos práticos, sem constituir apenas um conjunto de ensinamentos técnicos.

Os cursos formais de educação ambiental devem abranger matérias básicas como: Biologia Geral, Biologia Sanitária, Ecologia, Ecologia Vegetal, Epidemiologia, Saúde Pública, Nutrição, Direito Ambiental, Etnologia Indígena, Geografia, Geologia, Engenharia Sanitária, Qualidade do Ar e do Solo, Estatística, Energia, Transportes, Urbanismo e outras matérias úteis à compreensão do tema. É claro que cada curso terá o seu curriculo em função das necessidades locais.

Algumas entidades de educação superior já criaram cursos de gestão ambiental de curta duração, destinados a profissionais e administradores públicos, com o fim e de promover uma visão ampla dos principais problemas ambientais e de suas possíveis soluções.

Do mesmo modo que é muito difícil, senão impossível, universalizar soluções para as questões ambientais, é muito difícil sugerir programas de educação ambiental para todos os níveis, clientelas e situações. As idéias básicas são comuns a qualquer programa, mas a profundidade, extensão e duração dos cursos variarão caso a caso.

Um curso de especialização em meio ambiente poderia ser baseado no seguinte conteúdo disciplinar:

I. Matérias Básicas;

II. Matérias de Caráter Interdisciplinar;

III. Matérias de Conhecimento Específico.

I. Matérias Básicas:

a. Estatística e Demografia;

b. Metodologia Científica;

c. Avaliação Econômica de Projetos;

d. Administração Pública;

e. Noções de Economia.

II. Matérias Interdisciplinares:

a. Administração Pública;

b. Planejamento Governamental;

c. Relações Internacionais;

d. Políticas Públicas;

e. Desenvolvimento Urbano e Regional;

f. Outras.

III. Matérias de Conhecimento Específico:

a. Conceitos Básicos de Meio Ambiente;

b. Energia e Meio Ambiente;

c. Transportes e Meio Ambiente;

d. Uso do Solo e Meio Ambiente;

e. Noções de Direito Ambiental;

f. Agricultura e Reflorestamento;

g. Outras.

A carga horária variará com a extensão dos cursos e função dos objetivos a serem atingidos. A parte de conhecimento específico poderá ser modificada, ampliada ou reduzida, em função da finalidade do curso e da região onde ele é ministrado. Um programa dessa natureza deve ser flexível, adaptando-se às conveniências locais.

Além dos cursos teóricos e informativos, muito pode ser feito em programas educacionais de natureza comunitária. Os moradores de favelas poderão receber informações sobre o que fazer com o lixo ou como construir fossas sépticas; algumas comunidades poderão aprender como abrir poços para o abastecimento d'água, evitando a sua contaminação; populações rurais poderão ser treinadas nas técnicas da construção de biodigestores a partir de dejetos, com isso obtendo gás e adubo orgânico; e assim por diante.

Não há limites para a educação ambiental. A relação benefício-custo em programas dessa natureza, sem dúvida alguma, ultrapassará a de muitos projetos de proteção ambiental que exigem enormes recursos financeiros e técnicos para sua implantação. A educação ambiental deve ser uma preocupação de todos os governos, pois constitui a contribuição mais efetiva e permanente à proteção da natureza.

http://www.cidi.oas.org/MelloIV.htm


    MEDITAÇÃO 

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações.

Terra, Nosso Lar

A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva com uma comunidade de vida única. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade da vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todas as pessoas. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.

A Situação Global

Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.

Desafios Para o Futuro

A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais, não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar soluções.

Responsabilidade Universal

Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem como com nossa comunidade local. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual a dimensão local e global estão ligadas. Cada um compartilha da responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida, e com humildade considerando em relação ao lugar que ocupa o ser humano na natureza. Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, todos interdependentes, visando um modo de vida sustentável como critério comum, através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos, e instituições transnacionais será guiada e avaliada. 

 

http://www.ecolnews.com.br/meditacao.htm


1. - ECOTURISMO: em busca de uma definição

É sabido que a chamada indústria de turismo é a que mais cresce em nível mundial: analistas do setor apontam um crescimento de 4 a 5% ao ano e um índice de 10% de ocupação da população economicamente ativa. Dentro dessa indústria, o segmento do ecoturismo é o de maior crescimento (20% ao ano), dado o interesse recente da opinião pública por atividades e discussões relativas ao meio ambiente e ao stress da vida cotidiana nos grandes centros urbanos.

O ecoturismo vem sendo considerado como uma atividade de baixo impacto ambiental, uma possibilidade de sustentação econômica para as Unidades de Conservação (Ucs) – e uma alternativa às economias das regiões onde atividades tradicionais (como a pequena agricultura familiar, o extrativismo, a pesca artesanal, entre outras) têm revelado seu esgotamento e se demonstrado insuficientes para a manutenção das populações delas dependentes. 

Especialmente naquelas regiões submetidas a restrições legais, que têm colocado tais atividades como incompatíveis com a conservação ambiental, agravando suas condições de sobrevivência.

Contudo, verifica-se nos debates sobre este tema a ausência de um consenso em torno da definição e mesmo da prática efetiva do ecoturismo, fato que merece uma grande atenção. É preciso lembrar, de início, que o termo ecoturismo diz respeito a inúmeras modalidades de visita e contato com a natureza, funcionando como uma idéia “guarda-chuva” – apenas como ilustração podemos mencionar caminhadas, passeios de bicicleta, de barco e observação de aves. Aliás, esse próprio termo possui vários equivalentes - turismo alternativo, verde, ecológico ou ambiental - empregados usualmente no mercado desde o surgimento desse novo segmento da atividade turística na década de 80,  

Com respeito ao termo "ECOTURISMO", torna-se importante levar em conta também a diversidade de definições existente, uma vez que ela também costuma ser acompanhada por diferenças, e por vezes por divergências entre os atores envolvidos, entre práticas do turismo no meio natural e em pequenas comunidades.

De acordo com a Embratur, em suas

"Diretrizes para uma política nacional de ecoturismo",

“ECOTURISMO É UM SEGMENTO DA ATIVIDADE TURÍSTICA QUE UTILIZA DE FORMA SUSTENTÁVEL O PATRIMÔNIO NATURAL E CULTURAL, INCENTIVA SUA CONSERVAÇÃO E BUSCA A FORMAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA AMBIENTALISTA ATRAVÉS DA INTERPRETAÇÃO DO AMBIENTE, PROMOVENDO O BEM ESTAR DAS POPULAÇÕES.”  

Possibilidades e impactos do ecoturismo

Como quaisquer atividades econômicas em especial aquelas desenvolvidas em áreas naturais o ecoturismo pode produzir impactos, benéficos ou negativos. Há que se lembrar, entretanto, que tanto os benefícios do ecoturismo como os problemas dele decorrentes são potenciais, isto é, dependem fundamentalmente do modo como seu planejamento, implantação e monitoramento forem organizados e real usados.

De uma maneira geral é possível apontar-se como IMPACTOS POSITIVOS das atividades do ecoturismo:

.- geração de emprego, renda e estimulo ao desenvolvimento econômico em vários  níveis (local, regional, estadual e nacional);
.- possibilidade de melhoria de equipamentos urbanos e de infra-estrutura (viária, sanitária, médica, de abastecimento e de comunicações);
.- ampliação dos investimentos voltados à conservação de áreas naturais e bens culturais;
.- fixação das populações em locais graças à geração de emprego e renda;
.- sensibilização de turistas e populações locais para a proteção do ambiente, do patrimônio histórico e de valores culturais;
-. fomento a outras atividades econômicas potencialmente sustentáveis como o manejo de plantas medicinais, ornamentais, etc.;
-. melhoria do nível sociocultural das populações locais;
-. estimulo à comercialização de produtos locais de qualidade e intercâmbio de idéias, costumes e estilos de vida.

Por outro lado, o ecoturismo também pode produzir como IMPACTOS NEGATIVOS:
-. incremento do consumo de recursos naturais, podendo levar ao seu esgotamento;
consumo do solo e transformação negativa da paisagem pela implantação de construções e infra-estrutura;
-. aumento da produção de lixo e resíduos sólidos e efluentes líquidos;
-. alteração de ecossistemas naturais devido a introdução de espécies exóticas de animais e plantas;
-. estimulo ao consumo de souvenirs produzidos a partir de elementos naturais escassos;
-. perda de valores tradicionais em conseqüência da homogeneização das culturas;
-. aumento do custo de vida, supervalorização dos bens imobiliários e conseqüente perda da propriedade de terras, habitações e meios de produção por parte das populações locais;
-. geração de fluxos migratórios para áreas de concentração turística eadensamentos urbanos não planejados e favelizacão.

No caso especifico de seu desenvolvimento em Unidades de Conservação (UCs,) o ecoturismo pode gerar, como benefícios e IMPACTOS POSITIVOS:

-. sustentação econômica da UC;
-. integração da UC com as populações locais;
-. circulação de informações sobre o meio ambiente;
-. aumento da oferta de atividades de lazer e recreação;
-. ampliação da capacidade de fiscalização;
-. controle sobre grupos organizados e divulgação da UC.

Porém da mesma forma como seu desenvolvimento em áreas não protegidas o ecoturismo pode produzir nas UCs alguns IMPACTOS NEGATIVOS:

-. pisoteamento, compactação, erosão e abertura de atalhos em trilhas;  
-. depredação da infra-estrutura e de atrativos e elementos naturais;
-. stress e desaparecimento da fauna em razão da presença humana (provocados pelo barulho, cheiro e cores estranhos ao ambiente);
-. aumento e/ou deposição inadequada do lixo; necessidade de sacrifícios de áreas para instalação de infra-estrutura; e aumento do risco de incêndios.

http://www.ecolnews.com.br/ecoturismo.htm


A década do meio ambiente

Al Gore


Devemos conseguir que os próximos dez anos sejam a Década do Meio Ambiente, tanto nos Estados Unidos quanto no resto do mundo. Temos apenas uma Terra, e senão a mantivermos saudável e segura, qualquer outro presente que deixarmos para nossos filhos não terá sentido.

Podemos e devemos fazer retroceder a maré da poluição e do aquecimento global. Está cada vez mais claro que a poluição coloca em perigo não apenas nossa qualidade de vida, mas também o próprio tecido da vida em nosso planeta. Ainda existem poderosos apologistas da poluição, que insistem sempre com o argumento de que ela é o preço inevitável que devemos pagar por nossa prosperidade. Isso é falso e, pior ainda, um convite a que se continue com políticas de irresponsabilidade ambiental e com desculpas.

Se fizermos os investimentos corretos, se fizermos as escolhas responsáveis, não teremos de optar entre a economia e o meio ambiente. O meio ambiente nos Estados Unidos hoje está mais limpo do que estava há uma geração. Ao mesmo tempo, entramos no mais longo período de crescimento econômico de toda nossa história.

Passaram-se sete anos desde que, pela primeira vez, nos reunimos com os principais fabricantes de veículos para criar uma Associação para uma Nova Geração de Veículos. Nossa meta era a de trabalhar com os melhores fabricantes para obter veículos tês vezes mais eficientes do que os que tínhamos na época, sem sacrificar nem o rendimento, nem a segurança, nem o custo. Podemos, agora, olhar `frente, para uma data dentro de três ou quatro anos, quando serão produzidos em massa automóveis com muito mais eficiência quanto ao emprego de combustível. Também podemos olhar para o dia em que as famílias poderão comprar carros com uma singular nova tecnologia. Seus motores utilizarão água e aumentarão em 4.000% a eficiência em relação ao consumo de combustível.

Esta nova associação persegue uma estratégia contra a poluição que deve passar pela nossa economia, e a de todo mundo, nos próximos anos. Uma estratégia que vê as pessoas como aliadas, não adversárias, quando se deve enfrentar os desafios ambientais. Um enfoque que desenvolve nossa responsabilidade para com os demais, para com o ar, a água e a terra que temos em comum, através das fronteiras e das gerações. Na Década do Meio Ambiente, devemos formar associações com toda indústria que queira produzir caminhões mais eficientes quanto ao consumo de combustível, embora os críticos digam que isso nunca poderá ser feito.

Temos de fazer com que o livre mercado seja um amigo do meio ambiente, não seu inimigo, e investir mais na conservação dos recursos naturais, na energia renovável e nas tecnologias de rápido crescimento que combatem a poluição. Necessitamos fazer com que sejam cumpridas normas rigorosas, realistas e factíveis para reduzir o smog e a fumaça negra, bem como estender o direito a saber o que acontece em toda área onde a poluição de qualquer tipo ameace a saúde pública. Temos de proteger nossas florestas, nossos rios e nossas terras públicas.

Devemos enfrentar os persistentes desafios que se apresentam em matéria ambiental. Devemos continuar com a proibição dos produtos químicos que corróem nossa camada de ozônio e nos expõem aos perigosos e cancerígenos raios ultravioletas. Se enfrentarmos decididamente este desafio, temos a possibilidade de fechar por completo o buraco na camada de ozônio existente sobre a Antártida dentro das próximas duas gerações.

É preciso darmos passos decisivos - não apenas nos Estados Unidos, mas em todos os países - contra o aquecimento global. Embora ainda não exista um consenso neste assunto, creio que Washington tem de ratificar o Protocolo de Kyoto, o que nos comprometeria a realizar significativas reduções nas emissões de gases causadores do efeito estufa. Temos de assegurar que todas as nações desenvolvidas e em desenvolvimento se comprometam a cumprir com a parte que lhes toca. Podemos combater o aquecimento global de um modo que contemple a criação de postos de trabalho, ao fomentar a existência de um mercado global para as novas tecnologias no setor energético, que, se espera, possa alcançar os US$ 10 bilhões nas próximas duas décadas.

Estes desafios não são fáceis. E, para mim, nunca existiram sem controvérsias. Há mais de uma década, quando me propus a escrever um livro sobre ecologia (Eearth in the Balance), percebi que era politicamente tolo manifestar de forma tão clara um compromisso com a proteção ambiental, posto por escrito em forma aberta e sem restrições. Mas, para mim, o compromisso com o meio ambiente sempre foi além do político, é uma profunda obrigação moral.

É necessário que façamos o correto para nosso meio ambiente, porque este compreende tudo o que tem a ver com nossas vidas, desde a simples segurança de que a água que bebemos seja potável até a mais sinistra e ameaçadora redução das camadas de gelo nos extremos da Terra. A Terra está por um fio. Podemos e devemos salvá-la, e isso representa uma grande responsabilidade para nossa geração. Devemos nos colocar já a executar e concluir esta urgente tarefa.

Fonte: jornal "Terramérica" -


http://www.ecolnews.com.br/artigoalgore.htm


Identidade e Complexidade

por Leonardo Boff

Homem vem de humus que significa terra fecunda. Adão, Adam, em hebraico, "criatura humana feita de terra", provém de adamá, que quer dizer Mãe-Terra. O ser humano é filho e filha da Mãe-Terra. Ele é a Terra em seu momento de consciência, de responsabilidade e de amor. Estas palavras, Homo-humus, Adam-adamá, já apontam para a estreita relação do ser humano para com a Terra e através da Terra para com todo o universo. É nesta conexão que devemos buscar a identificação de sua natureza e de sua missão.

1. A carteira de identidade do ser humano

 A história pessoal é parte da história bio-sócio-cultural. Esta, por sua vez, é parte da história cósmica. Esse enraizamento confere ao ser humano concreto uma quádrupla identidade.

Uma cósmica: somos feitos daquelas partículas elementares que têm a idade do universo (15 bilhões de anos) e daqueles materiais forjados há bilhões de anos no interior das grandes estrelas, especialmente os átomos de carbono, oxigênio e nitrogênio imprescindíveis à vida. Segundo informações do Tycho Brahe Planatarium de Copenhagen, cada dia, caem cerca de 30 toneladas de poeira cósmica sobre a Terra. Na Groenlândia pode ser vista e recolhida da neve junto com a poeira terrestre (com 2/3 de pureza). Bilhões destas partículas que podem ser mais antigas que a própria Terra e o sistema solar.

Outra terrenal : surgimos a partir de formas primitivas de vida que se anunciaram na Terra há mais de 3,8 bilhões de anos com todos os seus componentes físico-químicos e ecológicos. Essas formas foram se complexificando até aparecerem os hominidas bípedes com um cérebro de 600 centímetros cúbitos. Este lhes permitia fabricar utensílios e abrigos. Com o evoluir da espécie hominida em milhões de anos, emergiu, por fim, o homo sapiens com um cérebro de 1500 centímetros cúbitos, do qual nós somos descendentes diretos. Ele não rompeu a linha evolutiva nem perdeu a herança acumulada de toda a trajetória terrenal da vida.

A partir do surgimento dos mamíferos há 216 milhões de anos, incorporou o calor afetivo que une mãe/pai/filhos. Soube estendê-lo para um círculo maior na forma de enternecimento, de amizade e de amor.

Em terceiro lugar, temos uma identidade cultural: o ser humano criou a cultura, realidade especificamente humana. Criou-a a partir de intervenções sobre si mesmo e sobre a natureza. Essas intervenções permitiram que criasse o habitat humano que o gregos, com justeza, chamava de ethos. Ethos, em grego - donde vem a palavra ética, é a morada humana. Quer dizer, aquele pedaço do mundo que escolhemos cuidadosamente, organizamos e nele construímos nossa habitação permanente.

Intervir é trabalhar. O trabalho é o meio maior de forjamento da cultura. Ele não só cria instrumentos e aparatos tecnológicos para transformar a natureza, mas também suscita conteúdos da consciência, formas de sentir, de valorar, de se relacionar psicológica e socialmente com os outros. Pertence ao trabalho cultural a criação de linguagens, idéias, mitos, artes, etnias, organizações sociais como a cidade, os estados-nações e hoje a planetização. Cada cultura projetou seu grande sonho para cima e testemunhou seu encontro com o Mistério que se esconde e se revela no universo e em cada coisa. Chamou-o por mil nomes: Olorum da cultura nagô, Javé da cultura hebraica, Alá da cultura muçulmana, Tao da cultura chinesa e japonesa, Pai e Mãe da cultura cristã. Tudo na cultura leva a marca registrada do ser humano que vem marcado também por ela.

Por fim, temos uma identidade pessoal: cada um possui um nome próprio, porque cada um representa um ponto onde termina e se compendia o processo evolutivo. Pelo fato de ser consciente, cada um faz uma síntese singular, única, irrepetível de tudo o que capta, sente, entende e ama. Com os materiais acumulados em seu inconsciente coletivo e com aqueles recolhidos em seu consciente faz uma leitura e uma apreciação que só ele e ninguém mais pode fazer. Por isso cada pessoa humana representa um absoluto concreto. Ele é a ponta da pirâmide para onde convergem todas as linhas ascendentes da evolução. Cada um está no topo. Em razão disso se entende a dignidade humana. Entende-se também a afirmação dos filósofos que ensinam: o ser humano singular é um fim em si mesmo e não pode ser meio para nada.

Tal afirmação não deve levar a pessoa à arrogância, imaginando-se o centro do universo. A ponta da pirâmide não está isolada. Está unida a toda a pirâmide, com a intricada teia de solidariedades e interdependências.

Assim como na nossa carteira de identidade estão inscritos os nomes de nosso pai, de nossa mãe e de nosso lugar de origem, assim também aqui, na nossa complexa carteira de identidade humana, aparecem os nossos quatro enraizamentos: o cósmico, o terrenal, o cultural e o pessoal. Somos efetivamente um microcosmos. Não precisamos ter vergonha de nossas múltiplas raízes. Ao contrário, temos razões de orgulho de nossa mestiçagem universal. Precisamos humildemente acolher nosso bilionário processo de fazimento. Saudar a imensa riqueza cósmica que em nós deságua e que ganha um perfil pessoalíssimo em cada indivíduo. Ele surge como um Amazonas de interrogações, um mar de desejos e um oceano de utopias.

Hoje, graças à civilização tecnológica, aprofundamos ainda mais o nosso enraizamento seja na dimensão micro como na dimensão macro. Estamos deixando a Terra e nos lançando para os espaços celestes.

Sim, algo nosso, como a nave espacial Voyager 2, já virou corpo interestelar, pois como ultrapassou os confins do sistema solar. Libertada das forças gravitacionais de nosso sistema, viajará, se nada acontecer, por mais de 1 bilhão de anos ao redor do centro da Via láctea. Carrega dentro de si um disco fonográfico de ouro contendo nele e no seu invólucro dourado saudações em 59 línguas humanas; uma em língua de baleia; um ensaio sonoro de doze minutos que inclui um beijo, um choro de bebê e o registro eletrencelográfico das emoções de uma jovem apaixonada; 116 imagens codificadas sobre nossa ciência, sobre nossa civilização e sobre o ser humano; e noventa minutos dos maiores sucessos musicais da Terra, desde música primitivas, passando por Bach e Stravinski até os blues modernos. Algo nosso se perenizou no universo.

Se um dia a nave for abordada por seres inteligentes de outros mundos, estes poderão saber da história dos humanos deste minúsculo Planeta-Terra do sistema solar. Talvez a Terra e a humanidade possam já ter desaparecido. Ou pela evolução nossa espécie possa já ter se transformado em outra. Permaneceu, entretanto, a Voyager como um sacramento da Terra. Sem qualquer intencionalidade agressiva, ela mesma significa uma mensagem de comunhão, uma busca respeitosa de relação com outros eventuais companheiros de aventura cósmica.

2. O ser humano, o último a chegar ao cenário da história

 De saída devemos renunciar a qualquer arrogância ou pretensão de privilégio ou de domínio. Não assistimos ao nascimento do universo. Ela não é a Terra para nós. Nós somos para a Terra. Ela não é fruto de nosso desejo. Nem precisou de nós para produzir sua imensa complexidade e biodiversidade. Nós somos resultado de processos cósmicos e planetários anteriores ao nosso aparecimento. Somos os últimos a chegar. Entramos em cena quando já haviam transcorridos 99, 98% da história do universo.

Há 3,8 bilhões de anos, nossos antepassados eram micróbios nas fendas profundas dos oceanos. Há meio bilhão de anos éramos peixes. Há 235 milhões de anos éramos dinossauros. Há 150 milhões de anos éramos pássaros. Há 10 milhões de anos éramos primatas pulando alegremente de galho em galho nas savanas africanas. Há um milhão de anos éramos já plenamente humanos, tentando domesticar o fogo. Há 100 mil anos enterrávamos com rituais e flores nossos mortos. Há 40.000 já nos comunicávamos com a linguagem. Há 10.000 anos fazíamos as primeiras plantações e domesticávamos cachorros e galinhas. Desde aquela época a galinha ficou confinada nos galinheiros e virou expressão de uma dimensão humana, da história e do universo.

Viemos desta longa história. Como a vida emergiu da Terra, assim o ser humano emergiu da vida. Somos parentes e consangüíneos com todos os seres e os viventes do planeta. Entre o humanos e os chimpanzés há, por exemplo, 99,6% de genes ativos em comum. A versão humana do cromossomo o difere da do macaco reso por um único aminoácido. Das versões do cachorro, da rã, do bicho-da-seda e do trigo por 11, 18, 43 e 53 aminoácidos. Poderia haver um parentesco maior entre as espécies que esta? Os primatas superiores não são nossos ancestros. São nossos primos-irmãos junto com os demais seres vivos.

Mas estes quatro décimos de diferença e esse único aminoácido fazem toda a diferença. Precisamos nos deter nela, pois aí emerge o humano da humanidade. Em que reside?

3. O espírito: primeiro no cosmos depois na pessoa

 A singularidade do humano reside na autoconsciência, na liberdade, na autodeterminação, na capacidade de responsabilizar-se e de assim mostrar-se um ser ético. Capaz até de tomar decisões em sua desvantagem para defender desvalidos. Reside na capacidade de compaixão, de enternecimento e de entreter laços de comunhão com todos os seres e de sentir-se um com eles. Reside na capacidade de criação pela qual modifica seu mundo circundante. Reside na abertura ao mundo, à cultura e ao infinito. O ser humano é tudo isso e ainda mais, pois é habitado por uma paixão insaciável que não encontra no universo nenhum objeto que lhe seja adequado e que o faça repousar. Ele é um projeto infinito.

Todas estas determinações podem ser resumidas pela palavra espírito. Ele é um portador singular do espírito. Mas não é o único como logo veremos .

Para entendermos o espírito precisamos superar duas compreensões: a clássica e a moderna. A clássica diz que o espírito é uma parte do ser humano ao lado da matéria que é seu corpo. Seria o lado imortal, vital, inteligente, capaz de amor e transcendência. Convive por um determinado tempo, com o lado mortal, opaco e pesado: o corpo. Esta visão é dualista e não responde pela unidade concreta do ser humano. Todo inteiro vivo e aberto, com um desejo de eternidade para o corpo e para o espírito.

A concepção moderna diz que espírito é o modo de ser singular do homem/mulher, cuja essência é a liberdade. Ele seria o portador exclusivo da dimensão de espírito. Com certeza o espírito na pessoa é liberdade. Mas o espírito humano não pode ser compreendido desconectado do processo cosmogênico, do espírito na natureza, na história e no cosmos. Ele não pode ficar ilhado como uma realidade à parte sem relação com o processo global que se apresenta como um sistema aberto e marcado pela indeterminação e pela criação contínua.

Há a concepção contemporânea de espírito, elaborada a partir da nova cosmologia. Essa é a que assumiremos. Coloca o espírito dentro do imenso processo da evolução ascendente. Aí dentro, o espírito foi se constituindo e ganhando crescente emergência e autoconsciência até implodir no espírito humano. O espírito possui uma ancestralidade como aquela do universo. Daí ser importante arrancarmos, primeiramente, do espírito em sua dimensão cósmica. A partir daí veremos uma realização singular no espírito humano. Que é então o espírito?

Na perspectiva cosmogênica, entendemos por espírito a capacidade das energias primordiais e da própria matéria de interagirem entre si, de se auto-organizarem, de se constituírem em sistemas abertos, de se comunicarem e de se formarem a teia complexíssima de inter-retro-relações que sustentam o universo. O espírito é fundamentalmente relação, interação e auto-organização. Desde o primeiro momento da explosão primordial, criaram-se relações e interações, gerindo unidades ainda rudimentares que foram se organizando de forma sempre mais complexa. Emergia então o espírito.

O universo é cheio de espírito porque é reativo, panrelacional, auto-organizativo e complexo. Neste sentido não há seres inertes à diferença de outros chamados seres vivos. Todos participam, em seu grau, do espírito e da vida. A diferença entre o espírito de uma rocha e o espírito humano não é de princípio, mas de grau. O princípio de relação, de interação e de auto-organização complexa se realiza em ambos, apenas de forma diferente.

O espírito humano é este mesmo dinamismo tornado consciente. Sente-se inserido no todo e vinculado a um corpo animado e vivificado. Através desse corpo entra em contato com todos os demais corpos e energias do universo. No nível reflexo, espírito significa comunicação, irradiação, entusiasmo. Significa também criação e auto transcendência para além dele mesmo, gerindo comunidade com o mais distante e o mais diferente até com absoluta Alteridade, Deus. O homem/mulher-espírito é o que de mais aberto e de mais universal existe. É um nó de relações e re-ligações para todos os lados e dimensões. A vida consciente, livre, criadora, amorizadora caracteriza vida humana. É o espírito. É a águia na pujança de sua natureza de águia. É o símbolo em sua verdadeira acepção de ligar e re-ligar.

Se o espírito é vida e relação, seu oposto não é matéria mas morte e ausência de relação. Pertence ao espírito também sua capacidade de encapsulamento, de recusa à comunicação com o outro, sua vontade de dominação. A águia pode virar galinha. É o império do dia-bólico como energia de desestruturação e morte.

4. A subjetividade é cósmica e pessoal

 Os seres todos do universo quanto mais complexos mais vitais se apresentam. E quanto mais vitais, também mais interioridade e subjetividade possuem. Esta interioridade e subjetividade vai, por sua vez, se densificando até atingir um grau eminente no ser humano. Ele possui um centro a partir donde organiza toda sua vida consciente. Possui profundidade, dimensão ameaçada de desaparecer na cultura materialista de consumo e de massas. Seu eu consciente dialoga com o seu eu profundo. Tão complexo quanto o macrocosmo é o microcosmos interior do ser humano. Vem habitado por energias ancestrais, por visões e arquétipos abissais, paixões, eventualmente tão virulentas quanto tufões e terremotos. Habitado por anjos e demônios, pelo sim-bólico e pelo dia-bólico, por tendência de ternura e compaixão que enxugam qualquer lágrima e desanuviam qualquer perplexidade.

Dialogar com este universo interior, integrá-lo a partir de um centro pessoal e livre, canalizar as pluriformes energias, particularmente ligadas à libido, aos arquétipos do masculino e do feminino e do Self, harmonizar o sim-bólico com o dia-bólico num projeto coerente, livre e revelador da pessoa é realizar o processo de individuação/personalização.

Assumir este processo é conferir um perfil singular e único ao espírito de cada pessoa humana. Significa construir a sua própria espiritualidade. Esta espiritualidade não vem enquadrada num marco religioso. Ela pertence à caminhada de cada um, rumo à escuta e à conquista de seu próprio coração. Obviamente para uma pessoa religiosa, dialogar com sua realidade profunda, escutar apelos que afloram de seu centro, significa ouvir Deus e escutar a sua Palavra.

5. Qual é a missão do ser humano no universo?

 As reflexões que vertebramos acima, colocam-nos naturalmente a pergunta: qual o sentido do ser humano no conjunto dos seres e no universo?

Vamos logo dizendo: certamente não foi chamado à existência para dominar, ameaçar e destruir as demais espécies. Seria contra o sentido da seta do tempo que se rege pela lei mais universal que existe: a solidariedade cósmica. Ele é membro, entre outros tantos, da imensa comunidade universal, planetária e biótica.

Por ser portador singular do espírito que pervade todas as coisas, é chamado a agradecer, a celebrar e a louvar a indescritível beleza e simetria dinâmica da criação. A admirar sua complexidade e sua criatividade. Convocado a ser capaz de fazer do caos e do dia-bólico condição para um cosmos mais rico e mais sim-bólico.

A tradição judaico-cristã fala do sábado como a festa da criação. Os seis dias da criação representam o trabalho de Deus. No sábado Ele mesmo descansou, alegrou-se e festejou o resultado de sua ação criadora. O descanso é a plenitude do trabalho e da criação.

Esse relato sim-bólico oferece uma indicação para o ser humano. Há seis dias para trabalhar e produzir. Mas há o dia da gratuidade, do ócio, da festa e da dança. O trabalho é penoso e divide as pessoas por seus vários interesses, distinta repartição de seus frutos. No sábado todos devem olvidar estas diferenças e se colocar no mesmo chão, iguais e confraternizados, como filhos e filhas da Terra, e irmãos e irmãs universais. Não cabe produzir nem obras, nem pensamentos, nem estruturar interesses. Importa festejar, comer, dançar e extasiar-se.

Ao viver esta dimensão, o ser humano comparte da profunda gratuidade do universo. Cumpre sua missão cósmica na esteira da festa do próprio Deus. Quando volta, trabalhará sem sentir-se escravizado por ele ou vítima da lógica da produtividade.

Por seu espírito e por sua autoconsciência, o ser humano se mostra sempre concriador. Ele intervém no seu projeto. Ele se faz responsável pelo sentido de sua liberdade e de sua criatividade. Emerge então como um ser ético. Ele pode agir com a natureza ou contra ela. Pode desentranhar virtualidades presentes em cada coisa e em cada ecossistema. Conhecendo as leis da natureza, ele pode usar esse conhecimento para prolongar a vida, reduzir e até anular a entropia dos processos evolutivos. O futuro da Terra dependeria assim do ser humano.

As tradições dos povos falam do ser humano como jardineiro. Cultiva a Terra com cuidado e senso de estética. É um verdadeiro culto que gera cultura. Ele é chamado a completar a criação deixada incompleta. A acrescentar-lhe dimensões que possivelmente sem ele jamais viriam à luz. Tal vocação não deve servir de pretexto para o antropocentrismo e a ideologia da dominação do mundo. Sua intervenção no mundo deve se fazer sem sacrificar a comunidade planetária e cósmica da qual participa. Ele é vocacionado para ser o sím-bolos e não o dia-bólos da criação.

Ele tem ainda a missão de médico da Terra. Historicamente se mostrou demente. Ameaçou, desestruturou e matou. A máquina que mata pode também salvar. Somos chamados a revitalizar, a animar e a reintegrar o que foi durante séculos agredido, ferido e desestruturado. Não podemos, numa atitude obscurantista, dar as costas à ciência e à técnica e deixar a Terra com suas chagas e enfermidades. Se a ferimos outrora e continuamos a magoá-la, devemos hoje saná-la e dar-lhe condições de saúde integral. As soluções terapêuticas devem se inspirar em muitas fontes e tradições curativas, ensaiadas pelos povos dos mais originários aos mais contemporâneos. Nesse afã não devemos desprezar o concurso de nossa civilização técnico-científica, apesar de ter sido ela a principal causadora de seu traumatismos.

Por fim, nossa civilização tecnológica, tão sim-bólica quanto dia-bólica, suscita uma pergunta radical: qual é seu significado mais transcendente? A que ela, finalmente, se ordena? À dominação da Terra? A fazermo-nos apenas mais ricos materialmente, ao preço de ficarmos mais pobres espiritualmente porque mais alienados de nossas raízes cósmicas? Ao responder a estas indagações, surge outro aspecto da missão humano: a de salvar a Terra e a própria espécie homo.

Importa reconhecer os inestimáveis méritos da civilização tecnológica. Foi ela que nos permitiu sair da Terra. Avançar para dentro do espaço exterior. Chegar à Lua e, mediante sondas, satélites e robôs, estudar quase todos os planetas e luas do sistema solar. Esta civilização tecnológica propiciou a realização de uma das aspirações mais ancestrais da humanidade: poder voar como os pássaros; poder viajar até onde pudéssemos ir.

Até onde podemos ir? Até o sem fronteiras. Para além do sol, das estrelas, das galáxias e do inteiro universo. Até o infinito. Pois até lá chega nosso sonho e nosso desejo. E não voamos porque temos aviões e foguetes espaciais. Voamos porque ansiamos voar. É por causa desta sede irreprimível que criamos o avião e os foguetes. É a águia em nós que nos convoca sempre mais para cima e sempre mais para o alto.

A aventura espacial, iniciada nos anos sessenta, revela a dimensão cósmica do projeto humano. Ela nos fornece uma compreensão mais concreta do radical desejo humano de sempre transcender, de violar todas as barreiras e de só se satisfazer com o infinito.

O céu profundo, acima de nossa cabeças, é o maior sím-bolo desta transcendência. Por isso os seres humanos querem chegar lá. Bem o expressou o astronauta russo Yuri Romanenko ao retornar à Terra, depois de ter ficado dois anos no espaço: "O cosmos é um ímã. Depois de ter estado lá em cima, você só pensa em voltar para lá". Queremos voltar para o céu porque somos mais do que filho e filhas da Terra. Somos, na verdade, seres celestiais e cósmicos. Do cosmos viemos e para o cosmos queremos consciente e inconscientemente voltar. Sempre fomos errantes. A partir do neolítico ficamos, por breve tempo, sedentários em moradias, cidades e estados. Agora retomamos nossa errância rumo às estrelas, nossa verdadeira morada. Os materiais que nos constituem não foram formados no seio das grandes estrelas vermelhas?

Mas não é a nossa origem estelar que explica a exploração do espaço acima de nossas cabeças. É por uma razão bem mais prática: sentimos a urgência de sobreviver como espécie.

Primeiramente, o desenvolvimento exponencial do projeto técnico-científico deu origem ao princípio de autodestruição. Pela primeira vez na história nossa espécie pode se dizimar a si mesma. É natural que as pessoas não queiram aceitar esse eventual veredicto de morte. Os que podem, querem fugir para o espaço, bem longe da casa em chamas.

Em segundo lugar, as ciências da Terra nos forneceram dados bastante precisos dos impactos que o planeta sofreu durante o tempo de sua formação. Algumas vezes quase todo seu capital biológico foi destruído, como, por exemplo, no período cretáceo-terciário, 67 milhões de anos atrás. Desaparecem, então, num lapso curto de tempo, os dinossauros. Curiosamente, constatou-se que todas as vezes que ocorreram dizimações em massa na biosfera, seguiu-se uma pluriferação fantástica de novas formas de vida. É uma espécie de vendetta do sistema-vida.

Sabemos hoje que existem próximos à Terra cerca de 300 mil asteróides com mais de 100 metros de diâmetro. E mais de 2000 com um quilômetro ou mais. Na nuvem de Oort, nos confins do sistema solar (entre 20 a 100 mil unidades astronômicas), existem mais de um trilhão de meteoros, asteróides e cometas, alguns muito grandes. De vez em quando saem de lá, por razões gravitacionais ainda não esclarecidas, e colidem com os planetas solares. Nenhum planeta nem a Terra são imunes contra eles. Caindo aqui fariam estragos formidáveis. Alguns deles, dizem renomados cientistas, poderiam nos destruir.

Se desaparecer nossa espécie homo, seguramente será substituída por uma outra, inteligente e, esperamos, mais sábia. Será algum ramo direto da espécie homo ou de algum ser complexo de outra linhagem. Biólogos constataram que na árvore da vida, especialmente, a partir do surgimento dos animais, se verifica forte pressão seletiva que propicia a criação de redes neuronais cada vez mais complexas, terminando no cérebro humano. Esse processo se mantém . Ele será responsável pelo princípio de inteligibilidade e de amorização que emergirá como emergiu outrora. Mesmo atualmente, ele leva a humanidade a evoluir na direção de um superorganismo planetário. Tende a fazê-la mais societária, mais comunitária, mais solidária e cooperativa.

O perigo de uma hecatombe biológica é permanente. Em função da salvaguarda da Terra e da biosfera, estudam-se hoje tecnologias de deflexão (desvio de rota) dos asteróides. Ou até a ocupação deles por humanos. Criar-se-iam lá condições de vida artificial, aproveitando materiais utilizáveis como os gelos e outros elementos físico-químicos e orgânicos de que são abundantes. Esse alteraria sua trajetória para não danificar os planetas solares.

Outros aventam, seriamente, a possibilidade de os seres humanos começarem a terraformar (criação de condições adequadas para a vida, semelhantes as da Terra) os planetas vizinhos, especialmente Marte, a lua de Netuno, Tritão, e a de Saturno, Titã. Aí se desenvolveria parte da humanidade sob condições técnicas favoráveis. Assim os ovos não estariam todos numa mesma cesta. Caso houvesse algum cataclisma na Terra, salvar-se-ia uma porção da humanidade, para dar continuidade ao projeto humano. Tal como na arca de Noé, não se salvariam apenas humanos mas também outros companheiros da comunidade vital, microorganismos, plantas e animais.

O sonho alcança mais longe. Com os avanços tecnológicos crescentes, deve-se pensar em viagens siderais. Elas adentrariam a Via-Láctea em busca de outros sistemas estelares, possuidores de planetas habitáveis. Há cerca de centenas de milhares de milhões destes na nossa galáxia.

O ser humano desenvolver-se-á em tais paragens cósmicas, gerando culturas diferentes, certamente outro tipo de pessoas, todas versadas em altas tecnologias como nós hoje somos versados no alfabeto ou nas tecnologias dos aparelhos domésticos. Lembrar-se-ão talvez, como diz o cosmólogo Carl Sagan, de seu ancestrais quase míticos que, na segunda metade do século XX, no terceiro planeta do sistema solar, a Terra, se aventuraram pela primeira vez pelo mar-oceano dos espaços exteriores. Sorrirão, nos admirar-nos-ão e amar-nos-ão.

Cresce mais e mais esta consciência: ou prolongamos a aventura dos vôos espaciais ou corremos o risco de nos destruirmos por nós mesmos, ou de sermos destruídos por algum impacto vindo de fora. Os projetos espaciais norte-americanos, russos e europeus estariam a serviço do inconsciente coletivo da humanidade. De forma antecipatória e prognóstica, pressente um eventual cataclismo, capaz de interromper a aventura humana na Terra.

Importa ouvir o chamado do inconsciente coletivo, esse grande e sábio ancião que fala dentro de nós e associá-lo ao outro chamado que vem da ciência moderna, feita com consciência. Esta nos conclama a entender mais radicalmente nossa missão que é: salvar nossa espécie, junto com representantes de outras espécies, proteger nosso belo planeta contra ameaças de asteróides fatais ou de quaisquer outros perigos vindo dos espaços siderais.

A missão do ser humano alcança mais longe ainda: ao terraformar outros planetas, cabe a ele disseminar vida, como dom maior da cosmogênese, deve ele dar vida aos outros. Transportada a outros mundos, a vida fará seu curso. Resistirá às situações adversas. Adaptar-se-á Ao ambiente. Criará para si um ambiente adequado, como criou um dia a biosfera sobre a Terra. Complexificar-se-á e gerará espécies talvez nunca dantes havidas, todas cheias de propósito e de beleza.

Essa missão radical do ser humano __ o de disseminador de vida no universo __ nos recordará a frase daquele que se entendeu como o Filho do Homem e que, ao seu tempo, disse: eu vim trazer vida e vida em abundância. Essa missão é não só do Filho do Homem mas de todos os homens, seus irmãos e irmãs.

Nesta linha de reflexão, a dimensão em nós é despertada como jamais antes. Se nos quedarmos apenas na dimensão-galinha, quer dizer, se ficarmos em casa, melhorando apenas nosso planeta, sem o propósito de ultrapassá-lo, não estaremos a salvo de assaltos possíveis que vêm dos impactos exteriores ou de nós mesmos. A condição de sobrevivência é dar asas à águia para que alce vôo e se salve nos céus. Se o universo está se expandindo, nós, seres humanos, obedecemos à mesma lógica: estamos nos expandindo também, viajando às estrelas.

Por fim, há uma derradeira missão do ser humano que somente é discernível a partir de uma perspectiva espiritual: o ser humano existe para permitir um realização única de Deus. Com freqüência temos asseverado que o ser humano revela uma abertura para o infinito. Essa abertura se ordena a recepcionar o próprio infinito dentro de si. É como a taça cristalina. Só realiza sua meta quando acolhe uma sede infinita para poder se auto-comunicar a Ele e sacá-lo plenamente. Mais ainda: Deus sai de si totalmente e se entrega absolutamente ao diferente. Deus se fez humano para que o humano se fizesse Deus. Quando Deus resolveu sair de si mesmo e ir ao encontro de alguém que o acolhesse totalmente, surgiu então o ser humano. O ser humano é o reverso de Deus. Permitir essa realização divina é a suprema missão do ser humano, homem e mulher. Para isso ele foi pensado, eternamente amado e colocado na criação.

Importa curvarmo-nos, reverentemente, diante desta nossa realidade humana, nossa missão e osso mistério que se articula com o Mistério absoluto.

http://www.dhnet.org.br/desejos/textos/galaxy.html


Vale apena explorar o ambiente deste site:

18. Numero 19 da revista eletronica "Com Ciencia", publicada pelo Labjor e

pela SBPC

Site: http://www.comciencia.br

 

Tema desta edicao: "Sociedade da Informacao: Inclusao e Exclusao"

http://www.comciencia.br/reportagens/socinfo/frameset/vogt.htm

 

18. Numero 19 da revista eletronica "Com Ciencia", publicada pelo Labjor e

pela SBPC

Site: http://www.comciencia.br

 

Tema desta edicao: "Sociedade da Informacao: Inclusao e Exclusao"

http://www.comciencia.br/reportagens/socinfo/frameset/vogt.htm

 

Vivianne Amaral


Desafios ecológicos do fim do milênio

"O bem-estar não pode ser só social, tem de ser também sociocósmico" Leonardo Boff.

Ernst Haeckel, biólogo alemão (1834-1919), criou em 1866 a palavra ecologia e definiu o seu significado: o estudo do inter-retrorelacionamento de todos os sistemas vivos e não-vivos entre si e com seu meio ambiente. De um discurso regional como subcapítulo da biologia, passou a ser atualmente um discurso universal, quiçá de maior força mobilizadora na virada do milênio.
Na pletora de propostas, queremos apresentar, como numa leitura de cegos, os elementos mais relevantes da discussão atual.
Ela se dá em quatro grandes vertentes: a ecologia ambiental, a ecologia social, a ecologia mental e a ecologia integral.

Ecologia ambiental
Esta primeira vertente se preocupa com o meio ambiente, para que não sofra excessiva desfiguração, com qualidade de vida e com a preservação das espécies em extinção. Ela vê a natureza fora do ser humano e da sociedade. Procura tecnologias novas, menos poluentes, privilegiando soluções técnicas. Ela é importante porque procura corrigir os excessos da voracidade do projeto industrialista mundial, que implica sempre custos ecológicos altos.
Se não cuidarmos do planeta como um todo, podemos submetê-lo a graves riscos de destruição de partes da biosfera e, no seu termo, inviabilizar a própria vida no planeta.

Ecologia social
A segunda _a ecologia social_ não quer apenas o meio ambiente. Quer o ambiente inteiro. Insere o ser humano e a sociedade dentro da natureza. Preocupa-se não apenas com o embelezamento da cidade, com melhores avenidas, com praças ou praias mais atrativas. Mas prioriza o saneamento básico, uma boa rede escolar e um serviço de saúde decente. A injustiça social significa uma violência contra o ser mais complexo e singular da criação que é o ser humano, homem e mulher. Ele é parte e parcela da natureza.
A ecologia social propugna por um desenvolvimento sustentável. É aquele em que se atende às carências básicas dos seres humanos hoje sem sacrificar o capital natural da Terra e se considera também as necessidades das gerações futuras que têm direito à sua satisfação e de herdarem uma Terra habitável com relações humanas minimamente justas.
Mas o tipo de sociedade construída nos últimos 400 anos impede que se realize um desenvolvimento sustentável. É energívora, montou um modelo de desenvolvimento que pratica sistematicamente a pilhagem dos recursos da Terra e explora a força de trabalho.
No imaginário dos pais fundadores da sociedade moderna, o desenvolvimento se movia dentro de dois infinitos: o infinito dos recursos naturais e o infinito do desenvolvimento rumo ao futuro. Esta pressuposição se revelou ilusória. Os recursos não são infinitos. A maioria está se acabando, principalmente a água potável e os combustíveis fósseis. E o tipo de desenvolvimento linear e crescente para o futuro não é universalizável. Não é, portanto, infinito. Se as famílias chinesas quisessem ter os automóveis que as famílias americanas têm, a China viraria um imenso estacionamento. Não haveria combustível suficiente e ninguém se moveria.
Carecemos de uma sociedade sustentável que encontra para si o desenvolvimento viável para as necessidades de todos. O bem-estar não pode ser apenas social, mas tem de ser também sociocósmico. Ele tem que atender aos demais seres da natureza, como as águas, as plantas, os animais, os microorganismo, pois todos juntos constituem a comunidade planetária, na qual estamos inseridos, e sem os quais nós mesmos não viveríamos.

Ecologia mental
A terceira, a ecologia mental, chamada também de ecologia profunda, sustenta que as causas do déficit da Terra não se encontram apenas no tipo de sociedade que atualmente temos. Mas também no tipo de mentalidade que vigora, cujas raízes alcançam épocas anteriores à nossa história moderna, incluindo a profundidade da vida psíquica humana consciente e inconsciente, pessoal e arquetípica.
Há em nós instintos de violência, vontade de dominação, arquétipos sombrios que nos afastam da benevolência em relação à vida e à natureza. Aí dentro da mente humana se iniciam os mecanismos que nos levam a uma guerra contra a Terra. Eles se expressam por uma categoria: a nossa cultura antropocêntrica. O antropocentrismo considera o ser humano rei/rainha do universo. Pensa que os demais seres só têm sentido quando ordenados ao ser humano; eles estão aí disponíveis ao seu bel-prazer. Esta estrutura quebra com a lei mais universal do universo: a solidariedade cósmica. Todos os seres são interdependentes e vivem dentro de uma teia intrincadíssima de relações. Todos são importantes.
Não há isso de alguém ser rei/rainha e considerar-se independente sem precisar dos demais. A moderna cosmologia nos ensina que tudo tem a ver com tudo em todos os momentos e em todas as circunstâncias. O ser humano esquece esta realidade. Afasta-se e se coloca sobre as coisas em vez de sentir-se junto e com elas, numa imensa comunidade planetária e cósmica. Importa recuperarmos atitudes de respeito e veneração para com a Terra.
Isso somente se consegue se antes for resgatada a dimensão do feminino no homem e na mulher. Pelo feminino o ser humano se abre ao cuidado, se sensibiliza pela profundidade misteriosa da vida e recupera sua capacidade de maravilhamento. O feminino ajuda a resgatar a dimensão do sagrado. O sagrado impõe sempre limites à manipulação do mundo, pois ele dá origem à veneração e ao respeito, fundamentais para a salvaguarda da Terra. Cria a capacidade de re-ligar todas as coisas à sua fonte criadora que é o Criador e o Ordenador do universo. Desta capacidade re-ligadora nascem todas as religiões. Precisamos hoje revitalizar as religiões para que cumpram sua função religadora.

Ecologia integral
Por fim, a quarta - a ecologia integral - parte de uma nova visão da Terra. É a visão inaugurada pelos astronautas a partir dos anos 60 quando se lançaram os primeiros foguetes tripulados. Eles vêem a Terra de fora da Terra. De lá, de sua nave espacial ou da Lua, como testemunharam vários deles, a Terra aparece como resplandecente planeta azul e branco que cabe na palma da mão e que pode ser escondido pelo polegar humano.
Daquela perspectiva, Terra e seres humanos emergem como uma única entidade. O ser humano é a própria Terra enquanto sente, pensa, ama, chora e venera. A Terra emerge como o terceiro planeta de um Sol que é apenas um entre 100 bilhões de outros de nossa galáxia, que, por sua vez, é uma entre 100 bilhões de outras do universo, universo que, possivelmente, é apenas um entre outros milhões paralelos e diversos do nosso. E tudo caminhou com tal calibragem que permitiu a nossa existência aqui e agora. Caso contrário não estaríamos aqui. Os cosmólogos, vindos da astrofísica, da física quântica, da biologia molecular, numa palavra, das ciências da Terra, nos advertem que o inteiro universo se encontra em cosmogênese. Isto significa: ele está em gênese, se constituindo e nascendo, formando um sistema aberto, sempre capaz de novas aquisições e novas expressões. Portanto ninguém está pronto. Por isso, temos que ter paciência com o processo global, uns com os outros e também conosco mesmo, pois nós, humanos, estamos igualmente em processo de antropogênese, de constituição e de nascimento.
Três grandes emergências ocorrem na cosmogênese e antropogênese: (1) a complexidade/diferenciação, (2) a auto-organização/consciência e (3) a religação/relação de tudo com tudo. A partir de seu primeiro momento, após o Big-Bang, a evolução está criando mais e mais seres diferentes e complexos (1). Quanto mais complexos mais se auto-organizam, mais mostram interioridade e possuem mais e mais níveis de consciência (2) até chegaram à consciência reflexa no ser humano. O universo, pois, como um todo possui uma profundidade espiritual. Para estar no ser humano, o espírito estava antes no universo. Agora ele emerge em nós na forma da consciência reflexa e da amorização. E, quanto mais complexo e consciente, mais se relaciona e se religa (3) com todas as coisas, fazendo com que o universo seja realmente uni-verso, uma totalidade orgânica, dinâmica, diversa, tensa e harmônica, um cosmos e não um caos.
As quatro interações existentes, a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte, constituem os princípios diretores do universo, de todos os seres, também dos seres humanos. A galáxia mais distante se encontra sob a ação destas quatro energias primordiais, bem como a formiga que caminha sobre minha mesa e os neurônios do cérebro humano com os quais faço estas reflexões. Tudo se mantém religado num equilíbrio dinâmico, aberto, passando pelo caos que é sempre generativo, pois propicia um novo equilíbrio mais alto e complexo, desembocando numa ordem, rica de novas potencialidades.

Uma visão libertadora
A ecologia integral procura acostumar o ser humano com esta visão global e holística. O holismo não significa a soma das partes, mas a captação da totalidade orgânica, una e diversa em suas partes, mas sempre articuladas entre si dentro da totalidade e constituindo esta totalidade. Esta cosmovisão desperta no ser humano a consciência de sua funcionalidade dentro desta imensa totalidade. Ele é um ser que pode captar todas estas dimensões, alegrar-se com elas, louvar e agradecer aquela Inteligência que tudo ordena e aquele Amor que tudo move, sentir-se um ser ético, responsável pela parte do universo que lhe cabe habitar, a Terra.
Ela, a Terra, é, segundo notáveis cientistas, um superorganismo vivo, denominado Gaia, com calibragens refinadíssimas de elementos físico-químicos e auto-organizacionais que somente um ser vivo pode ter. Nós, seres humanos, podemos ser o satã da Terra, como podemos ser seu anjo da guarda bom. Esta visão exige uma nova civilização e um novo tipo de religião, capaz de re-ligar Deus e mundo, mundo e ser humano, ser humano e a espiritualidade do cosmos.
O cristianismo é levado a aprofundar a dimensão cósmica da encarnação, da inabitação do espírito da natureza e do panenteísmo, segundo o qual Deus está em tudo e tudo está em Deus.
Importa fazermos as pazes e não apenas uma trégua com a Terra. Cumpre refazermos uma aliança de fraternidade/sororidade e de respeito para com ela. E sentirmo-nos imbuídos do Espírito que tudo penetra e daquele Amor que, no dizer de Dante, move o céu, todas as estrelas e também nossos corações. Não cabe opormos as várias correntes da ecologia. Mas discernirmos como se complementam e em que medida nos ajudam a sermos um ser de relações, produtores de padrões de comportamentos que tenham como consequência a preservação e a potenciação do patrimônio formado ao longo de 15 bilhões de anos e que chegou até nós e que devemos passá-lo adiante dentro de um espírito sinergético e afinado com a grande sinfonia universal.



Texto publicado na Folha de São Paulo em:12/05/96

http://turchetto.vila.bol.com.br/boff/boffart.htm


Telefones úteis:

Defensores da natureza - IBAMA

Tel: 0800-618080 - ligação gratuita "Linha Verde"

( Denúncias contra maus tratos a natureza e animais: queimadas, derrubada ilegal de árvores, caçadores de animais, venda de animais silvestres, etc )

Liga de Prevenção à Crueldade contra o Animal ( LPCA )

( Fundada em 1983, a Liga mantém um departamento jurídico para orientar as pessoas na defesa dos animais e procura conscientizar a população sobre o direito dos animais e o dever dos homens para com eles )

Rua Espírito Santo 935/803 - Cep: 30160-031 - Belo

Horizonte - MG

Tel: (031) 224-4735

SUIPA (Sociedade União Internacional Protetora dos Animais)

 

Fundada em 1943, mantém um abrigo com animais que foram abandonados, atropelados e são largados pelas ruas por pessoas que ainda não se conscientizaram de que os animais sentem como nós, muitos deles morrendo de tristeza porque seus donos "se cansaram"deles. A SUIPA luta contra rodeios, brigas de cães e de galo, venda e tráfico de animais silvestres. São contra a eutanásia sacrifício ) nos animais por serem filhotes, velhos ou terem doenças curáveis.(Adote um animal da SUIPA, há muitos deles precisando de um lar e carinho)

http://www.suipa.org.br

Av. Suburbana 1801- Benfica - Cep: 29973-010 - Rio de

Janeiro - RJ

Tels: (0**21)501-1529 / 501-9954 / 261-4405 - Fax:

(0**21)501-7896

Fala Bicho ( Sociedade Educacional )

Trabalha na educação de novas gerações, promove palestras, eventos nacionais e internacionais, distribui informativos, fiscaliza quando solicitada o descumprimento das leis referentes ao uso de animais em laboratórios, feiras, hospitais e matadouros; orienta e faz cumprir as leis de proteção animal; etc...

Caixa Postal nº 31047 - Cep: 20732-970 - Rio de Janeiro - RJ

Tel: (021) 593-2341 falabicho@zipmail.com.br

Kurupira ( Rede Internacional de Proteção à Biodiversidade )

Luta pela introdução de leis que protejam os animais usados em pesquisas médicas, tenta a aprovação de uma legislação proibindo o uso de animais na fabricação de cosméticos, entre outras coisas.

Rua Julieta Niemeyer 201 - São Conrado - Cep: 22610-190 - Rio de Janeiro - RJ - Tel: ( 021 ) 322-3705 / Fax: (021 ) 322-3726

mesmo endereço da matéria do Ghandi,da vince...

http://www.geocities.com/RainForest/Vines/5011/animais2.html

 

U.I.P.A. ( União Internacional Protetora dos Animais )

A UIPA já completou seu 1º centenário: 100 anos de luta pelos animais. A UIPA se empenha em dar abrigo e tratamento aos animais abandonados e doentes no seu hospital zoófilo do Canindé. Combate maus tratos, exploração, trabalhos forçados, rodeios, farra do boi, a caça, o tráfico, o abate cruel, etc...

End. da sede: Rua Álvaro de Carvalho nº 238 - São Paulo -

SP - Cep: 01050-070 - Tel: (011) 259-0448

End. do Hospital: Av. Presidente Castelo Branco nº 3200 -

São Paulo - SP - Cep: 03036-000 - Tel: (011) 227-9513


Revista de EA: 

Iniciamos uma revista - TEIA - on line

www.uem.br/~pea/teia


REDE DAS ÁGUAS - http://www.rededasaguas.org.br/


O QUE SE ENTENDE POR EDUCAÇÃO AMBIENTAL?

 


Maria Guiomar Carneiro Tomazello

Este ano, precisamente na segunda semana de outubro, faz 20 anos que aconteceu na cidade de Tbilisi, na Georgia, a I Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental. Durante esta Conferência, estiveram reunidos cerca de 300 especialistas, representantes de 68 países do mundo e de vários organismos internacionais. As Recomendações da Conferência se converteram em uma referência indispensável para as instituições e pessoas preocupadas com a educação. Os objetivos da Educação Ambiental estabelecidos neste encontro foram: a) favorecer a compreensão e preocupação da interdependência econômica, social, política e ecológica nas áreas rurais e urbanas; b) oferecer a todas as pessoas a oportunidade de adquirir os conhecimentos, valores, atitudes, compromissos e capacidades necessárias para proteger e melhorar o meio ambiente; c) crias novas normas de conduta em indivíduos e grupos e na sociedade em geral, em relação ao meio ambiente.

A partir da Conferência de Tbilisi muitas outras reuniões aconteceram em que estes objetivos foram reiterados. Na Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, os especialistas relacionaram a Educação Ambiental com os problemas mais preocupantes do desenvolvimento humano, dedicando um capítulo da Agenda 21 para ressaltar a importância da mudança de hábitos da população, principalmente nos países mais ricos. Os encontros tanto nacionais como, sobretudo, internacionais que se organizaram a partir da RIO 92 adotaram definitivamente os aspectos ligados ao desenvolvimento sustentável e a uma ética em relação ao ambiente.

É interessante observar a evolução das concepções ambientais sofridas ao longo deste século. Em um primeiro momento, prevalecia a idéia de conservação do ambiente com um forte componente estético. Já, na década de sessenta, a proteção ao ambiente se fazia vinculada à qualidade de vida, tendo como princípio, o bem estar. O momento atual tem como valor social a preservação da natureza sendo que o desenvolvimento sustentável exige uma aproximação com a ética.

Existem diversas formulações sobre o significado de Educação Ambiental. Há porém, uma caracterização, formulada por Arthur Lucas, que distingue educação sobre, no e para o ambiente.

Educação sobre o ambiente compreende ações ou atividades educativas que têm como objetivo proporcionar informações e formação sobre o meio ambiente e relações que se dão no mesmo. Seus objetivos incluem a compreensão cognitiva das interações entre os seres humanos e seu meio. Como exemplo de atividade sobre o ambiente teríamos a análise da influência das atividades domésticas e industriais de uma cidade sobre a qualidade da água da região, estudo das relações entre vegetação e solo, adubação, plantio de mudas, efeitos do aterro sanitário sobre as águas subterrâneas, entre outros.

Educação no ambiente toma o meio físico como recurso didático sendo que as atividades são realizadas fora da sala de aula, como por exemplo, estudo de campo para conhecer os diferentes tipos de solo e de rochas, análise da erosão do solo, trilhas ecológicas para observação de plantas e animais, visitas a zoológicos e a jardins botânicos, entre outros.

Educação para o ambiente tem como objetivo a conservação e a melhoria do meio. Lucas afirma que, ainda que se possa supor, que o objetivo final da educação para o ambiente é conseguir mudanças de atitudes, estas não serão efetivas se não vierem acompanhados de mudanças de comportamentos. Segundo pesquisadores, educação para o ambiente deveria incluir como objetivo, ao se estudar a contaminação de um rio, por exemplo, a tomada de decisões e opções para diminuir essa contaminação tanto no âmbito pessoal - o que posso e devo fazer enquanto cidadão- como desde o coletivo - estar atento a acompanhar as decisões das instituições responsáveis.

A primeira impressão é que atitude e comportamento têm o mesmo significado, porém, ter atitudes favoráveis sobre o meio ambiente nem sempre implicam em comportamentos responsáveis. Atitude é entendida como tendência a querer atuar de uma forma determinada diante de um tipo de situação, enquanto que comportamento, é entendido como atuação concreta. Os comportamentos são expressos por hábitos e costumes que muitas vezes dificultam ações mais positivas frente a diversos problemas ambientais.

Muito se fala hoje sobre educação ambiental e sobre projetos de educação ambiental, mas, na maioria das vezes são apenas atividades sobre o ambiente e no ambiente. Só podemos falar de educação ambiental quando existe a componente para, ou seja, quando entre as finalidades do programa se encontram a melhoria e a conservação do ambiente, com mudanças de comportamento. É claro que é possível muitas combinações entre os três componentes, sobre, no e para o ambiente, além do que, é muito difícil avaliar a adequação de um projeto de educação ambiental pois os resultados de um processo educativo não são conseqüência de uma só atividade mas de uma ação prolongada ao longo de anos. Algo que se ensina em uma determinada época e em um determinado contexto pode influenciar o comportamento de uma pessoa em um outro e inesperado momento.

Apesar das dificuldades de análise das repercussões de um projeto ou de atividades de Educação Ambiental, o estudo do meio não pode ter como objetivo só a aquisição de conhecimentos mas envolver todo um conjunto de novos comportamentos que levem a compreender e proteger o meio.

Estas reflexões nos levam a considerar que a educação de atitudes e de comportamentos exige o planejamento de atividades específicas de aprendizagem inter-relacionadas com a aprendizagem de conhecimentos, porém, com características próprias.

Uma outra característica das atividades consideradas como de educação ambiental, geralmente desenvolvidas em nossas escolas, é o fato delas serem desvinculadas da sala de aula, à margem dos programas das diferentes disciplinas. São comuns as exposições sobre meio ambiente, semanas do meio ambiente, semanas da água, reciclagem de lixo e de papel, plantio de mudas, plantas medicinais, hortas, etc.

Estas atividades pontuais, de certa forma, contrariam os princípios de orientação da Educação Ambiental estabelecidos em Tbilisi pois não consideram o ambiente em sua totalidade, ou seja, em seus aspectos naturais e criados pelo homem, tecnológicos e sociais (econômico, político, técnico, histórico-cultural, moral e estético) além de não aplicarem um enfoque interdisciplinar, aproveitando o conteúdo específico de cada disciplina, de modo que o aluno tenha condições de adquirir uma perspectiva global e equilibrada sobre o ambiente.

Dentro de uma nova proposta curricular, a educação ambiental vem sendo apresentada como um tema transversal, isto é, não está associada a nenhuma disciplina específica mas deve estar presente em todas as áreas do conhecimento.

Uma das primeiras dificuldade é analisar o que se entende por tema transversal. Segundo Neus Sanmarti, educadora e pesquisadora da Universidade Autônoma de Barcelona, pode-se considerar dois modelos: modelo "espada" onde um tema transversal, como uma espada, atravessa todas as áreas curriculares, porém, com o inconveniente de atingir somente determinadas partes do currículo e o modelo "infusão", fazendo uma analogia com infusões que se distribuem por um líquido (o currículo) de maneira a formar uma solução homogênea . Da mesma maneira que não se bebe um líquido que não contenha parte das substâncias dissolvidas não se deveria trabalhar nenhum conteúdo curricular que não estivesse impregnado de conteúdos transversais.

Numa perspectiva mais integradora e de educação sustentável não se pode pensar em educação ambiental sem relações com as "outras educações" : educação dos direitos humanos, educação para o desenvolvimento e educação para a paz.

Concordando com Ramón Folch, educador espanhol, "a educação ambiental se tornou em algo eficazmente subversivo".

Maria Guiomar é Professora do Departamento de Física e Coordenadora do Núcleo de Educação em Ciências da UNIMEP

http://educar.sc.usp.br/biologia/cp/Piracicaba/educacao.htm

21 IDÉIAS PARA O SÉCULO 21

 MOURA,Claudio., et.al. 21 idéias para o século 21. REVISTA VOCÊ  16 pg., Dezembro 1999.

 RESUMO: O que você pode esperar do futuro na vida, na carreira  e no mundo.

21 especialistas  de diferentes áreas fazem um relato de como será  o  profissional da nova era. A noção de que o século 21, de acordo com o calendário gregoriano, começa só em 2001, simplesmente não pegou. As pessoas assumiram que o novo milênio começa já, agora, em 2000 - todos os convites de festa deste réveillon saúdam a tal passagem do milênio. Só essa antecipação da data já serve de amostra do que esperar do novo século: um tempo em que as pessoas, suas crenças e seus desejos terão mais expressão do que as convenções. Há muitos indícios de que caminhamos para isso, para um período de transformações profundas, para um século que deve reinventar a maneira como as pessoas pensam, se relacionam, trabalham, fazem negócios, se organizam, ganham dinheiro, se divertem. Em resumo, para uma época de mudanças radicais.

PALAVRAS–CHAVE: Trabalho, Novas tecnologias,

                21 idéias para o século 21 (off-topicc)

 

Nesse cenário, uma grande questão é: onde você entra nisso? Ou então: no que, exatamente, você está entrando? Para ajudá-lo a se movimentar em direção ao futuro, em termos de carreira, ambiente de trabalho, novas realidades econômicas e tecnológicas, aquisição de conhecimentos e capacidades, a VOCÊ s.a. reuniu um time de 21 especialistas em suas áreas (9 estrangeiros e 12 brasileiros) para tentar jogar alguma luz sobre os próximos 20 anos. É claro que ninguém pode adivinhar o que virá - quem, há 20 anos, preveria a queda do Muro de Berlim ou a Internet? Mas também é fato que pistas existem para serem seguidas. Em vista disso, nosso objetivo foi, a partir de indícios, procurar traçar um panorama do que deve mudar na sua carreira ou no seu trabalho. Ou retratar quais as mudanças no mundo que podem representar oportunidades para sua vida, seja pelo lado pessoal, seja profissional. Ou ainda, na pior das hipóteses, criar um mosaico de idéias que o leve a refletir.

Entre os 21 textos que apresentamos há consensos e discórdias. Há unanimidade quando se diz que o próximo século será o da tecnologia. A geladeira vai avisar quando faltar comida, e o relógio, quanto tempo falta para o próximo check-up. Viveremos em rede e todas as informações estarão a um clique de distância. Prestaremos serviço em estações de trabalho, seja no escritório, seja em casa, para você mesmo ou para uma empresa que tem sede do outro lado do mundo. A hierarquia deve deixar de existir, da mesma forma que a atual relação entre profissional e empresa vai virar fumaça. Obras sociais e trabalhos voluntários estarão na ordem do dia.

Há discórdia quando uma corrente defende que a tecnologia vai melhorar nossa vida e outra sustenta que ela pode distorcer e até destruir o que a humanidade conquistou até aqui. Há divergências quando uns afirmam que apenas as grandes corporações sobreviverão no mercado do futuro e outros acreditam que o próximo século pertence às pequenas e médias empresas. Há também desacordo quando uns asseguram que, dentro de 20 anos, todos seremos ultra-especializados em algum assunto, enquanto outros se apóiam na tese de que todos seremos multidisciplinares.

O consenso e a discórdia, nesse caso, servem também para mostrar que não há nenhuma chance de se criar uma fórmula para o próximo século. O futuro está sendo criado hoje, por mim, por você e por todo mundo. Cabe agora analisar o que existe disponível e ter mais ferramentas para decidir qual caminho seguir. No fundo realmente é irrelevante se o calendário diz que o milênio começa em 2001. Pois na verdade ele já começou.

DOMENICO DE MASI

Para os próximos 20 anos, vislumbro dez tendências relacionadas ao trabalho e à vida. Por que dez? Porque precisamos de modelos. E que modelo melhor que Deus e seus dez mandamentos?

1. Longevidade: A Aids, o analfabetismo e boa parte dos tipos de câncer serão debelados. A inseminação artificial estará na ordem do dia. O dióxido de carbono na atmosfera será mínimo. Os cegos verão através de aparelhos. Transplantes de órgãos, naturais e artificiais, permitirão viver mais. Passaremos dos 100 anos, e com boa saúde.

2. Tecnologia: Um único chip será mais potente do que todos os computadores juntos do Vale do Silício de hoje, terá o mesmo tamanho que um neurônio e custará 1 centavo. Todo o trabalho intelectual repetitivo será executado por máquinas, como ocorreu com o trabalho manual neste século.

3. Trabalho e formação: Será cada vez mais difícil fazer uma distinção precisa entre trabalho, estudo e tempo livre. A educação, intensa e permanente, ocupará boa parte da vida. Os horários perderão importância. O que contará no trabalho serão os resultados, não o tempo para fazê-los. A remuneração será calculada de acordo com o valor agregado e as metas atingidas. Haverá, decerto, um novo pacto social para redistribuir a riqueza, o trabalho, o conhecimento e o poder. Uma guerra sem cartel será travada entre a criatividade e a burocracia. Ninguém vai fazer trabalho braçal por mais de cinco anos. Donas de casa e estudantes devem ser remunerados, assim como os desempregados. Trabalhos voluntários e obras sociais estarão por toda parte.

4. Onipresença: Estaremos em contato com qualquer um, em qualquer lugar, por celular e Internet. À distância, aprenderemos, trabalharemos, amaremos e nos divertiremos. Corremos o risco de nos tornarmos virtuais demais, por falta de contato direto com outras pessoas. O sedentarismo desse modo de vida pode nos tornar obesos. Mas a cirurgia plástica resolverá isso - modificaremos o corpo e a fisionomia a bel-prazer. Graças a novos remédios, controlaremos ou melhoraremos nossos sentimentos.

5. Tempo livre: A maior longevidade e o apoio da tecnologia aumentarão as horas de ócio. Ironicamente, o problema do próximo século será como ocupar o tempo livre de forma a evitar o tédio. Cresceremos intelectualmente? Tenderemos à criatividade ou à dispersão? Prevalecerá a violência ou a harmonia? São perguntas ainda sem resposta. O que se pode afirmar é que teremos de nos preparar para ocupar o tempo livre da mesma forma que nos preparamos hoje para trabalhar.

6. Androginia: As mulheres estarão no centro da sociedade. Valores considerados femininos (emotividade, subjetividade, flexibilidade) serão incorporados pelos homens. No estilo de vida, prevalecerá a androginia.

7. Estética: Como a perfeição técnica deve ser um requisito, o que vai fazer a diferença são as qualidades formais. Ou seja, forma vai ser tão ou mais importante que conteúdo. Daí as atividades estéticas virem a ser valorizadíssimas - assim como ocorre hoje com as científicas.

8. Ética: Numa sociedade voltada à prestação de serviços, a fidelidade do cliente será a maior vantagem competitiva. A ética de um profissional será seu mais alto patrimônio. Apenas os homens de caráter vencerão nesse mundo. Da mesma forma que a sociedade industrial é relativamente menos violenta do que foi a medieval, a sociedade pós-industrial será menos violenta do que a industrial.

9. Subjetividade: Mais do que hoje, o que diferenciará profissionalmente uma pessoa da outra serão seus gostos e seu comportamento. As pessoas devem fazer só as coisas pelas quais se apaixonem e só trabalharão em áreas que as motivem. A motivação será um fator muito competitivo.

10. Qualidade de vida: As pessoas não aceitarão trabalhos que as impeçam de viver bem. Uma vez que viver mais será fato consumado, a preocupação será como viver e não o quanto viver. Estarão em alta a disponibilidade de tempo, de espaço, de autonomia, de silêncio, de segurança e de convivência.


Domenico De Masi é professor de sociologia do trabalho na Universidade de Roma e autor, entre outros, do livro A Emoção e a Regra

PETER DRUCKER

Pela primeira vez na História, as pessoas podem esperar viver mais do que as organizações para as quais trabalham. Ocorre que, à medida que vivemos e trabalhamos por mais tempo, corremos o risco de nos tornarmos "bons demais" naquilo que fazemos. O trabalho que era um desafio quando tínhamos 30 e poucos anos pode se tornar tedioso quando atingirmos a casa dos 50. Pior: ainda teremos 20 anos de carreira pela frente.

Se este é o futuro, precisamos de novas maneiras de administrar a chamada "segunda metade" de nossa vida no trabalho. Isso pode significar treinar para um tipo diferente de trabalho. Pode significar empreender uma "carreira paralela" - trabalhar, por exemplo, numa organização sem fins lucrativos. Pode significar se engajar numa causa, numa obra social, e reduzir o número de horas que você dedica a seu emprego normal. Pode ainda significar fazer o mesmo tipo de trabalho que você fez até aqui, mas num contexto diferente.

Um cliente meu de longa data, um homem que construiu uma empresa de máquinas operatrizes, está pensando em deixar a companhia. Ele tem apenas 50 e poucos anos, mas me disse: "Já sei demais sobre essa indústria, e tudo que sei diz respeito ao passado". Seu conhecimento virou um obstáculo, até porque já não se aplica ao mundo econômico de hoje. Assim, ele encontrou um novo emprego, que o manterá ocupado por muito tempo: administra as finanças de uma diocese.

Como você pode saber quando chegou a hora certa para fazer uma mudança em sua vida profissional? A resposta é: quando você percebe que quanto mais trabalha menos se realiza. Ou então quando você tem certeza de já conhecer todas as respostas e deixou de perguntar "quais são as perguntas certas?"

Sempre haverá pessoas que, mesmo indo todos os dias ao escritório, agem como aposentados. Sentam-se a suas mesas e apenas contam os anos até o momento em que se aposentarão de verdade. Mas as pessoas que enxergam a "segunda carreira" como oportunidade para seu crescimento pessoal são aquelas que terão uma vida mais rica. Elas serão um exemplo a seguir.


Peter Drucker é professor de ciência social e administração da Universidade Claremont Graduate, em Claremont, na Califórnia

WALDEZ LUDWIG

No novo milênio, todo negócio deverá ser temático, seguindo a linha do espetáculo. Todo negócio deve ser um show. Todo produto deve ser memorável. O consumidor vai comprar, mais do que um produto, uma idéia que está por trás dele. A Sukita, por exemplo, não tinha uma idéia por trás e não vendia. Agora é o refrigerante de quem quer ser jovem, e vende. Em outubro, mês da criança, a TAM, num outro exemplo, dava um pirulito para quem comprava passagem em seu balcão. Quem se esquece de uma coisa simpática como essa? Do outro lado do balcão, o que estavam fazendo os funcionários da TAM ao oferecer pirulitos aos passageiros? Estavam sendo atores. Assim será o futuro: um mundo em que o negócio é um palco e o trabalho é interpretar.

As pessoas vão ter que agir e pensar como artistas - uma das características do artista é que ele gosta tanto do processo quanto do produto, gosta do ensaio e da apresentação. Seu senso de missão é muito forte. Ele, de maneira geral, ama trabalhar. Quantas vezes você viu um ator dizer: "Xi, lá vem o meu dia de show..."? Ele realiza seu sonho enquanto trabalha, ao passo que a maioria dos demais profissionais encara o trabalho como um sacrifício obrigatório para ganhar dinheiro e realizar seu sonho - algo que geralmente está fora deles, como a casa de campo ou o carro novo. Para o artista o dinheiro, claro, é bem-vindo, mas o que o move é a sua realização. Antunes Filho, por exemplo, recebe convites generosos para dirigir novelas e não aceita nenhum. O artista aprecia a idéia de morrer no palco. Detesta a palavra aposentadoria - um desprezo que não existe em 90% dos demais profissionais. Quando todas as pessoas pensarem e agirem assim, todos os negócios serão um show e todos os produtos serão memoráveis. O futuro, pelo menos num certo sentido, será espetacular.


Waldez Ludwig é analista de sistemas, psicólogo, teatrólogo e diretor da VL.3 Aprendizagem, consultoria de gestão empresarial

MARCELO LACERDA

O fenômeno Internet vai desaparecer - pelo menos, como fenômeno. A Web vai permear tudo na vida das pessoas. Dificilmente teremos algo que não esteja relacionado à Internet. Telefone, televisão, geladeira, tudo vai estar ligado em rede. E poderemos operar tudo isso pelo telefone, do carro. Tudo por comando de voz. Essa nova realidade vai trazer mudanças drásticas ao mundo do trabalho. Talvez em 50 anos tenhamos apenas organizações de vice-presidentes - o resto não será necessário. As pessoas vão ser superespecializadas. O nível de automação vai ser altíssimo. As máquinas vão estar cada vez mais espertas. Para produzir um carro, por exemplo, só será preciso informar à máquina qual o modelo, e o carro vai sair do outro lado. Para isso, só um vice-presidente basta.

Com a combinação de televisão com Internet, todos conseguirão se ver e se comunicar de onde estiverem. A tecnologia vai permitir também fazer reuniões sem que ninguém saia da sua mesa de trabalho. Hoje, uma teleconferência entre Madri, Nova York e São Paulo é cara porque a tecnologia é ruim. Isso vai custar centavos. Com tantos ganhos de produtividade, a tecnologia vai permitir também que as pessoas trabalhem menos - o que não significa que líderes empresariais ou empreendedores vão trabalhar menos. Mas a grande maioria das pessoas vai ter mais tempo para si, para se educar, para se divertir, para resgatar o seu lado mais humanista. Ao mesmo tempo, haverá mais competição, uma competição mais segmentada, mais focada. Será um mundo de especialistas, no qual você terá mais controle sobre sua própria vida. No futuro, as pessoas vão mudar muito mais de cidade, de estado. Quando o estudante sair da faculdade, ele vai analisar oportunidades em quatro ou cinco estados.
Marcelo Lacerda, um dos pioneiros da Internet brasileira, é sócio do Terra.com.br, o segundo maior provedor de acesso do país

OSCAR MOTOMURA

Neste final de século, temos sido bombardeados por notícias sobre inventos extraordinários em todos os campos da atividade humana. As pessoas mais criativas do planeta vêm usando seu talento para criar computadores mais velozes, brinquedos que têm mais tecnologia do que as espaçonaves do passado, equipamentos hospitalares que permitem microcirurgias nunca antes imaginadas, eletrodomésticos "inteligentes", telefones celulares com imagem etc. Certamente produtos fantásticos, mas dirigidos a que público? Àquele que tem condições de pagar, não há dúvida. Ao projetar o mundo para as próximas décadas, é fundamental enxergar a parcela da população global que vem aumentando: a dos que não têm condições de ter acesso a todas as maravilhas da tecnologia moderna. Mais do que isso, a enorme maioria de pessoas que ainda precisam do básico.

Atualmente, 1,3 bilhão de pessoas no planeta vive abaixo da linha de pobreza absoluta - ou seja, ganha menos de 1 dólar por dia. Desde 1980, cerca de 15 países em desenvolvimento tiveram crescimento econômico, mas 100 estagnaram ou declinaram, o que significou renda menor para 1,6 bilhão de pessoas. Em 70 dos países com crescimento econômico negativo, a renda média é menor hoje do que em 1980. Em 43 deles, é menor do que em 1970. Mesmo em países desenvolvidos, a desigualdade está aumentando. É o surgimento do "Quarto Mundo".

A distribuição de renda na França contemporânea é tão desigual quanto a que prevalecia às vésperas da Revolução Francesa. A distribuição na Inglaterra é pior do que era no final do século 19. Em 1990, os 20% mais ricos da população detinham 85% da renda (em 1960 detinham "apenas" 70%), enquanto a parcela dos 20% mais pobres caiu para 1,7% (era de 2,3% em 1960). Nos últimos 30 anos, a taxa de desigualdade no mundo mais que dobrou.

Ao transcendermos a visão míope de "necessidade do mercado" e considerarmos as necessidades da sociedade, não há como não enxergarmos o que falta a bilhões de pessoas do planeta. Oportunidades para a ação empreendedora e novos tipos de trabalho? Com certeza. As próprias instituições que hoje criam inventos para a minoria privilegiada passarão a colocar equações diferentes para seus cientistas (por exemplo, "Como usar o conhecimento para inventar soluções para o desequilíbrio social?"). Movidos por sua consciência, empreendedores hoje "comerciais" estarão cada vez mais se transformando em "empreendedores sociais" e fundando organizações semelhantes às ONGs de hoje. Novos trabalhos serão criados por essas ONGs e pelas próprias comunidades/municípios (como parte do esforço conjunto típico de "sociedades que tomam conta de si"). Pessoas privilegiadas, capazes de adentrar na "Era do Ócio" (mais tempo disponível, menos horas de trabalho), encontrarão formas criativas de ser úteis, fazer a sua vida valer a pena, fazer diferença.

A educação tenderá a entrar em sintonia com esse processo de gigantescas proporções (estamos falando de um "mercado" da bilhões). Escolas e universidades serão reinventadas. Muitas, novas, surgirão. Novos campos de trabalho se abrirão na área da educação em seu sentido mais amplo (de crianças a pessoas da "quarta idade"), para preparar pessoas capazes de ajudar a atender as necessidades da sociedade com soluções criativas e, principal-mente, embasadas nos valores humanos mais essenciais. Em suma, uma educação voltada à formação do caráter, ao resgate da essência do ser humano e à formação de pessoas capazes de servir a seus semelhantes (em seu sentido mais nobre). Mesmo porque isso é algo essencial para equilibrar a evolução tecnológica que está explodindo neste final do século 20. Essencial para a humanidade chegar ao futuro. Uma idéia. Uma previsão. Uma esperança.


Oscar Motomura é diretor da Amana Kay e um dos maiores especialistas brasileiros em treinamento de executivos

CLÁUDIO MOURA CASTRO

Sabe qual será a importância do seu curso universitário daqui a 20 anos? Nenhuma. Zero. Pode parecer loucura um especialista em educação afirmar isso, mas no futuro essa será a mais absoluta verdade. Ter um diploma foi, é e vai continuar sendo importante. Mas as empresas não vão querer saber se você estudou filosofia, química, matemática, economia, veterinária ou administração de empresas. Para elas, tanto faz. O importante, o essencial, é que você saiba pensar, resolver problemas e lidar com outras pessoas. Que seja versátil. Para trabalhar, um profissional precisará ter uma boa cabeça. Isso vai contar mais do que os conhecimentos adquiridos na escola.

O ensino, para acompanhar essa tendência, deverá ser mais abrangente, além de praticamente igual para todos até o final do segundo grau. O programa poderia ser assim resumido: mais educação, mais cultura e nenhuma preocupação com a preparação para o trabalho. O que conta nessa fase é a formação do homem, e não a do profissional - reservada exclusivamente para as universidades. Mesmo assim, os cursos terão pouca relação com a velha tradição das profissões. Serão voltados para atender essas necessidades básicas das empresas - o que não impedirá que algumas pessoas continuem sendo preparadas para trabalhos específicos, como os médicos, dentistas, advogados, veterinários. Mas eles serão a minoria. Para 90% das pessoas que estarão nos escritórios ou trabalhando no prédio vizinho, o importante será a educação, não a formação. Como chegaremos a isso? Deixando o barco correr. Analise a maioria dos líderes das grandes empresas americanas hoje. Quantos deles são realmente administradores de empresas? Poucos. Há engenheiros, matemáticos, economistas, sociólogos, físicos... A mudança já está acontecendo

Cláudio Moura Castro é assessor-chefe para educação do BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento

CLEMENTE NOBREGA

Vinte anos à frente? Vamos primeiro voltar uns 30 anos. 1968. O filme é 2001 - Uma Odisséía no Espaço, de Stanley Kubrick, baseado em livro de Arthur Clarke. Hal, um supercomputador que controlava tudo e era responsável pela segurança da missão da nave Discovery, é o personagem principal. Concebido para ser uma inteligência artificial, revela-se, no final, uma sensibilidade artificial. Detecta uma falha num equipamento. Dave e Poole, os astronautas, vão consertá-lo, mas não descobrem nada errado. Conversam numa sala trancada para que o supercomputador não os ouça: "Hal deve estar com defeito, vamos desligá-lo". Mas Hal os está vendo, e lê os movimentos de seus lábios. Mata Poole durante uma saída dele da nave. Tranca Dave do lado de fora. Desliga os suprimentos de oxigênio da tripulação-reserva, que hibernava para entrar em ação mais tarde. Dave, o único sobrevivente, dá um jeito de entrar e prepara-se para desconectar os circuitos de Hal. Ouve-se a voz, metalicamente emocionada, do supercomputador: "Não faça isso, Dave. Não faça isso... Por favor, Dave..."

Clarke, 30 anos atrás, acertou muito em suas previsões sobre o ano 2000, mas a possibilidade de uma sensibilidade artificial (não meramente de uma inteligência artificial) ainda é a maior interrogação do ser humano - a questão última do limite a que podem chegar os artefatos que nós mesmos construímos. Não há sequer uma forma de abordarmos isso, e nem mesmo sabemos se entendemos o problema. Como tratar da experiência subjetiva que define o que é um ser humano? Coisas como inveja, ciúme, vergonha, amor... Não dá para ninguém, hoje, dizer nem que é possível nem impossível. Essa é a grande questão que o século 21 pode, talvez, responder.

1996. Três anos atrás. O campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov, jogava contra um supercomputador de verdade, não de filme - o Deep Blue -, e perdeu a partida. Num depoimento impressionante à revista Time, ele (Kasparov, claro) jurou que, em certo momento, Deep Blue "trapaceou" - abandonou a lógica que se espera de uma máquina e agiu como um humano, dando a impressão de que "pretendia" fazer algo... Kasparov diz ter sentido claramente, naquele momento, a presença de uma sensibilidade humana na sala.

2060. As crianças que nasceram entre 2000 e 2010 estão dando início ao seu terceiro negócio próprio. Aposentam-se aos 80. Vivem até os 120.

O que a física foi para o século 20 a biologia (ou melhor, a biotecnologia) será para o 21. Não se sabe é se vamos ter, ainda dentro do século 21, a resposta para a maior de todas as perguntas. Não nos perguntamos mais "O que somos nós?" Essa questão a biologia já respondeu. Estamos às voltas com outra, mais sutil e muito mais carregada de significado - aquela que embute em sua formulação o pressuposto de que temos uma identidade especial: "Quem somos nós?"

Ainda não sabemos se entendemos a pergunta. Não sabemos sequer se a pergunta tem sentido, mas, talvez, por ironia, um computador entenda e (talvez) possa até responder...


Clemente Nobrega é físico, diretor de marketing da Amil Assistência Médica e autor do livro Em Busca da Empresa Quântica

MICHIO KAKU

Memorando ao pessoal do Vale do Silício e seus colegas ao redor do mundo: vocês continuarão tendo bons empregos por mais 20 anos. Mas no ano 2020 os chips de computadores custarão menos do que o papel usado para embrulhar chiclete, e os computadores pessoais serão peças de museu. E aí?

Já somos capazes de colocar dezenas de milhões de transistores num pedaço de silício do tamanho de uma unha. Mas essa tendência de transistores cada vez menores não pode durar para sempre. Daqui a pouco vamos começar a gravar sobre moléculas. Toda uma nova geração de computadores vai surgir: computadores de DNA, computadores de proteínas, computadores de pontos quânticos. O Vale do Silício se tornará o Cinturão da Ferrugem da nova economia, um lugar cheio de indústrias que ficaram no passado.

Que tipos de empregos vão ganhar relevância? Aqueles que envolvem as duas coisas que a tecnologia não consegue fazer. Os computadores não têm bom senso e não possuem visão real. Podem enxergar e ouvir, mas não compreendem o que vêem e ouvem. Por isso é impossível automatizar trabalhos humanos especializados. Os planejadores financeiros vão continuar a ter empregos, assim como os policiais e as empregadas domésticas. O número de empregos ligados a atividades de lazer também vai se ampliar tremendamente. O setor do entretenimento, que já é grande, vai crescer ainda mais. O mercado de trabalho dos artistas e atores vai crescer sem parar.

Dentro de 20 anos a vida será como a gente vê no cinema. Para entrar na Internet, você só precisará dar uma ordem a seu relógio. Seus óculos serão capazes de reconhecer o rosto de pessoas e de lhe dizer seus nomes, mesmo que você não consiga se lembrar delas. Quem sabe até será possível que um dia você, caminhando pela rua, passe por um sem-teto e seus óculos lhe digam: "Olhe só, é Bill Gates! Ele não conseguiu fazer a transição para a economia do pós-silício".

Michio Kaku é professor de física teórica do City College of New York. É autor do livro Visions: How Science Will Revolutionize the 21st Century

ALBERTO AUGUSTO PERAZZO

As empresas de médio porte caminham inapelavelmente rumo à extinção. Já não têm, hoje, e terão menos ainda no futuro, poder de fogo para competir num mercado global. Só haverá dois tipos de empresa: as grandes corporações, com seu poderio econômico, e as microempresas ou pequenos empresários. Não será, contudo, uma guerra entre Davi e Golias, de gigantes contra pequenos. Os microempresários terão uma missão vital: a prestação de serviços altamente especializados para as grandes empresas. De uma forma ou de outra, a maioria das pessoas concorda com isso - e enxerga esse cenário sem muito senso crítico. Estamos tão deslumbrados com os avanços tecnológicos que falamos de profissionais e de novas carreiras como se fossem peças de uma máquina. Em vez da tecnologia nos dar mais tempo livre para descanso e lazer, está nos obrigando a trabalhar 16 horas por dia. Há uma inversão de valores: nós estamos servindo à tecnologia, em vez de ela nos servir. O fator humano foi colocado de lado. Um dos grandes desafios do futuro será reverter essa roda-viva. Será fugir da reificação, do processo que leva as relações pessoais a ser tratadas como "coisas". Não podemos continuar produzindo e vendendo tecnologia sem tentar associá-la à melhoria da qualidade de vida das pessoas. A vida não é só trabalho.

Outra implicação é que, se continuarmos nesse ritmo, em breve viveremos um acalorado período de crises éticas e existenciais, cujo esboço já se apresenta hoje. Olhe o avanço da biotecnologia. Vale ou não clonar seres humanos para doação de órgãos? Vale clonar você mesmo para descobrir o que tem mais importância na formação da personalidade: se a herança genética ou a influência do meio (amigos, colegas, irmãos etc.)? Questões complexas serão cada vez mais freqüentes e presentes no dia-a-dia. O futuro é polêmico.


Alberto Augusto Perazzo é presidente para a América Latina da Bull, empresa de informática e tecnologia

KEVIN KELLY

Na era industrial você me dava o dinheiro e eu lhe entregava o ouro. Daqui para a frente, eu terei uma idéia, você o dinheiro e, é claro, eu lhe darei a idéia. Só que a idéia continuará comigo! E a venderei para outros, porque quanto mais pessoas tiverem essa idéia mais valor ela vai ter. O mesmo deve acontecer com alguns produtos, que chegarão de graça nas mãos do consumidor. Por quê? Porque o custo será diluído no consumo freqüente e fiel de milhões de pessoas. Assim, geladeiras terão custo zero, desde que você só compre no mesmo supermercado. Carros serão de graça, porque você vai gastar bastante em combustível, pneus, acessórios e peças de reposição - e todos esses fabricantes e distribuidores juntos vão bancar os carros, porque terão interesse em criar uma gigantesca rede de consumo. E assim por diante. Bem, se as coisas tendem a valer cada vez menos, então o que vai valer? Simples: a atenção humana. O tempo e a energia das pessoas - dos consumidores e também dos trabalhadores, aqueles que produzem - serão disputados segundo a segundo. Daí as relações humanas tornarem-se a pedra fundamental do mercado.

Outra grande fronteira serão os negócios diretos, do tipo "consumidores para consumidores", como já vemos no eBay.com e em alguns outros sites. Enfim, vamos ter um mundo de oportunidades e decidiremos continuamente em que trabalhar, em que nos agarrar. E, como as regras e as chances serão iguais para todos, pela primeira vez na História a civilização terá a possibilidade de se tornar inteiramente próspera. Sabemos todos o que fazer se as coisas continuarem como estão - se as bolsas quebram, por exemplo, nós sabemos como reagir. Mas o mundo pode não estar preparado para a prosperidade...
Kevin Kelly é editor executivo da revista Wired, uma das mais importantes publicações da revolução digital e da nova economia

HARRIETT RUBIN

Peter Drucker disse que estamos assistindo ao fim das corporações. O emprego, como o conhecemos, talvez não exista mais no futuro. Isso significa que temos de imaginar uma vida na qual trabalharemos apenas para nós mesmos. Mas fazendo o quê? Como concorrer com milhões, bilhões de pessoas no mundo todo que também trabalharão para elas mesmas? A primeira coisa a fazer é encontrar e desenvolver os talentos que você tem, e que não podem ser tirados de você. Os talentos que só você e mais ninguém tem. Toda pessoa é única. Mas como se descobre isso? Pergunte-se: que tipo de trabalho eu faria de graça pelo simples prazer de fazê-lo? Quando encontrar a resposta, você também terá encontrado a primeira pista. No futuro, é fundamental expressar toda a sua criatividade. Todo trabalhador deverá ter, necessariamente, uma alma de artista - de artista-empreendedor em carreira-solo. Artistas costumam colocar paixão no que fazem. Pense: mesmo hoje há mais clientes para "solistas" apaixonados do que para quem apenas faz um trabalho competente.

Uma carreira-solo significa que você não vai gerenciar nem liderar ninguém. Veja Peter Drucker, o nosso grande guru. Ele nunca trabalhou para uma empresa, embora dê consultoria para centenas. É um artista apaixonado, exercendo sua paixão numa carreira-solo. Nesse cenário, a tecnologia é o martelo que derruba o Muro de Berlim das grandes corporações. Graças à tecnologia, uma pessoa pode ser mais poderosa do que qualquer empresa. A Internet premia a criatividade, não o tamanho ou a escala. Assim, um "solista" pode se tornar verdadeiramente poderoso, e competir com organizações muitas vezes maior do que ele.


Harriet Rubin é fundadora da editora Doubleday/Currency, de Nova York, e autora dos livros Princesa - Maquiavel Para Mulheres e Soloing: Realizing Your Life's Ambition

NICHOLAS NEGROPONTE

O mundo que vem aí estará apoiado na biotecnologia, na socialização dos computadores e na miniaturização. Os chips vão se tornar ainda menores e mais finos e serão utilizados para equipar e conectar praticamente tudo. As geladeiras terão recursos capazes de avisar ao supermercado que os suprimentos estão no fim. Teremos um palmtop no relógio e também um teclado, uma tela e um fax - talvez tenhamos uns 20 tipos diferentes de computadores no corpo, como se fossem roupas. Poderemos especificar em nosso computador pessoal - que custará menos de 20 dólares! - como queremos nosso carro novo, em todos os detalhes, e acompanhar a montagem no vídeo, ao vivo, passo a passo. As fábricas deixarão de ser apenas grandes empregadoras de operários para se tornar grandes empresas de relacionamento. Os carros terão sistemas para mantê-los conectados ao fabricante e à rede de assistência enquanto estiverem rodando. Se acontecer algum problema, o sistema avisará o proprietário, localizará o carro e acionará o serviço de socorro automaticamente. Para que tudo isso funcione, valores como confiança e fidelidade deverão estar supervalorizados.
Nicholas Negroponte é fundador e diretor do Media Lab do MIT (Massachusetts Institute of Technology)

PAULO FERRAZ

Não acredito que todos os bancos se tornem virtuais, não acho que as agências bancárias vão desaparecer e duvido que as pessoas deixem de se encontrar enquanto pagam suas contas ou sacam algum dinheiro. Mas daqui a 20 anos, quando forem vencidas as barreiras culturais e alguns gargalos tecnológicos, boa parte do sistema financeiro será virtual. O papel-moeda deverá ser substituído pelo smart card, o cartão eletrônico que transfere dinheiro de uma conta para outra. Profissões como caixa, por exemplo, vão desaparecer, mas esses especialistas em atendimento vão mostrar que são os melhores nas centrais de atendimento ou nas equipes que respondem e-mails. Ou seja, a quantidade de empregos não vai diminuir, embora as oportunidades de trabalho tendam a mudar de um lugar para outro. Quem resistir a essas transformações ou não for devidamente treinado, aí sim, acabará dando a vez para outro.

Não acho que chegaremos ao ponto de as pessoas comuns terem ações de si mesmas nas bolsas de valores, mas os mecanismos de recrutamento e seleção na Internet vão se consagrar maciçamente, derrubando inclusive a idéia de que quem está empregado não pode ter seu currículo na rede. A discriminação cultural deverá ser grande, e para escapar dessa varredura será preciso dominar muito bem pelo menos uma língua, ainda que seja a do país onde nasceu. Deveremos estudar sempre, nunca sair da escola, e nos relacionar com a tecnologia sem medo, sem ódio, entendendo definitivamente que todas as inovações farão parte do crescimento da humanidade. Haverá pequenas, médias e grandes empresas, e também pessoas de maior e menor poder, em diferentes estruturas hierárquicas, com a mesma diversidade que conhecemos hoje. Mas espero ansioso pelo surgimento da nova indústria. Porque o site da Amazon, por exemplo, continua vendendo livros e CDs com os mesmos mecanismos de relacionamento usados pela lojinha da esquina, já que atrás desse balcão virtual há uma enorme central de atendimento e um gigantesco sistema de distribuição preocupados em atender bem o cliente. Friso: exatamente como faz a vendedora da lojinha da esquina. Não sei qual é a grande sacada aí, mas acredito que ela ainda está por vir.


Paulo Ferraz é presidente do banco Bozano, Simonsen

 TIM BERNERS-LEE

O próximo século vai virar nosso mundo de cabeça para baixo. A Internet junta pessoas e idéias com uma velocidade inédita. Essa combinação de pessoas, velocidade e idéias muda tudo. As convenções sociais básicas da era industrial (a carreira estável, o emprego de 8 horas por dia, o salário que aumentava de maneira constante e gradativa) foram todas erguidas em torno da noção de que estímulos e informações faziam as pessoas se mover. Se você quisesse comprar alguma coisa, ia a uma loja. Se quisesse construir alguma coisa, trabalhava numa fábrica.

Na economia baseada na Internet, a criação de valor não requer esse deslocamento físico. A renda se acumula não sob a forma de dinheiro em caixa, mas na forma de cliques. Os sites e e-mails gratuitos permitem que "pessoas comuns" criem múltiplas identidades ou iniciem um projeto antes de concluir outro.

Para onde tudo isso está nos levando? Em direção à redescoberta de questões básicas. As pessoas estão descobrindo que a pergunta "O que precisa ser feito?" é mais importante do que "Como posso fazer?" O que vemos quando navegamos por sites de empresas? Em muitos casos, organizações que enxergam a Web como mais um jeito de responder a perguntas como "Por que esta organização existe?" e "Qual é nosso objetivo?" O que vemos quando percorremos o enorme leque de cursos on-line? Vemos novas maneiras de encarar a pergunta mais fundamental de todas: "O que você quer fazer com sua vida?"

O maior ponto positivo da tecnologia é que ela nos obriga a decifrar o mundo a partir do zero. Com isso, oferece-nos uma oportunidade de redescobrir o que é realmente importante. Assim, talvez o século 21 não vire seu mundo de ponta-cabeça. Talvez endireite o mundo, colocando-o com o lado certo para cima.
Tim Berners-Lee é físico e criador da World Wide Web. É autor do livro Weaving the Web

GILBERTO GARBI

A atitude empreendedora continuará cada vez mais em alta. Entraremos na era das oportunidades de negócios, dos riscos calculados, do conhecimento e da cultura. Serão tempos bons para as profissões técnico-científicas, como medicina, ciências da computação e engenharia. Há, aliás, vários campos da engenharia a serem explorados: eletrônica, genética, telecomunicações, agronomia, alimentação, e, em países como o Brasil, na área de construção civil. Paradoxalmente, a especialização tem seus dias contados. Nas primeiras duas décadas do século 21, não bastará ser muito bom em uma coisa só. Precisaremos de pessoas com vasta cultura geral para pilotar a enorme massa de conhecimentos - e isso só se consegue estudando sem parar. Até por isso é provável que haja também boas chances de trabalho para pessoas dedicadas ao ensino, principalmente de temas artísticos e filosóficos. O design é outra carreira muito promissora. Talvez convivamos com menos misticismo e fanatismo religioso, embora consultores de auto-ajuda e corretores imobiliários do paraíso não corram risco iminente de perder seus empregos.

Não vejo futuro para profissões como psicologia, economia, jornalismo e até administração de empresas, se tomadas isoladamente. Em outras palavras, os que gostam de tais temas deverão adquirir uma formação técnico-científica em alguma outra área, a menos que sejam excepcionalmente talentosos ou afortunados. A senha é não colocar todos os ovos na mesma cesta. Este é o desafio do mundo moderno: será preciso ser bom em mais de uma coisa e, além disso, estudar muito, porque bagagem cultural não terá limite de peso.
Gilberto Garbi é presidente da Vésper Telecomunicações

NANA E JOHN NAISBITT

Vivemos intoxicados por tecnologia. Estamos mal-acostumados com os confortos tecnológicos, fascinados por suas engenhocas e viciados em seus entretenimentos. Com isso, mal paramos para pensar em suas conseqüências - que, para alguns, desembocam num futuro sombrio e imprevisível. Muitas pessoas atribuem um status especial à tecnologia. Poucos têm uma compreensão clara do lugar que ela deve ocupar em nossas vidas e na sociedade. Isso nos leva a uma zona de intoxicação, de embriaguez, uma zona insatisfatória, vazia e perigosa.

Para sair daí é preciso, em primeiro lugar, reconhecer que estamos nela. Marshall McLuhan dizia que não sabia quem descobriu a água - mas tinha certeza de que não tinha sido um peixe. Felizmente, não somos peixes. Muitos artistas, teólogos e cientistas reconhecem que a tecnologia, por um lado, dá suporte à vida humana e melhora sua qualidade. Mas, vista por outro ângulo, a distorce e destrói. Estamos no final do século 20 e crianças de 7 anos são recrutadas para ir à guerra. Isso traz implicações insidiosas para toda a sociedade.

Devemos amar o progresso, mas esse amor não precisa ser incondicional. Amar o progresso significa valorizar as qualidades da tecnologia, reconhecer seus erros e encarar os problemas de frente. Significa também mantermo-nos bem informados e estarmos abertos a opiniões alternativas. Se nosso amor pela tecnologia for real, não a usaremos de maneira irresponsável.
John Naisbitt e sua filha Nana são co-autores, ao lado de Douglas Philips, de High Tech-High Touch: Technology and Our Search For Meaning

LUÍS NORBERTO PASCOAL

No futuro, as relações entre profissional e empresa vão se desenvolver na quinta dimensão. Na dimensão zero, mais conhecida como escravatura, os trabalhadores eram propriedade de seus senhores. Na primeira dimensão, a mercantilista, pessoas que não se conheciam faziam um negócio e nunca mais se viam. Na segunda dimensão, a relação profissional foi sacramentada por uma carteira registrada. Na terceira, na qual a maioria das empresas vive hoje, o contrato de trabalho incorporou alguns benefícios, como plano de saúde. Subindo um degrau na escala, há as empresas que estão no quarto estágio, aquele no qual os funcionários têm direito a parte dos lucros. Na quinta dimensão, além dessa participação nos resultados, os profissionais têm uma influência na tomada de decisões e no rumo dos negócios. Todos sócios da empresa. Isso, de uma forma ou de outra, já ocorre em grandes consultorias como a Arthur Andersen ou Pricewaterhouse Coopers. Essa, no entanto, será a realidade para um número de empresas cada vez maior, em todas as áreas. Será um ambiente muito mais desafiador para quem trabalha nelas.

Só que, para que os funcionários tenham poder de decisão, é preciso que eles sejam efetivamente capazes. No futuro, a regra número 1 de todo profissional será tentar se manter no topo do ranking da excelência. Viveremos num mundo de competição extrema, como é o mundo dos esportes hoje - só fica na liderança quem ganha sempre. É também um mundo de oportunidades, para centroavantes que estão no lugar certo, na hora certa. Acredito que o campo que mais vai crescer no mundo nos próximos 20 anos será o terceiro setor (organizações não-governamentais, fundações sem fins lucrativos etc.). A maioria das pessoas, de uma forma ou de outra, vai estar envolvida nisso, em trabalhos voluntários e ações sociais. Fazer o bem será tão presente na sociedade do século 21 que o trabalho voluntário pode até vir a ser mais significativo que o lazer como o conhecemos hoje. Com isso, quero dizer que talvez as pessoas prefiram cuidar de ações sociais a fazer viagens de fim de semana ou ir ao cinema ou ao clube. Lazer custa caro e cansa. O trabalho voluntário faz as pessoas crescer.

A tendência é tão forte que, daqui a 20 anos, a empresa que não for socialmente responsável estará morta. No Brasil, isso ainda é realidade para um número ínfimo de organizações. Mas o que hoje é apenas uma vantagem mercadológica será uma condição para a empresa existir. Veja os programas de milhagem das companhias aéreas: quando começaram, eram apenas um diferencial competitivo. Agora, quem não oferece algum plano desse tipo simplesmente não vende passagem. É esse o mundo da quinta dimensão.
Luís Norberto Pascoal é presidente da DPaschoal, rede de lojas de pneus, e diretor da Fundação Educar

VÂNIA FERRO

A tecnologia fará parte do ambiente, como o porta-retratos e o sofá. Será como usar uma televisão, uma geladeira, um fogão. Nada mais que um acessório para facilitar sua vida e ganhar tempo. E tempo será um artigo cada vez mais importante. A tecnologia supostamente tem como uma de suas finalidades ajudar as pessoas a usar melhor o tempo, a se dedicar mais às coisas que dão prazer, como ficar com a família. Hoje, nosso tempo ainda é curto. Demoramos para encontrar algo na Internet. Há montes de informações que não interessam. Você precisa passar por esse vale de inutilidade para chegar a algo útil. Ficamos ansiosos com isso. Se a tecnologia deixar as pessoas mais ansiosas do que já estão, daqui a pouco todo mundo pode parar de usá-la. Vão procurar as informações de outras maneiras. Tecnologia que atrapalha morre. Mas a tendência é a simplificação.

Facilidade vai implicar maior acesso à informação, de maneira personalizada. Quanto mais conhecimento as pessoas tiverem, mais exigentes elas serão, mais refinados serão seus gostos e necessidades. Quanto mais diversificadas forem essas necessidades, mais simples devem ser os equipamentos e softwares. Os computadores do futuro (ou seja lá qual for o equivalente a isso) guardarão numa memória as preferências de cada pessoa. Imagine que você trabalha com moda. Os aparelhos que estão a sua volta vão saber disso, vão conhecer até o estilo que mais lhe interessa. Eles vão selecionar apenas as informações que servem para você. Em minutos você vai ter tudo o que precisa na mão. Além disso, um mesmo aparelho terá múltiplas utilidades. Tome como exemplo aquele aparelhinho que as pessoas usam para correr e contar a freqüência cardíaca. Hoje ele só mede a pulsação. No futuro, também vai avisar que chegou a hora de você fazer seu exame de sangue ou que o seu batimento está fora do habitual. Ele vai guardar o seu histórico. Pode até avisar o seu médico que é preciso marcar um exame.
Vânia Ferro é física e presidente da filial brasileira da 3Com, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo

WILLIAN CRONON

Sim, vivemos num mundo de e-mails, páginas na Web e cibercomunidades. Isso, no entanto, não impede que as empresas do século 21 tenham de assumir mais responsabilidade ainda pelos aspectos físicos de seus negócios: o que produzem, como produzem e até onde se instalam. O capitalismo industrial criou um mundo que está mais interconectado do que jamais foi. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, a conexão entre as pessoas se torna menos evidente. Podemos entrar numa loja e comprar produtos de todos os cantos do mundo. Mas, acessando virtualmente essas lojas, não temos a menor idéia do que os trabalhadores fizeram para fabricar aquele produto ou se as indústrias em que eles trabalham prejudicaram o meio ambiente. Assumir a responsabilidade pelas implicações sociais da sua empresa não é fácil. Mas seus clientes vão começar a pedir que você o faça, e os governos vão exigir. Os executivos deverão levar em conta os efeitos que suas empresas exercem sobre os ecossistemas mundiais.

Também terão que pensar muito mais sobre onde instalam suas empresas. As pessoas que trabalham em companhias de alta tecnologia muitas vezes querem desfrutar os prazeres da "natureza selvagem" - ao menos é assim nos Estados Unidos. Por essa razão as empresas tendem a instalar seus escritórios perto de terrenos montanhosos e recobertos de mata. Esse movimento cria disparidades na maneira de atribuir valor aos terrenos. De maneira geral, as cidades são valorizadas por seu ambiente cultural e suas comodidades. A periferia se valoriza à medida que melhorias são feitas. A natureza em estado selvagem é valorizada por si só. Ocorre que, em contrapartida, os terrenos rurais, as terras de agricultores, se desvalorizam por não se encaixar em nenhum dos casos anteriores.

Mas no próximo século precisamos estar mais atentos às terras que produzem os alimentos. As empresas precisam assegurar que, ao transferir suas instalações para lugares em que seus funcionários podem desfrutar as maravilhas da natureza, não acabarão por destruir essas mesmas maravilhas.
William Cronon é professor de história, geografia e estudos ambientais da Universidade de Wisconsin. É autor do livro Uncommon Ground: Rethinking the Human Place in Nature

CARLOS DIZ

Quem, em 1960, conseguiria prever a Internet? Quem, hoje, pode afirmar como será o mercado de trabalho em 2020? A única coisa previsível é a imprevisibilidade. Há, porém, indícios para arriscar projeções. A hierarquia está em extinção. Chefes e subordinados vão desaparecer. As noções de vínculos empregatícios, de continuidade num mesmo emprego, estão fraquejando. As pessoas vão se unir em torno de um objetivo comum (um projeto, uma idéia, um serviço) com valores e compromissos afins, vestindo a camisa, mas sem vestir o uniforme. Serão equipes "oportunistas", montadas em função de uma necessidade específica, focadas na busca de resultados e com data marcada para se dissolver. Já há sinais de que o setor de serviços, que viverá para efetivamente agregar valor ao negócio, é o que fará a diferença. A produção de bens será algo mecânico, que poderá ser controlado e gerenciado a distância. Isso traz implicações.

As pessoas vão cada vez menos comercializar seu "corpo" (presença e atuação física) e cada vez mais sua "mente" (talentos, experiências e conhecimentos). Elas prestarão serviço em estações de trabalho conectadas em altíssima velocidade a uma rede mundial. Nada impede que essas estações de trabalho sejam suas próprias casas, economizando saúde, tempo e nervos gastos hoje no trânsito. O relacionamento virtual entre profissional e empresa vai impulsionar mais ainda a inevitável globalização da economia. Esse novo relacionamento vai ampliar o horizonte de atuação de qualquer pessoa competente, que poderá oferecer mundo afora suas aptidões, competindo com profissionais de outros países ou trabalhando em equipes virtuais com colegas espalhados pelo planeta. Será possível que um advogado, ou arquiteto, ou o que quer que seja, trabalhe ao mesmo tempo para uma empresa no Japão, uma consultoria da Austrália e um prestador de serviços de Jundiaí.

O trabalho dessas pessoas vai depender, em última análise, de seus conhecimentos, habilidades, criatividade (como já acontece hoje), e também de sua disposição e disponibilidade (muito mais do que atualmente). Será fundamental dominar a técnica de se encarar e se vender como produto, além da capacidade de desempenhar com excelência para poder concorrer com seus pares. Nesse cenário, todos seremos autônomos, microempresários e administradores de nós mesmos.

Se é certo que os novos profissionais vão disputar espaço num estádio mais amplo, também é fato que terão um mercado mais extenso em que atuar. Poderão até escolher os projetos mais atraentes, dando vazão a suas aptidões e preferências. Claro que viver nesse mundo vai exigir uma mudança de mentalidade e de cultura. Vai ser necessário reeducar os remanescentes dessa geração que ainda estejam ativos (se essa geração conseguir ser reeducada) e educar e preparar as próximas. As escolas e universidades serão obrigadas a mudar a abordagem e o conteúdo de seus programas.

O mundo será um lugar instável, mais dinâmico que o atual. Administrar as novas exigências exige mudanças radicais no quadro de competências. Minha geração, aquela de profissionais na casa dos 50 anos, certamente não tem capacidade nem necessidade de operá-las. Mas quem planeja estar brilhando lá por 2020 que se prepare.
Carlos Diz é headhunter da Spencer Stuart

NILTON BONDER

A mudança mais radical será o fim do salário, essa herança paternalista da Revolução Industrial. Porque, mais e mais, as pessoas serão suas próprias empresas - ou, pelo menos, terão imensa participação nos negócios em que estão envolvidas. Veremos também o fim do dinheiro de papel, que será totalmente suplantado por operações eletrônicas. Para desespero da cigarra, serão tempos de formiga, pois, embora aparentemente possa dispor de mais tempo livre, o ser humano estará exageradamente envolvido com o computador. Isso o fará trabalhar sem se dar conta. Assim, corremos o risco de viver "no escritório" 24 horas por dia. Nossa identidade, que sempre nos foi entregue pronta - na família, em nossa tribo ou nosso grupo -, terá de ser buscada em outros lugares, em outras culturas. As pessoas vão, por exemplo, pesquisar coisas da tradição judaica ou islâmica, aprender formas de meditação, um tipo de massagem ou novas formas de alimentação e, assim, eleger uma atitude para funcionar no mundo. Pela primeira vez, estaremos diante da idéia real do universalismo, de que somos todos irmãos e todos iguais, com menos processos racistas e manipuladores, com gente mais educada para funcionar coletivamente. Teremos sociedades mais equilibradas, muito parecidas com as que já vemos na Suécia ou na Holanda, que são capitalistas mas têm estruturas socializadas.

As pessoas poderão contar com educação de boa qualidade, saúde, transporte, mas não terão muitos recursos, não viajarão tanto e nem acumularão dinheiro no banco. Creio que todo trabalhador terá de ser um artista, alguém singular. Isso exigirá que cada um estude para conhecer sua principal qualificação e invista nisso de maneira que o mundo inteiro possa identificar esse talento único, reconhecendo-o como insubstituível. É isso que vai oferecer empregabilidade e valor no futuro.

Do ponto de vista emocional e espiritual, haverá uma evolução fantástica e teremos ainda mais respeito e solidariedade. Vamos conviver, sim, com grandes injustiças e violências, mas na medida global estaremos cada vez melhores.


Nilton Bonder é rabino da Congregação Judaica do Brasil e autor de A Cabala do Dinheiro e O Segredo Judaico para Resolução de Problemas

 http://www.crd2000.hpg.com.br/textos/artigo162.htm


 

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